Com lentidão do Judiciário, nomes da lista de Fachin podem ser julgados primeiro nas urnas

  • Fernanda Odilla
  • De Londres para a BBC Brasil
O ministro Luiz Fachin, com o procurador-geral Rodrigo Janot ao fundo, em sessão do STF

Crédito, Reuters

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Quando autorizou a abertura de inquéritos contra 98 pessoas e decidiu remeter mais de 200 petições contra políticos para outras instâncias do Judiciário, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin deu início a uma contagem regressiva que pode inviabilizar citados nas eleições de 2018.

A punição aos culpados, contudo, não necessariamente acontecerá primeiro nos tribunais. Com a previsão de um desenrolar lento para os processos na esfera jurídica, caberá aos eleitores, muito provavelmente, "condenar ou absolver" os políticos investigados.

Pela Lei da Ficha Limpa, o candidato torna-se inelegível apenas se condenado, por um órgão colegiado, por um dos dez tipos de crimes ali previstos - entre eles atos contra a administração pública e fraudes eleitorais.

Mas, na opinião de analistas ouvidos pela BBC Brasil, a depender do tempo médio de tramitação de uma investigação e de uma ação penal no Judiciário brasileiro, dificilmente haverá a conclusão da investigação e o julgamento de todos os citados até o ano que vem se a Lava Jato não for tratada como uma prioridade.

É o que acontece, por exemplo, na Justiça Federal em Curitiba, onde o juiz Sergio Moro cuida exclusivamente do caso desde 2014.

"Se houver celeridade, há tempo hábil de condenar os casos mais robustos. Ainda que a Ficha Limpa seja um mecanismo formal para impedir as candidaturas, o custo político é alto o suficiente. A sociedade está mais crítica e vigilante, e os citados vão ter dificuldade nas eleições", avalia Fabiano Angélico, diretor da Transparência Internacional no Brasil.

Porém, isso "não significa que vamos trocar por coisa boa", ressalva.

Plenário do Senado

Crédito, Waldemir Barreto/Ag. Senado

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Prazo exíguo

Na prática, para serem formalmente impedidos de se concorrer, os novos suspeitos precisam ser condenados pelo STF, pelo Superior Tribunal de Justiça ou por uma corte de segunda instância até outubro do próximo ano.

Isso significa, por exemplo, que o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) ou o ex-ministro Antonio Palocci (PT), ambos presos e condenados por Moro na primeira instância da Justiça Federal, por ora poderiam disputar as eleições, já que ainda não tiveram a sentença confirmada por uma corte colegiada.

Na chamada "lista de Fachin", estão os nomes de oito ministros, três governadores, 24 senadores e 39 deputados federais que serão investigados no âmbito do STF, onde o tempo médio de tramitação das ações penais tem crescido desde 2002.

Segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, o prazo médio para o recebimento da denúncia - quando o suspeito torna-se réu e passa a enfrentar o julgamento - é longo no STF: 565 dias.

No fim de 2016, foram contabilizados 357 inquéritos e 103 ações penais em andamento envolvendo autoridades com foro na mais alta corte do país.

Com a demora em se analisar os casos, aumenta o risco de prescrição, a depender de quando o crime apontado ocorreu e da data em que o ato suspeito passou a ser investigado. Desde 2002, ocorreram mais de 60 prescrições, conforme o levantamento da própria corte.

Dilma Rousseff

Crédito, Patricia de Melo Moreira/AFP

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Além de autorizar a abertura de 76 inquéritos contra 98 pessoas no STF, Fachin enviou a instâncias inferiores 201 petições para que decidam se investigam ou não as demais pessoas citadas nas delações da Odebrecht.

Entre os citados estão governadores, prefeitos e os ex-presidentes José Sarney (PMDB), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT).

"A lista é imensa e é pouco tempo (para investigar e julgar até a eleição). Condenar é uma tarefa do Judiciário, mas o julgamento pode se dar também nas urnas", afirma Vinicius Mariano Carvalho, professor e diretor interino do Brazil Institute, do King's College de Londres, emendando que o pleito do próximo ano pode ser a chance de os eleitores mostrarem que estão dispostos a combater a corrupção.

Entre as suspeitas mais comuns apontadas pelos delatores estão a de receber ou cobrar propinas da Odebrecht para irrigar campanhas eleitorais em troca de favores políticos e o repasse de vantagens indevidas da empresa já durante os mandatos.

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Homem engravatado com faixa de proibido

Crédito, iStock

Crimes previstos pela Lei da Ficha Limpa

1. Contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

2. Contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;

3. Contra o meio ambiente e a saúde pública;

4. Eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;

5. De abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;

6. De lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;

7. De tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;

8. De redução à condição análoga à de escravo;

9. Contra a vida e a dignidade sexual; e

10. Praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.

Fonte: Lei Complementar nº. 135 de 2010

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Julgamento antecipado

Se há poucas dúvidas de que todos os citados não serão julgados até as eleições, o impacto da divulgação dos nomes a serem investigados e dos vídeos nos quais os delatores detalham o esquema de corrupção e acusam políticos não é consenso.

Para o professor Alfredo Saad Filho, da Soas (Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres), a situação é delicada e perigosa.

"Divulgar assim, dessa forma, antecipa o julgamento. Não se trata de defender o culpado, mas de respeitar a presunção da inocência", observa, emendando que há o risco de reforçar a imagem de que absolutamente todo político é corrupto e de que a política é uma atividade de quem quer roubar.

"Mas um país não pode viver sem política", salienta.

O professor Vinicius Carvalho, por sua vez, avalia que há uma pressão por mais transparência e que, ao divulgar uma lista como essa, o STF manda a mensagem de que ninguém está sendo protegido - ainda que esse seja apenas o primeiro passo de um longo processo até um julgamento final que pode ainda resultar em absolvição, arquivamento ou prescrição.

Fabiano Angélico, da Transparência Internacional no Brasil, admite que existe um julgamento antecipado, mas diz ver mais vantagens que desvantagens na divulgação dos nomes dos políticos que agora passarão a ser investigados.

Para ele, o escrutínio público pode, potencialmente, forçar o Judiciário a funcionar de forma mais adequada.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG)

Crédito, Jefferson Rudy/Ag. Senado

Legenda da foto, Aécio Neves será alvo de inquérito no STF

Cabeça do eleitor

"O efeito imediato, no entanto, é um tumulto acompanhado de paralisia política e econômica capaz de abrir espaço para candidatos aventureiros com pouca ou nenhuma experiência política, em especial para o Executivo. O país está desgovernado e ingovernável", avalia Saad Filho.

Já no Legislativo, acreditam os professores, a tendência de renovação dos quadros é menor.

"Há um risco de termos 'outsider' para presidente e de o Congresso não se renovar. Se esse cenário se confirmar, é muito ruim. O suposto salvador vai ficar mais uma vez refém de um Congresso pouco comprometido com valores democráticos", avalia Carvalho.

Autor do livro A Cabeça do Eleitor (2008), Alberto Almeida observa que a ideia de que todo político é corrupto já tem aberto espaço para inexperientes e para o que chama de "figuras obscuras".

Ele prevê para o Brasil uma situação similar à da Itália que, após o escândalo de corrupção desmantelado pela operação Mãos Limpas, elegeu Silvio Berlusconi como primeiro-ministro.

"O Congresso já tem cada vez mais figuras inexperientes, desconhecidas. Uma situação como a que vivemos abre espaço para nomes financiados pela igreja e até por traficantes. É um cenário muito complicado", afirma Almeida.