Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9333/10.7YYLSB-B.L1-8
Relator: OCTÁVIA VIEGAS
Descritores: VENDA EM EXECUÇÃO
ÓNUS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Nos termos do art. 838 do CPC a existência de alguns ónus ou limitações que não fosse tomada em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi anunciado, permite ao comprador pedir na execução, a anulação da venda e indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no art. 906, nº1, do CPC.
- A existência de contrato de arrendamento relativo a parte do prédio vendido, face ao disposto no art. 1057 do C.Civil, deve ser entendido como um ónus ou limitação que não foi tomado em consideração e que exceda os limites inerentes aos direitos da mesma categoria e que seria essencial para o adquirente formar a sua decisão, pois influenciava o valor do bem e o destino que o comprador lhe pretendia dar, pelo que deveria ser publicitado no anúncio da venda.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa



-RELATÓRIO:


Nos autos de execução que BB move contra JP, foi efectuada a venda por propostas em carta fechada , da fracção autónoma designada pela letra A, correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua ... freguesia ....., descrito na competente Conservatória do Registo Predial de ...., sob o nº ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... da freguesia de ..., em que foi adquirente CS.

Na sequência de requerimento do adquirente que requereu a anulação da mesma dizendo não ter sido informado no âmbito do processo executivo e desconhecer que parte da referida fracção, a cave, se encontrava arrendada , não lhe sendo a mesma entregue livre de pessoas, foi proferido despacho, em 05.03.2014 (a fls. 435 a 440), que, considerando a existência de contrato de arrendamento da cave do prédio objecto da venda, conforme fls. 28 e 29, anulou a venda e ordenou a notificação ao Sr. Agente de Execução a fim de diligenciar pela devolução ao adquirente do montante pago e pelo cancelamento do registo da respectiva aquisição.

Inconformado, BB recorreu, apresentando as seguintes conclusões das alegações:

A. O presente recurso vem interposto da decisão que concluiu pela anulação da venda, nos termos do artigo 908°, n° 1 do CPC, por considerar que existia um contrato de arrendamento desconhecido pelo adquirente, sendo que a informação, pese embora constasse dos autos, não foi levada em conta nos editais e anúncios publicados.

B. Por diligência de abertura de propostas em carta fechada, realizada no dia 15-05-2013 foi aceite a proposta apresentada por CS para aquisição da fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., fracção que se encontrava penhorada à ordem dos autos (cfr. Auto de fis. 293/295).

C. Tendo vindo o adquirente, supra identificado, por requerimento de fis. 368, requerer a anulação da venda por desconhecer, alegando desconhecer a existência de tal arrendamento.

D. Devidamente notificado veio o Exmo. Sr. Agente de Execução alegar, entre outras coisas, que o adquirente sabia da existência desse arrendamento, dado que é proprietário morador no 3° piso do prédio em causa, tendo sido o próprio a informar o Agente de Execução da existência do arrendamento e que o arrendatário teve seguramente conhecimento da venda, uma vez que foram afixados editais de penhora e de venda na porta da fracção.

E. O douto despacho recorrido concluiu anulação da venda, nos termos do artigo 908°, 0 1 do CPC, tendo ainda acrescentando entender tratar-se de uma omissão de informação que constitui uma nulidade com relevância no quadro da acção executiva (cfr. Douto despacho recorrido).

F. Sucede que a penhora efectuada cumpriu escrupulosamente os requisitos do artigo 8380 do CPC.

G. Por outro lado, nem do artigo 890° do CPC nem de qualquer outra disposição legal resulta a obrigatoriedade de menção do arrendamento nos editais.

H. E também não se verificam, os pressupostos do 908 n° 1 do CPC, com vista a justificar a anulação da venda, sendo certo que inexiste qualquer erro por parte do adquirente.

I. Ademais, considerando a obrigação do artigo 891° do CPC decorre da natureza das coisas que o facto de o adquirente não ter pretendido proceder ao exame do bem, é indício do conhecimento do bem e dos referidos ónus.

J. Pelo que, quer considerando a completude dos editais face ao disposto no artigo 890 n° 3 do CPC, quer a ausência qualquer desconformidade com o bem anunciado, algum
ónus que haja sido desconsiderado e muito menos que exceda os limites do direito exercido, deverá no modesto entendimento sufragado a venda ser mantida.

Termina dizendo que deve ser revogado o despacho recorrido e substituido por outro que mantenha a venda nos seus exactos termos.

CS contra-alegou, extraindo as seguintes conclusões:

1- A douta decisão recorrida é irrepreensível.

2 - O Sr. Agente de Execução tinha conhecimento da existência do contrato de arrendamento, desde 06.Fevereiro.2013 (fis. 213) referente à fração relativamente à qual promoveu a venda.

3 - Após reiteradas comunicações, quer da parte (do executado), quer do Tribunal, acerca da omissão de tal facto, promoveu a venda omitindo-o, sendo que, com o devido respeito e salvo melhor opinião, entendemos que tal só poderá ter ocorrido de forma deliberada.

4 - O adquirente da fração, desconhecia, que o imóvel que adquiriu, se encontrava arrendado, não obstante ser proprietário de uma fração, no 3° andar do mesmo imóvel, adquirida em Maio de 2010, utiliza-a exclusivamente e em raras ocasiões (nomeadamente, períodos de férias quando se desloca a ...). - Não vive, nem nunca.viveu, na fração referente ao 3º andar do imóvel em questão!

5 - Desconhece, as circunstâncias, em que todos os outros condóminos, seus vizinhos, se encontram no interior das outras frações; se estão nas mesmas por legitima aquisição, por ilegítima ocupação, por arrendamento, por comodato, ou por qualquer outro modo, legal ou ilegal!

6 - Somente veio a tomar conhecimento que o imóvel que adquiriu envolvia uma "situação de um arrendamento" na data de 26 de Julho de 2013, quando, vindo de França, chegou a Lisboa e deu-se conta que o Sr. Agente de Execução, se encontrava à porta do edifício a "tentar proceder ao despejo" da fração, por si adquirida, no âmbito dos presentes autos.

7 - Tendo já sido comunicado aos autos (fis. 213), a existência de contrato de arrendamento, com conhecimento do Sr. Agente de Execução, e sendo que tal informação não foi levada em conta nos editais e anúncios publicitados, e a mesma era do desconhecimento do adquirente, tal é motivo de anulação.

8 - Como decorre do Ac. do STJ de 28-04-2009 (www.dqsi.pt): "( ... ) Nos editais e nos anúncios mencionam-se, por um lado, o nome do executado, a secretaria onde corre o processo, o dia, a hora e local de abertura das propostas, a identificação sumária dos bens, o valor base de venda e o valor anunciado para a mesma, correspondente a setenta por cento daquele, e a advertência de que a sentença está pendente de recurso, se for caso disso (n°s 4 e5).

Estas são as indicações que, nos casos normais devem obrigatoriamente constar dos editais e dos anúncios. Mas dado o escopo finalístico do normativo, que é anunciar ao público o que o Tribunal vai alienar, neles deve fazer inserir outros dados pertinentes, susceptíveis de influir no juízo sobre o conteúdo das propostas de aquisição dos bens, ou seja, com interesse para os proponentes, que sejam conhecidos no processo.
A omissão de inserção nos editais e anúncios relativos á venda dos bens implica, em princípio, a nulidade a qua se reporta o art° 2010, n° 1 CPC (..)

Ao regime da anulação da venda refere-se por seu turno, o art° 9080 do Código de Processo Civil, que estabelece ( ... ) Trata-se de encargos ou ónus que incidam sobre o direito objecto de transmissão, como é o caso, no que concerne a bens imóveis, dos direitos reais de gozo, designadamente, o de usufruto, de servidão.
Acresce que o normativo em análise visa, além de mais, salvaguardar os interesses dos adquirentes de bens em acções executivas e, conforme foi referido no acórdão recorrido, a existência de arrendamento influencia negativamente o valor de mercado dos prédios.

Tendo em conta o escopo finalístico da lei, a circunstância de ser frequente a utilização de imóveis por via do arrendamento não exclui da sua abrangência os direitos pessoais de gozo que sobre eles incidam. A conclusão é, pois, no sentido de que constituiu limitação que excede os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, por exemplo, o direito pessoal de gozo sobre o prédio vendido, designadamente o derivado de contrato de arrendamento que seja eficaz em relação ao comprador por força do arte 10570 do Código Civil" - Incluem-se assim, nos ónus não tomados em consideração que e que excedem os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, a existência de um contrato de arrendamento desconhecido pelo adquirente (neste sentido, vide Rui Pinto, ob.cit., pág. 968/969).

9 - Andou bem o Tribunal ao ter decido como decidiu, posto que aferiu que já havia sido comunicada aos autos , a fls 213 (entre outras, posteriores) a existência do contrato de arrendamento e tal informação não foi levada em conta nos editais e anúncios publicados. E o adquirente desconhecia-a.

10 - A referida omissão de informação relevante no âmbito da publicação da venda em execução para que o adquirente pudesse formar corretamente a sua vontade com vista à apresentação da respectiva proposta, constituiu nulidade com relevância no quadro da acção executiva, a que se reporta o artº2011, n° 1 do Código de Processo Civil.

11 - Deverá manter-se, na integra a douta decisão recorrida.

Cumpre decidir:

Nos termos do art. 817 do CPC (art. 890 do CPC revogado) à venda de bens, em processo executivo, por propostas em carta fechada, é dada publicidade através de anúncios de que deve constar o nome do executado, o dia, a hora, e o local da abertura das propostas, a identificação sumária dos bens e o valor a anunciar para a venda.

O que é pretendido com os anúncios é dar conhecimento ao público sobre o que o tribunal vai alienar, pelo que deve inserir nos anúncios outros dados pertinentes, susceptíveis de influir no juízo sobre o conteúdo das propostas de aquisição dos bens, ou seja, com interesse para os interessados na aquisição e que sejam conhecidos no processo.

Nos termos do art. 824 do C.Civil os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram.

O art. 1057 do C.Civil diz que o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.

O arrendamento face ao disposto no art. 1057 do C.Civil merece atenção na venda em execução devendo ser-lhe dado um tratamento semelhante a um direito real.

Se a locação for anterior à garantia prioritária, de acordo com o art. 1057 do C.Civil, a locação permanece mesmo após a venda executiva. Se a locação for posterior à garantia proritária caduca com a venda art. 824, nº2, do C.Civil.

O arrendamento influencia o valor do bem a vender.

Deve fazer parte dos anúncios a existência do contrato de arrendamento, que já era conhecido nos autos essa omissão de informação, relevante para que o Recorrente pudesse fornecer correctamente a sua vontade com vista à apresentação da sua proposta, constitui nulidade com relevância no quadro da acção executiva a que se reporta o art. 201, nº1, do CPC, que deve ser arguida no prazo de dez dias a contar da data em que o interessado teve conhecimento da mesma.

Nos termos do art. 838 do CPC (art. 908 do CPC revogado) se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ou alguns ónus ou limitação que não fosse tomada em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no art. 906 do C.Civil (art.º 906, nº1, do C.Civil – Desaparecidos por qualquer modo os ónus ou limitações a que o direito estava sujeito, fica sanada a anulabilidade do contrato. A anulabilidade persiste, porém, se a existência dos ónus ou limitações já houver causado prejuízo ao comprador, ou se este já tiver pedido em juízo a anulação da compra e venda- nº2)

O contrato de arrendamento relativo à cave (fls. 28 e 29) dos autos deve ser, face ao disposto no art. 1057 do C.Civil, entendido como um ónus ou limitação que não foi tomado em consideração e que excede os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria e que seria essencial para o adquirente formar a sua decisão proceder à compra, pois influencia o valor da mesma e o destino que o comprador lhe pretenda dar.

Assim, não constando do anúncio a existência do contrato de arrendamento sobre o prédio, não merece censura o despacho que anulou a venda a pedido do adquirente e e ordenou a notificação ao Sr. Agente de Execução a fim de diligenciar pela devolução ao adquirente do montante pago e pelo cancelamento do registo da respectiva aquisição.

Conclusões:

- Nos termos do art. 838 do CPC a existência de alguns ónus ou limitações que não fosse tomada em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi anunciado, permite ao comprador pedir na execução, a anulação da venda e indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no art. 906, nº1, do CPC.

- A existência de contrato de arrendamento relativo a parte do prédio vendido, face ao disposto no art. 1057 do C.Civil, deve ser entendido como um ónus ou limitação que não foi tomado em consideração e que exceda os limites inerentes aos direitos da mesma categoria e que seria essencial para o adquirente formar a sua decisão, pois influenciava o valor do bem e o destino que o comprador lhe pretendia dar, pelo que deveria ser publicitado no anúncio da venda.


Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida
Custas pela Recorrente.


Lisboa-23/04/2015

Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça