Educacao Criativa: multiplicando experiências de aprendizagem

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Educação Criativa Multiplicando experiências para a aprendizagem André Luís Alice Raabe Alex Sandro Gomes Ig Ibert Bittencourt Taciana Pontual


Construindo cenários de aprendizagem Volume 4

Dedicado à memória do autor Gregory Augusto de Lima Laborde que nos deixou precocemente em julho de 2016 durante os trabalhos de conclusão desta obra.


Volume 4 (especial)

Educação Criativa Multiplicando experiências para a aprendizagem André Luís Alice Raabe Alex Sandro Gomes Ig Ibert Bittencourt Taciana Pontual

Pipa Comunicação Recife, 2016


AVALIAÇÃO DOS TEXTOS André Luís Alice Raabe, Alex Sandro Gomes, Ig Ibert Bittencourt Taciana Pontual O trabalho Educação Criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem organizado por André Luís Alice Raabe, Alex Sandro Gomes, Ig Ibert Bittencourt e Taciana Pontual e editado pela Pipa Comunicação foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercialSemDerivados 3.0 Não Adaptada. Com base no trabalho disponível em http://www.pipacomunica.com. br/livrariadapipa. Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença em http://www. pipacomunica.com.br

CAPA E PROJETO GRÁFICO Karla Vidal

DIAGRAMAÇÃO Augusto Noronha e Karla Vidal

REVISÃO Os autores

EDIÇÃO Pipa Comunicação http://www.pipacomunica.com.br

CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO CIP) Ficha catalográfica produzida pelo editor executivo R11

RAABE, A. L. A. et al. Educação criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem / André Luís Alice Raabe; Alex Sandro Gomes; Ig Ibert Bittencourt; Taciana Pontual. – Pipa Comunicação, 2016. 472p. : Il., Fig., Quadros. (Série professor criativo: construindo cenários de aprendizagem - vol. 4) (e-book) 1ª ed. ISBN: 978-85-66530-60-5 1. Educação. 2. Aprendizagem. 3. Criatividade. 4. Inovações pedagógicas. I. Título. 370 CDD 37 CDU c.pc:08/16ajns


Prefixo Editorial: 66530

COMISSÃO EDITORIAL Editores Executivos Augusto Noronha e Karla Vidal Conselho Editorial Alex Sandro Gomes Angela Paiva Dionisio Carmi Ferraz Santos Cláudio Clécio Vidal Eufrausino Cláudio Pedrosa Clecio dos Santos Bunzen Júnior José Ribamar Lopes Batista Júnior Leila Ribeiro Leonardo Pinheiro Mozdzenski Pedro Francisco Guedes do Nascimento Regina Lúcia Péret Dell’Isola Rodrigo Albuquerque Ubirajara de Lucena Pereira Wagner Rodrigues Silva Washington Ribeiro


Su má rio 11 Prefácio 17 Apresentação 25

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Aprendizagem com dispositivos móveis: reflexões epistemológicas e práticas no ensino de matemática Learcino dos Santos Luiz (UDESC) Ricardo Antunes de Sá (UFPR) Como usar a criatividade para desenvolver jogos e melhorar a aprendizagem dentro e fora da sala de aula Pedro Henrique Andrade de Santana (Unibratec) Amaro Virginio da Silva Neto (UFRPE) Contextualização e aplicações dos objetos de aprendizagem: um cenário nas ciências da saúde Ângelo Jesus (P.PORTO) Maria João Gomes (U.Minho)


109 Hiperleitura e leituras: pensando a

formação de hiperleitores Ana Cláudia Munari Domingos (UNISC)

159 Incorporando aspectos de gamificação

no ensino sobre herança em programação orientada a objetos: uma experiência no ensino técnico de nível médio Janderson Jason Barbosa Aguiar (UFCG)

183 Norma escrita culta, placas de rua e

pocket vídeos: uma experiência possível Ynah de Souza Nascimento (UFPE e FMGR)

203 Novas atividades de computação

desplugada para promoção de integração curricular na escola Ecivaldo Matos (UFBA) Fernando Paiva (UFBA) Emilayne Corlett (UFBA)

Su má rio


Su má rio 251

O ensino de Sociologia baseado em livros didáticos abertos Francisco Kelsen de Oliveira (UFPE e IF Sertão-PE) Melka Freitas Abreu (UFC)

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O gênero história em quadrinhos: despertando o gosto pela leitura Gregory Augusto de Lima Laborde (UFRPE e FAFICA)

301 O jogo em foco: uma discussão sobre os

games e a aprendizagem Carla Alexandre Barboza de Sousa (UFPE)

349 O Scratch como ferramenta pedagógica

para o desenvolvimento do pensamento computacional sob a perspectiva da aprendizagem significativa Fellipe Oliveira Ramos (IF Baiano e PMAR) Lilian da Silva Teixeira (UNEB e IF Baiano)


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O uso de jogos digitais como objetos de aprendizagem no ensino da matemática: uma proposta para as escolas públicas do semiárido potiguar Katia Cilene da Silva (UFERSA) Mylani Nathalini Dantas Costa (UFERSA) Possibilidades de uso de software educacional no processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo Rafaela Bohrz (UPF) Márcia de Borba Campos (PUCRS)

441 Tecnologias contemporâneas como

instrumento auxiliar da educação em artes Marina Vieira Gonçalves (IFBA) Luciene Teixeira Vieira Gonçalves (ETI Sueli Reche)

463 Sobre os autores

Su má rio


Prefácio

No campo pedagógico estamos em um período de valorização das vertentes educacionais que incentivam o estudante a se tornar protagonista de sua aprendizagem. Criar, construir, conceber, desenvolver, montar, combinar, projetar, testar, avaliar, revisar, vem gradativamente se tornando verbos utilizados nos objetivos de aprendizagem André Raabe


Educação Criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem

André Raabe (Educação/Univali)

O debate sobre uso de tecnologia na educação amadureceu. As discussões realizadas na década de 80 do século passado centravam-se sobre se o uso de computadores realmente traria algum ganho educacional aos estudantes. Ainda que eventualmente alguém tente trazer o assunto novamente à tona, está claro que a sociedade de modo geral está convencida de que o uso de tecnologia na educação é uma necessidade. O debate agora concentra-se em como promover bons usos da tecnologia, como formar professores para mediar esse uso, quais papeis a tecnologia pode assumir e que visão sobre ensinar e aprender podem potencializar. Nessa direção este livro traz uma contribuição efetiva ao focalizar de que forma o uso de tecnologia pode fomentar os processos que envolvem a criatividade. A diversidade de abordagens, tecnologias, públicos, temas e métodos utilizados pelos autores dos capítulos que compõem o livro

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Educação Criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem

fornece uma amostra bastante representativa de como são diversas e ricas as formas de utilizar a tecnologia na educação. Alinhado com o propósito desta série, Professor Criativo, os textos deste livro são uma excelente referência para inspirar professores a adotarem, adaptarem, recriarem e enriquecerem essas experiências com as suas próprias. A área de informática na educação no Brasil nasceu sob forte influência das ideias de Papert (1980) que, ao fundamentar o construcionismo, propôs um estilo de uso de tecnologia voltado ao protagonismo do estudante e defendeu que a aprendizagem se dá de forma mais efetiva quando esse estudante está engajado em construir um objeto público, que possa ser compartilhado, debatido, mostrado aos colegas e professores, seja ele um objeto concreto ou um programa de computador. Ao seguir as ideias de Papert, a introdução da informática nas escolas pressupunha uma mudança de ordem pedagógica, mudança que o contexto escolar não estava preparado para efetivar naquele período. O contexto atual é muito diferente – há 40 anos atrás quando se falava em ensinar a linguagem de programação LOGO para todas as crianças muitos consideravam algo descabido –, hoje diversos países já incluíram o pensamento computacional e programação de computadores nos currículos da educação básica. No Brasil, muitas pesquisas nesse tema têm sido publicadas e debatidas nos eventos da área como Workshop de informática na escola, Workshop de educação em computação e Workshop de Ensino em Pensamento Computacional, Algoritmos e Programação. No passado o acesso a computadores era escasso, atualmente 85% das escolas brasi-

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PREFÁCIO

leiras possuem laboratório de computadores. Dessas escolas, 92% possuem alguma forma de conexão com a Internet (http://goo. gl/1pXmnd). A popularização dos tablets e smartphones coloca tanto estudantes quanto professores em contato frequente com a tecnologia para os mais diversos fins. No campo pedagógico estamos em um período de valorização das vertentes educacionais que incentivam o estudante a se tornar protagonista de sua aprendizagem. Criar, construir, conceber, desenvolver, montar, combinar, projetar, testar, avaliar, revisar, vêm gradativamente se tornando verbos utilizados nos objetivos de aprendizagem dos planos de aula dos docentes e que elucidam que tipo de estudante deseja-se auxiliar a desenvolver. Multiplicam-se nas escolas as iniciativas que usam a abordagem baseadas em projetos, aprendizagem baseada em problemas, práticas alinhadas ao design thinking e mais recentemente a influência do movimento maker, que valoriza a cultura do faça você mesmo. Essas vertentes têm-se associado naturalmente com aquelas que tradicionalmente já propunham o protagonismo e a autoria dos estudantes, como as Artes, mas também com as áreas mais disciplinares como a Matemática, Literatura, Ciências, História e outras tantas. Essa combinação tem, cada vez mais, desafiado a cultura disciplinar e criado caminhos para que a efetivação de uma verdadeira prática interdisciplinar ocorra. Promover o uso de tecnologia que contribua e acelere esse processo é certamente mais promissor do que fomentar usos atrelados a práticas ultrapassadas de transmissão de conhecimento. Empoderar o estudante a tornar-se produtor de tecnologia e não apenas consumidor dela poderá ter um impacto permanente e

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duradouro em sua trajetória futura. Como disse John Dewey (1976 p.34), “as aprendizagens colaterais como as de formação de atitudes permanentes de gostos e desgostos podem ser, muitas vezes, mais importantes do que a lição de ortografia, geografia ou história. Essas são as atitudes que irão contar fundamentalmente no futuro. A mais importante atitude a ser formada é a do desejo de continuar a aprender”. A Meta 6 no Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014) é: “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica”. O tempo extra que as escolas terão para oferecer atividades para seus estudantes é uma excelente oportunidade para introdução de espaços que fomentem a criatividade, a interdisciplinaridade, a aprendizagem contextualizada e significativa e que possam resgatar no estudante o desejo de aprender e não apenas de passar de ano. Nessa direção, redes de incentivo a utilização, criatividade e inovação começam a florescer no Brasil. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) lançou em 2015 o programa de estímulo à criatividade na educação básica (http://criatividade.mec.gov.br/) que tem como meta criar as bases para uma política pública de fomento à inovação e criatividade. O edital Makers educa conduzido em 2015 pelo Programaê da Fundação Lemann criou as bases para estruturação da rede mão na massa (http://redemaonamassa.org/) que incentiva crianças de 7 a 10 anos a usar papelão, fita adesiva, madeira, tecido, LEDs, motores e outros para dar vida a suas invenções e histórias. Laboratórios de fabricação rápida (FabLabs) com períodos

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PREFÁCIO

de acesso livre a comunidade têm se multiplicado, em especial nas grandes capitais. O evento Fablearn (http://fablearn.stanford. edu/conferences/brazil2016/), que promove um espaço para que educadores, legisladores, estudantes, designers, pesquisadores e membros do movimento maker apresentem, discutam e aprendam mais sobre fabricação digital em educação, a partir de 2016 passa a ser realizado sistematicamente no Brasil. O ambiente atual é propício para que a inovação e a criatividade cresçam no ambiente escolar. Este livro é um veículo importante para contribuir com esse processo e espera-se que auxilie os leitores, professores e interessados em educação, que já possuem o desejo em inovar com uso de tecnologia a terem boas referências e a refletirem sobre sua prática. Boa leitura!

Referências BRASIL, Plano Nacional de Educação 2014-2014. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm>. Acessado em: outubro/2014. DEWEY, John. Experiência e Educação. Companhia editora Nacional, 1976. PAPERT, S. (1980). Mindstorms : children, computers, and powerful ideas. New York: Basic Books.

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Educação Criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem

Apresentação

Vamos multiplicar? A colaboração é a essência dos processos mais efetivos de concepção. Espero que a leitura das experiências relatadas pelos colegas inspire a criação de mais e melhores experiências de aprendizagem. 16


Multiplicando experiências criativas para a aprendizagem

Alex Sandro Gomes (CIn/UFPE)

Em tempos de busca por uma Educação Criativa o compartilhamento de experiências de aprendizagem inspira a criação de novos conceitos. A concepção desses conceitos de práticas são bem aceitas por alunos, exequíveis pelos professores e efetivas para a aprendizagem de ambos, exigindo a realização de um grande número de ciclos de criação, realização e avaliação. A experiência de aprendizagem é um fenômeno social complexo que se espalha no tempo e no espaço de forma ampla. Nenhum professor isolado teria a capacidade de criar mais e melhor do que um coletivo de seus pares. Este volume especial da Série Professor Criativo surge a partir da seleção de textos submetidos em resposta à chamada pública lançada em setembro de 2015 pelos organizadores da série. Neste volume são apresentados os 14 textos selecionados para multiplicar as experiências para a aprendizagem. Os textos cobrem todos os níveis de ensino (educação básica, ensino médio, ensino técnico

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e superior) com exemplos sobre diversas áreas do conhecimento (linguagens, pensamento computacional, ensino de Ciências, ensino de Artes, entre outros) mediadas por diferentes tecnologias (técnicas de grupo, jogos, tablets, Recursos Educacionais Abertos, tecnologias assistivas, entre outros). No primeiro capítulo, Learcino dos Santos Luiz (UDESC) e Ricardo Antunes de Sá (UFPR) apresentam planejamento de uma Situação de Aprendizagem Digital para o ensino do conceito de escalas. Inicialmente apresentam uma breve introdução sobre esse conceito e a seguir o planejamento para a realização da Situação de Aprendizagem Digital. Os autores mostram como as três etapas da Situação são realizadas na atividade e como ela possibilita a abertura para uma postura epistemológica construtivista por parte de professores e estudantes. No segundo capítulo, Pedro Henrique Andrade de Santana (Unibratec) e Amaro Virginio da Silva Neto (UFRPE) analisam o papel de o professor engajar os alunos em atividades que solicitem habilidades criativas para resolver problemas. No exemplo ilustrado pelos autores foi desenvolvido um jogo usando as técnicas de criatividade. A criação do mesmo facilitou a aprendizagem em sala de aula e possibilitou aos alunos aprenderem noções básicas sobre a montagem de computadores. A atividade serviu também para quebrar o bloqueio que normalmente um aluno tem no primeiro contato com a matéria, provavelmente por conta de suas características lúdicas. No terceiro capítulo, Ângelo Jesus (P.PORTO) e Maria João Gomes (U.Minho) apresentam um rico texto introdutório sobre as tecnologias e possibilidade de uso de objetos de aprendizagem

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APRESENTAÇÃO

(OA). A construção e avaliação de OA pode constituir um desafio para professoras, porém a utilização da metodologia apresentada pelos autores pode constituir uma mais-valia nesse processo. No quarto capítulo, Ana Cláudia Munari Domingos (UNISC) nos brinda com uma excelente síntese em torno da formação de leitores e hiperleitores. De seu belo texto destacamos essa pérola: “Formar hiperleitores significa permitir desvios, pois eles são a própria garantia de renovação do conhecimento, da quebra de paradigmas e da desconstrução de certezas cegas.” (p. 137). A autora alerta que essa estratégica de formação deveria evitar que o sistema da cultura digital fosse mais um espaço de construção de desigualdades, falho em seu objetivo de produzir leitores cientes, cidadãos cooperativos da sociedade que desejamos, como tem acontecido nessa civilização cujos protagonistas são o livro e o letramento. No quinto capítulo, Janderson Jason Barbosa Aguiar (UFCG) analisa uma estratégia baseada em gamificação para abordar a noção de herança na aprendizagem de Programação Orientada a Objetos (POO) no Ensino Técnico de Nível Médio. Os resultados evidenciam uma mudança de atitude dos alunos do curso técnico em informática em relação à disciplina durante as aulas, os quais apresentaram-se participativos e mais entusiasmados com essas aulas em comparação com as aulas tradicionais. No sexto capítulo, Ynah de Souza Nascimento (UFPE e FMGR) compartilha uma experiência inusitada de ensino de Língua. A autora propôs às alunas, ao longo do semestre, que fotografassem placas de rua com o uso de celulares para, em uma segunda etapa,

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Educação Criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem

escolherem algumas para analisar considerando os conteúdos vivenciados em aula sobre “variação linguística e norma escrita culta da Língua”. O projeto “Nossa Língua nas Ruas” visava exercitar seu olhar critico sobre as relações entre formas encontradas e normas. Os resultados do experimento indicam que o celular, embora seja visto como um aparelho pessoal e privado, pode ser uma excelente ferramenta com potencial para mediar trabalho em grupo. No sétimo capítulo, Ecivaldo Matos (UFBA), Fernando Paiva (UFBA) e Emilayne Corlett (UFBA) buscaram uma articulação conceitual e prática entre a habilidade do pensamento computacional e as disciplinas escolares, como uma possibilidade de relação entre os conteúdos curriculares e esses conhecimentos da Ciência da Computação (CC), por meio da Computação Desplumada. Essa técnica foi desenvolvida por Tim Bell, Lan H. Witten e Mike Fellows que tem o objetivo de ensinar fundamentos de computação com atividades sem uso de computadores. Os resultados dão indícios qualitativos da ocorrência de aprendizagem das noções de CC na experiência social das dinâmicas. No capítulo 8, Francisco Kelsen de Oliveira (UFPE e IF SertãoPE) e Melka Freitas Abreu (UFC) analisam o uso de livros didáticos abertos no ensino da Sociologia. Os autores avaliaram livros didáticos abertos (LDA) para a disciplina de Sociologia no ensino médio. Foram elaborados critérios de avaliação de LDA, baseados nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) de Sociologia (BRASIL, 2000), no Guia de Livros Didáticos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2015 (BRASIL, 2014)

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APRESENTAÇÃO

e nas liberdades 4Rs (MONTOYA; AGUILAR, 2010), que podem se tornar referências na análise desse tipo de material por parte de professores ou até mesmo uma política institucional do MEC, para reduzir os custos com a aquisição de exemplares impressos de livros didáticos. Gregory Augusto de Lima Laborde (UFRPE e FAFICA) [in memoriam] descreveu no capítulo nove o uso da história em quadrinhos (HQ) para introduzir jovens leitores a textos clássicos da literatura. Ele argumenta que as HQ são um gênero textual eficaz para formar novos leitores, tendo em vista que apresenta vários elementos semióticos, tornando o ato da leitura um hábito prazeroso. No capítulo 10, Carla Alexandre Barboza de Sousa (UFPE) apresentação uma reflexão sobre a ‘di(con)vergência’ entre a escola e os games. Após uma revisão da literatura sobre teorias de aprendizagem e como o aprendizado baseado em jogos pode ser analisado à luz de cada uma delas, a autora concluiu que os jogos digitais devem fazer parte do universo escolar junto a outras formas de aprendizagem, visto que eles contribuem com os processos de aprendizagem dos sujeitos, os motivam e fazem parte da cultura deles. No capítulo seguinte, “O Scratch como ferramenta pedagógica para o desenvolvimento do pensamento computacional sob a perspectiva da aprendizagem significativa”, Fellipe Oliveira Ramos (IF Baiano e Prefeitura Municipal de Amélia Rodrigues) e Lilian da Silva Teixeira (UNEB e IF Baiano) analisam como estudantes do ensino médio desenvolvem habilidades computacionais com a

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linguagem de programação Scratch. A utilização do Scratch teve uma grande aceitação por parte dos alunos. Os alunos de turmas do ensino médio são capazes de interagir e produzir objetos digitais num ambiente de linguagem de programação. Foi evidenciado que os conceitos computacionais e os da matemática podem ser facilmente aprendidos quando essa aprendizagem ocorre de forma significativa. No décimo segundo capítulo, Katia Cilene da Silva (UFERSA) e Mylani Nathalini Dantas Costa (UFERSA) descrevem um projeto no qual 40 professores-alunos da Licenciatura em Matemática foram inseridos como bolsistas em uma pesquisa de intervenção didática por meio da participação no Projeto Politico Pedagógico das escolas, sob a orientação de 4 professores das referidas escolas, desenvolvendo atividades de extensão integradas ao ensino da didática de conteúdos matemáticos com a utilização de jogos digitais e objetos de aprendizagem. A iniciativa contribuiu para a ampliação e o aprofundamento da discussão sobre a relação do professor com os recursos de apoio à aprendizagem, como os jogos digitais e os objetos de aprendizagem. No penúltimo capítulo, Rafaela Bohrz (UPF) e Márcia de Borba Campos (PUCRS) desenvolvem reflexão acerca do uso do software educacional no processo de ensino e de aprendizagem do aluno surdo e de sua importância para a potencialização no desenvolvimento desse sujeito. Diversos materiais são resenhados e algumas sugestões de atividades de mediação da aprendizagem são descritas.

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APRESENTAÇÃO

Encerrando o conjunto da obra, Marina Vieira Gonçalves (IFBA) e Luciene Teixeira Vieira Gonçalves (IFBA) constroem uma bela argumentação sobre a função de tecnologias digitais no ensino das Artes. Elas concluem que a tecnologia contemporânea é sim uma ferramenta importante no auxílio ao ensino das Artes, que pode influenciar alunos numa reflexão atual sobre suas vivências. A colaboração é a essência dos processos mais efetivos de concepção. Espero que a leitura das experiências relatadas pelos colegas inspire a criação de mais e melhores experiências de aprendizagem. Afinal, ninguém é mais inteligente que a multidão! Boa leitura e um forte abraço criativo!

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CapĂ­tulo 1 24


Aprendizagem com dispositivos móveis: reflexões epistemológicas e práticas no ensino de Matemática Learcino dos Santos Luiz (UDESC) Ricardo Antunes de Sá (UFPR)

Introdução Estamos então em um panorama do uso de tecnologias na educação que iniciou com os laboratórios de informática nos anos 90. Valente (1999, p. 1), introduziu o termo “informática na educação” como sendo “a inserção do computador no processo de ensino-aprendizagem de conteúdos curriculares de todos os níveis e modalidade de educação”. Mais recentemente tivemos o advento dos laptops educacionais com o Projeto PROUCA do governo federal, que deslocou o foco dos laboratórios de informática das escolas para a tecnologia portátil. O uso de tablets educacionais pode ser considerado como uma terceira geração das TDIC’s (tecnologias digitais da informação e comunicação) aplicadas à educação formal. Nesse ponto fica claro que as tecnologias digitais, tais como tablets e computadores, são indispensáveis na escola do século XXI. Borba (2007) nos afirma que

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Aprendizagem com dispositivos móveis...

O acesso à informática deve ser visto como um direito, e, portanto, nas escolas públicas e particulares o estudante deve poder usufruir de uma educação que no momento atual inclua, no mínimo, uma alfabetização tecnológica. Dentro desse mesmo sentido, Brito (2011, p. 22), aponta que A presença da tecnologia em todos os setores da sociedade constitui um dos argumentos que comprovam a necessidade de sua presença na escola e, também, na formação de um cidadão competente quanto ao seu instrumental técnico, mas, principalmente, no que se refere à interação humana e aos valores éticos. Dentro de um cenário onde as TMSF (tecnologias móveis sem fio) já estão presentes na escola por meio dos smatphones e tablets educacionais, se faz necessário a pesquisa e criação de atividades e metodologias inovadoras que possibilitem o ensino dos conteúdos escolares com o uso dessas ferramentas. Não estamos aqui falando de coisas do tipo usar o tablet educacional para acessar o livro didático digitalizado. Devemos utilizar as tecnologias digitais para promover situações de aprendizagem que não eram possíveis anteriormente sem a sua presença. Valente (2014, p.39) nos afirma que À medida que as tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) são cada vez mais disseminadas na nossa sociedade e cada vez mais acessíveis, principalmente os laptops, os celulares e os tablets, emergem

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LEARCINO DOS SANTOS LUIZ & RICARDO ANTUNES DE SÁ

novas formas de uso, principalmente relacionados com a educação. Termos como e-learning, m-learning e u-learning têm sido utilizados para designar diversas formas de aprendizagem, que mudam de acordo com o desenvolvimento tecnológico e, principalmente, com as facilidades que as tecnologias móveis sem fio (TMSF) oferecem. Valente ainda indaga sobre o fato de que se realmente o uso dessas novas tecnologias trazem consigo uma nova forma de aprender e se essas tecnologias podem ou não afetar a criação de novas abordagens pedagógicas e o desenvolvimento dos conteúdos curriculares.

Referencial teórico Os tablets educacionais se distinguem dos laptops educacionais por possibilitarem maior interatividade com o aluno e maior mobilidade. Perdem por não terem vantagens como editores de texto potentes e programas que só rodam em laptops. Porém, a grande variedade de aplicativos educacionais gratuitos que podem ser instalados nos tablets, mobilidade e facilidade de uso e o acesso a uma gama infinita de conteúdos da Web (páginas da Web, vídeos, músicas etc.) os tornam ferramentas poderosas de acesso e uso à cultura digital. Dentro desse contexto, somos remetidos a refletir sobre os impactos que os usos dessas ferramentas tecnológicas podem trazer para as relações dentro da escola. Falamos aqui de relações

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interpessoais (professor-aluno, aluno-aluno, aluno-família), relações homem-máquina, relação tríade aluno-conhecimento-professor e as consequências que essas relações podem trazer para a cultura escolar. Passarelli (2011) ao tratar do conceito de literacia digital que é a habilidade de entender e utilizar informações dos mais variados formatos (sons, vídeos, textos, planilhas, gráficos etc.), oriundas de fontes diversas e apresentadas através de TDIC’s (computadores, vídeos, TVs, rádios, tablets etc.), nos mostra que: Na “sociedade em rede” – uma das principais características estruturantes da contemporaneidade e que vem sendo permanentemente forjada desde meados dos anos noventa do século passado – a educação, assim como todas as outras dimensões da vida e da cultura humana, passa a ser configurada na ambiência de novos paradigmas (p. 68). Vemos então que a educação sofre transformações por parte de novas ideias e paradigmas que envolvem a sociedade como um todo. Podemos aqui, dessa maneira, vislumbrar um entrelaçamento entre a cibercultura e a cultura escolar. Mesmo com o fato de os computadores já estarem há mais de duas décadas dentro das escolas, eles sempre foram subutilizados e deixados como uma atividade extraclasse, algo exótico à cultura escolar. Havia (ou ainda há) a hora exata de ir para o laboratório de informática e as atividades ali executadas na grande maioria das vezes eram desvinculadas daquelas pedagógicas de cada disciplina curricular. A cibercultura

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estava, dentro da escola, como que aprisionada no laboratório de informática. Nesse sentido, Bonilla (2009, p.33-34) aponta que a escola atual é “Presa a ritos e padrões, fechou-se para as transformações sociais que ocorrem no contexto onde está inserida, de forma que hoje se observa uma grande distância entre o mundo da escola e o mundo fora dela”, e dessa forma não considera aspectos culturais, o diverso, a linguagem própria de particulares grupos de alunos e nem o fato de que fora da escola conceitos, valores, saberes e relações se estabelecem e começam a emergir a partir da presença das TDICs. Nesse mesmo sentido, Costa e Momo (2009)⁠ nos afirmam: Admite-se que há, hoje, um descompasso entre a escola e os novos tempos. Parece que ela não tem conseguido assegurar a formação adequada, seja para os que por ela passam e têm dificuldades, seja para os que nela foram ou são bem-sucedidos. Com a presença das tecnologias digitais na sala de aula temos um grande potencial para o desenvolvimento de metodologias de ensino e atividades que colocam o aluno como sujeito ativo da construção do conhecimento e também no desenvolvimento de competências necessárias para a plena realização do cidadão do século XXI. Para compreendermos melhor essa ideia, que chamaremos de Situação de Aprendizagem Digital, iremos nos apoiar em conceitos da metodologia de Resolução de Problemas e no conceito de Tema Gerador de Paulo Freire. Uma situação de aprendizagem digital é basicamente uma atividade de ensino e aprendizagem baseada na

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resolução de problemas dentro de um contexto de aprendizagem (Tema Gerador) e que utiliza em suas etapas de desenvolvimento ferramentas tecnológicas digitais. Valente (2014, p.41) concorda nesse sentido: Na verdade, o grande objetivo do uso das TMSF é a criação de contextos de aprendizagem, que possam auxiliar processos de construção de conhecimento que o aprendiz realiza na integração dos ambientes formais e informais de educação. A metodologia de Resolução de Problemas é baseada em técnicas utilizadas para entender, resolver e comunicar uma determinada situação-problema. Mais do que a simples resolução de problemas estereotipados dos livros didáticos, a Resolução de Problemas nos ajuda a compreender que a vida é composta de problemas a serem resolvidos e que nem sempre há uma única solução para eles, ou ainda que alguns problemas não são possíveis de serem resolvidos. Essa metodologia também nos aponta para o fato da importância da comunicação das etapas de resolução e dos resultados finais da resolução de um problema. Uma boa definição para a metodologia de Resolução de Problemas nos é apresentado pelos Pcn’s: A resolução de problemas, como eixo organizador do processo de ensino e aprendizagem de Matemática, pode ser resumida nos seguintes princípios: a situação-problema é o ponto de partida da atividade matemática e não a definição. No processo de ensino e aprendiza-

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gem, conceitos, ideias e métodos matemáticos devem ser abordados mediante a exploração de problemas, ou seja, de situações em que os alunos precisem desenvolver algum tipo de estratégia para resolvê-las; o problema certamente não é um exercício em que o aluno aplica, de forma quase mecânica, uma fórmula ou um processo operatório. Só há problema se o aluno for levado a interpretar o enunciado da questão que lhe é posta e a estruturar a situação que lhe é apresentada; (...) a resolução de problemas não é uma atividade para ser desenvolvida em paralelo ou como aplicação da aprendizagem, mas uma orientação para a aprendizagem, pois proporciona o contexto em que se podem apreender conceitos, procedimentos e atitudes matemáticas (BRASIL, 1998, p. 40-41). Já o conceito de Tema Gerador foi criado por Paulo Freire como estratégia de alfabetização de adultos. Barreto (1998, p.89) nesse sentido afirma: Inicialmente, a fim de que o diálogo realmente se efetivasse, Paulo Freire desenvolveu um trabalho em que o conhecido dos educandos se transformava em palavras geradoras, que possibilitavam participação de todos. Tais palavras, retiradas do contexto em que se encontravam os educandos, seriam uma forma de se promover um ensino mais significativo aos alunos. Dessa forma, a partir da adoção de situações do contexto de vida dos estudantes é possível desenvolver diversas atividades pe-

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dagógicas relacionadas com os conceitos do currículo escolar. Freire (2009) aponta para o fato de que ao adotarmos os temas geradores auxiliamos os alunos no processo de codificação/descodificação das letras (no caso da alfabetização) e também na decodificação do meio, dos problemas sociais, da vida diária etc., auxiliando no desenvolvimento do pensamento crítico acerca da realidade social em que o aluno vive. Costa (2012, p. 420) complementa: Esta prática é possível, segundo Paulo Freire, a partir da adoção de situações que cercam a realidade de educandos e educadores. Esses temas precisam ser não só aprendidos, mas refletidos, a fim de que ocorra a tomada de consciência dos indivíduos sobre eles. Mais do que palavras, os temas são objetos de conhecimento que deverão ser interpretados e representados pelos aprendizes. Uma Situação de Aprendizagem Digital é constituída de três etapas que devem acontecer não necessariamente nesta ordem: 1. acessar, entender, analisar e selecionar informações em ferramentas tecnológicas digitais (computadores, laptops tablets, smartphones, calculadoras gráficas etc.) dentro do contexto de estudo; 2. resolver problemas dentro do contexto de estudo utilizando as ferramentas tecnológicas digitais; 3. compartilhar os resultados por meio de comunicações escritas, orais e digitais;

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Uma atividade pedagógica será considerada uma Situação de Aprendizagem Digital quando contemplar esses três estágios com todas as suas características. Ainda, em uma Situação de Aprendizagem Digital é imprescindível uma postura epistemológica construtivista por parte de professores e alunos. Pra tanto devemos: •

compreender a diferença entre informação e conhecimento;

entender que o conhecimento é construído pelo aprendiz e não transferido pelo professor a ele;

valorizar os conhecimentos prévios dos estudantes, ou seja, entender que os estudantes não são “tábulas rasas”, mas sim possuidores de conhecimentos formais e informais sobre o conceito estudado;

respeitar as etapas de desenvolvimento intelectual de cada aluno e perceber que cada um deles possui ritmos e estilos de aprendizagem diferentes;

entender que o aluno deve ser agente ativo nas atividades de aprendizagem e o professor não mais o detentor do conhecimento e centro de toda atividade educativa;

entender que o Professor passa a ser um mediador entre o aprendiz e o conhecimento.

Ainda, uma Situação de Aprendizagem Digital deve promover competências e habilidades que são essenciais para o cidadão do século XXI: aprender a aprender, saber trabalhar em grupo, possuir

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raciocínio crítico da realidade social, saber resolver problemas, utilizar as diversas ferramentas tecnológicas digitais e suas mídias e possuir espírito colaborativo.

Proposta de sequência didática em uma situação de aprendizagem digital Iremos a seguir apresentar um planejamento de uma Situação de Aprendizagem Digital para o ensino do conceito de escalas. Inicialmente apresentaremos uma breve introdução sobre esse conceito e a seguir o planejamento para a realização da Situação de Aprendizagem Digital. Escalas numéricas e gráficas são muito utilizados em desenhos geométricos, de engenharia e arquitetônicos, além de sua utilização na criação de mapas geográficos. Uma escala é uma razão entre dois números que indica o número de vezes que um objeto foi aumentado ou diminuído em um desenho. Em uma escala numérica, por exemplo, quando desenhamos um objeto em uma escala 1:20 indicamos que cada 1 (um) centímetro no desenho representa 20 (vinte)centímetros do objeto real. Em uma escala gráfica há uma relação entre um comprimento de reta (geralmente em centímetros) com uma distância real, que geralmente é representada em metros ou quilômetros. O Quadro 1 nos indica essas relações:

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Escala numérica

Escala Gráfica 0

5

10 km

1 : 500 000

Lê-se da seguinte forma: 1 cm no mapa equivale a 500 000 cm na realidade.

Lê-se da seguinte forma: 1 cm no mapa equivale a 5 km na realidade. OU

Ou seja, a realidade foi reduzida 500 000 vezes.

2 cm no mapa equivalem a 10 km na realidade.

Quadro 1: relações entre os termos de escalas numérica e gráfica Fonte: http://www.geografia7.com/escalas.html (acessado em 01/07/2015)

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1999), as escalas estão dentro do bloco de conteúdos matemáticos Grandezas e Medidas. Esse documento aponta a aplicabilidade do conceito de escala e também sua importância social e no mundo do trabalho quando afirma: Na vida em sociedade, as grandezas e as medidas estão presentes em quase todas as atividades realizadas. Desse modo, desempenham papel importante no currículo, pois mostram claramente ao aluno a utilidade do conhecimento matemático no cotidiano. As atividades em que as noções de grandezas e medidas são exploradas proporcionam melhor compreensão de conceitos

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relativos ao espaço e às formas. São contextos muito ricos para o trabalho com os significados dos números e das operações, da ideia de proporcionalidade e escala, e um campo fértil para uma abordagem histórica (BRASIL, 1999, p.39). Já Mello e Bellemain (2006, p.3), nos afirmam que o conceito de Escala também faz parte do campo conceitual das estruturas multiplicativas e da Geometria. Essas autoras também nos lembram da importância de um trabalho pedagógico que não privilegie apenas o ensino de regras e técnicas matemáticas, mas principalmente de atividades e metodologias inovadoras: Pesquisas em Educação Matemática têm evidenciado a necessidade de romper com o ensino que focaliza demasiadamente a técnica da regra de três. A proposição de situações desafiadoras envolvendo escala pode favorecer uma construção conceitual mais significativa da proporcionalidade. Dessa forma, nos interessa romper com um ensino da Matemática baseado na repetição e aplicação de fórmulas e exercícios descontextualizados, mas sim propiciar uma situação de aprendizagem que seja significativa para os alunos. Para iniciarmos o planejamento da Situação de Aprendizagem Digital vamos descrever os parâmetros iniciais da atividade pedagógica.

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Conceito principal: escala numérica para construção de desenhos e mapas. Contexto de aprendizagem (tema gerador): mobilidade urbana e distância entre dois pontos. Ferramentas tecnológicas utilizadas: tablets ou smartphones e mapas digitais do Google Maps. Forma de trabalho: grupos de 4 alunos. Objetivo: usar a questão da mobilidade urbana como tema gerador para o trabalho pedagógico com medidas de distâncias e escalas em mapas geográficos. Questões norteadoras 1) Qual a distância entre sua a casa e a sua escola? 2) Qual o meio de transporte utilizado para você vir para a escola? 3) Quanto tempo você gasta nesse deslocamento quando feito por a) ônibus; b) automóvel; c) bicicleta; e d) a pé? 4) Você conhece o conceito de mobilidade urbana? Pesquise sobre esse conceito e crie uma pequena apresentação de slides sobre isso. Para enriquecimento da atividade acrescente fotos ou vídeos do seu deslocamento até a escola mostrando como é o trânsito, por exemplo. 5) A cidade em que você mora possui problemas de mobilidade urbana? Por exemplo, ruas muito congestionadas ou falta de ônibus. 6) Usando o Google Maps calcule a distância do percurso a pé entre a sua casa e a sua escola. E se você fosse de

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ônibus ou de carro o percurso seria o mesmo? Quais seriam as novas distância? Por qual motivo os percursos podem ser diferentes quando utilizamos um meio de locomoção diferente? Os percursos a pé e de bicicleta são sempre os mesmos? Por que isso ocorre? Sua cidade possui ciclovias? 7) Procure no Google Maps dois pontos turísticos conhecidos em sua cidade (afastamento de pelo menos 5km entre eles) e encontre as rotas realizadas por ônibus, automóvel de passeio, bicicleta e a pé. Qual percurso é mais longo e qual é mais curto? Qual meio de transporte leva menos tempo para realizar o trajeto? Isso sempre é assim? 8) Continue a construir a apresentação de slides do item 4 e acrescente as informações discutidas nos itens 5, 6 e 7. No final responda: qual o melhor meio de locomoção para o deslocamento dentro da sua cidade? Quais as vantagens e desvantagens de cada meio de locomoção? 9) Em muitos dos deslocamentos que realizamos nas cidades não utilizamos percursos em linha reta. Por qual motivo isso acontece? Quando é que podemos realizar um percurso em linha reta em uma cidade? Você consegue imaginar situações reais que seria necessário determinar a distância em linha reta entre dois pontos de uma cidade? Dê exemplos. 10) Utilizando o Google Maps em seu tablet ou smartphone tente calcular a distância em linha reta entre a sua casa e a sua escola.

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Após todos os alunos terminarem a apresentação dos slides da questão 8 se faz necessário que cada equipe apresente seus resultados. Nessas sete questões iniciais tivemos o objetivo de introduzir o aluno no contexto de aprendizagem relacionado às questões de mobilidade urbana. O professor como mediador deve ficar atento às diversas questões envolvidas com o tema e que os próprios alunos poderão trazer em cada discussão, como o caso das ciclovias, a periculosidade do transporte de bicicleta, as faixas exclusivas para ônibus, o preço das passagens e do combustível, a questão da qualidade do ar e da saúde humana etc. Na questão 9 inciamos a introdução do conceito de escala de mapas. Inicialmente chamamos a atenção para o fato de que a maioria dos percursos na cidade não são em linha reta. Porém, em muitos casos se faz necessário o cálculo da distância entre dois pontos da cidade em linha reta por ser a menor distância entre dois pontos. Por exemplo, as grandes redes de distribuição de energia elétrica, sempre que possível, são construídas em linha reta pelo fato do custo elevado de cada metro de linha de transmissão. Um voo de helicóptero entre dois pontos da cidade ou o voo de avião entre duas cidades também deve ser realizado em linha reta para economia de combustível. No Google Maps não há a opção de cálculo da distância em linha reta entre dois pontos do mapa. Nesse ponto é que se inicia o trabalho de Educação Matemática, em que o professor irá mediar a descoberta do conceito de escala pelos alunos. Inicialmente o professor deve apenas lançar o desafio “qual é a distância real em linha reta entre sua casa e a sua escola?”. Possivelmente alunos dos

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anos iniciais do ensino fundamental, que ainda não tiveram acesso ao ensino desse conceito, não conseguirão resolver essa questão. Mas de qualquer forma é interessante fazer um brainstorming com as possibilidades apresentadas pelos alunos. Nesse ponto teremos duas atividades principais a serem desenvolvidas. Primeiramente devemos fazer a mediação para o cálculo da distância em linha reta entre os dois pontos do mapa. Para isso, se faz necessário que os alunos observem que o mapa já possui uma escala (representada na parte inferior direita da Figura 1, marcada pela elípse de cor vermelha). Se faz necessário que o professor traga os alunos para a reflexão do significado do conjunto número e imagem da escala do mapa.

Figura 1: mapa do Google Maps apresentando a distância em linha reta (em vermelho) entre a casa de um aluno e a sua escola Fonte: criado pelo autor

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A escala do mapa da Figura 1 (elípse em vermelho) nos indica que a cada distância no mapa indicada pela representação equivale a 100 metros da distância real. Desse modo, para calcularmos a distância real entre os dois pontos do mapa, basta medirmos com uma régua1 os tamanhos da distância em linha reta no mapa da Figura 1 e o tamanho da escala. Nesse caso obtemos: Distância no mapa entre os pontos A e B: 8,3cm Tamanho da escala: 1,8 cm Com uma simples regra de proporcionalidade podemos determinar a distância real entre os pontos A e B do mapa da Figura 1: 1,8 cm

100 metros

8,3 cm

x metros

A relação de proporcionalidade entre as medidas do mapa (escala e distância entre os pontos A e B) e a escala de 100 metros nos indica que cada 1,8 cm de distância no mapa equivale a 100 metros reais. Para resolver esse problema de proporcionalidade basta calcularmos quantas vezes o tamanho 1,8 cm cabe dentro do tamanho 8,3 cm, ou seja, basta dividirmos 8,3 por 1,8 e encontrarmos o valor de aproximadamente 4,6. Ou seja, a distância entre os pontos A e B é

1. Esta medida pode ser realizada diretamente na tela do tablet os smartphone ou pode-se imprimir os mapas para um melhor manuseio dos equipamentos de medida.

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equivalente a aproximadamente 4,6 vezes o tamanho geométrico da representação da escala no mapa da Figura 1. Como cada tamanho da escala geométrica do mapa equivale a 100 metros, podemos concluir que a distância entre os pontos A e B é equivalente a 4,6 x 100 metros que é igual a 460 metros. Em um segundo momento devemos representar a escala do mapa em forma de razão entre dois números. Faremos isso não apenas pelo fato de a razão ser um conteúdo sempre presente nos manuais de ensino e currículos de ensino básico, mas também pelo fato de que em diversos tipos de mapas e projetos de engenharia e arquitetônicos a escala é apresentada dessa forma. Escalas normalmente são apresentadas na forma 1:20, 1:50, 1:100, 1:1000 etc. O primeiro número representa 1 cm no desenho ou mapa e o segundo número o equivalente em centímetros na realidade. Notamos que de modo geral utilizamos números inteiros e o primeiro número é sempre uma unidade. Isto é um padrão, mas de forma inicial poderíamos representar a escala do mapa da Figura 1 como sendo 1,8:100m (1,8 cm no desenho representa 100 metros no real). Isso se deve ao fato de que nossa visualização no Google Maps foi feita de forma aleatória, porém, podemos dividir os números dessa escala por 1,8, obtendo com isso uma nova escala 1:55,5m (1 cm no desenho representa 55,5 metros no real). Percebemos que as características de nossa atividade se aproximam com os conceitos de m-learning2 e u-learning3. Segundo Va-

2. Mobile-learning ou aprendizagem móvel 3. Ubiquos-learning ou aprendizagem ubíqua

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lente (2014), devemos pensar para além de uma visão tecnocentrista dos dispositivos móveis e do m-learning, onde podemos considerar que a aprendizagem por meio das TMSF nos possibilita convergência de mídias, mobilidade e conectividade para aprender em qualquer lugar. Isso também faz parte e é importante, porém, necessitamos possuir “uma preocupação com os aspectos pedagógicos e sociais”, e desse modo procurar compreender o uso das TMSF, ou o m-learning, como um conjunto de tecnologias, habilidades e ações pedagógicas que enriquecem o ambiente de aprendizagem possibilitando uma visão complexa que engloba “aluno, tecnologia e o contexto”. (VALENTE, 2014, p.43). Já para Santaella (2010) as TMSF possibilitam a convergência de continuidades de tempo e espaço e, dessa forma, o acesso à informação a qualquer tempo e lugar. Assim, surgem novos processos de aprendizagem abertos, que se aproximam do conceito de u-learning que são descritos por ela como: Processos de aprendizagem abertos significam processos espontâneos, assistemáticos e mesmo caóticos, atualizados ao sabor das circunstâncias e de curiosidades contingentes e que são possíveis porque o acesso à informação é livre e contínuo, a qualquer hora do dia e da noite...é para essa direção que aponta a evolução dos dispositivos moveis, atestada pelos celulares multifuncionais de última geração, a saber: tornar absolutamente ubíquos e pervasivos o acesso à informação, a comunicação e a aquisição de conhecimentos (SANTAELLA, 2010, p. 19).

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A atividade proposta é apenas uma demonstração de como um conceito matemático pode ser trabalhado dentro da ideia de Situação de Aprendizagem Digital. Podemos notar que as três etapas da Situação de Aprendizagem Digital foram realizadas na atividade e também possibilitamos a abertura para uma postura epistemológica construtivista por parte de professores e estudantes. Para finalizar o estudo do conceito o professor pode ainda utilizar o livro didático para uma melhor formalização do conceito de escala e apresentar novas atividades para a determinação de escalas em diversos mapas e desenhos.

Referências BARRETO, V. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte & Ciência, 1998. BONILLA, M. H. S. Escola aprendente: comunidade em fluxo. In: FREITAS, M. T. A. Cibercultura e formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. BORBA, M. C. Informática e educação matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: matemática. Brasília: MEC, 1998. BRITO, Gláucia da Silva. Educação e nova tecnologias: um (re)pensar. Curitiba: Ibex, 2011. COSTA, M. V., & Momo, M. (2009). On the “convenience” of school. Revista Brasileira de Educação, 14(42), 521–533. FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artmed, 1993. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2009. LEMOS, A. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2013.

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MELO, M.S. L. & BELLEMAIN, P.M.B. A abordagem do conceito de escala em livros didáticos para o terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: uma análise à luz da teoria dos campos conceituais. SIPEMAT, UFPE, Recife, 2016. Anais..., 2006. PASSARELLI, B. A Escola do Futuro (USP) na construção da cibercultura no Brasil: interfaces, impactos, reflexões. O Estatuto da Cibercultura no Brasil. v.34, n.01, 2011. SANTAELLA, L. A aprendizagem ubíqua substitui a educação formal? Revista de Computação e Tecnologia (ReCeT), v.2, n.1, 2010. VALENTE, J. A. O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: UNICAMP/NIED, 1999. ______. Aprendizagem e mobilidade: os dispositivos móveis criam novas formas de aprender? In: ALMEIDA, M. E. B.; ALVES, R. M.; LEMOS, S. D. V. (Orgs.). Web currículo: aprendizagem, pesquisa e conhecimento com o uso de tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2014.

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CapĂ­tulo 2 46


Como usar a criatividade para desenvolver jogos e melhorar a aprendizagem dentro e fora da sala de aula Pedro Henrique Andrade de Santana (Unibratec) Amaro Virginio da Silva Neto (UFRPE)

Introdução Os cursos voltados para o ensino técnico se popularizaram nos últimos anos por causa do desenvolvimento econômico e apoio do governo brasileiro para sua disseminação. Porém, os alunos encontram dificuldades durante o curso tanto no aprendizado como relacionado a fatores externos, o que causa a interrupção do curso. A evasão escolar é um problema sério no Brasil, segundo a Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 3,7 milhões de meninos e meninas entre 04 e 17 anos de idade estão fora da escola no Brasil e isso é causado por vários fatores como trabalho infantil, fracasso escolar, desigualdades sociais e a baixa renda das famílias (CINTI, 2016). A desmotivação dos alunos é outro problema no ensino e pode ser causada por diversos fatores: condições contextuais e físicas do aluno; condições físicas das escolas, falta de atividades diversas; e professores incapacitados (MORAES, 2007).

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Os educadores são fundamentais para a motivação dos alunos porque são eles que, mesmo nas adversidades de falta de materiais e espaço físico, criam um ambiente estimulador para a aprendizagem do aluno (CARVALHO, 2007). Logo quando comecei a lecionar em um curso técnico a disciplina de montagem e manutenção de computadores percebi que os interesses dos alunos eram bastante diferentes, muitas vezes não davam devida atenção ao assunto ministrado em sala de aula. Observei também outro problema, a dificuldade de aprendizado de alguns alunos devido aos assuntos que envolviam simples cálculos e fórmulas. Outra questão eram as faltas: os alunos por terem faltado apenas um sábado não conseguiam acompanhar a disciplina, pois o assunto era continuação da aula anterior. Por isso identifiquei que o papel do professor é engajar da melhor forma possível os alunos usando a criatividade, já que criatividade é para resolver problemas. A solução encontrada, foi desenvolver um jogo usando as técnicas de criatividade. Este trabalho está estruturado da seguinte maneira: a seção 2 irá tratar sobre a Gamificação, a seção 3 sobre a reaprendizagem criativa, a seção 4 sobre o desenvolvimento do jogo e a seção 5 sobre a sua avaliação e implementação.

Gamificação Há muito tempo a humanidade usa jogos para o entretenimento. No Brasil os jogos tradicionais (War, banco imobiliário e detetive, por exemplo) fizeram muito sucesso anos atrás, mas com

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o advento da tecnologia os jogos digitais ganharam um espaço maior no mercado brasileiro. Em uma pesquisa realizada pelo Ibope (2012), com 66 milhões de brasileiros, descobriu que 61% possuem vídeogames. Uma maioria de homens (68%), pertencentes às classes A e B, e com idades entre 12 e 34 anos. Dentre esses jogadores, 47% são também estudantes. Com o advento dos smartphones outra pesquisa demonstrou que 82% dos brasileiros jogam através da plataforma mobile (ARAUJO, 2015). Isso demonstra que uma metodologia de ensino baseada em games (Gamificação) pode ser bem aceita entre os brasileiros. A gamificação é o conceito que informa ser possível aprender a partir de games, encontrando elementos dos games que podem melhorar uma experiência sem desprezar o mundo real, tornando-o divertido e engajador (ALVES, 2014). O termo Gamificação originou-se na indústria de mídias digitais, tornando-se amplamente utilizado a partir de 2010, e refere-se ao uso de elementos de jogos como estética, mecânica e dinâmica em contextos não relacionados ao jogos, para influenciar e motivar pessoas, oferecendo recursos como recompensa e sistemas de reputação por pontos, emblemas, medalhas, níveis, quadro de líderes, prêmios virtuais e avatares (SILVA et al., 2015). Dentre os objetivos da Gamificação podemos destacar: tornar a tecnologia mais atraente, estimular os usuários a se engajarem com comportamentos desejados, mostrar um caminho para o domínio e autonomia, ajudar a resolver problemas sem ser uma distração, e tirar vantagem da predisposição psicológica humana de se engajar

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em jogos. Essa técnica pode encorajar as pessoas a realizar tarefas que elas normalmente considerariam chatas, como completar questionários, fazer compras, completar formulários de impostos ou leitura de sites. Outro benefício da Gamificação segundo Seixas (2014) é o engajamento dos alunos, que entre tantos aspectos proporciona ao professor uma visão geral do comportamento dos seus alunos, em termos de comportamento na sala de aula e habilidades cognitivas adquiridas. Além disso, permite aos alunos reconhecerem quais competências foram alcançadas e quais precisam ser adquiridas. Para Shiratuddin (2011) jogos provêm as melhores formas de visualizar tarefas e ilustrar as situações ocupacionais, sendo hábeis para direcionar o estudante para o engajamento nas atividades e desafios motivacionais. Ainda de acordo com Shiratuddin, os estudantes são motivados através de fatores divertidos, desafios e retorno instantâneo na relação com o, visual e interativo, ambiente de jogo. O trabalho de Morsi e Jackson (2007) mostrou que o uso de jogos na área acadêmica indicou um sucesso no aspecto de interesse pela pesquisa educacional. Já Yue e Jing (2015) afirmam que a maioria dos estudantes universitários concordam com a implementação de um sistema educacional baseado em jogos, por que ele pode prover uma melhor explanação de conceitos, confrontar o problema, disponibilizar diversas possibilidades e fazer os estudantes entenderem as consequências de suas escolhas. Para o desenvolvimento de um jogo eletrônico é necessário tanto a experiência artística quanto a de programação intensiva sendo aplicada na teoria educacional. Porém essa grande necessi-

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dade de expertise para desenvolvimento do jogo acaba limitando no a ação em áreas que as pessoas têm pouca familiaridade com programação ou design. Portanto, este capítulo buscou colocar o conceito de Gamificação num contexto mais amplo, em que pessoas sem expertise em informática pudessem aplicá-lo em aulas como história, geografia ou matemática, utilizando a abordagem de aprendizagem criativa.

Reaprendizagem criativa Segundo Chiavenato (2008), “criatividade significa a aplicação da engenhosidade e imaginação para proporcionar uma nova ideia, uma diferente abordagem ou uma nova solução para um problema”. Já Robbins (2000) descreve criatividade como “capacidade de articular ideias de uma maneira única ou de fazer associações incomuns entre elas”. Ainda segundo Robbins (2005), “A maioria das pessoas tem um potencial criativo que pode ser usado quando elas se confrontam com a necessidade de solucionar problemas”. Muitos pensam que criatividade é um dom ou simplesmente é fazer algo novo que nunca foi feito antes e cria um bloqueio: a ideia de ser “incapaz” ou de simplesmente não ter nascido criativo. Esse paradigma precisa ser quebrado e esquecido. De acordo com Alencar (2007) a criatividade não é algo que acontece por acaso, ela pode ser deliberadamente empregada, gerenciada, desenvolvida, cabendo à escola maximizar as oportunidades de expressão da criatividade nos processos de ensino e aprendizagem.

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Desenvolvimento Como a criatividade despertou o interesse de elaborar um jogo? Já que eu tinha um problema de aprendizado em sala de aula e precisava de uma solução, resolvi conectar os meus repertórios. Peguei todos os meus conhecimentos adquiridos nesses 15 anos na área técnica de Informática e 5 anos lecionando o curso de montagem e manutenção de computadores, lendo sobre jogos lúdicos e jogando bastante jogos de tabuleiro, e resolvi realizar as conexões entre essas áreas. Eu não precisei criar nada novo, só precisei conectar algo já existente. A única coisa que posso dizer ser nova é a maneira ou a forma de transmitir algumas etapas do curso em forma de jogo em poucas horas.

Contexto Sabendo-se da facilidade para o aprendizado que os jogos possibilitam e partindo de um problema encontrado no curso de montagem e manutenção de computadores, resolvi desenvolver um jogo de tabuleiro que pudesse ser usado para auxiliar no curso. As aulas ocorrem aos sábados, em um intervalo de 3 horas e são ofertadas para jovens e adultos que queiram entrar na área de informática (não querem depender de ninguém para conserta seu próprio computador). As turmas costumam ser bastante heterogênea, assim como os objetivos cada um dos alunos.

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O jogo proposto neste capítulo tem o objetivo de auxiliar na montagem e manutenção de computadores, suas etapas são apresentadas na Tabela 1. Fases

Descrição

Planejamento

É feito o levantamento das necessidades do cliente para configuração adequada do computador.

Elétrica

É ensinado o dimensionamento da fonte do computador, baseado na soma de todas as potências dos componentes internos do gabinete, dimensionamento dos fios e disjuntores e o dimensionamento do dispositivo que fornece energia para a fonte (estabilizador, nobreak ou modulo isolador). Por último é selecionado o tipo de aterramento adequado.

Montagem

São apresentados os componente de um computador e suas

Sistemas

finalidades, assim como onde eles são encaixados. Após

Operacionais

aprender a parte de montagem o aluno vai aprender a instalar o Sistema Operacional.

Tabela 1: descrição das fases de montagem e manutenção de jogos

O jogo ira abordar todas as fases mencionadas exceto a instalação de Sistemas Operacionais. Após a aplicação do jogo, os participantes estarão aptos a conhecer todos os componentes de um computador e dimensionar a parte elétrica conforme a Tabela 2.

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Componentes

Descrição

Placa mãe (onboard e offboard)

Placa principal do computador.

Placas de expansão (rede, vídeo, som)

As placas que se encaixam na placa mãe.

Tipos de memória RAM, HD´s (SATA, IDE e SSD)

Memória RAM: armazena as informações que estão sendo processadas; HD: local onde são armazenadas as informações: fotos, vídeos etc.

Teclado/Mouse/Monitor

Dispositivos de entrada e saída

Gabinete

Estrutura onde ficam todos os componentes internos do computador.

Exaustores

Retira o calor do interior do gabinete.

Processador

Processa todas as informações do computador.

Fonte

Fornece energia aos componentes do gabinete.

Estabilizadores

Fornece energia para a fonte do computador.

Nobreak

Fornece energia para a fonte do computador e é provido de bateria, que armazena energia reserva.

Módulo isolador

Fornece energia para a fonte e elimina a necessidade de aterramento.

Componentes de um aterramento

Reduz o risco choques elétricos.

Dimensionamento de componentes

Fonte, estabilizador, nobreak, módulo isolador.

Cálculo do consumo mensal

Valor em monetário a ser gasto para suprir energia elétrica para o computador

Tabela 2: componentes que os alunos devem aprender com o jogo

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A proposta é reduzir de 05 (cinco) semanas de aula para 03 (três) horas, apenas jogando, antes de partir para etapa de instalação de sistemas operacionais.

Concepção do Jogo A criação do jogo teve como referência o uso das técnicas de criatividade aprendidas no Curso de Reaprendizagem Criativa, ministrado por Murilo Gun (2016). No curso são explicadas as técnicas de criatividade, que podem ser aplicadas para resolver quaisquer tipos de problema. Os passos da técnica de criatividade são: (1) Inputs; (2) Repertório; (3) Conexões; (4) Output; e (5) Validação e Feedback.

Figura 1: fases da aprendizagem criativa

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Os Inputs são a identificação de todas as suas experiências, sejam elas profissionais ou de vida. Então, quanto maior for o seu repertório adquirido através dos Inputs, mais conexões serão possíveis de realizar. É possível dizer que quanto mais se lê sobre assuntos diversos ou se experimenta coisas novas, mais recheado se torna nosso repertório. Não é porque um pessoa tem sua formação ligada a uma área específica, como, por exemplo, Ciência da Computação, que tenha ela que ler apenas assuntos sobre tecnologia. Assim também os professores não necessariamente vão se interessar apenas por leituras relacionadas com a educação. As Conexões são as combinações de vários elementos de um repertório com a intenção de gerar ideias e/ou soluções para um determindado problema. Essa etapa é a parte mais complexa e que solicita maior dedicação e foco. É importante que durante as conexões se registre tudo o que é produzido, utilizando-se para isso das mais diversas técnicas. No Output retiramos a ideia do papel, procurando meios para desenvolver aquilo que foi conectado. No desenvolvimento do jogo que apresento neste capítulo, por exemplo, o output foi o momento em que busquei ou desenvolvi os materiais que o compõem, como a impressão do tabuleiro e cartas, a confecção da caixa, a compra de peças etc. A execução do output é chamada de Hardwork. Por último, a fase de Validação e Feedback é o momento que a ideia é posta em prática e se observa se ela gerou resultados positivos e se realmente alcançou o objetivo desejado. Essa é a hora de saber se sua ideia funciona ou não. O feedback vai indicar onde é necessário melhorar e o que é preciso fazer para se buscar a perfeição.

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As fases da aprendizagem criativa são implementadas e demonstradas na Tabela 3, onde apresento as atividades de desenvolvimento do trabalho.

Fases

Atividades

Problemas

• •

Levantamento do repertório

• • • •

não ter uma boa base do colegial, não conhecer a lei de Ohm para poder aplicar nos dimensionamentos de equipamentos; evasão: alunos que precisavam faltar e não conseguem assimilar o conteúdo atual; alunos que só estão estudando porque ganharam bolsas ou para desejam apenas agradar aos pais.

texto escrito e vídeo para relembrar a lei de Ohm; 15 anos de experiência na área de montagem e manutenção de micro; ler sobre como os jogos ajudam a melhorar o aprendizado; utilização de jogos de tabuleiro durante o decorrer da vida (Banco Imobiliário por exemplo, já que no é proposta a compra de equipamentos e o uso de cédulas. Experiência em sala de aula.

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Combinações de repertório

• •

• •

aplicar dentro do jogo o uso da lei de Ohm para dimensionamento elétrico; usar a experiência de 15 anos na área de tecnologia para identificar os componentes internos do gabinete; usar a experiência do jogo de tabuleiro para montar o jogo; usar a experiência dentro de sala de aula para auxiliar na aplicação do jogo.

Output

montar o tabuleiro, fazer as cédulas, as marcações, encomendar a caixa e pôr em prática, realizando testes de validação.

Validação e Feedback

Após a aplicação do jogo, realizar uma prova para saber se os alunos realmente aprenderam o conteúdo. Pedir a eles que deem sugestões para melhoria do jogo. Tabela 4: atividades da aprendizagem criativa

Depois de realizada a execução das fases das técnicas de criatividade, foi desenvolvido o protótipo do jogo (Figura 2). O jogo é destinado não apenas para pessoas que estão cursando o curso técnico de montagem e manutenção de computadores. Ele é voltado para toda a família e inclui crianças a partir dos 10 anos. No jogo é distribuída uma quantia em dinheiro para cada componente. No decorrer da partida eles terão a opção de comprar ou não um determinado componente. Caso escolham comprar, devem preencher uma ficha com o tipo e a potência do componente. Ao final apresenta-se a somatória das potências dos componentes no tabuleiro.

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Existe uma casa no tabuleiro que é para retirada de certificado, (o jogador decide se quer ou não o certificado). Quando se alcança a casa “o computador quebrou”, apenas os jogadores que decidiram pelo certificado podem consertar a máquina, e por realizarem o conserto, eles recebem um valor em reais pelo serviço. Os participantes também poderão negociar as peças compradas, já que muitas vezes algumas peças não são compatíveis com outras. Ganha o jogo quem conseguir montar o computador mais caro e também mantiver o maior saldo de reserva em dinheiro. O placar final é a soma desses dois valores.

Figura 2: protótipo Hardwork

Validação Foram realizados alguns testes de campo tanto em ambiente familiar quanto em ambiente escolar (Curso Profissionalizante Workplus e Instituto Federal de Pernambuco IFPE - Palmares) e foram observadas algumas particularidades em comum:

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Na primeira rodada ninguém lia o manual de forma apropriada. Os jogadores saiam comprando aleatoriamente os componentes internos e demoravam a fazer os cálculos. Passadas duas horas, não havia negociação entre os participantes, ninguém fazia os cálculos do consumo mensal do computador montado e muitas vezes não se chegava a concluir o jogo. A segunda rodada despertava o interesse de ler o manual. Os participantes ficavam mais críticos na escolha dos componentes e já havia negociação para troca de componentes. O cálculo mensal era feito de forma simples.

Figura 3: aplicação em ambiente familiar

Figura 4: aplicando o jogo no Workplus

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Figura 5: tomada de decisão durante o jogo. IFPE - Campus Palmares

Conclusão Com o uso da técnica de criatividade foi possível desenvolver um jogo que facilitasse a aprendizagem em sala de aula, assim como possibilitar que pessoas “não técnicas” aprendessem o básico sobrem montagem de computadores. O jogo acabou servindo para quebrar o bloqueio que normalmente um aluno tem no primeiro contato com a matéria, pois agrega valor lúdico à aula. Entre as pessoas que não tinham familiaridade com o assunto (neste trabalho, montagem de computadores) observamos o interesse de querer conhecer mais os componentes internos, desenvolvendo a capacidade de realizar os cálculos de dimensionamento da parte elétrica e a analise de compatibilidade de um processador com a placa mãe. Em sala de aula o jogo ajudou a melhorar o aprendizado das competências, aumentou a percepção, o relacionamento, o foco, a estratégia na hora de montar a melhor máquina, a negociação na

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Como usar a criatividade para desenvolver jogos e melhorar a aprendizagem...

hora de trocar os equipamentos comprados e o engajamento. Com o jogo foi possível sintetizar quatro semanas de aulas em apenas 3 partidas e diminuir a evasão. As técnicas de criatividade podem ser usadam para qualquer disciplina. Como trabalho futuro será desenvolvido um jogo sobre educação alimentar, onde será necessário adicionar um repertorio diferente com o auxílio de um especialista em nutrição.

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CapĂ­tulo 3 64


Contextualização e aplicações dos objetos de aprendizagem: um cenário nas ciências da saúde Ângelo Jesus (P.PORTO) Maria João Gomes (U.Minho)

Introdução Com a evolução das tecnologias de comunicação e informação e a adoção de práticas de e-learning por parte das instituições de ensino superior, verifica-se um crescente interesse pela problemática dos “objetos de aprendizagem” (OA). O conceito de objeto de aprendizagem é um conceito complexo, relativamente ao qual encontramos múltiplas definições (MCGREAL, 2004) com ênfase em aspetos diferenciados, normalmente revelando os interesses primordiais e o foco de análise dos diferentes autores (WELLER; PEGLER; MASON, 2003) De fato o conceito de “objeto de aprendizagem” ou “learning object” é hoje um dos conceitos mais discutidos no domínio da educação a distância e do e-learning, quer no que concerne a sua definição conceptual e amplitude, quer no que concerne ao seu potencial pedagógico:

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There has been much interest within e-learning on the potential of learning objects to radically transform the manner in which learning material is produced, stored, manipulated and experienced (WELLER; PEGLER; MASON, 2003).1 Apesar do debate em torno das características dos OA, e das implicações dessas mesmas características em termos pedagógicos, torna-se cada vez mais evidente que a adoção de ambientes online como ambientes de aprendizagem formal (sem descurar o potencial destes ambientes em contextos de aprendizagem não formal ou informal) não poderá deixar de considerar os OA como elementos de relevo na sua estruturação, nomeadamente no que concerne à forma como os materiais de ensino e de aprendizagem são concebidos e utilizados. Importa ter presente que, apesar da importância intrínseca dos aspetos tecnológicos associados à construção, armazenamento, catalogação e indexação ser uma preocupação legítima e essencial de investigadores e outros profissionais, nem sempre este foco de abordagem à problemática do OA é particularmente relevante ou compreensível pelos professores e investigadores do campo educacional, podendo até constituir um obstáculo à sua utilização por parte dos mesmos:

1. Tem havido muito interesse sobre o potencial de objetos de aprendizagem para transformar radicalmente a maneira pela qual o material de aprendizagem é produzido, armazenado, manipulado e experienciado (WELLER; PEGLER; MASON, 2003).

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For instance the IMS2 consortium has specifications for metadata, sequencing, and content packaging, all of which are highly and often impenetrable, if non incomprehensible, for the non-expert educator. There is very little available practice-based advice on what it actually means for an educator to work with learning objects and how this affects the type of education material they produce (WELLER; PEGLER; MASON, 2003).3

Objetos de aprendizagem: conceito técnico ou pedagógico? Independentemente da perspetiva (com uma incidência nos aspetos mais técnicos ou nos aspetos mais pedagógicos), a produção e utilização de OA afigura-se como um cenário em expansão num contexto de crescente integração de práticas de e-learning nas instituições de ensino superior, envolvendo na sua conceção e implementação investigadores e profissionais associados à área do desenvolvimento multimédia e à área do ensino. Nesse sentido,

2. De uma forma breve, o IMS (Instructional Managment System) Global Consortium, estabelece um conjunto de padronizações para o objeto de aprendizagem, de forma a que este possa ser tecnicamente “empacotado” e apresentado em diferentes LMS. 3. Por exemplo, o consórcio IMS tem especificações para metadados, sequenciamento, e empacotamento de conteúdo, todos os quais são altamente e muitas vezes impenetráveis, se não incompreensíveis, para o educador não-especialista. Há muito pouco aconselhamento baseado na prática disponível sobre o que realmente significa para um educador para trabalhar com objetos de aprendizagem e como isso afeta o tipo de material educativo que produz (WELLER; PEGLER; MASON, 2003).

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torna-se urgente divulgar práticas já em curso, partilhar experiências adquiridas e disseminar o conhecimento nesse domínio. É nesse contexto que se apresenta e discute neste texto um processo de conceção, desenvolvimento e avaliação de objetos de aprendizagem, procurando dessa forma contribuir para o desenvolvimento dessa área do conhecimento. McGreal (2004) apresenta e discute com pormenor a diversidade de definições e terminologia associada aos OA, procurando identificar aspetos comuns e diferenciadores de várias perspetivas, identificando diferentes níveis de abrangência do conceito e considerando o possível enquadramento de diferentes definições e perspetivas de acordo com uma dicotomia entre “objetos digitais” ou de natureza “não digital” e entre “objetos” especificamente dirigidos para a promoção de aprendizagens ou de “uso genérico”. No contexto do presente capítulo adotaremos como conceito e definição operacional de OA a perspetiva seguida por Weller; Pegler; Mason (2003) segundo a qual “(…) a learning object is a digital piece of learning material that addresses a clearly identifiable topic or learning outcome and has the potential to be reused in diferent contexts.”4 No mínimo, um OA digital deve consistir de conteúdo e de uma interface. O conteúdo é constituído a partir de assets, que são os materiais ou “blocos” que compõem o objeto de aprendizagem: imagens, texto, vídeos etc. A interface é a parte do objeto de aprendizagem com a qual o utilizador interage. Essa inclui o

4. (…) um objeto de aprendizagem é um material digital de aprendizagem que aborda um tema ou resultado de aprendizagem claramente identificáveis, e tem o potencial para ser reutilizado em diferentes contextos.

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design gráfico, elementos de navegação, e outros controlos que o utilizador vê e pode manipular. Um interface pode ser tão simples como uma única página da Web que apresenta textos e imagens, ou tão complexo como um painel de controlo para definir os parâmetros de uma experiência laboratorial (SMITH, 2004). Desde cedo, as comunidades de prática dedicadas à produção de objetos de aprendizagem, utilizaram metáforas para explicar de forma mais clara esse conceito. A metáfora dos blocos LEGO™ foi provavelmente a primeira e estabelece que os objetos de aprendizagem, assim como o seu comportamento, poderiam ser comparados a blocos desse brinquedo. Em qualquer bloco de LEGO™ a existência de pinos fixos e os furos correspondentes permite que peças com cor, tamanho e forma diferentes possam ser encaixadas (qualquer que seja a combinação) com o objetivo de construir grandes estruturas. Essas por sua vez podem voltar a ser desconstruídas, e novamente reutilizadas noutra construção (WILEY, 1999). Contudo a facilidade e simplicidade que se encontram associadas a essa metáfora pode ser enganadora uma vez que leva o leitor a assumir que: •

cada bloco pode ser combinado com qualquer outro bloco;

os blocos podem ser montados de qualquer maneira;

os blocos são tão simples que qualquer pessoa os pode combinar.

De forma a colmatar essas incongruências, Wiley (2000) aposta numa nova metáfora – a metáfora do átomo – chamando a atenção

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para alguns pontos essenciais: nem todos os átomos são combináveis; os átomos só podem ser combinados de acordo com uma estrutura interna, e alguma formação é necessária para combinar diferentes átomos (WILEY, 2000). Segundo o próprio “a person without understanding of instructional design has no more hope of successfully combining learning objects into instruction than a person without an understanding of chemistry has of successfully forming a crystal” (WILEY, 2000).5 Além do design instrucional, é crucial conhecer os modelos pedagógicos e os paradigmas educacionais que servem de suporte à construção de um curso para que esse cumpra com o seu objetivo: sucesso na aprendizagem. Essa afirmação leva-nos a considerar outra perspetiva dos OA, a perspetiva pedagógica, que iremos explorar adiante.

Caractarísticas dos objetos de aprendizagem e enquadramento pedagógico Existem diversas especificações que caracterizam os OA e justificam o uso e o investimento na sua produção, sendo que, em articulação com Sicilia e García (2003), Simone (2006), Carvalho (2008) e Figueiredo (2010) podemos enumerar as seguintes:

5. Uma pessoa sem compreensão do design instrucional não tem mais probabilidade de sucesso combinando OA para a aprendizagem do que uma pessoa sem uma compreensão da química tem de formar com sucesso um cristal (WILEY, 2000).

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1. Reutilização: o carácter único e indivisível do OA facilita a sua reutilização em diferentes contextos e temas relacionados. A reutilização varia de acordo com a granularidade do OA. Um objeto de menor conteúdo tem maiores probabilidades de ser reutilizado em diferentes contextos, do que um objeto que foi concebido abarcando um conteúdo de caráter mais amplo e abrangente; 2. Usabilidade: o nível de usabilidade de um objeto de aprendizagem deve possibilitar que os utilizadores o usem com satisfação, eficácia e eficiência. Um OA pode estar bem concebido em termos de funcionalidade, mas se a sua usabilidade não for boa, o utilizador irá rejeitá-lo; 3. Interoperabilidade: os OA devem possuir características técnicas que permitam o seu repositório e a sua utilização em diferentes plataformas/suportes tecnológicos; 4. Recuperabilidade: o objeto de aprendizagem deverá ser facilmente pesquisável através dos metadados indexados ao mesmo; 5. Flexibilidade: o objeto deve ser concebido com um grau de granularidade e com um design que permita a sua utilização em diferentes contextos, evitando a necessidade de ser redesenhado de modo a enquadrar-se no novo contexto;

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6. Acessibilidade: a conceção e implementação do OA deve ter em consideração a sua utilização por pessoas com necessidades especiais decorrentes de limitações sensório-motoras; 7. Durabilidade: independentemente das alterações a que a tecnologia se encontra sujeita, o objeto de aprendizagem deve ter a capacidade de poder continuar a ser utilizado, aspeto que está intimamente associado à sua interoperabilidade; 8. Autonomia: o objeto de aprendizagem deve ser autoexplicativo, podendo ser usado de forma autónoma para atingir determinados objetivos educacionais. Note-se que, frequentemente, os objetos de aprendizagem não cumprem integralmente todos os princípios e características que acabamos de enunciar havendo mesmo autores que consideram que o cumprimento escrupuloso de alguns princípios conceptuais de natureza mais tecnológica pode constituir um obstáculo em termos de determinadas conceções e perspetivas pedagógicas nomeadamente pela dificuldade em assegurar uma “narrativa educacional” adequada: One potential disadvantage of the learning object approach is the loss of what might be termed the ‘educational narrative’ which is inherent in most courses. In conventional, face-to-face settings educators themselves construct such a narrative through a number of subtle devices. (…) In addition many educators will make explicit cross-references

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between concepts, thus encouraging students to make connections. Similarly in traditional distance education the teaching text has been designed as an integrated, linear narrative, binding together different concepts, ideas, facts etc. into a cohesive whole with frequent reference back and forward to earlier and subsequent material.By making each object autonomous, this explicit integration in learning material is lost in the learning object approach (WELLER; PEGLER & MASON; 2003).6 Os objetos de aprendizagem representam atualmente importantes mediadores na educação a distância, mas dispor apenas os conteúdos não garante o sucesso da aprendizagem; a motivação torna-se um fator fundamental a ser considerado na construção do OA (PREVEDELLO, 2011). De acordo com Lewis; Stoney; Wild (1998) se o interface não for corretamente projetado, o estudante não será intrinsecamente motivado a usar o OA ou a aprender com ele. Uma estratégia motivacional eficaz passa por capitalizar os interesses

6. Uma desvantagem potencial da abordagem com objetos de aprendizagem é a perda do que poderia ser chamado de “narrativa educativa”, que é inerente à maioria dos cursos. Em configurações convencionais, face-a-face, os próprios educadores constroem essa narrativa através de um número de dispositivos sutis. (...) Além disso, muitos educadores farão referências cruzadas explícitas entre conceitos, incentivando assim os alunos a fazer conexões. Da mesma forma na educação a distância tradicional, o texto de ensino foi concebido como uma narrativa integrada, linear, unindo diferentes conceitos, idéias, fatos etc. em um todo coeso com referência frequente para trás e para a frente para material anterior e posterior. Fazendo com que cada objeto autônomo, essa integração explícita no material de aprendizagem é perdida na abordagem de objetos de aprendizagem. (WELLER; PEGLER & MASON; 2003)

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pessoais e valores do próprio estudante. Geralmente isso levará o estudante a atribuir significado e importância à aprendizagem, a atribuir-lhe valor e como tal estará mais empenhado na realização das tarefas e atividades necessárias. Em função desses fatores entende-se que os objetos de aprendizagem devem ser projetados não só de forma conceptual e pedagógica, mas também considerando técnicas e dinâmicas de motivação da aprendizagem. Ao contrário do que seria desejável nesse novo panorama tecnológico, são pouco frequentes os objetos com os quais o aluno pode interagir de forma significativa, estando a sua atuação limitada a fazer cliques para que o sistema apresente informações e realize cálculos (NASCIMENTO, 2007). O problema de grande parte dos OA está nas estratégias pedagógicas escolhidas para atingir os objetivos propostos, pois focam a aplicação de regras e não a compreensão e aplicação dos conhecimentos. Assim, um aluno dificilmente será desafiado a fazer conjeturas e a formular hipóteses sobre os fenómenos estudados (BALLANTYNE; KNOWLES, 2007; NASCIMENTO, 2007). Adicionalmente, situações em que conceitos e conteúdos dos OA de difícil compreensão (devido à natureza abstrata ou contrária à experiência pessoal ou ao senso comum) são indevidamente apresentados, podem criar ou reforçar ainda mais conceções erradas (FLICK; BELL, 2000). A crescente autonomia dada ao indivíduo no processo de aprendizagem, possível graças à utilização adequada da interatividade, deve ser encarada como um dos principais objetivos no desenvolvimento dos objetos digitais de aprendizagem (MONTEIRO et al., 2008). Não devemos esquecer que os estudantes contemporâneos

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são utilizadores ativos de software e jogos e como tal apresentam altas expectativas relativamente à qualidade, acesso e interatividade dos conteúdos digitais. Os objetos de aprendizagem devem possibilitar ao estudante, explorar diferentes caminhos, acompanhar a evolução temporal de acontecimentos ou fenómenos, verificar relações de causa-efeito, criar e comprovar hipóteses, relacionar conceitos, e resolver problemas, de forma atrativa, tal como num jogo (GALLO; PINTO, 2010). Essas oportunidades de exploração, navegação e descoberta devem estimular a autonomia das ações e as escolhas do estudante. Esses pressupostos estarão na génese do tipo de objeto de aprendizagem a criar – um estudo de caso; uma simulação; um jogo ou apenas um conteúdo instrucional de apoio a outras atividades. Do ponto de vista prático, interessa também ao professor explorar as alternativas de implementação do objeto de aprendizagem nas suas práticas educacionais, mas mais importante, a forma como será apresentado ao estudante. O OA (segundo a sua própria definição) pode existir e funcionar de forma autónoma (TAROUCO et al., 2004), e de forma sequencial (MELO et al., 2011), porém será porventura mais rentável e mais desafiante integrar os OA em cursos e formações (WATSON, 2007) que levem o estudante a interagir com outras ferramentas e em que possam trabalhar, individual ou colaborativamente, capacidades de síntese, concentração, planeamento ou crítica. Embora muito possa ser dito sobre as componentes tecnológicas dos OA, não pode ser ignorado que esses são objetos pedagógicos e como tal devem pautar-se por características que permitam o seu uso eficiente num contexto educacional. Todos

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os procedimentos pedagógicos que vão desde a (i) escolha do conteúdo a ser apresentado; (ii) à sua sequência e organização; (iii) às estratégias mais adequadas de apresentação e exploração, até (iv) às interações entre o estudante e o conteúdo, são características que os professores devem considerar durante a produção e/ ou reutilização de objetos de aprendizagem (FALKEMBACH, 2010; GAZZONI et al., 2010). A tarefa de construção de objetos de aprendizagem, particularmente se forem concebidos como objetos de aprendizagem multimédia, complexos e interativos, é um desafio. É normalmente escasso o tempo disponível assim como a experiência da maioria dos professores no planeamento e implementação de materiais pedagógicos dessa natureza, e são escassos os materiais que podem ser considerados como bons referenciais (NASCIMENTO, 2007). Estamos assim perante um cenário em que aos professores é solicitado uma reflexão e apropriação relativamente ao conceito e exploração pedagógica de objetos de aprendizagem, em contextos em que a autonomia do estudante e o potencial dos ambientes online não podem ser descurados. É nesse contexto que se insere o processo de desenvolvimento dos OA que descrevemos nas secções seguintes.

Paradoxo da reutilização Surge na literatura, uma panóplia de diferentes noções e formas de reutilização. O dicionário Priberam define “reutilizar” de duas formas distintas: (i) “utilizar novamente” ou (ii) “dar outra utilização a algo” (PRIBERAM, 2013b). Note-se que a interpretação (i) de reutilizar

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no sentido de usar de novo – é comum no Português, mas é incomum no domínio da Informática. Por exemplo, não é usual dizer que “o utilizador está a reutilizar o sistema operativo sempre que liga o computador” (SANTANCHÈ et al., 2007). Em geral, a palavra reutilizar em Informática é aplicada com a interpretação (ii) ou seja, dar outra utilização a algo. Considerando o exposto podemos igualmente referir que o termo “reutilizar” será melhor aplicado em Português europeu, face ao termo “reusar” (esse último mais comum em literatura oriunda do Brasil e claramente derivado do original em Inglês “Reuse”) já que “reusar” aplica-se unicamente a “utilizar novamente” (PRIBERAM, 2013a). Estando estabelecida a natureza da “reutilização” dos objetos de aprendizagem, é necessário refletir sobre as características que o mesmo deve ter, para que esta reutilização ocorra. Objetos de aprendizagem ricos e contextualizados estarão mais vocacionados e poderão promover de forma mais eficiente a aprendizagem. Porém, se um objeto de aprendizagem é útil em um contexto particular, não seria reutilizável num contexto distinto; e se um objeto de aprendizagem é reutilizável em muitos contextos, não seria particularmente útil em nenhum. A esperada neutralidade de um objeto de aprendizagem seria incompatível com uma estratégia pedagógica ativa (FINI; VANNI, 2004; WILEY, 2013). No sentido de clarificar a situação acima descrita, Wiley (2009) propõe um significado mais abrangente para a “reutilização”, a que denominou os 4 Rs:

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1. Reuse – utilizar exatamente na forma como se encontra; 2. Revise – ajustar o objeto para que ele esteja indicado para necessidades específicas; 3. Remix – combinar (como estão ou modificados) diversos objetos; 4. Redistribute – compartilhar o trabalho (Original), revisto ou misturado com outros. Não obstante a clarificação proposta por Wiley (2009), ainda existem outros elementos que influenciam a reutilização de OA. Primeiramente, para que a reutilização de OA possa processar-se é ainda necessário que estes cumpram normas de interoperabilidade (como descrito anteriormente) e que sejam portadores de licenças de utilização e distribuição nomeadamente Licenças Creative Commons, GNU Free Documentation License ou Open Publication License (WILEY, 2009).

Metadados “A utilização de metadados na Web, deve resolver um dos maiores problemas da Internet: a procura da informação” (PETRUCCO, 2002). Muitos dos documentos que se encontram através dos motores de busca são apenas “ruído” ao invés da informação que efetivamente procuramos. Se os dados importantes dos documentos, ou outros recursos digitais, não estão convenientemente caracterizados por metadados, posicionados no código da página com marcadores (tags) específicos, é bem provável que o motor

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de busca seja incapaz de os distinguir da restante informação em termos de importância e relevância. Mas afinal o que são metadados? O termo foi inicialmente utilizado por Jack Myers no início dos anos sessenta (CUERVO; NIÑO; VILLAMIL, 2011). Embora atualmente não exista uma definição única (ESPINOSA; SÁNCHEZ; PORLÁN, 2008; IEEE LTSC., 2002; MCGREAL, 2004; ZAPATA, 2009), o termo “metadados” está associado à definição “dados acerca de dados; informação sobre informação, ou descritores de um conteúdo”. Os metadados podem incluir informação genérica (nome do autor, data da criação e o idioma), informação técnica (formato do ficheiro, requisitos em termos de sistema operativo), informação educacional (nível de aprendizagem, pré-requisitos), informação acerca dos direitos de autor, entre outra informação relevante (NEVEN, 2002). Da mesma forma que o título, o autor, a edição, o ano, a editora e o ISBN auxiliam a procura de determinado livro numa biblioteca, os metadados são fundamentais para se localizar determinado objeto de aprendizagem num repositório ou na rede (PARRISH, 2004; WEIBEL, 2005; ZAPATA, 2009). Não obstante, têm sido levantadas preocupações sobre a capacidade de muitos motores de busca, conseguirem (ou não) aceder corretamente à informação presente nos metadados de forma a contribuir para uma seleção eficaz dos resultados (MARQUES; CARVALHO, 2007; SICILIA, 2005). No entanto, existem bons exemplos de repositórios de objetos de aprendizagem que evoluíram de forma contínua e apresentam uma metodologia de busca baseada em metadados rápida e eficaz (SICILIA, 2005). Para o professor, a própria existência de metadados pode ser confusa e inatingível durante o processo de desenvolvimento de

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objetos de aprendizagem. Antes de mais é preciso responder às questões: Como são inseridos os metadados no OA? Existem padrões de metadados já estabelecidos que facilitem esse processo? Felizmente para os criadores de objetos de aprendizagem, existem já ferramentas que permitem a inserção direta dos metadados (por exemplo o ExE Learning), e paralelamente existem aplicações que adicionam os metadados aos objetos de aprendizagem, tal como o Reload® ou o Metawiz®. Qualquer pessoa poderá à partida criar o seu próprio esquema de metadados, dependendo da natureza do recurso digital, mas quando existe a necessidade de disponibilizar essa informação, por exemplo na Internet, é necessário que exista uma linguagem comum, que permita que os metadados possam ser devidamente identificados. A essa linguagem específica denominamos padrões, normas ou especificações. Atualmente coexistem várias especificações de metadados que se distinguem pelo número de elementos, pelas características dos elementos e pela própria linguagem de codificação utilizada etc. (MARQUES & CARVALHO, 2007). Entre as estruturas de metadados mais importantes estão o Dublin Core Metadata Element Set (DCMES) e o Learning Object Metadata (LOM). Embora os metadados sejam vistos como essenciais para a identificação, descrição, gestão e localização dos objetos de aprendizagem, existem algumas limitações à sua utilização. Primeiramente porque a criação de metadados consome muito tempo e os professores nem sempre não estão preparados para os criar (GARRIDO; MATEO, 2003; RYAN; WALMSLEY, 2003). Mesmo nas situações em que existem metadados, esses podem não ser fiáveis, uma vez que são preenchidos pelo criador e não por uma entidade indepen-

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dente ou pela entidade que o vai disponibilizar na Web (BRASHER; MCANDREW, 2003; SANTOS, 2006). Existem igualmente situações em que os autores dos objetos de aprendizagem são relutantes no fornecimento de metadados, o que se traduz numa quantidade escassa de metadados, limitando as possibilidades de reutilização do objeto de aprendizagem (JOVANOVIC; GAŠEVIĆ; DEVEDŽIĆ, 2009). Será necessário a existência de um esforço conjunto entre autores e entidades gestoras de repositórios e equipas de apoio, para que haja uma consciencialização sobre a importância dos metadados e dessa forma a sua edição seja conseguida de forma mais eficiente.

Avaliação de objetos de aprendizagem Avaliar a qualidade de um OA é uma tarefa complexa, pois envolve diversos mecanismos e pode ser efetuado usando múltiplos referenciais. A avaliação e validação dos OA tem sido um dos pontos de grande discussão na literatura (ALONSO et al., 2008; MORAES et al., 2011,; MUSSOI; FLORES; BEHAR, 2010; NUGENT; SOH; SAMAL, 2006; PESSOA; BENITTI, 2008; TORRÃO, 2007). Devido às contingências temporais, essa avaliação, é geralmente efetuada de uma forma informal, na qual os professores tentam verificar rapidamente se os OA satisfazem ou não as suas necessidades. O New Media Consortium, chega mesmo a apresentar um conjunto de questões orientadoras para que os professores possam avaliar objetos de aprendizagem que pretendam utilizar (SMITH, 2004):

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1. O objeto de aprendizagem é globalmente apelativo? 2. A utilização do objeto de aprendizagem é agradável? 3. As exigências técnicas são facilmente entendidas e conhecidas? 4. É fácil adaptar o objeto de aprendizagem ao contexto de ensino aprendizagem do potencial utilizador? 5. O conteúdo é completo e correto? 6. As atividades são apropriadas ao conteúdo? 7. A extensão do objeto de aprendizagem é satisfatória para seus propósitos: nem muito limitado, nem muito geral? 8. Corresponde aos propósitos educacionais definidos? Embora uma avaliação informal possa ser viável, recomenda-se uma abordagem formal se assim for possível. Nesbit; Belfer e Vargo (2002) apresentam oito razões para o desenvolvimento e aplicação de um sistema de avaliação formal. Primeiramente, os autores sugerem que (1) as avaliações quantitativas e qualitativas ajudam os utilizadores a procurarem e a selecionarem os objetos de aprendizagem. Mais ainda (2) essas avaliações podem fornecer orientações acerca da melhor forma de utilizar o objeto de aprendizagem sendo que (3) a qualidade do mesmo pode ser aumentada através da avaliação formativa feita ao longo das fases de desenho e desenvolvimento. Paralelamente (4) as normas de avaliação podem ajudar os criadores e os profissionais de desenvolvimento de conteúdos nas suas práticas e (5) a participação em atividades de avaliação contribui para o desenvolvimento profissional de quem trabalha com objetos de aprendizagem. Essas (6) atividades de avaliação podem construir e suportar comunidades

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de prática relacionadas com objetos de aprendizagem sendo que (7) as avaliações positivas podem promover o reconhecimento social dos melhores criadores e profissionais de desenvolvimento de conteúdos. Ou seja (8) um sistema de avaliação formal, confiável pode constituir um passo essencial para o desenvolvimento de um modelo empresarial relacionado com os objetos de aprendizagem. Enquanto base de inúmeros objetos de aprendizagem, os repositórios online, desenvolveram mecanismos que permitem uma avaliação dos objetos de aprendizagem aí depositados. O MERLOT (Multimedia Educational Resource for Learning and Online Teaching) é um repositório que permite que os seus utilizadores cataloguem recursos educacionais tendo como objetivo a partilha dos mesmos (CAFOLLA, 2006; CECHINEL et al., 2013). O repositório possui um robusto sistema de avaliação da qualidade que é baseado em diferentes tipos de metadados avaliativos (comentários, classificações e prémios). Paralelamente existem outras iniciativas que propõem diferentes modelos de avaliação de objetos de aprendizagem, nomeadamente o HEODAR: Herramienta para la evaluación de objetos didáticos de aprendizaje reutilizables. Este modelo é constituído por quatro grelhas que abarcam as áreas psicopedagógica, didático-curricular, interface e navegação. Cada grelha apresenta vários itens agrupados em subcategorias que devem ser avaliados com valores de 1 a 5 (MORGADO; AGUILAR; PEÑALVO, 2008; MUÑOZ; CONDE; PEÑALVO, 2009). Também o modelo COdA (Calidad de los Objetos de Aprendizaje) apresenta uma escala de avaliação de 1 a 5 para avaliação de componentes didático-pedagógicos e tecnológicos sendo que cada componente contém cinco tópicos distintos (ROMERO; CESTEROS; RANERO, 2012).

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Um outro referencial que tem chamado a atenção dos investigadores (AKPINAR, 2008; DANIEL; MOHAN, 2004; JESUS; GOMES; CRUZ, 2012; KRAUSS; ALLY, 2005; LI; NESBIT; RICHARDS, 2006; MAHÉ; NOEL, 2006; PINTO; GOMEZ-CAMARERO; FERNANDEZ-RAMOS, 2012; REATEGUI; FINCO, 2011; RICHARDS; NESBIT, 2004) para a avaliação de OA é o LORI (Learning Object Review Instrument) desenvolvido e validado pela e-Learning Research and Assessment Network (LEACOCK; NESBIT, 2007; VARGO et al., 2002). O LORI é um instrumento facilitador da avaliação e validação de objetos de aprendizagem, consistindo de um total de nove itens de análise: 1. Qualidade do conteúdo – veracidade, exatidão, apresentação equilibrada das ideias e um nível de detalhe adequado; 2. Alinhamento dos objetivos de aprendizagem – alinhamento entre os objetivos de aprendizagem, atividades, avaliações e características do aprendente; 3. Feedback e adaptação – o conteúdo adaptado e o feedback são ativados pelas diferentes interações do utilizador ou por um modelo de utilizador; 4. Motivação – possui capacidade de motivar e interessar um conjunto identificado de estudantes; 5. Design de apresentação – possui informação visual e auditiva para melhorar a aprendizagem e para um processamento mental eficiente; 6. Usabilidade – fácil de navegar, previsibilidade da interface e qualidade da ajuda;

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7. Acessibilidade – possui controlos e formatos de apresentação preparados para aprendentes com deficiências e para aprendentes que utilizem tecnologias móveis; 8. Reutilização – pode ser utilizado em diferentes contextos de aprendizagem e com aprendentes com diferentes conhecimentos; 9. Conformidade com as normas – respeita as normas e especificações internacionais. Apesar do LORI não reunir consenso (OLGREN; PLOETZ, 2007), considerou-se que o mesmo constitui a solução mais acessível e adequada ao contexto, tendo os autores procedido à tradução e validação para Português europeu ( JESUS; GOMES E CRUZ, 2012) Foram mantidas todas as escalas do instrumento original, porém foi alterada a designação da escala 9, para “Interoperabilidade” de forma a simplificar interpretação por parte dos avaliadores. Note-se que a interoperabilidade é uma das características dos objetos de aprendizagem, e que para tal acontecer os mesmos devem estar em “conformidade com as normas“, nomeadamente as normas SCORM (Sharable Content Object Reference Model). Essa opção está igualmente descrita por CAMPOS (2013).

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Desenho e desenvolvimento de objetos de aprendizagem no contexto do ensino das ciências da saúde Os recursos tecnológicos, aliados ao design instrucional oferecem oportunidades ao professor para enriquecer as estratégias de ensino, promover atividades contextualizadas e significativas, enriquecendo assim a sua prática pedagógica. Nesse sentido, tendo como pano de fundo o Ensino Superior em Farmácia e Ciências Farmacêuticas, descrevemos uma abordagem pedagógica à criação e avaliação de objetos de aprendizagem. Conscientes que a diversidade de disciplinas nessa área de estudo é significativamente abrangente, selecionou-se o binómio Farmacologia-Farmacoterapia como área de intervenção, considerando que essas são disciplinas fulcrais e que acompanham o estudante durante todo o seu processo de formação. A Farmacologia e a Farmacoterapia são duas ciências específicas e inerentes a qualquer formação de Ensino Superior no âmbito de Farmácia. Se com a Farmacologia o aluno estuda os mecanismos cinéticos e dinâmicos dos fármacos, as substâncias ativas, tipos de recetores e mecanismos de ação, na Farmacoterapia aplicam-se todos esses conhecimentos no tratamento e aconselhamento de patologias e sintomas. A Farmacologia precede assim a Farmacoterapia, mas é essa última que fornece as ferramentas para o aconselhamento fármaco-terapêutico eficaz. Atualmente, os recursos multimédia existentes em bases de dados fidedignas estão a crescer e a diversificar-se, os suportes tecnológicos e as platafor-

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mas de aprendizagem já estão disponíveis nas Universidades. Há pois que aproveitar esses recursos, procurando promover processos de inovação, não só nas práticas de ensino dos professores, como também nas práticas de aprendizagem dos estudantes. A utilização de OA para o ensino da Farmacoterapia, traduz mais um passo na investigação em curso para o desenvolvimento e implementação de metodologias b-learning nesse contexto específico (JESUS; CRUZ; GOMES, 2011). Para o desenvolvimento de OA no âmbito descrito, foi utilizada a Ferramenta de Autor – XERTE – desenvolvido pela Nottingham University (BALL; TENNEY, 2008). Essa ferramenta permite a criação de OA em Flash, sem qualquer necessidade de conhecimentos de programação por parte do professor ou investigador, permitindo também aos estudantes, posteriormente, configuração de alguns aspetos do OA nomeadamente no que concerne à seleção da cor, tamanho da janela e tipo de letra com que visualizam o OA. O processo de construção do OA, tal como o processo de construção de uma aplicação ou software educativo, pauta-se de uma metodologia e um fluxo de ações próprias em cada fase do processo (TORRÃO, 2007). Para a criação de OA para Farmacoterapia, utilizou-se um modelo de desenvolvimento baseado nas propostas de Gelvez, Meija, Peña e Fabregat (2010) para objetos de aprendizagem e de Peres e Pimenta (2011) para cursos em b-learning (Figura 1). No contexto deste estudo foram desenvolvidos 5 objetos de aprendizagem, a saber:

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1. Fontes de Informação em Farmácia; 2. Simuladores de Farmacocinética – Exercícios e Aplicações; 3. Farmacologia do Ritmo Cardíaco; 4. Angina Pectoris: Patofisiologia e Tratamento da Angina Estável; 5. Fisiopatologia e tratamento da emese.

Figura 1: diagrama ilustrativo do processo de desenho e desenvolvimento de objetos de aprendizagem

Para ilustrar o processo de desenvolvimento de um objeto de aprendizagem segundo o modelo proposto, utilizaremos como exemplo o OA designado “Farmacologia do Ritmo Cardíaco” um dos objetos desenvolvidos no contexto do estudo que levamos a cabo.

Fase de análise Essa fase promove a reflexão por parte de todos os intervenientes sobre o tema e formas de abordagem ao OA. Os resultados da análise vão condicionar as decisões posteriores, aquando do

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desenho de instrução. Segundo Peres e Pimenta (2011) a fase de análise deve estudar o contexto em que se processa a instrução; características gerais dos estudantes; necessidades de instrução gerais ou objetivos específicos de acordo com a especificidade do OA; e-conteúdos e informação de base para construção do OA; pré-requisitos para a instrução e tecnologias de apoio necessárias para operar ou construir, o OA. O resultado da análise preparatória da construção do objeto de aprendizagem a que nos estamos a reportar encontra-se detalhado na Tabela 1. Análise Contexto

Descrição •

Objeto de Aprendizagem para apoio a atividades online da Unidade Curricular de Simulações II, do 2.º Ano do Curso de Farmácia;

Conteúdos devem versar a Farmacologia do Ritmo Cardíaco;

Deve ser integrado na plataforma MOODLE da instituição;

Deve auxiliar a aprendizagem de conteúdos de farmacoterapia das arritmias e da hipertensão arterial

Características

Estudantes de Licenciatura em Farmácia;

dos alunos

Estudantes com competências informáticas básicas e acesso à Web em banda larga;

Média de idades de 19 anos.

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Análise

Descrição

Necessidades

de Instrução/

Relacionar o desenvolvimento do Potencial de Ação Cardíaco, com as alterações iónicas da membrana;

Objetivos

Específicos

Interpretar as alterações decorrentes em cada fase de Potencial Cardíaco;

Inferir sobre as atividades de cada canal iónico nas diferentes fases de Potencial Cardíaco;

Distinguir os mecanismos patofisiológicos para as alterações do Ritmo Cardíaco;

Diferenciar Fibrilhação Auricular; Taquicardia Supraventricular Taquicardia Ventricular; Bloqueio cardíaco (Átrio-Ventricular) e Fibrilhação Ventricular;

Caracterizar o sistema Vaughan-Williams de classificação de fármacos anti-arrítmicos;

Descrever os mecanismos de ação de cada grupo de fármacos de acordo com o canal iónico afetado;

E-conteúdos e

informação

Vídeos disponibilizados pelas agências internacionais de cuidados de saúde;

de base.

Imagens e legendas disponibilizadas online por agências internacionais de cuidados de saúde;

Informação textual e gráfica de agências nacionais de cuidados de saúde;

Informação textual disponibilizada adaptada de manuais e artigos científicos;

Exercícios desenvolvidos pelo professor ou adaptados da literatura.

Pré-requisitos e

Possuir FlashPlayer 8 ou Superior;

tecnologia de

Possuir Ligação à Internet;

apoio

Assertividade na Língua Inglesa.

Tabela 1: resultados da Análise realizada para a construção do OA “Farmacologia do Ritmo Cardíaco”

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Fase de desenho instrucional Após a fase de análise, segue-se o desenho instrucional do OA, que utiliza os resultados obtidos na fase anterior para planear o desenvolvimento das atividades de ensino-aprendizagem (PERES & PIMENTA, 2011). O desenho instrucional levado a cabo, teve em consideração a estrutura hierárquica e sequenciação dos conteúdos, estratégias de instrução e metodologias de avaliação. Para uma aprendizagem significativa com OA, o estudante deve ter contacto com uma estrutura lógica de conceitos (NICOLEIT et al., 2010) e uma estratégia de instrução sequencial, que providenciem um guia dos conteúdos a estudar e dos objetivos a atingir (Figura 2). Concomitantemente, estabeleceu-se um processo de avaliação formativa, em diferentes pontos da estrutura hierárquica, para que o estudante pudesse constatar a sua evolução e progresso. Utilizando as potencialidades da ferramenta de autor, e face aos objetivos propostos, utilizaram-se os exercícios “Matching Texts” e “Quiz”. A ferramenta XERTE apresenta ainda uma função de “SCORM Tracking” que permite ao professor manter um registo das tentativas e resultados obtidos pelo estudante no “Quiz”.

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Figura 2: estrutura hierárquica do OA “Farmacologia do Ritmo Cardíaco”

Fase de desenho e produção do objeto de aprendizagem Essa fase prende-se com o desenho e produção do OA, com base no desenho instrucional levado a cabo anteriormente. A produção do OA deve cumprir com os standards de e-learning para garantir interoperabilidade, reutilização, granularidade e adaptabi-

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lidade (TORRÃO, 2007; GELVEZ et al., 2010). A ferramenta de autor XERTE, permite um desenho interativo e consideravelmente intuitivo. O OA “Farmacologia do Ritmo Cardíaco” foi construído usando “Page Templates” e os metadados foram editados no final do processo. A interface de apresentação expõe, como imagem de fundo, a instituição para a qual se destina o OA, assim como o símbolo do curso respetivo e a identificação da unidade curricular (Figura 3). Note-se que a facilidade de edição na ferramenta XERTE permite uma simples modificação desses elementos de modo facilitar a sua contextualização e utilização em outros/as instituições, cursos ou unidades curriculares.

Figura 3: interface de apresentação e página de conteúdo OA “Farmacologia do Ritmo Cardíaco”

O ecrã seguinte continua com a apresentação do OA, referenciando-se o objetivo do mesmo, o público-alvo, pré-requisitos e formas de utilização. Seguidamente são disponibilizados os conteúdos, de acordo com a estrutura hierárquica disponibilizada. Para a construção dos conteúdos foram utilizados elementos de diferente

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natureza, desde texto, imagens, vídeo, gráficos e hiperligações. Integrado no conteúdo, estão também algumas atividades com feedback incorporado (pistas, explicações, exemplos).

Fase de validação em termos de integração na plataforma de LMS Uma vez que diferentes plataformas oferecem diferentes formas de apresentação de conteúdos e têm particularidades distintas, é aconselhável testar a integração do OA na LMS a utilizar (e outras para testar interoperabilidade) de forma a despistar qualquer incongruência. No caso da instituição, a LMS utilizada é o MOODLE. Uma integração prévia do OA na LMS detetou e permitiu corrigir algumas irregularidades no funcionamento, conforme apresentado na Tabela 2. Após a correção das primeiras irregularidades, procedeu-se a uma integração teste nas plataformas online Dokeos® e BlackBoard® de modo a assegurar que o mesmo poderia ser (re)utilizado nessas plataformas, não tendo sido registadas incongruências adicionais.

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Irregularidade

Acão corretiva

Imagens não disponíveis

Alteração da designação dos ficheiros de imagens, para que não contenham caracteres latinos.

Som não disponível

Alteração dos ficheiros de som de .wma para .mp3*

Tamanho total do ficheiro,

Revisão dos ficheiros de suporte; redi-

acima do permitido para

mensionamento de ficheiros de imagens,

upload.

despiste de ficheiros não utilizados.**

Tabela 2: irregularidades e ações corretivas decorrentes da integração na LMS *Essa irregularidade foi corrigida noutros OAs desenvolvidos. **Caso exista uma troca do ficheiro a utilizar no OA, o XERTE não elimina as versões anteriores automaticamente.

Fase de validação e avaliação dos objetos de aprendizagem Atendendo à especificidade dos OA apresentados foram consultados 18 potenciais revisores, entre os quais professores e profissionais das ciências da saúde. Cada um dos especialistas teve acesso aos OA, assim como a uma cópia do LORI e as respetivas instruções de preenchimento. Foi dada a oportunidade de cada revisor de proceder à avaliação de mais que um objeto de aprendizagem. A revisão foi efetuada de forma anónima através de um formulário eletrónico. O formulário foi disponibilizado a todos os potenciais revisores, tendo sido registadas 23 avaliações distintas.

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Qualidade do conteúdo A avaliação desse parâmetro consiste na verificação da ausência de erros, preconceitos ou omissões, que possam levar o estudante a inferir erradamente. As alegações e fatos devem ser apoiadas na evidência, e corretamente referenciadas. As informações/conteúdos científicos contidas nos OA são suportadas em manuais de Farmacologia e Farmacoterapia, artigos peer review sobre a temática assim como guidelines nacionais e internacionais, claramente referenciadas ao longo do conteúdo clarificar. Sobre esse tópico destacamos os comentários de dois revisores: “O conteúdo do objeto de aprendizagem está referenciado em obras de relevância. O fato de as referências e alguns links estarem disponíveis para o aluno, são uma mais-valia.” Revisor A “Embora não abranja a totalidade dos tópicos existentes na área do ritmo cardíaco, a construção e apresentação do conteúdo é relevante e clara. A informação e os recursos visuais referentes aos medicamentos, tornam o conteúdo apelativo e de fácil compreensão.” Revisor B

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Alinhamento dos Objetivos de Aprendizagem Os objetivos de aprendizagem devem estar definidos no OA ou nos metadados associados e devem ser apropriados à população-alvo. Coerentemente os conteúdos e atividades de avaliação devem estar alinhados com os objetivos de aprendizagem apresentados (VARGO et al., 2002). Nos OA produzidos, os objetivos de aprendizagem estão apresentados diretamente no painel de visualização (Figura 4) e foram desenhados para um público-alvo ligado ao estudo da Farmácia e do Medicamento. Desse modo, o OA descreve-se como um objeto instrucional de interesse específico dessas áreas científicas. Não pretende pois, ser um exemplo de referência em outras áreas biomédicas como a Cardiopneumologia, Medicina ou a Enfermagem, onde os objetivos de aprendizagem são claramente distintos.

Figura 4: objetivos de Aprendizagem do OA “Tratamento e Patofisiologia da Angina Estável”

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Feedback Os OA devem ter a capacidade de adaptar mensagens instrucionais ou atividades de acordo com as características do estudante, ou seja os OA devem comportar-se de forma adaptativa (VARGO et al., 2002). Os OA produzidos apresentam feedback após a conclusão de exercícios. Aquando da seleção de uma resposta errada, os OA não fornecem a resposta certa, mas apresentam um feedback indicativo e de alerta que permite que o aluno tente novamente (Figura 5). Após a seleção de todas as respostas corretas, os OA fornecem uma pontuação final. O comportamento adaptativo não é conseguido utilizando esta ferramenta de autor, contudo procurou-se desenvolver um conteúdo de feedback rico que possa ser utilizado em diferentes situações.

Figura 5: exemplo de mensagem de feedback no OA, “Simuladores Virtuais de Farmacocinética”

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Design de apresentação Um design de apresentação eficiente deve garantir uma navegação fácil pelo conteúdo, diferenciar ideias e conceitos com recurso a diferentes formatações de texto e fornecer informação sobre imagens, gráficos e vídeos. A ferramenta de autor utilizada permite a criação de páginas atrativas com funcionalidades que o próprio estudante pode alterar, nomeadamente, a cor do layout, tipo e tamanho de letra (Figura 6). A navegação é facilitada pelos controlos disponíveis no canto superior direito do OA, e a navegação dentro do conteúdo é conseguida pela criação de separadores interativos.

Figura 6: design e funcionalidades de apresentação do OA “Farmacologia do Ritmo Cardíaco”

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Usabilidade Para uma usabilidade eficiente, o interface deve possuir indicações específicas e claras para a navegação e realização das tarefas. Para tal, nos OA, os controlos e as respetivas instruções de acesso estão sempre disponíveis como é bem patente no interface.

Reutilização Para além do âmbito original do OA (Figura 7), e uma vez que o template utilizado é fornecido dentro do pacote SCORM, a possibilidade de utilização noutros contextos e instituições é considerável. Mais ainda, os testes de interoperabilidade parecem garantir o funcionamento do OA em diferentes plataformas.

Figura 7: reutilização do OA “Farmacologia do Ritmo Cardíaco”

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Considerações do processo As possibilidades para utilização de OA em Ciências da Saúde são consideravelmente elevadas. Embora seja sempre possível reutilizar OA desenvolvidos previamente por equipas multidisciplinares, sujeitos a avaliação por pares e facilmente disponíveis em repositórios, é também verdade que as condições de aplicação e as características do público-alvo podem minar a sua implementação. A construção e avaliação de OA pode constituir um desafio acrescido para o professor ou investigador, porém a utilização da metodologia aqui apresentada poderá constituir uma mais-valia neste processo.

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Hiperleitura e leituras: pensando a formação de hiperleitores Ana Cláudia Munari Domingos (UNISC) Leitura, letramento e a cultura letrada na escola Nossa sociedade se desenvolveu em torno da cultura do livro, a dita cultura letrada. Em verdade, sabe-se que o letramento tem profunda relação com o desenvolvimento de uma nação. Pensemos simploriamente na questão das sociedades ágrafas em relação àquelas que desenvolveram seus sistemas de escrita, pensemos na Europa pós Gutemberg. Pois agora vemos desenvolver-se um novo sistema, que inclui a cultura escrita, mas transforma-a, inserida no amplo bojo da expressão humana e suas diversas formas de manifestação: a cultura digital, que tem na convergência de linguagens a sua representação. A cultura digital reúne múltiplas expressões, desde a antiga arte pictórica até os vídeos de animação em 3D, em que gêneros, linguagens e agentes misturam-se, não apenas criando novas formas, mas dificultando a própria distinção entre aquilo que já se conhecia como arte, artesanato, cultura, e mesmo informação e conhecimento – e que sempre fizeram parte de nossa esfera de expressão. Embora o diálogo entre textos tenha nascido com a primeira obra humana criativa, essas relações transtextuais se constroem hoje, na cultura digital, a partir de um amálgama que se estende entre objetos cria-

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tivos e suas remidiações, intermidiações, transmidiações... A hipermídia, como linguagem e também meio, permite a convergência em sentido muito amplo: ela é a superação da mídia, uma mídia que suporta outras. Sua configuração certamente exige uma tecnologia de leitura diferente daquela que o livro ajudou a fixar, mesmo que falemos apenas da linguagem verbal. Na história da leitura, sabemos que nem sempre lemos da forma como o fazemos hoje diante de um romance em livro, por exemplo. Desde os tempos das primeiras formas de comunicação representativas, as práticas de leitura têm-se alterado conforme os suportes, os textos e as culturas – que aí dependem do leitor e de seu contexto. O pergaminho ou papiro exigia um esforço corporal para que se segurasse o rolo com ambas mãos, enquanto se enrolava um lado e se enrolava o outro, em que as anotações forçavam manter aberta a folha em uma superfície. Um corpo que trabalha durante o processo de leitura infringe ao cérebro protocolos diferentes daquele em que se lê escorado e relaxado, sem esforço físico. A escrita sem separação das palavras e sem pontuação exigia a leitura oral, em um modo de interpretação pelos sons das palavras, e a leitura oral também impedia a privacidade e certamente afetava a compreensão do texto, guiada por um espólio público. É leviano pensar que essas práticas de leitura históricas tomavam o texto da mesma forma como o tomamos hoje, assim como, atualmente, as tecnologias de leitura, a partir da hipermídia, tem um novo “interpretante” à sua frente, quando se dá a hiperleitura. Assim, temos uma história de transformação das práticas de leitura – a partir das mudanças do suporte e dos textos – muito

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antes do livro. O formato códice e mais tarde a edição dos textos impressos em forma de livro alterou nossa estrutura de pensamento, tornando-nos mais cartesianos, à medida que configurou o enquadramento do texto, que não só deve ser escrito a partir de certos moldes rígidos, como deve ser lido, no Ocidente, da esquerda para a direita e de cima para baixo. Mesmo hoje, quando achamos natural a sintaxe da escrita – sujeito e predicado, adjuntos e complementos, sinais de pontuação – sabemos o quão difícil é adaptar nosso pensamento à sua estrutura, pois ambos são muito diferentes. Nicholas Carr, falando da influência da Internet em nosso comportamento, sinaliza para a plasticidade de nosso cérebro, que, diferentemente do que pensávamos, pode ser extremamente influenciado pelos nossos hábitos: “Embora diferentes regiões do cérebro estejam associadas com diferentes funções mentais, os componentes celulares não formam estruturas permanentes ou desempenham papeis rígidos. Mudam com as experiências, circunstâncias e necessidades” (2011, p. 49). Assim, conforme Carr, nosso modo de perceber e reagir ao mundo (ler) é extremamente influenciado pela tecnologia – pelo modo como vivemos e pelos instrumentos que utilizamos. O letramento, promovido pela escola a partir da alfabetização e em torno principalmente do livro, sempre foi uma espécie 1

de processo doloroso em que é preciso formatar a linguagem do

1. Letramento e alfabetização não são sinônimos. O letramento é um processo muito mais amplo, que envolve saber usar a língua e a linguagem escrita como forma de integração à sociedade, em que a alfabetização é a porta de entrada para esse universo da leitura e da escrita.

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pensamento aos moldes da escrita linear. E nós pensamos de forma alinear, misturando sons, imagens, cheiros, sensações, ideias e às vezes palavras. Tudo isso precisa ser recondicionado ao texto verbal escrito e sua sintaxe, para que nossos leitores alcancem nosso pensamento difuso e particular em nossa ausência. Apesar do uso vulgarizado do termo letramento em outras áreas que não as da linguagem, quando se fala, por exemplo, em letramento científico ou tecnológico, os Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica em Língua Portuguesa não deixam confundir: Letramento, aqui, é entendido como produto da participação em práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las significativas, ainda que às vezes não envolvam as atividades específicas de ler ou escrever. Dessa concepção decorre o entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas, não existe grau zero de letramento, pois nelas é impossível não participar, de alguma forma, de algumas dessas práticas (grifo meu, p. 21). Embora pareça um ajuste essa informação sobre não existir “grau zero” de letramento nas sociedades urbanas contemporâneas, como se ela ampliasse o significado de ser letrado, isso apenas nos diz que, para viver nessa sociedade, o indivíduo sempre vai deparar-se com formas que exigem essa condição. Mesmo que ele não saiba ler, ainda assim precisará reconhecer a informação escrita em uma placa, por exemplo – mesmo que como imagem ou ana-

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logia – ou pedir que alguém o faça por ele. Letrar, nesse sentido, é, antes, formar um leitor de textos verbais escritos. A partir da escola, como instituição responsável, historicamente, pela alfabetização, formar leitores é formar leitores de livros, em que jornais e outros periódicos, por exemplo, seriam apêndices da espécie de leitura que o livro exige à perfeição para a memória do conhecimento: linear, concentrada e profunda – vertical. Apesar da ampliação do sentido da prática e dos objetivos da leitura, ler é associado ao ato de decifração da linguagem escrita que promove o letramento: A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita etc. Não se trata simplesmente de extrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão na qual os sentidos começam a ser constituídos antes da leitura propriamente dita (grifo meu. PCNs, p. 41). Pode-se pensar que texto, ali, tem também seu sentido ampliado, como “fragmento de linguagem” e “prática significante” (BARTHES, 2004, p. 268, 269), mas os Parâmetros Curriculares Nacionais tornam bem estreita a relação entre leitura e escrita, como práticas que se modificam mutuamente no processo de letramento e que permitem ao aluno a construção do conhecimento:

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O trabalho com leitura tem como finalidade a formação de leitores competentes e, consequentemente, a formação de escritores, pois a possibilidade de produzir textos eficazes tem sua origem na prática de leitura, espaço de construção da intertextualidade e fonte de referências modelizadoras. A leitura, por um lado, nos fornece a matéria-prima para a escrita: o que escrever. Por outro, contribui para a constituição de modelos: como escrever (PCNs, p. 40). Formar leitores competentes, assim, tem sentido no desenvolvimento das habilidades com a leitura e a escrita de textos, em que ambas práticas têm relação com a linguagem verbal, proposição do ensino de línguas2. A partir dessa premissa, as outras linguagens servem como complementares dos elementos linguísticos da escrita e da fala, como coadjuvantes no processo de significação de um texto. A formação de leitores e o processo de letramento, atividades que se justapõem na escola, têm no material verbal o escopo quase que único, ou, pelo menos, central.

2. No caso aqui, o ensino de Língua Portuguesa no ensino fundamental. Os PCN para o Ensino Médio não fala em letramento, mas aponta para a condição de uma “sociedade letrada”, a partir da linguagem, artes e uso das tecnologias. Os PCNs para as outras áreas do saber não incluem a noção de letramento, o que corrobora o que aqui apontamos, de que tanto o uso do termo não corresponde ao que se deseja, como também a formação de leitores fica restrita ao ensino de línguas. O termo leitor, por exemplo, somente é usado nos PCN para o Ensino Médio quando fala do leitor daquele texto do PCN. Esse texto, aliás, reforça a relação entre leitura e produção de texto, gramática e literatura: “Muitas escolas mantém professores especialistas para cada tema e há até mesmo aulas específicas como se leitura/ literatura, estudos gramaticais e produção de texto não tivessem relação entre si” (p. 16). Note-se aí a justaposição em “leitura/literatura”. 114


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A partir da cultura das mídias (SANTAELLA, 2000), em que se transformavam “os processos de produção, distribuição e consumo de produtos culturais, através de tecnologias como vídeos-cassete, fotocopiadoras, filmadoras, que possibilitavam a que os usuários complementassem os produtos que consumiam” (PELISOLI, 2011, p. 53), as atividades de letramento passaram a incluir outros gêneros como formas suscetíveis à interpretação, a exemplo da charge e mesmo dos audiovisuais. No entanto, em vez de serem tomados como textos, em seu stricto sensu, essas formas entraram na escola como auxiliares no processo de formação de leitores, principalmente de leitores e produtores da linguagem padrão. Em vez de gêneros que deviam ser lidos a partir de sua forma e linguagem específicas, serviam como aditivos para o entretenimento do leitor, espécie de oásis das estafantes tarefas de moldar o cérebro à linguagem verbal escrita. Histórias em quadrinhos, fotonovelas, filmes, canções, teatro, jogos, e outras formas de expressão que a escola tem aceitado entre suas paredes, são muitas vezes tomados apenas em seu aspecto lúdico, sem que sejam compreendidos sua linguagem e aprofundados os temas e ideias que veiculam. Outras vezes, filmes e músicas, por exemplo, servem como redundância de narrativas e poemas em livros, maneira tanto de fazer com que o espectador ou ouvinte, migrando para o suporte livro, transforme-se naquele leitor que a escola deseja ou que, pelo menos, alcance a fábula ou o lirismo através de um meio que a sociedade considera mais palatável e fácil de entender. Mas a leitura, sabemos, não está restrita ao entendimento do verbal escrito, e cada vez mais significa a compreensão da sociedade, em sua estrutura e funcionamento, como um organismo que

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necessita de nossas ações para se transformar positivamente. Nossas práticas sociais dependem das leituras que fazemos do mundo e do conhecimento do outro: O ato de leitura não corresponde unicamente ao entendimento do mundo do texto, seja ele escrito ou não. A leitura carece da mobilização do universo de conhecimento do outro – do leitor – para atualizar o universo do texto e fazer sentido na vida, que é o lugar onde o texto realmente está (YUNES, 2009, p. 9). O aumento da utilização de meios audiovisuais e a chegada de novas mídias de informação e comunicação trouxeram o conceito da leitura de imagens, atividade de que a Semiótica passou a se ocupar no âmbito acadêmico. Nas salas de aula, as aulas de Arte assumiram a tarefa de formar esses leitores, em que o objetivo principal era colocar os alunos em contato com a linguagem visual, principalmente as artes visuais e pictóricas. Para o ambiente das aulas de Arte, afluíram as outras linguagens da expressão cultural, conforme ditam os PCNs para “Arte (artes visuais, dança, música e teatro)”: O universo da arte popular brasileira, por exemplo, envolve cantigas e folguedos, contos tradicionais, danças, textos escritos (como a literatura de cordel), cerâmica utilitária e ornamental, tecidos e uma infinidade de objetos que são diferentes em cada região do Brasil. São formas de arte que expressam a identidade de um grupo social e não são nem mais nem menos artísticas do que as obras produzidas pelos grandes mestres da

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humanidade. O professor pode descobrir, em primeiro lugar para si mesmo, o valor e a riqueza das manifestações artísticas brasileiras na sua variedade. Além disso, pode encontrar, na arte local de sua comunidade, uma fonte inestimável de aprendizagem para seus alunos. (grifo meu, p. 74-75). O universo da literatura – arte da palavra – como expressão máxima do letramento, foi separado das outras linguagens artísticas e culturais, em que “textos escritos”, aos moldes da “literatura de cordel”, cabiam como cultura, excluindo-se desse âmbito a literatura propriamente dita. Assim, a formação de leitores sempre foi uma atividade disciplinar, no bojo em que a alfabetização, o ensino de línguas e o ensino de Literatura, embora associados ao letramento, tanto cabem a diferentes profissionais como acontecem apartados das atividades com a linguagem visual, que se agrega ao âmbito das Artes. Ler um livro, apreciar uma obra pictórica ou ouvir uma música, embora sejam práticas que podem estar profundamente relacionadas no campo de percepção do leitor, sempre tiveram suas bordas bem definidas no universo escolar (e no campo teórico-crítico). Enquanto os textos visuais e as representações em outras linguagens (a cultura) agruparam-se em uma disciplina onde a prática do interpretar é menor do que a do fazer – pintar, moldar, recortar – a literatura geralmente é associada ao ensino de línguas, à disciplina de Português ou de Língua Portuguesa e, portanto, ao letramento e ao uso das formas padronizadas de escrita.

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Tecnologias de leitura e hiperleitura O advento do códice impresso tornou-nos praticantes de uma leitura linear, criada pelo livro, objeto íntegro cujas bordas nos são totalmente visíveis, e cujas linhas aprendemos a decifrar num percurso com início, meio e fim. O livro, suporte de um conhecimento que aprendemos a sacralizar, fica na estante, como prova de nossa erudição e habilidade. Conforme Olson, a escrita alterou o modo de enxergar e interpretar nosso mundo: Em um sentido importante, nossa literatura, nossa ciência, nosso direito e nossa religião constituem artefatos da escrita. Vemos a nós mesmos, vemos nossas ideias e nosso mundo em termos desses artefatos. Em consequência, vivemos não tanto no mundo quanto no mundo tal como ele é representado por esses artefatos (1997, p. 10). A cultura digital certamente tem transformado “nossa literatura, nossa ciência, nosso direito e nossa religião”, não apenas pela extensão da rede de informação e comunicação, mas também pela mistura de linguagens, a hipermídia, que nos tem feito ler de modo diferente. Ser hiperleitor significa romper aquelas bordas que a cultura letrada tem separado durante séculos, cada vez mais microespecializando áreas e seus agentes. Hiperler não é apenas ler esse amálgama de linguagens diferentes, a hipermídia, mas poder responder, da mesma forma, a elas, no mesmo suporte e em conexão com outros hiperleitores. Se o leitor de livros é o leitor da cultura letrada, cuja habilidade ele carrega consigo além das páginas do

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livro, o hiperleitor é o leitor da cultura digital, que se habilita a ler o mundo a partir de sua leitura em telas, transferindo sua tecnologia de leitura para a realidade. O modo como hiperlemos as telas estende-se ao modo como lemos e compreendemos o mundo, em uma transformação imbricada entre suportes, agentes e textos, da mesma forma como o livro alterou nosso modo de pensar e perceber o mundo, nossa cultura e mesmo nossos valores. E assim como nosso cérebro incorporou a escrita, ele está incorporando a tecnologia da hipermídia, visto que as redes neuronais são influenciadas pelas interações com o mundo exterior, mesmo que menos do que propõe o relativismo cultural, em que a margem de plasticidade permite adaptações ao ambiente (DEHAENE, pp. 19, 20). Essa “reciclagem neuronal” (DEHAENE, p. 20) certamente está condicionada a hábitos e práticas, como ocorreu com o letramento da humanidade. O “letramento”3 da cultura digital estende-se à usabilidade das novas tecnologias de informação e comunicação, pois comunicar-se, produzir conhecimento e opinar cada vez mais exige o manuseio dos suportes digitais. Se antes a habilidade caligráfica fazia parte da cultura letrada, hoje é preciso saber usar um software de redator de textos. Se antes o letrado praticava a leitura intensiva, muitas vezes debruçando-se sobre um único livro – uma enciclo-

3. A renovação e a adaptação dos modelos de formação de leitores certamente esbarram nesse conceito, pois não deveríamos, a partir da gênese do termo letramento, usá-lo quando pensamos na formação de leitores. Usei-o aqui para criar essa analogia, mas devemos pensar em formação de leitores, em que a hiperleitura é a leitura contemporânea.

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pédia, por exemplo – para alcançar, e, principalmente, memorizar o conhecimento, hoje a informação se estende em quantidade pela rede, ao alcance ubíquo do dedo indicador, sem que a memória seja exigida a arquivar as informações, já que a rede, a nuvem, o pendrive, o HD, o cartão do celular, substituem-na. Por outro lado, conforme Dehaene, as formas de comunicação escrita também se desenvolveram conforme a capacidade de nosso cérebro – afinal, nós a inventamos e a fizemos evoluir conforme nossas necessidades. Assim, se as formas digitais têm ocupado o espaço de nossas práticas de leitura, isso só pode significar que as estamos elegendo porque nosso cérebro trabalha bem com elas, ou que é capaz de aprender e de se adaptar a essas tecnologias. E tanto a plasticidade do cérebro humano quanto o caminho inverso, a adaptação de tecnologias às habilidades dele, fazem ver que letramento e formação do leitor são processos que devem ser reconfigurados pelas instituições responsáveis, para que não se repita a construção de desigualdades: [...] as deficiências do sistema educacional na formação de sujeitos plenamente letrados não decorrem apenas do fato de o professor não ser um representante pleno da cultura letrada (ver Kleiman, 1991) nem das falhas num currículo que não instrumentaliza o professor para o ensino. As falhas, acredito, são mais profundas pois são decorrentes dos próprios pressupostos que subjazem ao modelo de letramento escolar (KLEIMAN, p. 47). Assim, soma-se a todo esse panorama de professores que não são bons exemplos de leitores, de currículo equivocado e de

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modelo de letramento centralizado no livro, a já alardeada distância entre as práticas de leitura e escrita dos alunos e dos professores na cultura digital, conjunto que não apenas dificulta a formação de leitores como promove uma espécie de letramento distanciada das exigências sociais. Se a leitura está associada ao letramento e ambos à construção de uma sociedade melhor, que espécie de leitor devemos formar? Não deveria ser um leitor que saiba navegar entre suportes, textos e linguagens com autonomia e crítica? Um leitor que tanto saiba ler um texto literário quanto um formulário de emprego? É aqui que o sentido de hiperleitura e hiperleitor pode ser alargado para pensarmos no leitor e nas práticas de leitura da cultura digital: Ler um texto hipermídia significa estar conectado. Todo receptor de hipermídia reveste-se do internauta, a persona que navega: olhos na tela, dedos no mouse e no teclado, todos os sentidos convergindo para a hiperpercepção – visão, audição, fala e tato. É o hiperleitor, termo que eu considero apropriado para o receptor de hipermídia, aquele que pratica a hiperleitura, palavras que ainda não são usuais – muitos críticos preferem o termo “leitor de hipertexto”. E é assim que o hiperleitor lê: assistindo, escutando, falando e tateando. Esse receptor da era cibernética, no entanto, carrega consigo tais atributos e formas de receber mesmo longe da máquina, pois o ciberespaço irradia-se além do hardware, influenciando nossa maneira de perceber e interpretar o mundo – e todos os seus textos (DOMINGOS, 2015, p. 152-153).

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Tecendo essa concepção de transformação das práticas de recepção a partir da história da leitura, de antemão poderíamos chamar a esse receptor simplesmente de leitor – aquele que lê. Ao mesmo tempo, talvez devamos abandonar a ideia de “letramento”, a partir de sua noção voltada, como indica etimologicamente sua gênese4, à linguagem escrita e, pela espécie de letramento promovido pela escola, à leitura em livro. O leitor que precisamos formar é, assim, um interagente do universo de significados, em que letramento é apenas uma de suas condições, aquela que diz respeito ao uso de uma de nossas formas de comunicação.

A formação de hiperleitores Aprendizagem em rede A primeira demanda para a formação de hiperleitores está ligada à mudança de polaridade na transmissão de conhecimento que foi formatada pela escola desde sua gênese. Nesse modelo, o professor é o canal central de transmissão, à medida que ele não é apenas o suporte para grande parte do conteúdo que chega ao aluno, como também seleciona o repertório e direciona os aprendizes ao uso de meios de acesso que ele – amparado pela escola – julga serem os corretos. Textos, suportes e discurso são controlados pelo professor, como uma espécie de autoridade sobre o mundo das ideias.

4. Letramento vem do termo inglês literacy, que, por sua vez, vem do latim, littera, que significa letra. O “cy”, em inglês, denota condição, estado.

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Esse modelo se sustentava em uma sociedade em que o acesso ao conhecimento era muito limitado, muitas vezes restrito aos livros fornecidos pela escola, obras que podiam ser, ainda, reservadas ao uso exclusivo do professor – aquele que tem as respostas para todas as perguntas que o autor do livro formulou. O discurso do mestre, aí, certamente se confunde com a voz uníssona do saber. As buscas paralelas dos alunos, guiadas pelas questões impostas pela escola, geralmente eram resolvidas com enciclopédias, dicionários e livros didáticos, em que se copiava a resposta para uma pergunta que tinha sido feita a partir da solução, pelo professor, e não da dúvida do aluno. Hoje, querem chamar a geração digital de “recorta e cola”, quando na verdade foi a cultura letrada que incentivou essa prática, a partir do livro. O professor deixa de ser o detentor do conhecimento quando seus alunos têm sob seu ágil controle um buscador conectado, para então transformar-se no guia de navegação: ele não é mais suporte, é o lugar onde os textos se encontram, vindo de todas as direções. Isso não significa propriamente pensar apenas em suportes digitais, como se para fazer fluir o conhecimento em várias vias fosse necessário que todos os alunos estivessem com seus gadgets durante a aula. É preciso, sim, fazer dela um acontecimento em rede, de trocas e navegações, mas de navegações humanas, de vozes, opiniões, incertezas. É preciso transformar o processo de ensino-aprendizagem em, simplesmente, aprendizagem, em que todos aprendem, sem centralização do conhecimento. A primeira questão que aqui se põe, quando pensamos a prática de uma aula em rede, é a da hierarquia, afinal, ninguém vai contestar

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que a posição do professor em sala de aula está fundada, sim, em poder, e um poder que advém do conhecimento que ele adquiriu durante anos de estudo, reflexão, experiência. Ele está, assim, pelo menos temporalmente, à frente, com poucas exceções, de seus alunos. Além disso, a vivência – para não dizer a maturidade em relação à infância – faz-lhe mais capaz de selecionar, discernir e avaliar criticamente o conhecimento. Certamente isso tem de ser levado em conta, além do fato de que a ele compete avaliar o aluno, o que influencia o fluxo de trocas e impede que a rede se torne totalmente descentralizada. Essa posição do professor deve ser justamente franqueada para o grupo discente, esclarecendo-se que é a partir de suas experiências que ele vai conduzi-los nas várias vias que levam ao conhecimento. Nesse contexto, é imperioso saber delegar a dúvida, em vez de apenas transmitir certezas. Ponderando sobre a espécie de aula que era comum entre muitos pensadores, desde Platão até filósofos como Hannah Arendt, sobre quem ainda muito se discute nesses tempos de intolerância ideológica, não se pode deixar de fazer referência ao modelo da voz autoral, que disserta em sala de aula sem a interferência de outras vozes. Certamente se pode defender esse método em que, na própria voz do mestre, há não apenas intertextualidade, mas dialogismo e polifonia. No entanto, também não se pode negar a dificuldade em introduzir a voz do outro no discurso, inferindo argumentos e baseando-se no diálogo virtual, pressupondo interlocução. A partir do momento em que somos seres de cultura – incapazes de nos despir completamente dos textos e contextos de que somos feitos – a polifonia, no espaço responsável de uma sala de aula,

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evoca a utopia. Ela acontece a partir do dialogismo, auxiliada pela alteridade e invocando a intertextualidade, mas é sobretudo feita de argumentos, em choque, contradição, desvio. O principal complicador para instalar esse novo modelo condizente com a cultura digital e com a era da informação não está apenas na parte superior do sistema, com a mudança nas políticas de educação, nem na formação do professor, mas em toda a engrenagem – conteúdo, estratégias, planejamento, avaliação –, e talvez, pelo menos hoje, no próprio aluno. A expectativa dos alunos em relação à sua formação é de que recebam indicações seguras sobre o lugar do conhecimento, que deve vir formatado, pronto – bom, verdadeiro, belo. É muito mais difícil quando se recebe a tarefa de selecionar e discernir, e é trabalhoso ter de argumentar quando queremos colocar ideias. É mais fácil, para ambos lados, quando o professor impõe e o aluno obedece ou ignora, do que entrar no confronto, ouvindo, defendendo e respeitando. Assim, na prática, quando um aluno diz que a canção que ele ouve “é melhor” ou que gosta mais dela do que aquela que o professor trouxe, enquanto o professor argumenta que a sua tem mais a dizer, “tem mais qualidade”, porque corresponde a determinados ideais canônicos, o resultado é a imposição de uma e o apagamento da outra. O ideal seria a troca de argumentos, na medida de uma decisão que alcance o que, em um ambiente de aprendizado, contribui com a formação de leitores críticos, seres sociais de uma sociedade melhor. É difícil para o professor, que precisa conhecer as formas de expressão do aluno – linguagens e modos –, e é difícil para o aluno, que vai ter de aprender a desconstruir os textos que consome por

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prazer e construir argumentos na defesa daquele gênero e seu conhecimento – pela fruição – objetivo da escola.

A hiperbiblioteca Outra questão importante diz respeito ao acervo e à autoridade e autenticidade dos textos. Nessa infovia de dados sem fim da cultura digital, torna-se questão de sobrevivência saber selecionar, o que significa saber navegar e aportar em locais seguros. Enquanto não se pode negar que o acesso à informação é precioso para a cidadania e o desenvolvimento social, contrapõe-se o fato de que se torna muito mais difícil discernir o que é válido – em amplo sentido para cada uma das áreas e funções do saber – em meio à profusão de conteúdo. Nesse ponto, o livro impresso, assim como as obras em DVD ou CD legitimadas pela indústria cultural, trazem muitas vantagens, mesmo que pensemos que existem obras cuja avaliação criteriosa pode desvelar a falta de quaisquer valores positivos que não os meramente mercadológicos (ainda há quem pense que basta ser em livro para validar a leitura). O livro é resultado de séculos de especialização e, nessa que é uma das mais antigas indústrias do mundo, há saberes específicos para cada lugar na cadeia de produção. O livro é condicionado por uma série de avais, desde a seleção de um editor até o responsável por apresentá-lo em uma estante – inclusive as virtuais –, passando sempre por pessoas e processos que visam a inseri-lo no sistema a partir dessas garantias. Assim, o editor seleciona os textos que julga possam fazer parte do acervo que leva o selo de sua editora,

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o que torna o livro representante de certo escopo. E assim é com o distribuidor e o livreiro, que inserem um livro em seu acervo a partir de critérios que incluem desde os mercadológicos até aqueles estipulados pela crítica acadêmica, premiações, seleções etc. O cânone escolar também exerce muita influência sobre o sistema editorial, pois os governos são os maiores compradores de livros, principalmente infantis, juvenis e didáticos. Para tornar-se livro, é preciso, ainda, passar por revisões, por editoração gráfica, escolha do material, impressão, processos que buscam assegurar a qualidade mínima para o encontro com o leitor. A ficha catalográfica é por certo uma espécie de garantia para que o leitor alcance aquilo que deseja – gênero, autor, ano de publicação, número da edição, palavras-chave –, e ela se torna, assim, uma indicação de leitura: “Leia como poemas, não são notícias de jornal!” “É um livro teórico que fala sobre o Azerbaijão.” “É do século passado.” Enfim, quando temos um livro em mãos, temos um objeto produzido a partir de regras com as quais temos aprendido a lidar, temos o resultado de um processo que, embora se aperfeiçoe há séculos, tem funcionado com certa autonomia. De forma parecida se dá com os filmes e álbuns de música, embora nem o cinema nem a indústria fonográfica tenham a tradição da editorial. A produção de uma obra audiovisual, inclusive, evoca a multiplicidade de linguagens, desde a adaptação do texto ou a concretização de um roteiro, a figuração, o figurino, a ambientação, a trilha sonora, enfim, elementos que organizam e evocam diferentes habilidades e que movimentam todo um sistema de recepção e crítica especializado. Atualmente, quando cada vez mais as músicas

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são associadas ao visual, através dos videoclipes, mesmo uma obra musical pode elaborar textos em diferentes linguagens, exigindo um leitor capaz de fazer inferências e lidar com a multimodalidade, além da intertextualidade, que é enriquecida pela convergência. Assim como os livros, os filmes e os álbuns são frutos de um sistema cuja credibilidade e especialização credenciam as obras para a experiência crítica da leitura a partir de campos específicos da indústria cultural. Como ambiente de convergência de linguagens, o ciberespaço embaralha não apenas a moldura entre os modos de expressão, como também os agenciamentos, desconstruindo a própria noção de campo dada por Bourdieu, quando as relações de interdependência não podem ser delimitadas e ultrapassam a esfera do digital: A promiscuidade entre campos não se deve apenas à reestruturação dos mercados e à fusão de empresas procedentes de campos diferentes. Resulta também do processo tecnológico de convergência digital e da formação de hábitos culturais diferentes em leitores que, por sua vez, são espectadores e internautas (CANCLINI, 2008, p. 21). O ciberespaço não é uma organização de campos, de agentes, capitais e regras de atuação, ele é uma zona de instabilidade – de constante desorganização – em que forças instáveis atuam. Apesar de atender a demandas muito específicas dos campos interdisciplinares, por exemplo, das Ciências da Comunicação e da Informação, é muito difícil mensurar as espécies de agentes e sua esfera de

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atuação no meio digital. Assim, não podemos contar com a espécie de aval que a indústria editorial institui ao livro: A Internet escapa aos mecanismos e dispositivos tradicionais de institucionalização dos textos. Nada garante a autoridade, e mesmo a autenticidade, do que aparece na Web. Ninguém assegura à partida a seriedade ou a qualidade do que foi difundido. O texto da Internet está em plena construção. E se alguma coisa pode ser dada como adquirida isso talvez ainda se deva às instituições da economia do livro que migraram para a rede, levando consigo o seu capital simbólico (FURTADO, 2003). Como avaliar os saberes e as informações advindas de um sistema sem aferição? Tomemos como exemplo o caso mais conhecido, o da Wikipedia: um professor deve confiar no conhecimento que o aluno traz da enciclopédia digital? Sim, e não. Antes, é preciso saber o que é a Wikipedia. Ela é uma enciclopédia cujo sistema de acúmulo de conhecimento e de informação é aberto e colaborativo, em que as certificações são dadas pelos próprios usuários. A partir dessa característica, já existem pontos negativos e positivos. A parte negativa disso é que, quando qualquer pessoa pode certificar o conhecimento, não se pode controlar sua autoridade e autenticidade. Qualquer um pode declarar-se capaz de redigir os verbetes e articular conceitos e ideias. E esse também é o ponto positivo, pois o fato de que o conteúdo da Wikipedia é polifônico – gerado em diferentes culturas e instâncias e a partir de diferentes posições – garante que o conhecimento não seja centralizado, nem institucionalizado. Outro ponto positivo é que ela tem muito mais chance de estar atualizada

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do que as enciclopédias em papel. Mas trabalhar com conteúdo wiki em sala de aula significa estar preparado para, antes de aceitá-lo, verificar sua exatidão, comparando com instâncias certificadas do saber: somos nós, hiperleitores, que precisamos encontrar a autoridade e a autenticidade. É preciso mostrar ao aluno formas de certificar o conhecimento, seja através da comparação entre diferentes fontes, seja através da experimentação. Quando ele encontra aquilo que pode servir dentro de um contexto e para determinado fim, ele próprio pode ajudar a socializar o que aprendeu, por exemplo, ajudando a construir com eficácia a Wikipedia ou outros sites de conhecimento colaborativo. Uma das atividades das aulas, a partir da cultura digital, é justamente saber discernir o que é autoral e autêntico, e, ainda, o que interessa, o que é verossímil, o que está correto, o que contribui positivamente para a sociedade.

A relação entre o texto e sua materialização Quando o binômio tecnologia e educação entra em debate, grande parte das discussões diz respeito aos suportes e ao uso de aparatos eletrônicos e rede em sala de aula. Inserir o uso de gadgets na prática pedagógica é importante quando, a partir dele, encontramos diferentes linguagens, formas e modos de produzir e compartilhar conteúdo. A lei que proíbe o uso de aparelhos celulares em escolas estaduais de alguns estados brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, por exemplo, não conseguiu adesão nem mesmo pela direção dos colégios. Proibir significa fiscalizar, e

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as escolas não estão preparadas para esse controle, que incluiria até detector de metais. Mas o aparelho celular somente pode ser usado para contribuir com a aula e ajudar no estabelecimento de uma rede de informação, quando não causar exclusão e for acionado como se faz com um dicionário ou enciclopédia, com o devido cuidado, como já dissemos, com a autenticidade e a autoridade do texto. A terceira questão da formação de hiperleitores, assim, diz respeito a essa relação entre o texto e sua materialização, ou entre o texto e as tecnologias pelas quais ele se dá como texto. As noções de gênero são elementos constituintes da cultura escrita, em que ser um leitor significa a inserção no mundo dos textos e a percepção de suas diferenças. Ser leitor tem sentido em saber circular entre diferentes modos de expressão: textos e suas linguagens, suas funções, seus modos e seus objetivos, em que todos esses elementos entram no jogo do que o texto quer dizer e diz. A moldura dos gêneros – a tela do cinema, o palco do drama – institui a espécie de receptor a que elas se dirigiam, um espectador, por exemplo, garantindo modos de ler que são específicos dos campos do saber que envolvem. Textos verbais – a literatura, a reportagem, a carta – tem no papel a sua tecnologia de leitura, e a partir dela, os gêneros e suas modalidades. Desde que a noção de gênero deixou de ser aquela aristotélica, relacionada apenas à expressão artística, passou-se a utilizar uma classificação mais ampla, definida pela noção de texto como toda forma comunicativa passível de interpretação, através da qual se distingue, por exemplo, o conto do romance ou, a partir de um gênero, suas modalidades, como a notícia e a reportagem. Embaçadas muitas dessas bordas pelas novas tecnologias de produção e recepção, é

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preciso não apenas reorganizar as noções de gênero – incluindo as modalidades digitais e hipermidiáticas –, como também expandir seu conceito para uma esfera que permita pensar a relação dos textos com seus produtores, seus leitores e com o contexto e os grupos em que surgem. A tomada bakthiniana de gêneros do discurso – em que pesam falantes, funções e questões socioculturais – não tem sido adotada nas práticas de formação do leitor, talvez por que toma a linguagem em seu viés enunciativo e discursivo (e, portanto, político), preterindo a materialidade dos textos. Pensada a partir dos textos em papel, certamente não pôde prever a questão da multiplicidade de suportes. Partimos da idéia de que a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual. Essa posição, também defendida por Bakhtin [1997] e também por Bronckart (1999) é adotada pela maioria dos autores que tratam a língua em seus aspectos discursivos e enunciativos, e não em suas peculiaridades formais (MARCUSCHI, 2002, p.22). Se não há comunicação sem gênero, é porque ele está atrelado ao suporte, à linguagem e à forma – àquilo que o materializa, coloca-o diante do leitor e torna passível de interpretação. A pergunta diante de um texto não deveria, portanto, partir da interrogação sobre seu gênero, mas, sim, recair sobre o modo como ele se oferece – através de que suporte, em que forma e modo, para que leitor e com que intenção e, a partir daí, gerar a interpretação – a análise sobre o que ele diz e não diz – e a concretização – se é eficiente e se leva o leitor à ação, à concretização do desejo do texto. A ideia de gênero

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só funciona a posteriori, é a consequência de toda uma análise do texto, seu falante, sua pretensão, seus leitores e suas concretizações.

Textos vivos e formas históricas Um texto está vivo – circulando e agindo sobre o sistema – quando se comunica pela interação com o leitor e através de seu agenciamento. Todos os textos vivos devem ser constantes nos ambientes de formação de leitores, enquanto que as formas remediadas devem ser analisadas na perspectiva de seu acontecimento em determinada época, a exemplo da epopeia. A epopeia que servia ao mundo grego não funciona para o mundo contemporâneo, quando o herói romanesco é o personagem de nosso tempo e quando encontramos outras explicações, narrativas ou não, para as incógnitas contemporâneas – que são outras; no entanto, há formas que, a partir de um contexto similar ao círculo grego, podem operar leituras análogas – porque cumprem funções parecidas, porque jogam o mesmo jogo, porque causam efeitos aproximados. Se Ulisses, de Joyce, romanciza o herói épico, e Retorno de Ulisses, de Paula Mastroberti, contemporiza o espaço gerador do trágico, “Faroeste caboclo”, da Legião Urbana, traz um não herói, representante de uma tragédia coletiva – João de Santo Cristo é o personagem da epopeia que podemos contar. Essa mostra da remediação dos textos e em como eles se adaptam às nossas necessidades, ideias, práticas, emoções – enfim, à nossa cultura – é a que dá a conhecer o mundo textual em toda a sua dimensão e que faz esclarecer que os textos devem nos servir, e não nós a eles.

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Que textos estão vivos entre nós? Todos aqueles que circulam e movimentam linguagens e discursos – respiram, interagem sobre o mundo dos textos. São aqueles que, como impulsos nervosos, estão condicionados por forças internas e externas que os fazem agir, entre eles e entre eles e uma dimensão externa. Essa metáfora pode ser completada pela imagem de uma sinapse e de um arrepio na pele – são textos e são respostas a textos. No ano de 2016, o meme é uma forma extremamente comunicante, porque agrega quesitos que são então eficientes como texto: é alingual, efêmero e sumariza intertextos a partir da realidade. Apesar das semelhanças entre meio e linguagem, e mesmo entre forma, jamais se poderia colocá-lo ao par de um emoticon – que evidencia o sujeito e não o contexto. Um hiperleitor deve ser capaz de distingui-los e usá-los nas situações adequadas, aprendendo desde os atos de leitura e produção textual mais simples – alfabetizando-se, poder-se-ia dizer – até a produção de textos mais complexos, como os ensaios e os audiovisuais, por exemplo. Se na cultura letrada aprendemos a lidar com notas de rodapé, índices e sumários, agora precisamos entender – ler e produzir – hiperlinks. Um guardanapo de papel e um porta-copos são textos vivos nos dias de hoje, não servem apenas para guardar os versos do poeta ou cantadas de bar, mas como suportes da publicidade cada vez mais invasiva e indiscreta de nossos dias. Diz-se que essas modalidades textuais não devem ser objetos das práticas de interpretação nas escolas, porque essa formação ocorre à sua revelia, quando os leitores aprendem na prática cotidiana sem a necessidade de intermediação. A leitura que eles fazem – e mesmo seu uso – caminha na

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mesma esteira e na mesma velocidade de todo o conteúdo digital, deslizam na horizontal, sem interrogação, sem contestação, sem crítica. E tudo que é lido a partir da tela acaba passando diante dos olhos, em que a quantidade, a fluidez, a velocidade, a fragmentação, fazem dispersar as linhas e não permitem o instante fixo da contemplação e da reflexão, que geram a dúvida e o conhecimento. Trazê-las para o ambiente de aprendizado é fundamental para torná-las palpáveis, objetos fixos diante dos olhos, passíveis da captação de sentidos. Tudo isso nos traz a noção de que existem analfabetos funcionais digitais, usuários das tecnologias digitais que navegam bem – instalam hardwares e softwares, baixam arquivos, resolvem bugs –, mas não sabem lidar com o universo do conteúdo. São como os tipógrafos do século XVIII, hábeis em organizar os tipos móveis, prensar as páginas e montar os livros, mas cujos olhos deslizam pelas páginas somando letras e buscando manchas, muitas vezes sem ler, já que muitos eram analfabetos. Se a escola tem de proporcionar ambientes e ferramentas para o conhecimento da tecnologia digital, porque sua missão fundamental é formar cidadãos participativos e produtivos, deve-o fazer mais ainda na medida em que esses suportes veiculam textos e, como sabemos, os meios são as mensagens. Uma das questões mais frequentes diante da adaptação do universo educacional para a cultura digital é a que diz respeito ao uso de games em aula. Primeiro é preciso dizer que o universo dos jogos digitais é muito amplo e não podemos ser simplistas, achando que basta levar qualquer um deles para a escola que já estamos contribuindo com a transformação. Cada game pode ser adaptado para um ambiente de aprendizado conforme as habilidades que

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exige, em relação a determinados objetivos que devem ser atingidos. Muitos games têm evoluído para formas extremamente narrativas, por exemplo, em que o jogador constrói histórias como um agente – um personagem – daquele universo ficcional. Está aí uma boa maneira de aprender os elementos da narrativa e, junto com eles, a própria sociedade e as questões humanas que regem a vida – ética, emoções, regras sociais. No entanto, para que esse jogo entre no espaço da sala de aula, o educador responsável deve ser também um jogador, um habitante frequente daquele espaço.

Navegação: transdisciplinaridade e outros prefixos A formação do hiperleitor que se discute também evoca, como parece ser óbvio, a transdisciplinaridade. Ser disciplinar, hoje, é quase um movimento de resistência, pois a convergência nos tem obrigado a tocar as paredes de múltiplos campos, e viver em sociedade é estar entre universos – contextos, culturas, grupos, áreas – é ser interdisciplinar. A transdisciplinaridade é muito mais complexa – diria utópica, nesse mundo de especializações ainda muito cartesianas – e envolve a reconfiguração de todo o sistema de aprendizagem do conhecimento, refletindo amplamente em todo o conjunto da sociedade, já que atua sobre o universo do trabalho. Um educador transdisciplinar não pode tomar determinada área do saber – a sua – como centro, buscando aporte nas correlações entre outras áreas – isso é interdisciplinaridade – mas, sim, precisa distribuir valores entre ideias que se cruzam na realidade e cujas

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forças colocam o mundo em movimento. No processo transdisciplinar, são as ideias que fazem vir conhecimentos de todos os lados, sem hierarquia. E esse jogo de fazer vir à tona conhecimentos, que ora complicam, ora explicam, ora completam determinada ideia, e ainda implicam novos movimentos – que enfim é a complexidade do universo – deve ser regido coletivamente, com a participação do aluno, que evoca, com seu repertório e seus vazios, outras relações e possibilidades. Seria mais fácil se os professores estivessem autorizados a duvidar e a dizer “não sei”, aprendendo junto com os alunos. Além disso, não temos profissionais preparados para lidar com a integração entre os conhecimentos dessa forma. Por outro lado, no mundo dos textos, a transdisciplinaridade evoca a hipermidialidade, que nada mais é, aqui, do que a relação entre textos, mídias e agentes em rede – sem centro, sem hierarquia. A hiperleitura é, nesse sentido, transdisciplinar, e o formador de hiperleitores, diante do mundo em rede, deve estar apto a dizer “desconheço”, “vamos procurar”, “vamos ler mais”, “vamos comparar”, “vamos olhar no livro”, “vamos assistir a um documentário”. E, quando o universo de um único texto evoca um mundo de outros textos – culturas, saberes, histórias, dúvidas – a rede não pode parar, os agentes devem ser ouvidos, e o professor é aquele guia que sinaliza para as mudanças de rota, questionando: “podemos seguir por aí?” Se usarmos a metáfora do GPS – que indica onde estamos e o melhor caminho5 para chegar aonde queremos –, a aula precisa

5. O melhor caminho geralmente é o mais curto, mas, se o sistema estiver atualizado, ele pode indicar atalhos que fujam do trânsito, de obras etc.

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ter um norte, um endereço. Toda prática precisa de objetivo, e a escola tem uma moldura – limites, portanto. Formar hiperleitores não é perdê-los nem os deixar perdidos pelas infovias, é situá-los, balizá-los, mostrar-lhe referências, portos e estações. Se há objetivos – que é condição de todo sistema –, deve haver técnicas e estratégias, que não apenas deem condições de transformar o ambiente em situação de aprendizado, como regulem o processo em direção à formação de competências e habilidades pelo hiperleitor. A construção colaborativa tende naturalmente ao caos – em vista da multiplicidade de repertórios, vazios, discursos e desejos – e, por isso, todos os participantes devem ter sempre em mente o objetivo e sua parcela de participação. É preciso distinguir o ponto de partida, o tempo da navegação e o lugar da chegada, a fim de distribuir ações entre os navegadores. A dúvida parte de determinado conteúdo – emoldurado pela autoridade das instituições educacionais – e deve levar à construção de caminhos (não de certezas), caminhos esses cujo destino final deve ser de conhecimento do professor. Se ele quer que o aluno chegue ao conhecimento do que seja uma crônica, o professor deve saber o que é uma crônica, o que é gênero, o que é modalidade, o que é um conto, um romance, uma história em quadrinhos, uma piada, uma reportagem, uma transmissão radiofônica, um documentário, um filme mudo, uma rubrica... Toda a geografia do sistema, seus acidentes, relevos etc.

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A hiperleitura na prática escolar A hiperleitura é colaborativa e, assim, os processos de formação de hiperleitores em sala de aula devem respeitar esse sentido de construção coletiva de habilidades e de textos. É comum, quando damos a palavra ou o leme a alguém, que ele enverede por caminhos particulares, desviando do previsto para atender a uma lacuna sua, e não do coletivo – uma aula é um ambiente coletivo, isso não pode ser olvidado. Formar hiperleitores significa permitir desvios, pois eles são a própria garantia de renovação do conhecimento, da quebra de paradigmas e da desconstrução de certezas cegas. Conteúdos, objetivos e estratégias devem ser, assim, sempre franqueados aos participantes, desde o primeiro encontro. Quando um aluno envereda por caminhos que parecem corromper a direção prevista – apenas prevista – ele precisa apontar novamente o destino: (se formos por aí, chegaremos aonde precisamos chegar, entender o que é uma crônica?) “que relação podemos fazer entre esse texto (um exemplo, uma história, uma pergunta, uma ideia) e a nossa busca pelo que seja uma crônica?”. Quando apontamos as estratégias – ler o jornal, acessar a wikipedia, procurar em um dicionário, perguntar a um jornalista, conhecer a produção de Machado de Assis, ler um conto da Clarice Lispector, acessar o blog do Fabricio Carpinejar, assistir a um videolog do PC Siqueira, acessar ao canal do Youtube do grupo “Porta dos Fundos” – já apontamos direções e reforçamos os objetivos. Diante de tanta informação e de novas tecnologias para a criação de textos, aliadas à disponibilidade de canais para a divulgação

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do que produzimos, o ciberespaço tem cada vez mais se tornado o lugar da repetição – o compartilhamento em uma espécie de repetidora exponencial. Por outro lado, a hiperleitura, como prática que nos permite criar, tem estimulado a criatividade – que não deve resumir-se à paráfrase, ao corta e cola. Tornar-se distinto nesse universo – colocar nosso perfil em destaque – exige criatividade e inovação. Em uma época em que a realidade se confunde com o espaço virtual, quando “estar presente” cada vez mais significa estar on line e a evolução cibernética nos leva a vislumbrar a substituição do homem pela máquina em várias de suas atividades, a imaginação adquire outro sentido. Quando a tecnologia digital torna possível passear em um parque com imensos dinossauros em três dimensões, se movimentando ao nosso redor, o ato de imaginar deixa de ser essa espécie de concretização do imaginário (à maneira que a literatura sempre nos proporcionou) para se tornar algo muito mais necessário, como sempre foi às ciências em geral. Imaginar evoca estar realmente à frente, interpretando aquilo que pode vir a ser. A escola, nesse contexto, deve estimular a imaginação, como uma inteligência necessária, e promover a criatividade e a inovação, como habilidades importantes para a sociedade do futuro. Habilidades essas que, por sua vez, relacionam-se a outras que todo aluno tem, diferentemente uns dos outros. Mais importante do que exigir a produção de uma crônica, por exemplo, seguindo modelos pré-formatados, é dar a liberdade para que o aluno produza algo que dialogue como esse gênero – que sirva a determinado contexto e tenha sentido na atualidade, por exemplo, que apresente a voz de um cronista – mostrando que

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ele entendeu o sentido daquele texto –, mesmo que seja um texto multimodal, um audiovisual, e não unicamente o verbal.

A escola tem objetivos Chegamos talvez à questão mais problemática da formação de hiperleitores: a avalição. Contradição, desvio, incerteza, colaboração, transdisciplinaridade, rede, desierarquização, são palavras que não convergem para o método tradicional de avaliação. Se a formação de hiperleitores exige a reconfiguração dos espaços de aprendizagem, consecutivamente ela coloca em xeque todo o sistema e, assim, os processos de avaliação. No entanto, as utopias não vão nos ajudar a formar hiperleitores, quando elas não têm resolvido os problemas da formação de leitores. Se temos um objetivo – o de reconfigurar o sistema em que esse processo está inserido – é necessário erigir estratégias de ação, e elas indicam o caminho da adaptação, da reflexão, baseadas nas próprias incertezas diante dos caminhos da cultura digital. Antes de promover a remediação de tecnologias – dos cadernos, quadros-negros e livros para os tablets, smartboards e ebooks – é preciso pensar que tipo de cidadão leitor precisamos formar e que ambiente (em sentido muito amplo) vai promover essa aprendizagem. Desejar um resultado que o sistema não permite – um hiperleitor autônomo e crítico da cultura digital – é revolucionário, e esse tem sido o papel do formador que trabalha pela mudança. A estratégia é adaptar os modelos tradicionais – que atendem às necessidades do sistema – aos procedimentos da formação de

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hiperleitores: descentralização da dúvida, leitura em rede, produção colaborativa, construção coletiva de habilidades, busca por autenticidade textual e autoridade discursiva, visão do universo dos textos na relação entre suportes, agentes, contextos, funções e intenções. A avaliação pressupõe o objetivo: formar esse hiperleitor, um sujeito ciente de sua posição no universo de sentidos e dos reflexos sociais dessa condição. E o destino é sobretudo uma habilidade (os caminhos), não um produto pronto. Assim, é o processo que deve ser avaliado, e não o resultado final. Como fazer? Arquivando a viagem. Tudo aquilo que o aluno hiperlê, todos os textos a que ele acessa, as respectivas mídias, as referências, as dúvidas que surgem e suas produções, devem ser o miolo entre o ponto de partida e o destino. E cada uma dessas habilidades deve ser avaliada: se conseguiu acessar um texto relacionado ao tema proposto, se concretizou com autonomia ideias pertinentes, se foi capaz de reconhecer a autenticidade e a autoridade dos textos e as bordas de suas mídias e modalidades, se soube estabelecer relações entre textos, suas funções e intenções, a partir dos suportes, da linguagem e do leitor implícito, se produziu textos coesos e coerentes, se respeitou os agenciamentos e limites da construção colaborativa: se foi um navegador eficiente no universo textual. Tudo isso perfaz um diário de navegação. Quando ele produz texto verbal escrito, por exemplo – uma forma eficaz de guardar ideias –, deve escolher o melhor suporte, aquele que vai permitir o acesso do professor, para a correção e os apontamentos – e o professor pode indicar aquele que for mais eficiente para esse propósito. Quando ele quiser arquivar textos lidos, já deve ter sido instruído sobre a melhor maneira: se vai fotografá-los, salvá-los em PDF no

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pendrive, imprimi-los, incluir nos favoritos, salvar os links no bloco de anotações do tablet ou copiá-los no caderno. As anotações são importantes não apenas para a necessária avaliação, mas porque foi assim que a civilização construiu todo um cabedal de conhecimento. Decididas e franqueadas as estratégias de arquivamento desse caminho, o professor pode avaliar determinados pontos do percurso, delegando ao aluno a descrição do lugar onde ele está: é ele quem deve mostrar o caminho que percorreu e se chegou ao objetivo. A melhor forma é a proposição de produções descritivo-narrativo-dissertativas – mais dissertativa e ensaística tanto maior o nível de aprendizado do leitor – em que o aluno não apenas informa o que aprendeu – o lugar onde está – mas como alcançou aquele conhecimento e, ainda, aquela habilidade – os suportes, as estratégias, as dúvidas, os desacertos, os desvios. Como fazer o aluno construir essa espécie de texto? Dando-lhe exemplos. O professor pode escolher determinado tema – diferente daqueles propostos, a fim de não invocar demasiadamente a paráfrase –, estabelecer uma dúvida sua e construir seu diário de navegação. Não é de hoje que recaímos na obviedade do “educar pelo exemplo”, e aqui ele aparece em sua forma mais pragmática: o professor deve mostrar-se como aquele hiperleitor de que a sociedade precisa. Se ele aprende com os alunos, é justamente porque é um hiperleitor, e sabe que o conhecimento é habilidade, processo, cogitação, relação entre o dado e a dúvida. Quando os alunos sabem onde devem chegar e o propósito da jornada e, ainda, como devem apresentar o resultado – o texto – para serem avaliados, é muito mais fácil que eles tenham consciência de seu papel durante o processo.

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O texto a ser produzido durante a formação de hiperleitores são histórias de leitura, que mostram como eles se tornaram hábeis na navegação pelo universo textual. A pergunta aqui recai sobre uma questão muito pertinente: de que disciplina falamos? Se falamos em transdisciplinaridade, falamos de todas – porque a construção de habilidades e conhecimento diz respeito a todos os campos do saber – mas também falamos de nenhuma, porque não é esse o sistema vigente. E isso nos leva de volta à necessidade de repensar a formação de leitores a partir da cultura digital, a desconstruir os velhos hábitos da cultura letrada, formatados a partir do livro, sua tecnologia de leitura e seu cânone.

Línguas, linguagens, artes e culturas Onde está alocada a formação de leitores nesse mundo disciplinar? Nas aulas de Língua Portuguesa, principalmente, e de Literatura, ou de História da Literatura. Na primeira, temos a língua mãe e seus usos – formais, a partir do dicionário e da gramática, e informais – a partir da cultura (muitas vezes tomada mais como permissividade do que variedade e comunicabilidade). Na segunda, temos a literatura canônica, a história de sua canonização, a intertextualidade limitada e os recursos auxiliares – quadrinhos, audiovisuais, canções. Certamente a leitura acontece durante as aulas nessas disciplinas, em que textos verbais escritos são o objeto central – ponto de partida e resultado – mas em que medida esse letramento forma leitores para essa sociedade? Em que medida, apenas através do ensino de línguas e da história da literatura, preparamos leitores para a

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circulação eficiente no mundo dos textos – os textos que respiram, pulsam e agem na realidade? E por conectividade, deparamo-nos com outras questões cruciais para a formação de hiperleitores: a eterna divisão entre arte canônica e arte cultural e o frequente esquecimento de que literatura é arte. Quando tomamos a noção de texto em sua perspectiva ampla, em que a convergência entre linguagens e agentes tem embaralhado as molduras entre gêneros, já escolhemos tratar de textos conforme sua mídia, seus agentes, suas funções, modos e intenções a partir de determinados contextos. A partir daí, não estamos falando da formação de hiperleitores de literatura, mas de “textos”. Textos para todos os gostos e necessidades, entre eles, um de seus suprassumos, a literatura. Um dos grandes problemas da formação de leitores de literatura é justamente alocar essa tarefa junto ao ensino de línguas, pois o texto literário é o contraventor – aquele que reverte, desconstrói, transgride a semântica e a sintaxe da língua. Costuma-se usar o exemplo de Machado de Assis como modelo para a língua padrão, certamente porque ele soube usar a língua e a linguagem, mas também porque a distância entre a sua escrita e a nossa parece colocá-lo em um patamar superior. No entanto, sabemos que Machado sabia ser muito coloquial e informal (escrevia em jornal) e também que, em muitos de seus textos, encontramos uma sintaxe que hoje não está em consonância com as regras da gramática padrão, como seu uso da vírgula, por exemplo. Machado era um artista e sabia brincar com as palavras, então seus textos servem para isso: fruição – aquele prazer de que fala

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Barthes, que desacomoda, característico da arte. É apenas quando aprendemos todas as regras da língua e todos os seus usos que nos tornamos aptos à transgressão (é apenas nas pistas de corrida que os pilotos profissionais podem ultrapassar os limites de velocidade). Quando é preciso ensinar a língua – como nas aulas de Língua Portuguesa –, as vírgulas, certas ou erradas, devem ser analisadas nos textos cujo objetivo seja a clareza, quando aquilo que o autor quer dizer deve ficar o mais próximo possível do que aquilo que o leitor leu. É ali, quando a ausência do autor pode ser problemática, que tudo tem de estar o mais possível no seu lugar de praxe, a fim de alcançar uma coerência prevista e necessária. Já a coerência dos textos literários está na verossimilhança, não na realidade, e precisa muito mais da participação do leitor – já que a ausência do autor é então comemorada, não problemática. A coesão de um texto literário pode ser dada pelo leitor, já os textos não literários – informativos, científicos, burocráticos, institucionais – devem ser coesos em sua gênese. Assim acontece com as artes visuais e sonoras, para as quais também cabe a pergunta sobre o que é arte e o que é cultura – ou o que, dentro da cultura, é uma expressão artística e não funcional. Eis o imenso campo da subjetividade e da incerteza (sem falar nas questões do mercado da arte e da cultura, que apagam quase todas as nossas ingenuidades) que paralisa professores e educadores diante de perguntas como “por que o videoclipe da Katy Perry não pode ser arte?”. A resposta, que pode ser devolvida ao questionador, está na análise de certos critérios: a qualidade da arte envolve o uso da linguagem e de materialidades de forma criativa e autoral;

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sua moldura é instituída por autoridades na relação entre a obra, o artista, sua recepção e o decurso do tempo; o leitor só pode decidir, sozinho, o que é arte quando considerar apenas sua relação com o texto, e não com o sistema. Se o leitor crê que o videoclipe da Katy Perry é arte, deve defendê-lo diante do sistema, buscando a autenticidade a partir da autoridade. Quando olhamos para uma figueira e dizemos “é uma figueira”, é porque cientistas do campo da botânica – autoridades – estudaram, analisaram e catalogaram suas 755 espécies, diferenciando-as de outras, inclusive por comparação. Para nós, leigos, uma figueira é uma figueira, quando sabemos distingui-las de um coqueiro, mas estamos longe de entender suas centenas de espécies. Por que com a arte, coisa para poucos – diferentemente da cultura, que é de todos para todos – vai ser mais fácil? Não, é muito mais difícil. Um mictório de cabeça para baixo só é arte a partir de algumas molduras: seu produtor, um artista; o contexto, a vanguarda do ready made; o espaço, uma galeria de arte; e a crítica – os especialistas –, que avaliou todos esses pontos, aprovando-os como representação, e canonizou-a como forma artística no decurso do tempo. Hoje, quando fotografamos um mictório e postamos na Internet com a legenda “isto não é um mictório”, estamos na esfera da cultura – a não ser que esse texto passe novamente por todas essas instâncias. Como é impossível, no universo da cultura, que tenhamos autoridades referendando tudo aquilo que é produzido (e ainda de forma autônoma, livre dos mecenatos, mas essa é outra história), costumamos tomar como arte aquilo que talvez não o seja em seu sentido restrito, mas que, a partir da instância da recepção – o es-

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paço do leitor – é lido como tal. Nem todos os livros classificados como literatura na ficha catalográfica são arte literária. Nem todas as telas de pintura à venda são arte. Nem todas as canções são artísticas. Nem todos os filmes são produtos da sétima arte. Assim, formar hiperleitores significa capacitá-los a discernir entre a funcionalidade dos textos – e sua atenção a regras e convenções de clareza, exatidão, eficiência e pragmatismo, inclusive a pragmática do mercado –, a sua manifestação – em relação a grupos e identidades culturais –, o prazer que evocam – na área do entretenimento – e a sua fruição – quando, aí, nós até poderíamos dizer que servimos a eles, pois os textos artísticos precisam muito mais da colaboração dos leitores para existirem como obras do que os outros textos. A hiperleitura não vai resolver essas velhas questões entre arte e cultura e educação para a arte e a cultura que o letramento não resolveu, mas temos aí uma boa oportunidade para renovarmos positivamente nosso olhar sobre os diferentes tipos de texto.

Hiperleitura e cognição E como funciona a cognição da hiperleitura? Ainda aprendemos dessa forma: linearmente. Mesmo quando contamos uma história em que o eixo linear é quebrado, somos capazes de refazer o percurso da narrativa, de modo que possamos interpretar como ela começou e terminou – tal como a vida é. Assim nos chegam as informações no jornal, assim é narrada a história, assim entendemos os fatos, a ciência etc.; mas não é assim que enxergamos o mundo – fragmentado, lacunar, em múltiplas perspectivas. Certamente a escrita e o

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livro nos ajudaram a organizar as coisas, educando nossa cognição diante da escrita. Nosso cérebro tem uma medida de plasticidade em sua construção neuronal, como nos diz Stanislas Dehaene: “Com efeito, o estado da atividade da rede, espontânea ou suscitada pela interação com o mundo exterior, irá intervir na construção da conectividade cerebral” (2012, p. 12). Conforme Dehaene, o cérebro humano possui uma região que assumiu a função de decodificar as letras – a “caixa de letras” –, e essa zona ativada durante a leitura de símbolos da escrita verbal é a mesma seja na leitura das escritas ideográficas ou das alfabéticas. É sabido ainda que nos analfabetos, essa região, que está dentro daquela que responde pelo reconhecimento visual, tem preferência por imagens de objetos e rostos. Para Dehaene, isso prova que nosso cérebro não tem uma área física pré-programada para ler, mas que tanto a plasticidade sináptica permitiu o recondicionamento da rede neuronal que se tornou apta à leitura, quanto o próprio homem adapta os usos da linguagem (e a própria cultura) às capacidades do seu cérebro. Certamente não criamos sistemas de representação os quais não sejamos capazes de decodificar. Quando o cérebro reconhece as letras, a atividade neuronal é reforçada na “caixa de letras”, enquanto cai em outras regiões. Treinamos nosso cérebro para lidar com o alfabeto e a sua decodificação com muito esforço, porque não é uma linguagem inata ao ser humano: Nosso cérebro de leitor se constrói, portanto, com a ajuda de instruções genéticas idênticas àquelas que, há dezenas de milhares de anos, permitiam a nossos ancestrais, catadores-coletores, subsistirem: nós partilhamos

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as emoções de Nabokov e a teoria de Einstein com um cérebro de primata, concebido para a sobrevivência numa savana africana (DEHAENE, 2012, p. 17). Agora, a hipermídia é quase uma ferramenta de sobrevivência. Ela envolve a leitura alfabética, mas também a de imagens, movimentos e sons. Nosso cérebro se sente muito mais confortável com as outras linguagens, voltando àquela configuração prevista em nosso genoma primata, ele quer o movimento, a música, as pessoas, as vozes, cores e luzes, que encontramos há milênios na natureza – nosso cérebro gosta dessa mistura de estímulos. No entanto, não queremos ser primatas cibernéticos. Por isso, é necessário que se aprenda – na prática – que cada texto e sua tecnologia exigem diferentes habilidades e que precisamos colocá-las em ação durante a hiperleitura. Quando estamos diante de uma tela em hipermídia, muitas regiões do nosso cérebro são ativadas, há uma corrida sináptica para processar tantos estímulos e ler diferentes linguagens quase ao mesmo tempo. Aquilo que é reconhecido como símbolo alfabético, e vai para a respectiva caixa nomeada por Dehaene, exige um esforço sobreprimata para sua decodificação, por isso, facilmente largamos o texto verbal por um som ou imagem em movimento, tanto menos sejamos treinados para a leitura do verbal. Para a Nicholas Carr, a neuroplasticidade, embora forneça “uma brecha para o pensamento livre (2011, p. 57)”, por tornar nosso cérebro capaz de aprender novas habilidades, ela não é de todo benéfica, pois também acaba determinando nosso comportamento:

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Quando circuitos particulares de nosso cérebro se fortalecem através da repetição de uma atividade física ou mental, eles começam a transformar essa atividade em um hábito. [...] As sinapses quimicamente disparadas que conectam nossos neurônios nos programam, na verdade, para querermos manter em exercício constante os circuitos que elas formaram. Uma vez que tenhamos criado uma nova rede de circuitos no nosso cérebro, escreve Doidge, ‘ansiamos por mantê-la ativada’ (2007, p. 317). Esse é o modo como o cérebro realiza a sintonia fina das suas operações. As atividades rotineiras são realizadas cada vez mais rápida e eficientemente, enquanto os circuitos não utilizados são podados (CARR, 2011, p. 56-57). Assim, a “caixa de letras” pode ficar cada vez mais apática em função da atividade das zonas neuronais que dão conta de audiovisuais, por exemplo. E, se é verdade que a nossa cultura funciona na medida de nossa capacidade, não só entramos em um círculo vicioso, como realmente podemos perder nossa habilidade adquirida com o letramento, de ler linearmente a linguagem verbal escrita, verticalmente. Quando alguém se apavora diante dessa prospecção catastrófica, vale aquela ironia sobre o futuro sem a espécie de leitura inventada pelo letramento: enfim, foi através dela que construímos esta sociedade, justa, equilibrada, a nossa bela civilização humana letrada. Realmente não sabemos aonde as novas habilidades e talvez a perda de antigas vão nos levar, talvez a uma sociedade melhor, desde que aprendamos a usar essa nova configuração a nosso favor. Pela mesma razão apontada pela ideia de que, em comparação com o letramento, a leitura das outras linguagens é inata no cérebro

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primata, duas sombras sempre rondaram a formação de leitores: a de que a decodificação de imagens ou sons é natural ao ser humano e não precisa ser ensinada na escola, e o cenário em que professores que lidam com a formação de leitores – os professores de Língua Portuguesa e Literatura – apresentam as mesmas condições diante dessa habilidade, pois não receberam formação como leitores de imagens visuais, auditivas ou audiovisuais. Certamente nossos olhos primatas foram treinados durante milênios para prestar muita atenção ao entorno, em que a leitura de qualquer ruído, mudança na paisagem ou movimento podiam significar a sobrevivência. Aprofundar a leitura de determinado objeto, por exemplo, uma pegada no chão, podia significar estresse, já que apontaria para uma mudança na paisagem e provavelmente, perigo. Hoje nossa selva inclui prestar atenção ao sinal vermelho e segurar bem a bolsa, atitudes que não exigem a leitura verticalizada do entorno, da mesma forma que a leitura de placas de trânsito, dos anúncios publicitários ou da propaganda governamental. Passamos o olho diante de tudo e não paramos para interpretar por que a figura daquele anúncio mostra uma jovem loura de sorriso perfeito e o outro apresenta uma família formada por cinco cidadãos de duas etnias. O óbvio não respeitado é de que tanto mais o mundo usa imagens, sons e audiovisuais para se comunicar, mais temos o dever de aprender sobre tais linguagens, aprendendo a interpretá-las e a produzir textos a partir delas e de sua inter-relação. A cultura letrada sempre colocou um valor maior na linguagem verbal a partir da noção de que é ela que nos faz humanos, pois nos distinguiria dos animais – aqueles a que costumamos chamar de irracionais. Usar a linguagem verbal significaria, assim, estar mais próximo da

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racionalidade, fato que tem ainda mais peso quando o verbal for escrito – institucionalizado no tempo, imortal diante de seu mortal autor. Se formos seguir essa lógica antropocêntrica, a única forma de expressão que nos difere dos animais – que tem linguagem e razão próprias6 – é a da arte. Essa, sim, é aquela sobre a qual precisamos menos teoria e mais usufruto, porque está condicionada à nossa essência.

Multimodalidade Em nossa vida diária estamos rodeados por imagens – visuais e sonoras – postas e impostas pela mídia, vendendo produtos, ideias, conceitos, comportamentos, slogans políticos etc. Como resultado de nossa incapacidade de ler essas imagens com criticidade, nós aprendemos por meio delas inconscientemente. A formação de leitores – a educação como um todo – precisa dar atenção ao discurso multimodal – textos que comunicam através da relação entre linguagens. Ensinar a gramática visual e sua sintaxe, por exemplo, é uma forma de preparar os leitores para compreender a realidade e avaliar esse tipo de texto, cada vez mais frequente no cotidiano, conscientizando-os de que as imagens comunicam e ensinam. Mesmo os livros ilustrados, comuns entre o acervo infantil, não têm suas imagens analisadas com a mesma atenção que o texto

6. A cognição e a comunicação dos animais são diferentes da nossa, e sempre as vemos a partir da nossa razão e da nossa linguagem. Ainda penso que a perda da habilidade do olfato nos deixa para trás diante dos animais, que são inclusive capazes de farejar certas doenças. Enfim, é a civilização.

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verbal, a partir de critérios próprios da linguagem visual. Muitas vezes, a ilustração é tomada como adendo, enfeite, sem que se percebam suas idiossincrasias, o teor de seu discurso e a espécie de relação que estabelece com o texto – se o parafraseia, afirma, contradiz, parodia. Mesmo o texto verbal escrito – formado apenas de palavras e sinais de pontuação – é multimodal, principalmente nos livros infantis, quando a fonte, sua cor e seu tamanho interferem nos sentidos do texto. E, já que falamos em literatura, a matéria gráfica também é conhecimento estético: ela diz através de sua forma e de sua relação com o verbal. O livro literário, como nos aponta Paula Mastroberti, é um objeto que deve ser lido antes do texto que veicula: [...] nenhum texto literário, qualquer que seja o gênero, escapa, em termos receptivos, à influência do objeto que o substancializa, e que os aspectos visuais e estéticos da publicação de uma obra certamente são considerados no momento de sua escolha na prateleira de uma livraria (2007, p. 21). Inseridos nesse contexto da naturalização das imagens visuais e sonoras e dos audiovisuais, os professores não receberam formação sobre a leitura dessas linguagens. Desconhecemos, muitas vezes, sua lógica, sua identidade e por vezes não relacionamos sua representação a partir de um contexto. A formação de hiperleitores passa, assim, pela formação dos professores responsáveis por esse campo: todos – pois todos devemos entender de textos – não importa o campo do saber em que estejam inseridos – e das formas como eles nos falam. Infográficos, enciclopédias, álbuns, mapas,

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atlas, todos esses textos exigem leitores que saibam lidar com a multimodalidade, e, assim, professores de todas as áreas deveriam ter conhecimentos sobre multimodalidade. A tarefa de formar hiperleitores é de todos, mas é preciso dizer que existe uma situação ideal em que ela é tomada com especial importância, quando haveria um profissional capaz de lidar com todas essas linguagens – não um professor de Língua Portuguesa que entenda de ilustração, nem um professor de Artes que leia literatura, ou um professor de Biologia que saiba Gramática. Um professor de leitura, leitura de textos em diferentes suportes, linguagens, modos, gêneros, funções, estilos... Um professor multimodal, um formador de hiperleitores: de leitores.

Até o corpo é um texto Diante da ideia de que a geração digital pode mesmo estar perdendo a habilidade da leitura do corpo – das expressões faciais e do gestual –, regida pela inteligência interpessoal e treinada pelo contato social face a face, é possível que a escola seja exigida para esse fim, afinal, muitas questões que deveriam ficar restritas à educação parental foram transferidas para a escola – a própria leitura é uma delas. A formação de leitores, assim, tem mais essa responsabilidade, a de mostrar como o corpo tem linguagem e as formas como ele fala, seja através de nossa postura diante do interlocutor, nossa apresentação visual, nosso cheiro, nosso tom de voz, nossa forma de reagir à interlocução. Bastar prestar atenção no comportamento dos jovens e na forma como eles se surpreendem quando são mal

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interpretados para entender a importância de educar para a leitura do ser humano, incluindo aí as atitudes emocionais. Compreender a linguagem do corpo de pessoas que habitam as telas também é muito importante, à medida que cada vez mais eles têm influenciado o comportamento dos sujeitos. Nós também somos textos, mesmo no mais profundo silêncio.

Fim da navegação e um recomeço para as dúvidas Esses são apenas alguns dos aspectos da formação de hiperleitores sobre os quais devemos pensar para adaptar a relação entre mundo cultural e mundo educacional, ainda muito distante. É aproveitando essa necessidade de reconfiguração que podemos evitar que o sistema da cultura digital seja mais um espaço de construção de desigualdades, falho em seu objetivo de produzir leitores eficientes, cidadãos cooperativos da sociedade que desejamos, como tem acontecido nessa civilização cujo protagonista é o livro e o letramento. É preciso colocar no eixo o sentido, e o sentido está na relação entre texto e leitor. Se na cultura digital temos perdido o controle sobre o mundo dos textos, importa não perdermos o controle sobre o tipo de leitor que está ali, diante desses textos.

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Referências BARTHES, Roland. Inéditos. Volume 1 – Teoria. São Paulo: Martins Fontes, 2004. CANCLINI, Nestor. Leitores, espectadores e internautas. São Paulo: Iluminuras, 2008. CARR, Nicholas. A geração superficial: o que a Internet está fazendo com os nossos cérebros. Rio de Janeiro: Agir, 2011. DEHAENE, Stanislas. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler. Porto Alegre: Penso, 2012. DOMINGOS, Ana Cláudia Munari. Hiperleitura e escrileitura: convergência digital, Harry Potter, cultura de fã. Ebook. Porto Alegre: Edipucrs, 2015. FURTADO, José Afonso. “Da cultura do impresso à cultura do mundo digital”. In: FURTADO, José Afonso. “O papel e o pixel.” Ciberdifusão. Publicação do Projeto Ciberescópio. Coimbra, 2003. Disponível em: http://www.ciberscopio.net/index. php?area=temas&tema=3. Acesso em: set. de 2013. KLEIMAN, Angela B. Preciso ensinar o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever? Cefiel/IEL/Unicamp, 2005-2010. Disponível em: http://www.iel.unicamp.br/ cefiel/alfaletras/biblioteca_professor/arquivos/5710.pdf. Acesso em: set. de 2013. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. Ed. Lucerna, Rio de Janeiro, 2002. MASTROBERTI, Paula. Peter Pan e Wendy em versão brasileira: uma janela aberta para o livro como suporte híbrido. Dissertação de Mestrado, PUCRS, 2007. Disponível em: http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1346. Acesso em: set. de 2013. OLSON, David R. O mundo no papel: as implicações conceituais e cognitivas da leitura e da escrita. São Paulo: Ática, 1997. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries). Volume 2 – Língua Portuguesa. Brasília:MEC/SEF, 1997. Disponível em: http://portal. mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf. Acesso em: set. de 2013. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries). Volume 6 – Arte. Brasília:MEC/SEF, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ seb/arquivos/pdf/livro06.pdf. Acesso em: set. de 2013. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Ensino Médio. Parte II – Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2000. Disponível em: http://portal.mec. gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf. Acesso em: set. 2013. SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 2000. YUNES, Eliana. Tecendo um leitor: uma rede de fios cruzados. Curitiba: Aymará, 2009.

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Incorporando aspectos de gamificação no ensino sobre herança em programação orientada a objetos: uma experiência no ensino técnico de nível médio Janderson Jason Barbosa Aguiar (UFCG)

Introdução É desafiador, para o professor, em qualquer nível de ensino, tornar o processo de ensino-aprendizagem mais interessante (HAETINGER e GRAZIOLA JUNIOR, 2002). Em se tratando de disciplinas de programação, são conhecidas pelos professores as dificuldades que os alunos enfrentam inicialmente para compreender os aspectos para construir programas (domínio de estruturas condicionais, de repetição etc.) e, depois que os alunos alcançam o mínimo de conhecimento necessário, eles geralmente enfrentam nos semestres consecutivos a quebra de paradigma da programação estruturada para a Programação Orientada a Objetos (POO) (VAHLDICK, 2007). Segundo Zaina e Caversan (2005), quando o aluno inicia o contato com uma linguagem orientada a objetos, há muitas vezes dificuldade em cruzar as barreiras que diferenciam os estilos de POO e do paradigma de programação imperativa.

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É interessante reforçar a existência dessas dificuldades em cursos técnicos em informática, nos quais muitos alunos – que geralmente preferem aspectos envolvendo manutenção e redes de computadores –, quando se deparam com disciplinas envolvendo programação, apresentam pouca motivação em programar computadores e/ou pouco vislumbram a necessidade de se estudar tais conceitos. O ambiente escolar precisa dar prioridade à busca pela concepção de espaços de aprendizagem e experimentação utilizando tecnologias que permitam aos alunos serem livres para criar, questionar e aprender entre si (SCAICO e DE QUEIROZ, 2013; DA SILVA e DE QUEIROZ, 2014). Nesse sentido, é cada vez mais frequente o uso de jogos instrutivos no espaço escolar, uma vez que despertam “uma necessidade convincente para saber, uma necessidade de perguntar, examinar, assimilar e dominar certas habilidades e áreas de conteúdo” (DA SILVA e DE QUEIROZ, 2014, p. 87). O termo Gamificação – oriundo da palavra inglesa Gamification – consiste no uso de características e princípios de jogos a fim de facilitar o aprendizado e a resolução de problemas (PASCHOAL et al., 2014). Alguns especialistas argumentam que jogos são, antes de qualquer coisa, sistemas de aprendizagem, e que isso dá conta do sentido de engajamento e entretenimento que os jogadores experimentam (DA SILVA e DE QUEIROZ, 2014, p. 87).

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A gamificação oferece oportunidades para motivar e engajar os alunos (LEE e HAMMER, 2011; KAPP, 2012). Quando aplicada à educação, a gamificação tem como principal objetivo utilizar os mecanismos de jogos na concepção de iniciativas educativas, tentando tornar os conteúdos mais atrativos (DOMÍNGUEZ et al., 2013; SEIXAS et al., 2014). Para fazer uso da gamificação, segundo Liu, Alexandrova e Nakajima (2011 apud FRANÇA e REATEGUI, 2013), inicia-se a interação com base em um objetivo/desafio e em uma condição de vitória, sendo dadas recompensas quando o usuário alcança uma determinada meta – geralmente uma pontuação, moeda virtual etc. –, e, para motivar a colaboração e a competição, são fornecidos aos participantes emblemas e/ou um quadro de líderes baseados no sistema de pontos. O Duolingo (https://www.duolingo.com) e o Livemocha (http:// livemocha.com) são exemplos de ambientes on-line que possuem elementos de gamificação, ambos voltados ao processo de ensino-aprendizagem de idiomas. Neste capítulo é apresentado um relato de experiência baseada em gamificação, considerando uma abordagem competitiva e colaborativa, no ensino de programação (conceito de Herança em POO) para alunos de um curso técnico em informática. Na próxima seção deste capítulo, são comentados estudos relacionados.

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Estudos relacionados Com o objetivo de tornar o processo de ensino-aprendizagem mais dinâmico, Haetinger e Graziola Junior (2002) propuseram o uso de um robô como ferramenta de apoio à aprendizagem do conceito de orientação a objetos. Os autores observaram que a atividade prática desenvolvida foi um diferencial importante, aumentando o interesse e a motivação pela aula por parte dos graduandos. Vahldick (2007) realizou uma experiência, enquanto professor da disciplina de Programação Orientada a Objetos em Java, evidenciando o uso de metáforas, da interação com objetos e da escolha de um ambiente de programação para favorecer o lúdico no aprendizado. Apesar dos resultados não motivadores (índices de aprovação entre 30% e 40%), o autor afirma que a qualidade do código final dos aprovados foi superior à qualidade de turmas anteriores. Considerando a similaridade entre os pensamentos de filósofos e a Orientação a Objetos, Chaves et al. (2010) apresentaram uma abordagem de ensino interdisciplinar, utilizando a Teoria das Ideias de Platão e a Teoria da Forma e Substância de Aristóteles para fundamentar o ensino dos conceitos de POO. Os resultados indicaram que todos os alunos concordaram que as Teorias de Platão e Aristóteles poderiam ser introdutórias à POO e, apesar da maioria dos alunos inicialmente apresentar resistência à abordagem, todos os alunos indicaram, ao final da disciplina, que a analogia feita tornou o assunto mais interessante. Além disso, todos os alunos concordaram que a abordagem realizada deve ser estendida para outras disciplinas.

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A partir desses estudos, percebe-se, portanto, que há iniciativas visando melhorar o ensino sobre POO, utilizando estratégias não tradicionais para despertar o interesse dos alunos. Todavia, apesar de se tentar incentivar a aprendizagem dos alunos por meios diferenciados, os estudos não indicaram categoricamente que a inclusão desses aspectos não tradicionais aumentou o desempenho deles. Em relação à gamificação aplicada à educação, há vários estudos na literatura. Borges et al. (2013) realizaram um mapeamento sistemático com o objetivo de colaborar com uma visão geral sobre a área. Os resultados apontaram que os estudos se concentraram, em sua maioria, na investigação de como a gamificação pode ser usada para motivar, aprimorar habilidades e maximizar o aprendizado dos alunos. No mesmo ano desse mapeamento sistemático, Fernandes e Castro (2013) apresentaram um ambiente desenvolvido para ensino de química orgânica, baseado em gamificação, testado e aprovado por professores, além de ter sido considerado interessante pelos alunos. No ano seguinte, Medeiros, Fernandes e Damasceno (2014) apresentaram uma proposta de jogo digital, no formato de RPG (Role Playing Game), como forma alternativa auxiliar na campanha de prevenção ao uso de drogas. Seixas et al. (2014) utilizaram a gamificação como estratégia no engajamento de alunos do 9º ano do ensino fundamental, sendo utilizadas duas plataformas Web para realizar a mecânica de recompensa. Os resultados indicaram que os alunos que obtiveram as melhores médias foram os que receberam mais recompensas do professor.

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Alves et al. (2014) desenvolveram um jogo educativo, denominado ControlHarvest, para explorar aspectos da ecologia das populações, as funções do controle biológico e as especificidades de algumas relações ecológicas. O jogo foi avaliado por 14 alunos do ensino médio/técnico integrado, que indicaram interesse a respeito do conteúdo abordado pelo ControlHarvest. Figueiredo (2015) apresentou uma proposta, em andamento, para a utilização de gamificação em disciplinas de um curso de Sistemas de Informação (Algoritmos III e Projeto de Sistemas I) visando ao engajamento e à motivação dos alunos. Segundo a autora, os jogos, até o momento, mostraram-se efetivos para o aumento da participação dos alunos em sala, além de maior comprometimento com a realização de atividades. Embora as pesquisas comentadas relativas à gamificação indiquem, em geral, maior motivação dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem, não são observados nitidamente resultados positivamente impactantes em relação ao desempenho desses discentes. Apesar dos estudos citados nesta seção estarem relacionados à experiência descrita neste capítulo, eles diferenciam-se essencialmente por não serem experiências de gamificação, considerando o ensino sobre herança – um dos conceitos essenciais em POO (VAHLDICK, 2007) –, com alunos de nível técnico. Na próxima seção deste capítulo, são explanadas as características da experiência realizada.

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Características da experiência realizada A estratégia baseada em gamificação para abordar o conceito de Herança em POO foi empregada no Curso Técnico em Informática da Escola Técnica Redentorista (Campina Grande/PB) – técnico de nível médio –, com 30 alunos, cuja base tecnológica (disciplina) é denominada Desenvolvimento de Aplicativos com Banco de Dados (DABD), na qual, entre os conceitos abordados, abrange POO por meio da linguagem de programação Java. A experiência consistiu na realização de uma atividade que visou à verificação da aprendizagem de conteúdos abordados em aulas anteriores (especialmente sobre herança). Destaca-se que a atividade contemplou também os conteúdos abordados desde o início da disciplina, uma vez que os alunos precisavam de conhecimento do ambiente Eclipse, além de conhecer as características básicas da linguagem Java para solucionar as etapas finais de cada problema. A turma foi dividida em 5 grupos (6 alunos, em média, por grupo) sendo utilizados essencialmente como recursos um computador (configurado para executar Java, por meio do ambiente Eclipse, e para apresentar os slides com os enunciados dos problemas a serem resolvidos), um datashow (para projetar as regras, os enunciados dos problemas e a implementação das soluções por parte dos alunos) e a lousa da sala de aula (para resolução da primeira etapa de cada problema). Foram elaborados 5 problemas, um para cada grupo, além de um Problema Extra para o caso de empate ao final da atividade (ver Quadro 1).

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Identificador do problema

Descrição do problema Represente um minimundo de funcionários em uma empresa de TI. Os Programadores têm matrícula,

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nome e domínio em uma linguagem de programação, além de saberem programar. Os Especialistas em Rede também têm matrícula e nome, mas estes gerenciam as redes da empresa. Represente um minimundo com mensagens de SMS e do Whatsapp. Considere que todas elas têm

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um conteúdo, o nome do remetente e o número do celular do destinatário. Entretanto, para mensagens do Whatsapp, é preciso verificar se há conexão com a Internet. Represente um minimundo de Pessoas Físicas e Pessoas Jurídicas. Considere que todas as pessoas

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têm nome, idade e podem trabalhar. Entretanto, Pessoas Físicas têm CPF enquanto Pessoas Jurídicas têm CNPJ e podem abrir uma empresa. Represente um minimundo de Navios, Carros, Submarinos e Motocicletas. Todos são Meios de Transporte e possuem uma quantidade de passa-

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geiros. Os meios Marítimos podem ser submersos ou não. As motocicletas, apesar de serem um meio Terrestre como os Carros, ao serem criadas, deve-se deixar claro que a quantidade de passageiros é 2.

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Represente um minimundo para criação de Pontos, Círculos e Cilindros. Um Ponto possui as coordenadas X e Y. Um Círculo, além dessas coordenadas, possui

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um raio; e, além disso, pode-se calcular sua área. Um Cilindro, além das coordenadas, raio e cálculo da área, possui uma altura e pode-se calcular seu volume. Represente um minimundo de Professores e Estudantes. Sabe-se que ambos têm nome e matrícula.

Extra

Entretanto, Professores ministram aulas e Alunos assistem às aulas. Quadro 1: problemas elaborados para a atividade sobre herança

Os problemas foram definidos sequencialmente para os grupos: o Problema 1 destinado ao Grupo 1, o Problema 2 destinado ao Grupo 2, e assim sucessivamente. Os grupos, por sua vez, foram definidos aleatoriamente. Em cada problema, os grupos precisavam realizar estas 3 etapas: 1. a modelagem do problema em classes (utilizando conceitos simples de UML); 2. a implementação das classes em Java; e 3. alguns “testes” simples da implementação (instanciação e uso de objetos) em um método main. Vale ressaltar que, para a implementação dos métodos, foi sugerido apenas imprimir na tela (comando System.out.println em Java) alguma frase relativa à ação do método – com exceção do

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Problema 5, o último, que ficou definido que o grupo implementaria com a ajuda do professor. Além da definição aleatória dos alunos integrantes de cada grupo, para cada problema os integrantes foram sorteados (sem repetição) para realizar cada uma das 3 etapas da atividade. Foi frisado que os demais integrantes do grupo poderiam (e deveriam!) ajudar, em cada etapa, o colega sorteado de seu grupo, ao mesmo tempo em que os outros grupos não poderiam atrapalhar (com barulho etc.). Foi definido que cada etapa valeria 2 pontos, podendo um problema totalizar 6 pontos para o grupo. O professor ficou responsável por julgar a corretude das respostas, podendo considerar que a etapa valeu 2 pontos, 1 ou 0 ponto. Os outros grupos também puderam opinar no sentido de avaliar a corretude das respostas. Uma regra definida foi que, se o grupo não fizesse determinada etapa, poderia indicar outro grupo a fazer; nesse caso, os pontos destinados à etapa seriam divididos para ambos os grupos. Além disso, se o grupo indicado também não fizesse, qualquer outro grupo poderia fazer; nesse caso, os pontos destinados à etapa seriam apenas para o grupo que se dispôs. A intenção dessas regras foi para que todas as etapas fossem realizadas pelos alunos, não pelo professor. Foi comentado no início da experiência que outras regras seriam explicadas conforme necessidade. Além disso, foi comentado, como premiação, que o grupo com mais pontos ao final ganharia chocolates; e também foi frisado que o desempenho de cada um (participação/colaboração) fazia parte do processo de avaliação contínua do curso. Na próxima seção deste capítulo, são discutidos resultados dessa experiência

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Resultados e discussão A experiência caracterizada na seção anterior durou dois dias, com duas horas de aula em cada dia (totalizando 4 horas). Após a explicação inicial sobre a atividade, os grupos foram aleatoriamente definidos e não foi determinado um tempo limite para cada etapa, visando a uma liberdade maior para os alunos pensarem e apresentarem suas soluções. É importante ressaltar que, embora não tenha sido determinado tempo limite, cada grupo – após a leitura do problema e escolha aleatória do representante do grupo para resolver uma etapa – precisou decidir, em pouco tempo (aproximadamente 1 minuto) se resolveria tal etapa ou usaria o recurso de indicar outro grupo para solucioná-la. À medida que o grupo da vez terminava, diante da turma, a solução de determinada etapa, tal solução era comentada pelo professor, havendo discussão com o restante dos grupos que opinavam sobre a solução. Não houve casos de discordância para a definição das pontuações (2, 1 ou 0). Nos casos em que a solução para a primeira ou para a segunda etapa não foi considerada completa, o professor, em discussão com a turma, complementou a solução para a etapa seguinte não ser comprometida. Durante a atividade, foram obtidas soluções, em geral, satisfatórias para todas as etapas. No Quadro 2 é apresentada uma dessas soluções. Ao final da atividade, não houve empate e não foi utilizado o Problema Extra.

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TesteFuncionarios.java

package exercicioGrupo1; public class TesteFuncionarios { public static void main(String[] args) { Programador p = new Programador(); p.setNome("lucas"); p.setMatricula(123); p.programa(); Especialista e = new Especialista(); e.setNome("jj"); e.setMatricula(124); e.gerenciaRedes(); } } Quadro 2: resposta do Grupo 1 para a Etapa 3 relativa ao Problema 1

Com a realização da experiência, foi possível perceber, dentre vários aspectos, maior engajamento dos alunos com a disciplina. Muitos alunos da turma não se empolgavam em participar das aulas de DABD; entretanto, alunos totalmente calados em aulas tradicionais (alguns por timidez, outros por falta de interesse) participaram dessa experiência, respondendo aos questionamentos. Um dos alunos, por exemplo, aproximou-se em particular para elogiar o professor, ao final da atividade, pela metodologia. Durante a experiência, os alunos discutiram ideias em grupo para chegar a soluções e o professor pôde acompanhar a participação e interesse deles. Mesmo aqueles que apresentavam dificuldade na base tecnológica (disciplina) tentaram contribuir com ideias, en-

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tendendo o conceito de herança mesmo que tivessem dificuldades no aspecto da sintaxe em Java. Todas as etapas de todos os problemas foram realizadas pelos alunos (não foi necessário o professor apresentar sozinho a solução), sendo utilizada algumas vezes a regra de outro grupo resolver alguma etapa do problema. Apenas no Problema 5, como citado anteriormente, o professor ajudou mais fortemente devido à implementação relativa a cálculos de área e volume de formas geométricas. Em relação à modelagem, embora tenham sido utilizados conceitos de UML, não foi cobrado muito detalhe por parte dos alunos; todavia, o professor, sempre que julgou necessário, realizou comentários de como a modelagem poderia ser melhorada. É necessário comentar que um dos grupos não teve uma participação tão efetiva quanto os outros – alguns alunos desse grupo não mostraram interesse durante a participação dos demais grupos e seus problemas. Todavia, na sua vez, tal grupo participou de maneira satisfatória. Apesar da atividade ser colaborativa, o professor avaliou cada aluno também de maneira individual. Na Figura 1 é apresentado o desempenho da turma nas atividades da disciplina DABD realizadas até a experiência comentada neste capítulo (Atividade 5). As atividades 1 a 4 foram, em geral, resumos e resoluções de exercícios tradicionais de programação. Em vez de notas, as atividades foram avaliadas por conceitos – a saber: insuficiente, regular, bom e ótimo.

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Figura 1: desempenho da turma em atividades durante a disciplina DABD Fonte: elaborado pelo autor

Apesar dos dados da Figura 1 não serem suficientes para indicar enfaticamente melhoria no desempenho de todos os alunos durante a base tecnológica (disciplina), é possível observar indícios disso ao visualizar uma queda em relação a conceitos como insuficiente e regular e, em contrapartida, um aumento de conceitos bom e ótimo. O professor considerou que o baixo desempenho em atividades anteriores se deu devido à baixa motivação dos alunos em estudar os assuntos da base tecnológica (disciplina), além da escassa colaboração entre alunos nessas atividades. Alguns alunos acabam tendo mais facilidade em compreender certos conteúdos e, com um ambiente propício à colaboração, fica mais fácil a aquisição de conhecimento por parte dos demais alunos. Na próxima seção deste capítulo, são realizados alguns comentários finais.

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Considerações finais A realização da experiência relatada neste capítulo propiciou, em geral, uma mudança de atitude dos alunos do curso técnico em informática em relação à disciplina durante as aulas “gamificadas” – os alunos, de modo geral, apresentaram-se participativos e mais entusiasmados com essas aulas em comparação com as aulas tradicionais. É interessante, portanto, que os docentes reflitam sobre a possibilidade de adotarem mecanismos de gamificação para o ensino de pensamento computacional e programação, uma vez que é possível – fazendo-se uso de recursos encontrados em muitas salas de aula de cursos de computação – extrair resultados positivos para o processo de ensino-aprendizagem. Apesar de ser uma experiência válida considerando a turma como um todo, nem todos os alunos mostraram-se “confortáveis” com toda a metodologia utilizada. Um dos alunos escolhidos de forma aleatória, por exemplo, estava literalmente tremendo de nervosismo por ir até a lousa responder a primeira etapa de um dos problemas. É interessante, portanto, considerar que os alunos possuem personalidade e modos de aprender diferenciados, sendo importante repensar nas estratégias utilizadas, tais como a formação aleatória dos grupos e a indicação aleatória para responder às etapas dos problemas (talvez seja melhor uma indicação interna do grupo – mas é preciso avaliar cuidadosamente prós e contras, para evitar casos de alunos que se “acomodam” em parceria com colegas).

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Com base nisso, foi analisado o perfil dessa turma a partir do modelo Big Five – relativo a Traços de Personalidade (ALLPORT e ALLPORT, 1921; JOHN e SRIVASTAVA, 1999) – e do modelo de Felder–Silverman – relativo a Estilos de Aprendizagem (FELDER e SILVERMAN, 1988; FELDER, 2002). Essa análise foi possível uma vez que, em momento anterior, alguns alunos da turma participaram de outro estudo, no qual responderam a um formulário on-line contemplando o inventário TIPI (Ten-Item Personality Inventory) (GOSLING; RENTFROW e SWANN, 2003) e o questionário ILS (Index of Learning Styles) (FELDER e SOLOMAN, 1999), relativos a Traços de Personalidade e Estilos de Aprendizagem, respectivamente. Dos 30 alunos, 17 participaram desse outro estudo e, portanto, há uma limitação em relação à acurácia do perfil extraído para a turma. Todavia, considerando que a amostra representa mais da metade da população, considerou-se válida a realização dos seguintes comentários. Na Figura 2, é apresentado o perfil desses alunos relativo a Estilos de Aprendizagem.

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Figura 2: estilos de aprendizagem de alunos participantes da experiência baseada em gamificação. Fonte: elaborado pelo autor

A partir da Figura 2, percebe-se que, de maneira geral, os alunos da turma tendem a ser mais ativos, sensoriais, visuais e sequenciais. Acredita-se que essas características podem ter contribuído com o sucesso, em geral, da experiência baseada em gamificação nessa turma, uma vez que segundo a teoria de Felder e Silverman (1988), tem-se, em geral, que: (i) os sujeitos ativos aprendem por meio da experimentação ativa, e compreendem as informações mais eficientemente discutindo e aplicando os conceitos; (ii) os sujeitos sensoriais preferem lidar com situações concretas; (iii) os sujeitos visuais aprendem mais facilmente por meio de demonstrações, diagramas; e (iv) os sujeitos sequenciais aprendem melhor quando o conceito é expresso de maneira contínua de dificuldade e complexidade. Esses aspectos podem ser encontrados nas características adotadas e descritas na Seção 3.

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Todavia, como é possível observar por meio da Figura 2, a quantidade de estudantes com os demais Estilos de Aprendizagem de cada dimensão do modelo de Felder–Silverman (reflexivos, intuitivos, verbais e globais) é expressiva em alguns casos, especialmente em relação ao estilo reflexivo. E isso pode ter implicado resultados não tão positivos durante a experiência baseada em gamificação, comentados anteriormente. É importante, ainda, comentar que, além de analisar binariamente as preferências por dimensão do modelo de Felder–Silverman, outra análise poderia considerar a intensidade das preferências por estilo (leve, moderado e forte), utilizando os resultados para planejar os aspectos metodológicos para replicar esta experiência. Em relação a Traços de Personalidade, o perfil da turma é apresentado na Figura 3.

Figura 3: traços de personalidade de alunos participantes da experiência baseada em gamificação. Fonte: elaborada pelo autor

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Percebe-se, a partir da Figura 3, que a maioria apresenta uma extroversão alta ou moderada, mas há uma quantidade significativa de alunos com extroversão baixa. Em relação à socialização, nota-se que poucos são os alunos que se apresentam com socialização baixa. Em relação à realização, é indicado que a maioria dos alunos apresenta uma realização alta, sendo no mínimo moderada. Em relação à instabilidade emocional (neuroticismo), percebe-se que a maioria dos alunos apresenta um nível moderado. Similarmente ao traço socialização, os alunos apresentaram, em geral, um perfil com abertura alta, mas se destaca a especificidade de um aluno com baixo nível de abertura. Apesar dos gráficos das Figuras 2 e 3 indicarem, em geral, que a maioria da turma segue determinada característica (traço/ estilo), há uma parcela significativa de alunos com perfis diferenciados, e isso reforça o fato de verificar os traços de personalidade e estilos de aprendizagem tanto de maneira global (por turma) quanto individualmente, para que o professor identifique e busque melhores estratégias para os discentes mais diferenciados. Nessa turma, em especial, percebe-se, por exemplo, que um aluno apresentou nível baixo de abertura. Embora seja importante que o docente analise e tente estimular o desenvolvimento dessa característica no aluno, é preciso que tal docente tenha cuidado em inovar em um momento avaliativo, pois, por não se mostrar como um sujeito aberto a mudanças, tal aluno poderia vir apresentando bom desempenho e, por inovações/mudanças por parte do professor, poderia obter um desempenho baixo no momento de avaliação, não representando o real aprendizado desse aluno.

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Com base no exposto, almeja-se estimular reproduções similares dessa experiência e sugere-se também considerar o perfil de cada turma, identificando características – tais como Traços de Personalidade e Estilos de Aprendizagem – que podem propiciar a personalização do processo de ensino-aprendizagem em nível técnico e em demais níveis de ensino. Como estudos futuros, pretende-se replicar/expandir a experiência em outras turmas, extraindo uma avaliação por parte dos alunos sobre a metodologia adotada.

Agradecimentos À Escola Técnica Redentorista de Campina Grande/PB, especialmente à turma de alunos que participou desta experiência. À organização do I Workshop de Ensino em Pensamento Computacional, Algoritmos e Programação (WAlgProg 2015) – evento integrante do IV Congresso Brasileiro de Informática na Educação (CBIE 2015) – que classificou a experiência relatada neste capítulo como o 2º melhor trabalho do evento. À Sociedade Brasileira de Computação (SBC), pela permissão de reproduzir material extraído da obra “Experiência baseada em Gamificação no Ensino sobre Herança em Programação Orientada a Objetos”, publicada nos Anais dos Workshops do CBIE 2015 e, agora, expandida neste capítulo.

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Norma escrita culta, placas de rua e pocket vídeos: uma experiência possível Ynah de Souza Nascimento (UFPE) e (FMGR) A linguagem na ponta da língua, tão fácil de falar e de entender. [...] Já esqueci a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora, em que levava e dava pontapé, a língua, breve língua entrecortada do namoro com a prima. O português são dois; o outro, mistério. Carlos Drummond de Andrade

Costumo iniciar minha primeira aula de Comunicação e Expressão para alunos calouros em uma faculdade privada da Grande Recife perguntando sobre os sentimentos que eles trazem a respeito das aulas de Língua Portuguesa. E, na grande maioria das vezes, as respostas são as mesmas: “professora, eu detesto aula de gramática”. Não é objetivo, por ora, aprofundar as discussões sobre essas afirmações, mas é importante destacar que, quando os alunos afirmam isso, eles deixam explícito que, para eles, aula de Língua Portuguesa é sinônimo de aula de gramática, aqui compreendida como gramática normativa da Língua Portuguesa.

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Tudo o que se “ensina” em sala de aula, corresponde a um referencial teórico. E todo referencial teórico se modifica ao longo dos tempos graças às pesquisas que vão sendo realizadas. Não poderia ser diferente com o ensino de Língua Portuguesa. A história do ensino dessa disciplina veio se modificando. No século XIX, a filosofia grega constituía a base teórica desse ensino e a linguagem era usada como expressão de pensamento. Basta uma leitura dos índices da gramática normativa da Língua Portuguesa para se constatar que esse ainda é o modelo – também grego – de análise da língua, baseado no pressuposto de que a análise deveria partir das menores unidades (fonemas, letras e sílabas) para, somente depois, chegar às maiores (palavra, frase, oração e período) até se chegar ao significado. Por isso, os conteúdos gramaticais são distribuídos em partes: Fonética e fonologia; Morfologia; Sintaxe (ou Morfossintaxe); Semântica. Somente no início do século XX, com as pesquisas e publicações de novas teorias linguísticas, começa a existir um movimento de mudança que defende a língua não como um objeto estático e homogêneo padronizável, mas dinâmico e heterogêneo. E é considerando essa heterogeneidade, que iniciei as discussões com nossos alunos oriundos dos cursos de Ciências Contábeis, Gestão da Qualidade e Recursos Humanos da Faculdade Metropolitana da Grande Recife. A minha primeira decisão era definir que metodologia adotar para que meus alunos avaliassem suas experiências negativas em aulas de Língua Portuguesa, refletindo sobre a importância do uso da norma escrita culta da língua em situações pessoais e profissionais.

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Em outras palavras, meu interesse era que essas experiências negativas fossem superadas a partir de uma proposta pedagógica em que falar e escrever bem a Língua Portuguesa deveria ir além, muito além das aulas de análise sintática. Exigiria o domínio da norma escrita culta da língua obrigatória em situações formais do uso da língua. E, se o objetivo era mudar algo, obrigatoriamente eu precisaria repensar a metodologia: “se queremos que os alunos sejam proativos, precisamos adotar metodologias em que os alunos se envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que tenham que tomar decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Se queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas possibilidades de mostrar sua iniciativa” (MORAN, 2015, p.17). Então, nesse caso eu precisaria implementar uma metodologia que obrigatoriamente contemplasse uma aprendizagem colaborativa, em que os alunos construíssem coletivamente o conhecimento, e eu – a professora – atuasse mais como uma “coreógrafa”1. “Cada vez adquire mais importância a comunicação entre pares, entre iguais, dos alunos entre si, trocando informações, participando de atividades em conjunto, resolvendo desafios, realizando projetos, avaliando-se mutuamente. Fora da escola acontece o mesmo, a

1. Estou aqui usando esse termo em concordância com Zabalza (2005), para quem os professores são coreógrafos de aprendizagem dos seus alunos. Eles organizam coreografias (externas) que “postas em cena” modulam o processo de aprendizagem dos estudantes (coreografias externas) na mobilização e produção de suas capacidades pessoais.

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comunicação entre grupos, nas redes sociais, que compartilham interesses, vivências, pesquisas, aprendizagens. Cada vez mais a educação se horizontaliza e se expressa em múltiplas interações grupais e personalizadas” (MORAN, 2015, p. 26). E, nada mais adequado para concretizar esses desejos pedagógicos do que propor aos alunos um projeto que aproveitasse a paixão que os alunos tinham (e continuam tendo) pelos aparelhos celulares, bem como suas facilidades: tecnologia acessível e de custo praticamente zero para a produção de vídeos em ambientes tecnológicos mínimos. Além disso, “as tecnologias em rede nos permitem não só trazer o bairro e a cidade, mas também o mundo inteiro, em tempo real, com suas múltiplas ideias, pessoas e acontecimentos numa troca intensa, rica e ininterrupta” (MORAN, 2015, p.25). Por isso, propus que os alunos, ao longo do semestre, fotografassem placas de rua para, em uma segunda etapa, escolhessem algumas para analisar considerando os conteúdos vivenciados em aula sobre “variação linguística e norma escrita culta da língua”. Ou, como nos explica Drummond, propus uma metodologia que provocasse o aluno a estabelecer a ponte entre “a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora” e o português “mistério”.

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Aprendizagem móvel e “pocket-vídeo” “O trabalho no computador foi, é, muito melhor, porque a gente parava com a aula chata lá, chegava... toda amorgada... aqui a gente... aqui, já, a gente um estímulo, né? O computador aqui, a gente fazer as coisas... Na aula, a professora, acho que, vamos parar com isso. Aqui não, aqui, chegava no computador, aí fazer rapidinho, aí e tal. Aí ficava conversando ainda. Muito melhor com o computador”. (NASCIMENTO, 1998)

Não se trata de discutir se a escola deve ou não fazer uso das TICs. Ao longo dos tempos, tanto a educação não-escolar como a escola sempre fizeram uso dessas tecnologias, na sua forma convencional, naturalmente. O pergaminho, o papiro, o livro manuscrito, o papel, a tipografia, o livro impresso, o rádio, a televisão, o vídeo: tudo isso é Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) em formato convencional, pré digital. A questão principal é saber como incorporar as tecnologias mais recentes com a mesma naturalidade com que hoje se usam (ou como deveriam ser usadas) essas tecnologias convencionais. As TICs passaram a fazer parte da vida de todos. Só no segundo trimestre de 2015, 74,4 milhões de pessoas usaram smartphones para acessar a Internet (NIELSEN, 2015). Entretanto, parece que a instituição escolar ainda não sabe como administrar essa ferramenta. Então, é mais fácil proibir. É o que aconteceu em Pernambuco: uma lei de interdição para o uso do aparelho celular na escola. A lei 15.507, de 21 de maio de 2015, regulamenta o uso desses aparelhos no ambiente escolar e prevê punições caso as normas sejam des-

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respeitadas. A justificativa para a proibição é que os celulares são os responsáveis pela “distração” dos alunos durante as aulas. A única exceção para o seu uso é se houver alguma aplicação pedagógica2.

Figura 1: manchete do Diário de Pernambuco, 6.5.20153

Então, acreditando que a escola não pode ficar alheia ao potencial pedagógico das TICs, e considerando nossas experiências positivas nessa área, decidimos experimentar pedagogicamente o celular, ampliando a experiência já realizada há alguns anos de análise do uso da Língua Portuguesa em placas de rua: o projeto

2. Fonte: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2015/05/26/interna_vidaurbana,578225/celular-proibido-na-escola.shtml 3. A matéria completa pode ser acessada em http://www.diariodepernambuco.com. br/app/noticia/vida-urbana/2015/05/26/interna_vidaurbana,578225/lei-estadualproibe-uso-de-celular-na-escola.shtml

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Nossa língua nas ruas. O desafio agora era introduzir as novas tecnologias da informação e comunicação, e nossa dúvida era: seria possível achar novas maneiras de fazer algo que já era feito há um tempo, sempre do mesmo jeito, a partir da inserção das novas TICs? Acreditávamos, como Barros (2014), que a introdução desses dispositivos poderia ser uma excelente oportunidade para que os alunos se tornassem protagonistas de sua aprendizagem. Isso sem falar que as TICs constituem oportunidade para que todos aprendam em todo tempo e lugar, tanto na educação formal como não-formal e informal. A aprendizagem móvel compreende o uso de todos os potenciais das tecnologias móveis para a aprendizagem ou desenvolvimento de atividades direta ou indiretamente relacionadas ao contexto educacional. Simplifica o acesso, superando barreiras de tempo, localização e colaboração. Personaliza soluções educacionais para aprendizes na forma individual de acordo com seu desempenho (BARROS, 2014, p. 44). Para nós, Aprendizagem Móvel é: Aprendizagem Móvel, numa definição sintética, consiste na utilização de dispositivos tecnológicos móveis no processo de ensino aprendizagem, a partir de múltiplas interações e do contexto em que os aprendentes estão inseridos (BARROS, 2014, p. 21). O uso da aprendizagem móvel, ainda segundo Barros (2014), é beneficiado quando o conteúdo trabalhado é relevante, isto é, os alunos são levados a explorar e inquirir fatos autênticos. Além

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disso, essa aprendizagem deve proporcionar situações em que os alunos sejam provocados a criar, personalizar e compartilhar seus próprios conteúdos a partir do uso dos dispositivos móveis. A expressão “pocket vídeo” ou “vídeo de bolso” tem sido usada para nomear um gênero de produção que se popularizou com as chamadas câmeras de mão e, principalmente a partir da criação de sites de compartilhamento tipo Vimeo, Youtube, e, mais recentemente, as redes sociais e aplicativos de comunicação imediata, como o WhatsApp. Tudo isso facilitado, também, pelo custo zero de programas de edição de imagens e vídeos, que podem ser manipulados tanto por profissionais como por amadores. Entretanto, precisam obedecer a algumas regrinhas básicas para que as mensagens produzidas – narrativas com início, meio e fim – sejam compreensíveis para o público.

“Professora, em que lugar se fala o português mais correto do Brasil?” [...] A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros Vinha da boca do povo na língua errada do povo Língua certa do povo Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil Ao passo que nós O que fazemos É macaquear A sintaxe lusitana. Manuel Bandeira

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O maior desafio do professor ao trabalhar o conteúdo de variação linguística é levar os alunos a ampliar seus conceitos do que é certo ou errado no uso da língua. Geralmente, ao longo de sua trajetória escolar, os alunos construíram a ideia de que existe uma única Língua Portuguesa. Isso é, segundo Bagno (2004) o mito número 1: “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente” (p.15). Segundo o autor, esse é o mais sério mito, pois é muito forte sua aceitação, tanto que até mesmo intelectuais de renome aceitam essa ideia. O problema dessa afirmação é que ela acaba com a inegável variedade linguística brasileira e exclui qualquer pessoa que não fale no modo dessa “unidade” que nunca existiu. Para iniciar as discussões sobre esse mito, levei para a sala de aula duas imagens que circulavam na Internet:

Figura 2: potes de mantimentos Fonte: http://www.insoonia.com

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Figura 3: Copa do Mundo, escolas e ensino Fonte: https://www.facebook.com/assassinaram/photos

Solicitei aos alunos que avaliassem o uso da Língua Portuguesa nas duas imagens, considerando seu contexto de circulação. Na Figura 1, as discussões deveriam considerar o local e a função dos rótulos dos potes de mantimentos; na Figura 2, o contexto de circulação da placa: as manifestações que aconteceram em 2014 contra a realização da Copa do Mundo no Brasil. As discussões foram intensas até se chegar a uma conclusão de que os critérios que decidem se é certo ou errado empregar uma forma ou construção derivam das circunstâncias em que a língua está sendo usada, e, principalmente, dos objetivos discursivos para aquele uso. Para Possenti (2003), o uso correto da língua é aquele em que conseguimos tanto quanto possível comunicar o que pretendemos, realizar nossos objetivos comunicacionais: perguntar, responder, dar ordens, fazer pedidos, expressar senti-

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mentos, manifestar opiniões, concordar com alguém ou contestá-lo. Em situações informais, isso pode ser feito sem que regras gramaticais sejam seguidas rigorosamente. Por exemplo, uma colocação de pronome indevida, a omissão de uma preposição, um certo grau de imprecisão, frases incompletas – tais ’erros’, frequentes em nosso uso cotidiano, não chegam a prejudicar nossa comunicação e por isso são aceitáveis. (s/p) Os alunos concluíram que os desvios no uso da Língua Portuguesa nas duas figuras são de natureza diferente. Nesses dois casos, as conclusões dos debates foram interessantes. Na Figura 1, esses “erros” indicam falhas de escolaridade por parte de quem escreveu os rótulos, entretanto não chegam a prejudicar quem vai usar os mantimentos: mesmo com desvios ortográficos, ninguém vai usar “asuca” no lugar de “faria” na hora de fazer uma receita. Por outro lado, os desvios da Figura 2 não indicam falhas na escolaridade; pelo contrário, são intencionais e servem como argumento para fortalecer a denúncia da placa. Basta uma análise preliminar para constatar que o autor ou autora da placa possui domínio do uso da língua escrita culta: sabe como construir um parágrafo, como usar o ponto final e como esclarecer, na observação, a intenção crítica dos desvios ortográficos. Então, a questão não era apenas identificar os desvios em relação à norma escrita culta da língua, mas compreender esses desvios dentro do seu contexto de circulação. E, para exercitar esse olhar crítico, propus o projeto “Nossa língua nas ruas”.

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O projeto “Nossa língua nas ruas” O objetivo principal da experiência foi levar os alunos a se sensibilizarem em relação ao uso da norma culta escrita da Língua Portuguesa, considerando o contexto de uso da língua. Para isso deveriam encontrar e fotografar placas de rua expostas no entorno dos espaços em que circulavam diariamente. Além desse objetivo, pretendia, também, que os alunos: 1. Compreendessem a importância em se usar adequadamente a norma escrita culta da língua; 2. Refletissem sobre os desvios em relação ao uso da norma escrita culta da língua a partir de situações menos tradicionais de análise e discussão do uso da norma culta da língua; 3. Vivenciassem o trabalho em grupo, valorizando a observação, a discussão e o empenho de cada componente; 4. Desenvolvessem sua capacidade de exposição oral; 5. Transpusessem para uma outra linguagem – a dos “pocket-vídeos” – suas análises e conclusões, elaborando vídeos com estrutura narrativa: início, meio e fim. Todas as observações e análises realizadas deveriam considerar, como referência teórica, as leituras e discussões que estavam acontecendo ao longo das aulas. Com base nisso, os alunos, divididos em equipes, acabaram ampliando a coleta de dados, fotografando não apenas as placas, mas faixas, cartazes, fachadas de lojas,

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para-choques de caminhão, com o intuito de verificar como estava sendo empregada a norma escrita culta da língua. No dia marcado, todos os alunos trouxeram para a sala de aula os registros feitos, com a indicação de local da placa e data da foto. Alguns optaram por trabalhar com as imagens diretamente nos celulares; outros, preferiram imprimir o material. Os grupos se reuniram e, tomando como referência as discussões em aula e a consulta em Gramáticas Normativas da Língua Portuguesa, analisaram por escrito as placas escolhidas. Tudo com minha supervisão. Nessa ocasião, orientei os alunos a localizarem, em consulta ao sumário da gramática, a fonte de pesquisa para os desvios encontrados; para isso, foi necessário explicar a lógica de distribuição dos assuntos nos compêndios gramaticais. Além disso, foi preciso fornecer um modelo de texto que deveria ser seguido para a análise escrita: imagem + três parágrafos, cada um com uma função. O primeiro deveria informar o desvio encontrado; o segundo deveria fornecer detalhes do desvio e apresentar a correção, caso fosse necessária; e o terceiro parágrafo, opcional, deveria tentar explicar o desvio considerando as condições de circulação da placa. Além disso, ao longo das aulas, procurei chamar atenção dos alunos para a necessidade de se construir bons parágrafos, com períodos coerentes e coesos. Para facilitar, disponibilizei, no portal da faculdade, um arquivo que fornecia um modelo a ser seguido:

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Primeiro parágrafo Há dois desvios em relação à norma culta da Língua Portuguesa, todos relacionados ao emprego da concordância. Local: Av. Dom João VI, Boa Viagem, Recife. Segundo parágrafo Em “aluga-se 3 quartos”, a falha diz respeito à concordância verbal: de acordo com a gramática normativa, o sujeito da oração é “3 quartos” e está no plural; logo o verbo deve ir para o plural também – Alugam-se 3 quartos; o outro desvio diz respeito à concordância nominal: de acordo com a gramática normativa, se o substantivo está no plural (“3 quartos”), o adjetivo também precisa ir para o plural – Alugam-se 3 quartos nunca habitados.

Terceiro parágrafo Esses desvios são comuns na modalidade não culta da Língua Portuguesa, mas devem ser evitados em usos formais do idioma. Pelo menos por enquanto. Há registros de que, ao longo da história da língua, alguns usos populares acabaram-se tornando formais.

Figura 4: orientação dos trabalhos Fonte: acervo pessoal

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Quando propus a atividade, esclareci também que cada trabalho seria avaliado de acordo com alguns critérios: a placa selecionada, os comentários feitos, o uso da norma culta da língua na construção dos parágrafos, a exposição oral para a turma e a produção do pocket-vídeo. Nas datas previamente definidas, os grupos apresentaram a versão preliminar dos seus trabalhos, que me foram entregues para inserir as sugestões de reescrita, realizada em outro momento de aula. Foi interessante constatar a surpresa manifestada pelos alunos de que o trabalho deveria ser refeito. Para eles, a entrega do trabalho escrito era a versão definitiva. Provavelmente essa “surpresa” explica-se a partir das experiências que os alunos viveram (infelizmente) nas aulas de redação, em que o texto é concebido como um artefato definitivo e acabado, resultante de um recorta e cola, e não como um processo prático discursivo, em que o escrevente se posiciona (ou tenta se posicionar). Nesse caso, se o escrevente quer alcançar objetivos com seu texto, esse precisa ser considerado como um processo em que o escrevente se posiciona, ocupa um lugar social, e deixa suas marcas. Na sua maioria, as análises escritas atenderam às expectativas. As apresentações orais também seguiram as orientações previamente dadas. A única dúvida dos alunos foi em relação à produção dos vídeos: ninguém queria “aparecer na fita”. Achamos interessante que, em tempos de selfies e exposições até exageradas da vida pessoal em redes sociais, houvesse essa timidez. Para resolver esse “impasse”, orientei que, nos vídeos, a análise fosse feita oralmente, com o apoio da imagem da placa escolhida, sem a obrigatoriedade da imagem dos alunos do grupo, e com uma estrutura narrativa: início, meio e fim.

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Depois que todas as apresentações foram feitas, solicitei que os alunos avaliassem a experiência. E foi com satisfação que ouvi afirmações como: “Nunca mais vou olhar uma placa do mesmo jeito!” Ou “Vou começar a me empenhar no uso da norma culta da língua”. Então, do ponto de vista dos objetivos desejados, posso afirmar que a experiência foi bem-sucedida. Além de identificar os desvios no uso da norma escrita culta, os alunos foram levados a refletir sobre esses desvios e sobre a importância de se usar essa norma em situações formais. Alguns dos vídeos produzidos foram postados no youtube – https://www.youtube.com/user/ynahsouza – mas foram, também, divulgados pelos alunos por iniciativa própria em seus perfis do facebook e também pelo whatsApp. Essa atitude – que não havia sido planejada inicialmente – comprova que os alunos gostaram da atividade e quiseram ampliar o público de seus vídeos, o que não é usual quando se trata de trabalhos finais de disciplinas acadêmicas.

Sobre a importância da experiência Formar bons professores que possam efetivamente formular iniciativas de aprendizagens que incorporem o uso de tecnologias no espaço escolar é o que a UNESCO define com um dos “desafios formidáveis” que precisam ser superados nos próximos 15 anos para a implementação da aprendizagem móvel: os docentes precisam aprender a projetar intervenções inovadoras de aprendizagem móvel que promovam a integração de tais tecnologias nos sistemas de formação docente para melhorar a qualidade das práticas pedagógicas

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em larga escala. (UNESCO, 2014). Então, não é proibindo o uso dos aparelhos celulares que essa qualidade vai melhorar. Sobre a experiência realizada, considero-a válida, principalmente, porque alcançou seu objetivo principal: sensibilizar os alunos em relação ao uso da norma culta escrita da Língua Portuguesa, considerando o contexto de uso da língua. Além disso, os alunos compreenderam a importância em se usar adequadamente a norma culta da língua – tanto que, nos trabalhos escritos e na análise oral da placa feita nos vídeos – houve a preocupação em não “errar o português”, segundo eles disseram. Seus depoimentos sobre a experiência comprovam, também, que o processo de reflexão a respeito dos desvios em relação ao uso da norma culta da língua foi desencadeado. Os resultados do experimento também indicam que o celular, embora seja visto como um aparelho pessoal e privado, pode ser uma excelente ferramenta com potencial para mediar trabalho em grupo. Além dessa mediação do trabalho em grupo, a inserção do celular acabou gerando empolgação na execução de uma tarefa escolar que teria tudo para não geral estímulo, considerando as experiências negativas dos alunos diante do conteúdo trabalhado. Acredito que isso aconteceu porque essa introdução aconteceu dentro do planejamento pedagógico. Provavelmente a simples inserção dessa tecnologia em processos de ensino-aprendizagem não garantiria o desencadeamento do processo de reflexão sobre o uso da norma culta da língua. Em se tratando de tecnologia, o potencial não reside nela própria, e sim na interação com o homem. Por isso, para que os ex-

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perimentos pedagógicos alcancem seus objetivos, é preciso que os envolvidos, nesse caso, alunos e professores, estejam preparados e dispostos, para que essa apropriação possa de fato representar transformação e gerar ganhos para a Educação (FONSECA: 2013, p. 3). Entretanto, muitas experiências ainda precisam ser feitas para que a aprendizagem móvel se torne muito mais representativa em nosso meio educacional. É um campo vasto a ser explorado e requer pesquisa e experimento (BARROS: 2014).

Referências BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 29ª ed. São Paulo: Loyola, 2004. BARROS, M. A. de M. Concepções, usos, modelos de estratégias da utilização de dispositivos móveis: uma análise da aprendizagem móvel entre professores de ciências em formação. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação no Ensino de Ciências - Universidade Federal Rural de Pernambuco. 2014. FONSECA, A. G. M. F. da. Aprendizagem, mobilidade e convergência: mobile learning com celulares e smartphones. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano, UFF, Rio de Janeiro, n. 2, p. 163-181, junho 2013. MORAN, J. M. Mudando a educação com metodologias ativas. In: SOUZA, C. A. & MORALES, O. E. T. (Orgs). Convergências midiáticas, educação e cidadania: aproximações jovens. Vol. II. PG: Foca Foto-PROEX/UEPG, 2015. p. 15-32. [Mídias Contemporâneas] MOURA, A. M. C. Apropriação do telemóvel como ferramenta de mediação em mobile learning: estudos de caso em contexto educativo. Tese (Doutorado). Instituto de Educação – Universidade do Minho, Portugal, 2010. NICOLA, J. d. Gramática contemporânea da Língua Portuguesa. 15.ed. São Paulo: Scipione, 2003. POSSENTI, S. Língua: modos de usar. Revista Ciência Hoje, 1º de set. 2013. Disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/306/lingua-modos-de-usar. Acesso em: 30 junho 2015.

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NASCIMENTO, Y. S. Escrita escolar e processador de textos. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Letras – Universidade Federal da Paraíba, 1998. UNESCO. O futuro da aprendizagem móvel: implicações para planejadores e gestores de políticas. Brasília: UNESCO, 2014. ZABALZA, M. Didáctica universitaria. Conferencia pronunciada en la Pontificia Universidad Javeriana de Cali, el 9 de febrero de 2005.

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Novas atividades de computação desplugada para promoção de integração curricular na escola Ecivaldo Matos (UFBA) Fernando Paiva (UFBA) Emilayne Corlett (UFBA)

Introdução Os indivíduos em sua interação social cotidiana são diariamente desafiados a resolver problemas complexos, exigindo habilidade para correlacionar conceitos e categorias de diferentes naturezas e disciplinas. Dessa forma, a escola enquanto espaço de produção e disseminação de conhecimento tem procurado se posicionar perante essa realidade e prover ações educacionais mais pertinentes às exigências sociais da contemporaneidade. A Ciência da Computação (CC), por sua vez, é uma área de conhecimento que pelo seu inerente caráter universal e mediatizador, permite um leque de possibilidades para a realização de conexões interdisciplinares, tanto para a sua evolução enquanto ciência, quanto para a sua aplicação na resolução de problemas mais complexos. Nesse sentido, buscamos articulação conceitual e prática entre a CC e as disciplinas escolares, como uma possibilidade de relação entre os conteúdos curriculares e conhecimentos da CC, por meio da interdisciplinaridade (CASSEL, 2011).

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Com a certeza de que a construção de práticas de ensino contextualizadas direciona para uma perspectiva interdisciplinar, permitimo-nos vislumbrar novos modelos de currículos híbridos, rompendo com a ideia de pureza epistemológica, tendo em vista as novas ideias que podem advir das inter-relações, oferecendo oportunidades, riscos, ambivalências e possibilidades de construção de políticas e práticas curriculares, numa perspectiva voltada para a mudança social, como aponta Matos e Paiva (2007). Atualmente as possibilidades de conexões interdisciplinares e a contextualização são uma necessidade constante em todo o currículo (prescrito), como apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN). Além disso, a complexidade do cotidiano exige que os estudantes sejam formados com habilidade para lidar com problemas complexos e de diferentes naturezas. Lopes (2005) explica que o currículo tem se caracterizado por um hibridismo de tendências teóricas diferentes. Portanto, relacionar CC às disciplinas escolares de modo interdisciplinar é possivelmente uma prática que favorece a heterogeneidade do currículo. Lopes (2005) aponta que as políticas de currículo de outros países parecem ter contribuído para ampliar as pesquisas educacionais nacionais. Na busca por novas metodologias, em uma mixagem das concepções tradicionais com as novas concepções, o currículo escolar brasileiro tem sofrido reinterpretações contextuais, mostrando-se como um currículo recontextualizado em sua prática. A autora também apresenta a necessidade de investigar políticas educacionais considerando as articulações e reinterpre-

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tações em múltiplos contextos das influências internacionais nas práticas escolares. Logo, o desenvolvimento de projetos educacionais interdisciplinares, que explorem as relações entre os diversos componentes curriculares, tem sido importante para o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, ressalta Matos (2013). Isso implica que nosso campo de trabalho está pautado na proposta de um currículo integrado, onde o objetivo é procurar relações em todas as direções. Considerando-se a integração curricular como “um modo de estabelecer inter-relações a partir de problemas e temas comuns das disciplinas de referência, valorizando a lógica da disciplinaridade e, ao mesmo tempo, a articulação entre os conhecimentos específicos de cada disciplina” (MATOS, 2013, p. 26). Nesse sentido, Fortes (2009, p. 4) explica que “[...] interdisciplinaridade é estabelecer ligações de complementaridade, convergência, interconexões e passagens entre os conhecimentos”, e ações de integração curricular realizadas interdisciplinarmente por meio da CC podem favorecer a perspectiva do desenvolvimento de uma nova habilidade: o raciocínio computacional. Ribeiro et al. (2013) explicam que sem diretrizes claras sobre o que deve ser ensinado e quando isso deve acontecer, torna-se muito difícil incluir com sucesso o raciocínio computacional no currículo da maioria das escolas brasileiras.

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Raciocínio computacional O número de trabalhos resultantes de estudos ou aplicações do raciocínio computacional, também chamado de pensamento computacional, tem crescido. Por isso faz-se necessário estabelecer uma breve discussão acerca desses conceitos, para que possamos utilizá-los adequadamente. A diferenciação conceitual entre raciocínio computacional e pensamento computacional não está apenas nos termos utilizados, mas sobretudo nas diferenciadas compreensões acerca do tema. Enquanto o pensamento computacional está relacionado ao pensamento analítico e ao raciocínio dedutivo que envolve a Lógica e a Matemática, o raciocínio computacional refere-se à capacidade de resolução de problemas de forma sistemática, usando dedução e abstração, habilidades muito bem trabalhadas na Ciência da Computação. Segundo Japiassú e Marcondes (1993) pensamento é uma “atividade da mente através da qual esta tematiza objetos ou toma decisões sobre a realização de uma ação.” (p. 209). Segundo os mesmos autores, raciocínio é uma “atividade do pensamento pela qual se procede a um encadeamento de juízos visando estabelecer a verdade ou a falsidade de algo. Procedimento racional de argumentação ou de justificação de uma hipótese.” (id, p. 228). Segundo Wing (2006, p. 33-35), Computational thinking é uma habilidade fundamental para todos, não apenas para cientistas da computação. [...] inclui uma variedade de ferramentas mentais que

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refletem a largura do campo da ciência da computação. [...] é usado no raciocínio heurístico para descobrir uma solução. [...] Computational thinking é uma grande visão para orientar os educadores de ciência da computação, pesquisadores e praticantes como agimos para mudar a imagem do campo da sociedade (tradução e grifos nossos). Como podemos ver, a autora apresenta o que chama de computational thinking, como um conjunto de ferramentas mentais usado para raciocínio heurístico (no cotidiano, para além dos cientistas). Neste texto preferimos utilizar a expressão raciocínio computacional, por considerá-lo mais adequado ao que de fato reconhecemos como computational thinking. Wing (2006) ao trazer algum exemplo explicando o que seria pensamento computacional, faz uso do termo “raciocínio” para citar algo específico da CC. Alguns autores seguem a mesma ideia, como podemos ver em Ribeiro et al. (2013), quando apresentam um exemplo onde explicam de modo detalhado a aplicação do algoritmo no cotidiano: Os estudos de algoritmos envolvem conceitos como abstração, refinamento, a modularização, recursão etc. Aprender esses conceitos melhora a capacidade de raciocínio e resolução de problemas por meio de processos de aprendizagem metacognitiva, considerado essencial para a inteligência. [...] Para ilustrar essa ideia, podemos pensar em um cenário computacional que consiste em uma pessoa A, com sua linguagem LA,

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uma pessoa B, com sua linguagem LB, e uma máquina M (um computador, por exemplo) com o seu LM idioma. A recebe um problema P para resolver (por exemplo, para extrair a raiz quadrada de um número). Depois de analisar o problema, A escolhe uma máquina, por exemplo M, em que a solução pode ser adequadamente aplicada. A solução é então escrita numa linguagem LM compreensível pela máquina M. A solução do problema é conhecido como algoritmo. O processo de resolução de problemas (envolvendo análise de problemas, selecionando máquinas adequadas, construção e algoritmos de execução) é chamado pensamento computacional (RIBEIRO et al., 2013, p. 22-23) (tradução nossa). Podemos compreender que esse processo específico de resolução de um problema seria o raciocínio computacional, pois as características apresentadas fazem parte do pensamento analítico, que consequentemente faz parte do pensamento computacional. Portanto, neste texto, consideramos que ao tratar sobre pensamento computacional, o que estão sendo envolvidos de fato são os mecanismos e elementos epistemológicos de raciocínio computacional. Esse raciocínio se expressa quando o pensamento computacional está relacionado ao pensamento analítico e ao raciocínio inferencial (abdutivo, indutivo ou dedutivo) – com envolvimento da Lógica e/ ou da Matemática. Dessa forma, podemos assimilar o raciocínio computacional como a capacidade de resolução de problemas de forma sistemática, usando inferências lógicas e abstrações, habilidades importantes para a CC.

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Assim como no Brasil, nos Estados Unidos esse não é um tema novo, alguns resultados já estão consolidados e foram apresentados pela CSTA – Computer Science Teachers Association. Raabe et al. (2015, p.15) apresenta recomendações para inclusão do raciocínio computacional na educação básica onde aponta que “as escolas de educação integral terão a possibilidade de oferecer aos estudantes atividades inovadoras e que ampliem a gama de conceitos abordados de uma forma não disciplinar”; além disso, apresenta diversos recursos que apoiam essa difusão. Baseado na ISTE e na CSTA, os autores descrevem quais as principais características do raciocínio computacional e deixam claro que não são apenas esses: •

formulação de problemas de forma que computadores e outras ferramentas possam ajudar a resolvê-los;

organização lógica e análise de dados;

representação de dados através de abstrações como modelos e simulações;

automatização de soluções através do pensamento algorítmico;

identificação, análise e implementação de soluções visando a combinação mais eficiente e eficaz de etapas e recursos; e

generalização e transferência de soluções para uma ampla gama de problemas.

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Ações didática do raciocínio computacional Uma das possibilidades de articulação curricular do raciocínio computacional nas escolas pode ser a Computação Desplugada, técnica desenvolvida por Tim Bell, Lan H. Witten e Mike Fellows que tem o objetivo de ensinar fundamentos de computação com atividades sem uso de computadores (BELL et al., 2009). A Computação Desplugada apresenta-se como uma alternativa para a execução de atividades que estimulam o raciocínio computacional sem o uso de computadores ou quaisquer outros recursos eletroeletrônicos, adequando-se a espaços em que a infraestrutura tecnológica de computação é deficiente ou ausente; algo bastante comum nas escolas públicas brasileiras. Há outras iniciativas conhecidas mundialmente que procuram desenvolver o raciocínio computacional nos primeiros anos escolares. Algumas dessas iniciativas possuem apoio de educadores, organizações governamentais, indústria e organizações sem fins lucrativos. Uma delas é a Computer Science Teachers Association1 (CSTA), organização que apoia e promove o ensino de CC e outras disciplinas de computação no currículo K-12 dos Estados Unidos, equivalente à educação básica brasileira. A International Society for Technology in Education2 (ISTE) e a CSTA defendem a tecnologia em sala de aula por meio de recursos digitais com o objetivo de apoiar o ensino e a aprendizagem colaborativamente, para que a construção do raciocínio computacional ocorra.

1. http://www.csta.acm.org/ 2. http://www.iste.org/

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A crescente demanda de pesquisas sobre ensino e aprendizagem de Computação está abrindo um nicho no mercado de aplicativos e sistemas com o objetivo de ensinar o raciocínio computacional. Grandes empresas como Microsoft e Google também estão engajadas em desenvolver esse raciocínio, principalmente nos primeiros anos escolares. A Google, por sua vez, está promovendo um curso para educadores chamado Computational Thinking for Educators3, com o objetivo desenvolver uma consciência entre os educadores de todo o mundo e incentivá-los a integrar raciocínio computacional em seus currículos. Esse curso está dividido em cinco unidades: •

Apresentando Pensamento Computacional: tem o objetivo de explicar o que é pensamento computacional, onde ele ocorre, por que você deveria se preocupar, e como está sendo aplicado;

Explorando Algoritmos: nessa unidade são apresentados exemplos de algoritmos usados em diversas áreas, para compreender que algoritmos são ferramentas poderosas;

Localização de Padrões: explora exemplos de padrões em vários assuntos;

Desenvolvimento de Algoritmos: trabalha-se a aplicação do processo computacional sobre um dado problema;

3. https://computationalthinkingcourse.withgoogle.com/

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Novas atividades de computação desplugada para promoção de integração curricular na escola

Projeto Final - Aplicando Pensamento Computacional: última parte, trabalha-se a criação de uma aplicação do raciocínio computacional em sala de aula.

Além desse curso, a Google desenvolve diversos projetos como CS Firt4, com o objetivo de desenvolver confiança, coragem e perseverança nas crianças matriculadas na educação básica, logo nos primeiros anos escolares, por meio da computação. Outro projeto é o Code-In5, voltado para pré-universitários que buscam trabalhar com o desenvolvimento de software open source, principalmente para Web. Com o objetivo de promover uma educação mais científica, a Google possui o programa Computer Science for High School6 com o qual proporciona oportunidade de desenvolvimento profissional para professores que trabalham com educação básica, conectando-os com outros profissionais da ciência da computação, desenvolvendo habilidades para trabalhar com recursos necessários para o ensino de ciência da computação e do raciocínio computacional. A seguir uma lista de iniciativas, com diversas tecnologias e projetos que incentivam o ensino de programação e integram o raciocínio computacional:

4. http://www.cs-first.com/ 5. https://developers.google.com/open-source/gci/ 6. http://www.cs4hs.com/

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CodeClub7: rede de atividades extracurriculares gerenciada por voluntários com o objetivo de ensinar programação às crianças; Kodu8: ambiente integrado desenvolvido pela Microsoft, direcionada para crianças com o objetivo de ensinar programação com uma linguagem visual; Portugol Studio 9: ambiente de programação (IDE) em português para ensino de algoritmos para iniciantes (NOSCHANG, et al. 2014); Fábrica de aplicativos10: é uma plataforma para criação de aplicativos para celular; Programaê: fornece projetos para que os voluntários possam orientar clubes de programação em atividades extracurriculares; Proggy: plataforma online que possui projetos e desafios que trabalham com lógica de programação, onde utilizam de vídeos curtos e focados em temas específicos; Code.org11: projeto liderado pela Fundação Lemann que visa desmistificar a programação e luta pela inserção da ciência da computação no currículo escolar, ao lado das

7. http://codeclubbrasil.org/ 8. http://www.kodugamelab.com/ 9. http://sourceforge.net/projects/portugolstudio/ 10. http://fabricadeaplicativos.com.br/ 11. https://br.code.org/

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áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, Biologia, Física, Química e Álgebra; Khan Academy12: plataforma online, onde o estudante estuda resolvendo desafios que exploram animações, desenhos e criação de jogos; GreenFoot 13 : ambiente interativo de desenvolvimento baseado em Java e para os primeiros contatos com programação orientada a objeto; NetLogo14: um ambiente de modelagem programável multiagente; App Inventor15: serviço Web que permite aos usuários com pouca ou nenhuma experiência em programação criar aplicações móveis usando uma linguagem de programação baseado em texto e em blocos; Scratch16: projeto do grupo Lifelong Kindergarten no Media Lab do MIT e também é o nome da plataforma e da linguagem de programação visual direcionada para crianças e para quem está começando a programar.

12. https://pt.khanacademy.org/ 13. http://www.greenfoot.org/ 14. http://ccl.northwestern.edu/ 15. http://appinventor.mit.edu/ 16.https://scratch.mit.edu

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A interdisciplinaridade da Computação Percebe-se que o uso interdisciplinar da Computação não é um tema novo. Há, inclusive, alguns resultados já consolidados. Todavia, por se tratar fundamentalmente de Educação, os aspectos sociais, políticos e culturais estão fortemente envolvidos, sendo necessárias intervenções e estudos que verifiquem e propiciem implementações adequadas à realidade brasileira, de acordo com desafios próprios à educação escolar brasileira (RIBEIRO et al., 2013). Segundo Japiassú e Marcondes (1993), a interdisciplinaridade é um método suscetível de fazer com que duas ou mais disciplinas interajam entre si. Por sua vez, Thiesen (2008) condensa o conceito segundo alguns importantes autores, explicando que, [...] interdisciplinaridade será articuladora do processo de ensino e de aprendizagem na medida em que se produzir como atitude (FAZENDA, 1979), como modo de pensar (MORIN, 2005), como pressuposto na organização curricular (JAPIASSU, 1976), como fundamento para as opções metodológicas do ensinar (GADOTTI, 1993), ou ainda como elemento orientador na formação dos profissionais da educação. (THIESEN, 2008, p. 546). A interdisciplinaridade é, portanto, uma postura do educador na integração de práticas e conhecimentos, seja para a construção de novos conhecimentos, como para o desenvolvimento de habilidades e manutenção de competências. Na área de Computação algumas

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práticas interdisciplinares isoladas já vêm sendo realizadas, como aquelas que descrevem experiências de integração curricular envolvendo resolução de problemas no ensino superior (PINTO et al., 2010). Todavia, poucos são os relatos e/ou estudos de experiências interdisciplinares de integração curricular envolvendo a CC na educação básica brasileira. França et al. (2014) apresentam em seu trabalho a importância do ensino dos fundamentos da CC com outras áreas, no intuito de disseminar o pensamento computacional na educação básica e pontuam a promoção do pensamento computacional de modo interdisciplinar, ressaltando que “a interdisciplinaridade do pensamento computacional também tem sido considerada em ações que exacerbam a necessidade de conhecimentos em Computação, na educação básica.” (FRANÇA et al., 2014, p. 1510). Nesse sentido, neste capítulo relatamos uma experiência de aplicação interdisciplinar da Computação Desplugada, em desenvolvimento em uma escola pública de referência do município de Salvador/BA, como etapa-piloto de uma investigação científica acerca do diálogo interdisciplinar entre a Ciência da Computação e a Educação, no âmbito das disciplinas escolares regulares. É um trabalho realizado pelo Grupo de Pesquisa & Extensão Onda Digital, que faz parte do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal da Bahia.

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Desenvolvimento das atividades Localizada em um bairro da periferia da cidade de Salvador, a unidade escolar onde as atividades foram realizadas possui atualmente 985 estudantes na educação fundamental (1º e 2º ciclos) e 366 estudantes no ensino médio. Registra nota no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do ano de 2013 inferior à meta esperada pelo governo (6.0), mas superior à média estadual e nacional. Antes de as intervenções serem efetuadas, ocorreu um planejamento participativo em dois encontros. O primeiro contato com a escola foi realizado com o objetivo de identificar o ambiente e apresentar a proposta. O segundo contato serviu para apresentar a metodologia de trabalho. Nesse momento, foi aplicado um questionário para levantamento do perfil dos professores em conjunto com termo de consentimento livre-esclarecido, indicando a natureza da pesquisa e garantindo anonimato dos professores que decidissem por apoiar a iniciativa. Com o objetivo de despertar o interesse dos professores em participar das intervenções, foi aplicada a atividade sobre compactação de arquivos com eles. Em seguida, foi realizada uma reunião para definir quais conteúdos referentes às disciplinas dos professores adeptos à proposta seriam trabalhados em conjunto com os conteúdos de ciência da computação que são relacionados ao raciocínio computacional. As subseções seguintes são dedicadas ao detalhamento das ações desenvolvidas em cada intervenção, em consonância com as atividades e conteúdos dos componentes curriculares.

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Atividade #1

A dança da ordenação Utilizando como recurso danças regionais da Bahia, os alunos reproduziram alguns tipos de algoritmos de ordenação e classificação, seguindo o ritmo da dança e utilizando uma coreografia – no caso, a lógica por trás de cada algoritmo. Com o objetivo de ensinar como funciona a ordenação dos dados no computador, por meio da dança, a equipe baseou-se no vídeo que envolve a dança folclórica húngara realizada pelo projeto AlgoRythmics da Sapientia University17, Targu Mures - Romênia. Objetivo Mostrar como funciona a ordenação de dados no computador, por meio da dança. Matérias correlacionada •

Artes - dança regional

Computação - algoritmos de ordenação

Série 1º ano do ensino médio

17. https://www.youtube.com/watch?v=lyZQPjUT5B4

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Raciocínio computacional envolvido Criação de uma série ordenada de instruções para resolver problemas semelhantes, ou para fazer uma tarefa. Material Palco livre para desenvolver a dança, fita dupla face, aparelho de som, músicas regionais. Para colar na parede e na roupa dos dez participantes: folhas impressas com os números 0 a 9 (2 cópias de cada). Natureza do problema Um computador com desempenho desejável precisa ser rápido em seu processamento de informações, um jeito de aumentar a velocidade de um computador é escrever programas que usam menos passos de computação (Bell et al., 2011, p. 75). Algoritmos usados na resolução desses problemas são os algoritmos de ordenação ordenam ou organizam elementos de uma sequência previamente dada à uma determinada ordem. Essa atividade trabalha com alguns dos algoritmos de ordenação mais conhecidos:

Bubble Sort: Durante o processo de ordenação dentro desse algoritmo o elemento da posição 1 é comparado com o elemento da posição 2, depois o elemento da posição 2 é comparado com o elemento da posição 3 e assim por diante. Caso o elemento da posição 1 seja maior que o da posição 2, eles trocam de lugar, se o elemento da posição 2 for maior que

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o elemento da posição 3, eles trocam de lugar, mas se na comparação do elemento da posição 2 com o elemento de posição 3 o valor da posição 3 for maior, cada elemento permanece em sua posição e o elemento da posição 3 deve fazer uma nova comparação com elemento da posição 4 e assim sucessivamente.

Selection Sort: Na ordenação dentro do Selection Sort se o elemento da posição 1 for escolhido para começar a execução, deve ser comparado com os números da sua direita, logo será comparado com todos os números. Quando a comparação detectar um número menor, os elementos devem trocar suas posições, por exemplo, se o elemento 1 (assume o valor 9) está sendo comparado com o elemento 2 (assume o valor de 0), como 0 é menor que 9 o elemento 1 (valor 9) assume a posição do elemento 2, enquanto o 0 continua a comparação com os outros elementos da sua direita e caso não seja encontrado nenhum número menor, ele é colocado na antiga posição do elemento 1, e o número à sua direita (nesse caso o elemento 2 - número 9) será o escolhido para fazer as próximas comparações, o processo deve se repetir até que a lista esteja ordenada.

Quick Sort: Na execução desse algoritmo deve ser escolhido um número chamado de pivô. O pivô realiza uma comparação

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com todos os outros números, de forma que depois de finalizar essa comparação: fique em sua posição final, todos os elementos anteriores só tenham números menores que ele e todos os números posteriores a ele sejam maiores. Os dois grupos desordenados repetem o processo até que a lista esteja ordenada. Aplicação da atividade Foram fixados de forma crescente as impressões dos números 0 a 9 na parede ao fundo do palco, cada número representava a posição de um elemento.

0123456789 A turma escolheu dez estudantes para participar de cada coreografia e foram colados os números de 0 a 9 em suas camisas, cada aluno representava um número. Com o objetivo de aleatorizar os números, primeiro foi realizada a brincadeira dança da cadeira18, cada estudante eliminado na brincadeira assumia as posições em ordem crescente em frente aos números fixados na parede do palco, para que os números que representavam ficassem fora de sequência. Em seguida, começaram as danças ao som de músicas típicas nordestinas - forró e xote, com o objetivo de organizar uma sequência em ordem crescente, igual a fixada na parede.

18. Exemplo de dança da cadeira: https://www.youtube.com/watch?v=mlAuZN79BzI

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Durante os passos, os estudantes realizavam as comparações com os outros números que estavam estampados nas camisas dos colegas, até acharem o seu lugar, ordenando a lista de forma crescente, foram desenvolvidas três coreografias, cada uma representava um algoritmo de ordenação. A Figura 1 mostra a dança para realização das comparações e depois a lista ordenada de forma crescente.

Figura 1: A foto mostra uma dança para ordenar números e depois o grupo ordenado

O propósito dessa ação era fazer com que, seguindo o ritmo da dança e utilizando coreografias baseadas na lógica por trás de algoritmos de ordenação, conseguissem chegar à posição que correspondia ao número colado em suas camisas e compreendessem como funcionam esses três processos de ordenação.

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Depois da realização das danças, foi explicado que cada coreografia utilizada correspondia a um algoritmo e como esse algoritmo funciona na linguagem computacional. Isso foi ilustrado através de um contexto comum no cotidiano dos estudantes, como por exemplo: “Como procuramos palavras no dicionário?”. Também foi explicada a lógica dos algoritmos de ordenação Bubble Sort, Quick Sort e Select Sort, havendo, portanto, por meio do conteúdo sobre danças que fazem parte da cultura local, a compreensão de como funcionam alguns algoritmos de ordenação que são utilizados na computação e que fazem parte do cotidiano.

Atividade #2

Procurando o equilíbrio Essa atividade relaciona o desequilíbrio ecológico (ocasionado pela desarmonia na cadeia alimentar) ao desequilíbrio químico e problematiza a necessidade de uma sequência ordenada de passos para se resolver um determinado problema. Para tanto, lança um problema de desequilíbrio ecológico que deveria ser resolvido por meio do balanceamento de uma equação química. O processo de resolução dessa equação foi apresentado como um algoritmo, já que segue uma sequência lógica de passos. O desafio dos estudantes foi descrever essa sequência de passos (algoritmo) que os levaram à resolução desse problema.

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Objetivo Descrever uma sequência de passos que levam à resolução de uma equação química para solucionar um problema de desequilíbrio ecológico. Matérias correlacionada •

Biologia - equilíbrio ecológico e cadeia alimentar;

Química - balanceamento de equações químicas;

Computação - definição de algoritmos.

Série 3º ano do ensino médio. Raciocínio computacional envolvido Desenvolvimento de instruções para solucionar um problema ou etapas para uma tarefa. Material Caneta piloto, quadro e impressões da questão proposta. Natureza do problema Para que o computador seja capaz de resolver problemas é necessária uma descrição precisa, a fim de que o problema seja resolvido de maneira automática e repetitiva, por isso, deve ser desenvolvida uma sequência não ambígua de instruções que é executada até uma determinada condição. Essa sequência não ambígua de instruções recebe o nome de algoritmo e não representa,

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necessariamente, um programa de computador, e sim os passos necessários para realizar uma tarefa. Ainda que muitos algoritmos sejam difíceis, um exemplo simples para ilustrar seu conceito é uma receita de bolo, já que a receita é uma sequência de passos com o objetivo de preparar um bolo. É importante lembrar que o algoritmo deve ser implementado de acordo com o problema que deseja solucionar, pois mesmo se estiver escrito corretamente mas não for apropriado ao problema, não alcançará seu objetivo inicial. Vale ressaltar que algoritmos diferentes podem realizar uma mesma tarefa. Aplicação da atividade A princípio foi apresentado o conceito de cadeia alimentar, em seguida falou-se sobre a importância de cada um dos animais que fazem parte de uma determinada cadeia alimentar, para que exista equilíbrio ecológico. Depois de se discutir o conceito de equilíbrio ecológico, o tema foi correlacionado ao balanceamento de reações químicas, salientando que esse balanceamento busca um equilíbrio nas reações. Foi utilizado o exemplo de uma reação química: reagente→produto (C2H6O+O2→  CO2+H2O - queima do álcool) para esclarecer esse tipo de estrutura. Essa equação foi resolvida junto com a turma pela seguinte sequência lógica de passos: •

contar os coeficientes de cada um dos elementos;

comparar para verificar se a reação está equilibrada (não estava);

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(por regra) verificar o elemento que aparece apenas uma vez de cada lado da reação para começar a equilibrar (carbono e hidrogênio);

do lado direito, multiplicar o hidrogênio por 3 e o carbono por 2;

verificar novamente se a equação está equilibrada. (O oxigênio desequilibrou);

multiplicar o oxigênio do reagente por 3 para equilibrar a reação;

fim.

Foi definido o conceito de algoritmo e explicado que seguindo os passos para resolver o balanceamento da equação, resolveriam um algoritmo, que esse é o primeiro passo para iniciar qualquer programa que já tenham utilizado. Frisou-se que o conceito de algoritmos está presente em suas vidas, todas as vezes que seguem passos para realizar alguma tarefa. Com todos os conceitos bem definidos, a turma foi dividida em equipes (de quatro ou cinco integrantes) e lhes foi entregue um problema (Quadro 1) envolvendo química e biologia que deveria ser resolvido de forma algorítmica (detalhada em forma dos passos que levaram até a resolução do problema).

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Problema Sabe-se que hoje o desequilíbrio ecológico tem sido um grande problema para o nosso planeta. Quando um animal pertencente a alguma cadeia alimentar entra em extinção ou tem a sua população reduzida, consequentemente haverá um aumento nas outras populações que fazem parte dessa cadeia, e até que esse equilíbrio seja reestabelecido, podem ocorrer vários outros problemas que afetam diretamente a sociedade. Um exemplo claro disso está ocorrendo numa cidade próxima: um surto de sapos! Muitos biólogos vêm estudando o caso para tentar encontrar uma solução para esse problema, porém sem muito sucesso. O único resultado que eles obtiveram foi uma equação de reação. Segundo estudos, nessa turma existem alunos capazes de resolver esse problema, que está expresso a seguir: 2CB2 + CpS2  4S3 + Cp3B + C Onde: C = cobra, S = Sapo, B = Borboleta e Cp = Capim. Lembrando que: além da resolução da equação de reação, vocêsdeverão descrevê-la em linguagem algorítmica! Descubram porque está acontecendo esse surto de sapos. O reequilíbrio ambiental dessa cidade está nas mãos de vocês.

Quadro 1: problema apresentado na atividade procurando equilíbrio

O desafio dos alunos foi descrever esses passos ao escrever um algoritmo, pois o problema exige uma sequência lógica de passos para que possa ser resolvido. Em seguida foi apresentado o processo de resolução dessa equação (reação equilibrada: 2CB2 + 6(CpS2)  4S3 + 2(Cp3B) + 4C).

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Ao final, discutiu-se o fato de os dispositivos eletrônicos e demais ações do dia a dia funcionarem por intermédio de algoritmos e que podem existir resoluções diferentes para o mesmo problema, porém algumas soluções são mais eficientes que outras.

Atividade #3

Travessia de rua Nessa atividade utilizam-se “semáforos” com faces verde e vermelha e impressos com os conectores lógicos (“e”, “ou”, “não e” e “não ou”), com o objetivo de apresentar alguns dos elementos da lógica proposicional. Foram criadas regras de travessia com base na associação de significados dos conectivos lógicos, desenvolvendo uma introdução ingênua à construção de tabelas-verdade. O que estava em exercício era a velocidade de pensar e se movimentar, justificando a sua inter-relação com a Educação Física. Objetivo Trabalhar a introdução de conceitos sobre elementos da tabela verdade junto com o desenvolvimento da velocidade de pensar e se movimentar. Matérias correlacionada

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Educação Física - movimentos corporais;

Computação - lógica proposicional.


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Série 1º ano do ensino médio. Raciocínio computacional envolvido Representação de dados por meio da abstração com modelos e simulações. Material •

Caneta piloto, quadro, recipiente para realizar sorteio;

Folhas impressas com os conectivos lógicos: (∧), (∨),

(¬∧) e (¬∨);

Para confeccionar os semáforos: cartolina verde, cartolina vermelha, cola branca e tesoura.

Preparo dos semáforos: cortar 4 retângulos do mesmo tamanho na cartolina verde e na vermelha e depois colar um retângulo no outro, um lado deve ser verde e o outro vermelho. Natureza do problema A lógica é usada para formalizar e justificar os elementos do raciocínio empregados nas demonstrações/provas de teoremas. Na lógica proposicional os fatos do mundo real são representados por sentenças sem argumentos, chamadas de proposições, que podem ser qualificadas de verdadeiro ou falso (MARTINS, 2013, p.1). O autor também fala que na computação, a lógica proposicional pode ser utilizada para concepção de circuitos lógicos (o raciocínio do computador é um raciocínio lógico), para representar conhecimentos

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(programação lógica), para validar algoritmos e corrigir programas (testes lógicos das especificações em engenharia de software). Aprender lógica proposicional é necessário para que as pessoas sejam capazes de lidar com as inúmeras situações do dia a dia, não apenas com a computação. Aplicação da atividade Primeiro foram ditas as regras da brincadeira: 1. A turma deve se dividir em duas equipes e cada equipe elegerá dois “guardas”; 2. Os guardas ficarão dispostos frente a frente, criando entre eles um corredor, ou “rua”, e cada um terá em mãos um semáforo; 3. Em cada rodada os guardas escolherão aleatoriamente entre os sinais vermelho ou verde; 4. Para iniciar a rodada um integrante de uma equipe sorteará um dos quatro conectivos lógicos em questão, que servirão de regra (Quadro 2) para a travessia; 5. O jogo termina quando todos os integrantes de alguma equipe atravessarem a rua. Depois de apresentadas as regras, a atividade foi iniciada e sempre que o valor lógico da operação fosse verdadeiro, eles realizavam a travessia, caso contrário, voltavam para o final da fila. A equipe em que todos os integrantes atravessaram primeiro foi a vencedora.

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Para evitar dificuldade do primeiro contato com os elementos de lógica, as regras ficaram escritas no quadro da sala de aula (Quadro 2). Conectivo “e” (∧) Semáforo 1

Semáforo 2

Verde

Verde

Verde

Conectivo “ou” (∨) Pode

Pode

Semáforo 1

Semáforo 2

SIM

Verde

Verde

SIM

Vermelho

NÃO

Verde

Vermelho

SIM

Vermelho

Verde

NÃO

Vermelho

Verde

SIM

Vermelho

Vermelho

NÃO

Vermelho

Vermelho

NÃO

atravessar?

Conectivo “não e” (¬∧) Semáforo 1

Semáforo 2

Verde

Verde

Verde

Pode

atravessar?

Conectivo “não ou” (¬∨) Pode

Semáforo 1

Semáforo 2

NÃO

Verde

Verde

NÃO

Vermelho

SIM

Verde

Vermelho

NÃO

Vermelho

Verde

SIM

Vermelho

Verde

NÃO

Vermelho

Vermelho

SIM

Vermelho

Vermelho

SIM

atravessar?

atravessar?

Quadro 2: lógica das regras de travessia da intervenção 3

No fim da brincadeira foi explicado que a atividade desenvolvida reproduziu as regras da lógica proposicional, que em um algoritmo uma tomada de decisão (condicional) pode depender dessa lógica, por exemplo, na programação de um circuito lógico em que uma lâmpada led só acende se as portas lógicas pré­-programadas estiverem ativadas.

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O que estava em exercício além da lógica, era a velocidade de pensar e de se movimentar, justificando a sua inter-relação com a Educação Física.

Atividade #4

Logaritmos, pH e o paradigma da divisão e conquista Os estudantes foram desafiados a descobrir o pH de algumas substâncias presentes em seu dia a dia, por meio de operação logarítmica, depois reproduziram e discutiram formas de realizar uma busca de valores dentro de um conjunto. A atividade apresentou como alguns métodos de algoritmos de busca trabalham. Para isso, utilizamos placas com os valores de pH de algumas substâncias, dando apenas a concentração da hidroxila (H+) de forma logarítmica. Após a comparação entre os dois métodos, foi realizada uma discussão acerca da melhor forma de se realizar buscas dentro de um conjunto. Objetivo Fazer com que os alunos compreendam a lógica de algoritmos de busca e paradigma de divisão e conquista, através do cálculo do pH utilizando o conceito de logaritmos. Matérias correlacionada •

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Matemática - logaritmos;


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Química - pH;

Computação - busca sequencial e binária.

Série 1º ano do ensino médio. Raciocínio computacional envolvido Composição e decomposição para tratamento de uma grande quantidade de dados - quebrar um problema em partes ou etapas. Pré-requisito Saber calcular o pH com uso de logaritmos. Material Caneta piloto, quadro e impressão de placas. Natureza do problema O computador deve ser capaz de buscar informações armazenadas em sua memória de forma rápida, para que esse processo seja ágil o usuário deve inserir uma chave de busca, ou seja, um dado que pode ser: número, palavra, um trecho do texto, ou um código de barras. Nesse contexto, Bell et al. (2011, p. 63) falam que computadores podem processar informações rapidamente e que se poderia imaginar que para encontrar algo eles deveriam começar no início, de onde os dados estão armazenados e procurar até a informação desejada ser encontrada, mas esse seria um processo demorado e poderia influenciar no desempenho do computador. Afirma que

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uma estratégia melhor é utilizar a busca binária; nesse método os números estão ordenados e o item do meio da lista identificará em qual metade a chave de busca está, o processo é repetido até o item ser encontrado. Aplicação da atividade Para aplicação da atividade foram utilizadas placas com valores de pH (exato ou aproximado) de algumas substâncias como por exemplo, água pura, café, soda cáustica, e assim por diante, que mostravam apenas a concentração da hidroxila (H+) de forma logarítmica (Figura 2, nesse exemplo o resultado do pH obtido após a realização da operação logarítmica é 7).

[H+]= 10-7 mol/L-1 Água Pura Figura 2: ilustração das placas da atividade

Primeiro foi realizada uma revisão sobre o conceito de pH e a forma de resolução por meio da operação logarítmica. A turma foi dividida em equipes de no máximo 15 pessoas. Cada equipe escolheu aleatoriamente um aluno para ser a “chave de busca”. O estudante chave de busca foi responsável por escolher o pH que desejava encontrar. Os demais receberam as placas para realizar as operações e em grupo calcularam o pH das substâncias, utilizando logaritmos e anotaram os resultados em suas respectivas placas.

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Todos os integrantes da primeira equipe ficaram de pé, lado a lado, segurando suas respectivas placas, voltadas para si, evitando que a pessoa representante da chave de busca visse onde estava o valor escolhido. Com a primeira equipe foi realizada uma busca sequencial, comparando o valor da busca com cada um dos valores existentes naquele universo (lembrando que os valores estavam desordenados), até encontrar o valor desejado. Com a outra equipe, foi realizada a lógica de ordenação Bubble Sort, comparando lado a lado se o valor seguinte é maior ou menor que o anterior, com o intuito de ordenar os valores de pH. Depois que os valores representados pelos estudantes estavam ordenados, foi realizada a busca binária, escolhendo-se um valor como “chave de busca” e comparando as metades utilizando a lógica do paradigma de divisão e conquista: 1. Primeiro foi contabilizada a quantidade de valores que a equipe possuía, esse resultado foi dividido ao meio, para encontrar o ponto médio; 2. O valor do meio foi comparado com a chave. Caso esse valor fosse menor, eliminavam os integrantes que estavam à direita, do contrário, os integrantes da esquerda. Se o valor fosse igual a busca estava finalizada; 3. Caso o valor ainda não tivesse sido encontrado, repetiam o loop, dividiam o restante da equipe em dois e comparavam novamente, até que o valor fosse encontrado.

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Na segunda forma de busca, os números foram ordenados e a busca iniciada do centro para as extremidades. Dessa forma, a cada verificação metade do conjunto era eliminado por ser maior ou menor que o valor correspondente, tornando assim o segundo processo consideravelmente mais rápido. O procedimento foi realizado algumas vezes e, ao final, foi realizada uma comparação dos dois métodos e discutido se existe uma melhor forma de se realizar buscas dentro de um conjunto.

Atividade #5

O problema das garrafas Nesta atividade a turma teve que movimentar um determinado volume de líquido entre três recipientes de capacidades distintas, até que eles ficassem igualmente distribuídos, utilizando o menor número de movimentos. Ao final, ocorreu uma discussão sobre o conceito de algoritmo, o aluno teve condições de perceber que há diferentes meios de se resolver o mesmo problema e entre eles o melhor (ótimo): aquele que utiliza a menor quantidade de passos possível para se chegar à solução. Objetivo Alcançar a combinação mais eficiente e eficaz de medidas e de recursos.

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Matérias correlacionada •

Matemática - unidades de medida;

Computação - algoritmos como uma sequência de passos e com múltiplas soluções.

Série 9º ano do ensino fundamental. Raciocínio computacional envolvido Identificação, análise e implementação de soluções possíveis. Material Água, 3 garrafas PET e tesoura. Natureza do problema Os computadores, apesar de cada dia mais modernos, apresentam recursos limitados, por isso devem trabalhar com algoritmos eficientes para melhorar seu desempenho. Os algoritmos podem ser implementados de forma diferente e resolver o mesmo problema, dessa maneira é importante a análise de eficiência de um algoritmo para que se possa saber as medidas de desempenho em relação ao tempo de execução. Aplicação da atividade Para a execução da atividade foram utilizadas três garrafas PET cortadas, com diferentes marcações de volume e quantidades de líquido.

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Antes de iniciar a atividade, a turma escolheu um estudante para ser o “executor da brincadeira”. Enquanto a turma foi propondo soluções de movimentação dos líquidos, o executor realizava as transferências, até que o objetivo fosse alcançado. Dentro das várias possibilidades, a turma pôde perceber que existem formas distintas de se resolver o mesmo problema, porém, sempre existe a melhor forma, aquela que utiliza uma quantidade menor de passos para chegar em uma solução. Ao final, foi abordado o conceito de algoritmo com o intuito de levar uma noção inicial de linguagem algorítmica.

Atividade #6

Você pode repetir?

19

Nesta atividade foram discutidas as formas de retomada de texto sem excessiva repetição de palavras e a sua analogia com a compactação de arquivos, que consiste no não armazenamento de dados iguais, para redução de tamanho do arquivo. Buscou-se a similaridade entre a compactação de dados realizada pelo computador e os métodos de compressão de texto, para se evitar repetições desnecessárias em sua construção, utilizando os textos “A Aranha e a Jarra” (BELL et al., 2011, p. 24), “Poema de Camões” e “Felicidade Clandestina - Clarice Lispector”.

19. Originária do Computer Science Unplugged (Bell et al., 2011)

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Objetivo Quebrar um problema em partes ou etapas para resolvê-lo. Matérias correlacionada •

Língua Portuguesa/Redação - compressão de texto;

Computação - compactação de arquivos.

Série 9º ano do ensino fundamental; 3º ano do ensino médio. Raciocínio computacional envolvido Composição e decomposição para tratamento de uma grande quantidade de dados (implica quebrar um problema em partes ou etapas). Material Impressões dos textos trabalhados. Natureza do problema Os computadores podem armazenar livros ou até mesmo bibliotecas, música e filmes se houver espaço. Arquivos grandes são igualmente um problema na Internet porque demoram muito tempo para serem baixados. Além disso, tentamos reduzir os computadores cada vez mais. Em vez de comprar mais espaço de armazenamento, podemos comprimir os dados para que esses ocupem menos espaço. Tal processo de compressão e descompressão de dados é

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geralmente feito automaticamente pelo computador. Assim, notamos que o disco possui mais espaço disponível ou que as páginas da Internet são exibidas mais rapidamente, porém, o computador está na verdade realizando mais processamento (BELL et al., 2011, p.30). Aplicação da atividade Nessa atividade buscou-se a similaridade entre a compactação de dados realizada pelo computador e os métodos de compressão de texto, utilizados na construção de um texto para se evitar repetições desnecessárias (BELL et al., 2011, p. 24). Para tanto, foi apresentado o texto A Aranha e a Jarra (id, p. 25) do livro “Computer Science Unplugged”. A atividade trabalha com identificação de padrões de letras, nela os estudantes identificaram grupos de duas ou mais letras repetidas, ou mesmo palavras ou frases inteiras e substituíram esses padrões por espaços em branco. Em seguida, os estudantes praticaram com a atividade Poema de Camões (id, p. 26), onde realizaram o reconhecimento de padrões que poderiam ser comprimidos e fizeram a associação de como construir um texto conciso e objetivo, sem que existam repetições desnecessárias. O trecho do poema apresentava algumas palavras e letras faltando e os estudantes tiveram que completá-lo corretamente, os espaços em branco apontavam setas para outras letras ou sílabas. Utilizando a leitura do texto Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector, foram discutidos quais recursos a autora utilizou para driblar repetições. No fim da atividade foi realizada uma analogia do processo de compactação de arquivos com os métodos de compressão de

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texto, e apresentados exemplos de como o computador realiza essa operação, evidenciando mais uma vez o fato de que os processos computacionais são muito presentes em atividades do dia a dia.

Alguns resultados práticos: integração curricular a partir de uma concepção didática sociointeracionista Com o objetivo de compreender melhor o resultados das intervenções, do ponto de vista da integração curricular, aplicou-se uma técnica de coleta de dados em pesquisas qualitativas, conhecida como grupo focal. Tal técnica possibilitou investigar as impressões, críticas e sugestões dos professores participantes. Segundo Dias (2000, p. 3), “o objetivo central do grupo focal é identificar percepções, sentimentos, atitudes e ideias dos participantes a respeito de um determinado assunto, produto ou atividade [...]”. Ferraço (2007, p. 86), por sua vez, explica que “trabalhar com histórias narradas mostra-se como uma tentativa de dar visibilidade a esses sujeitos, afirmando-os como autores, também protagonistas dos nossos estudos.”. Consequentemente, foi realizada uma análise dessas falas, que foram transcritas de áudio para texto, articulando-as ao perfil formativo do professor, levantado por meio do questionário de perfil dos professores. Vale a pena lembrar que em pesquisas qualitativas muitos sujeitos dificultam as análises, portanto, consideramos a técnica de grupo focal com cruzamento de dados a partir da técnica de análise de conteúdo, dado o número de sujeitos que temos. Ao aumentar-

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mos a escala em estudos posteriores, tais técnicas podem não nos ser útil, sendo preciso análises de natureza quantitativa ou híbrida. Na aplicação do grupo focal com o objetivo de saber o que motivou esses professores a aceitarem as intervenções que ocorrem nas aulas, uma das primeiras perguntas foi: “Por que os senhores aceitaram o projeto aqui na escola? Vocês acreditam que esse tipo de ação é útil na formação dos estudantes?”. — Professora de Artes:“[...] a proposta que trouxeram, e a forma como eles iriam direcionar o meu conteúdo na quarta unidade, era o que eu queria, um trabalho que envolvia a dança e ele trouxe isso pra gente na prática [...] Como ele (fazendo referência ao moderador) falou: é uma dança que a gente vai fazer colocando a informática [...]” — Professor de Educação Física: “[...] a escola não pode se fechar para nenhum tipo de conhecimento. Um conhecimento novo, um conhecimento que a gente não tinha, de como trabalhar a computação sem ter o computador. Então, só veio para agregar e não teve o porquê a escola, a gente, não aderir se é para agregar conhecimento? Então, gente foi ótimo. Não teria porquê negar. [...]” — Professora de Química: “[...] veio assim como a ferramenta para reforçar [...] os alunos hoje lidam mais com esses instrumentos melhor do que nós professores [...] importante a proposta, e veio como mais um elemento para você motivar o aluno, e facilitar a aprendizagem dele. [...] utilizando uma ferramenta que eles possuem muita habilidade. Então, com a utilização dessa ferramenta, eles desenvolveriam mais interesse deles, vamos assim dizer. Motivaria mais eles. E aí é mais fácil levar eles à aprendizagem. [...]” Percebemos no discurso dos quatro professores que o motivo de eles aceitarem o projeto e as intervenções foi fundamentalmente

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a percepção da necessidade de compreensão de como funciona a computação por parte dos alunos e deles também, pois alguns não dominam o uso das tecnologias digitais como alguns de seus estudantes. Isso mostra o quão importante são projetos de extensão universitária em diálogo com a sociedade. E essa atitude de reflexão sobre a prática é uma concordância com Freire (1996), que explica em sua obra “Pedagogia da autonomia” que o processo de ensinar e aprender é uma atitude política de comprometimento com a transformação social. Com o objetivo de saber se aquelas intervenções conseguiram aliar a prática com a teoria, perguntou-se: “Em relação ao conteúdo da disciplina de vocês. Vocês acharam que foi abordado? Foi proveitoso?”. — Professora-coordenadora: “[...] a gente tem a certeza de que eles saem daqui como multiplicadores. Na realidade, qual é o grande êxito de um professor? – Quando o aluno sai da sala de aula que chega em casa e repassa o que ele aprendeu. [...] eu consegui enxergar lá na frente, eu não fiquei só naquela explicação. Eu falei: “poxa, mas isso aqui é fantástico, tanto que eu me interessei por computação, quando me aposentar, faltam 2 anos. Então estou pensando em fazer [...]” — Professor de Educação Física: “[...] acho que os meninos precisam de mais encontros, até para poder trabalhar as dificuldades que tiveram nas atividades. Lá na sala a atividade foi motora, mas eles tiveram que usar uma lógica matemática, e eles tiveram bastante dificuldade matemática, tem que ter contato frequente [...]. Porque pra entender a lógica matemática eles precisam ter esse contato frequente, e eles não têm [...]”

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Novas atividades de computação desplugada para promoção de integração curricular na escola

— Professora de Química: “[...] na área de ciências da natureza quando vocês trabalharam aquela questão da conservação da massa, que eles trabalham lá por volta do 9º e do 1º ano, e aí a professora de biologia está trabalhando a cadeia alimentar. Então essa conservação aí, fazendo a relação com equilíbrio de equações, que às vezes o aluno não sabe pra quê aquilo serve e às vezes alguns alunos não aprendem, outros aprendem e aqueles que aprendem, aprendem mecanicamente [...] vocês atingiram sim o objetivo de estar utilizando a questão da informática com os conteúdos [...]” Analisando as falas, evidenciou-se ainda que esses professores possuem uma visão construtivista sóciointeracionista, onde os elementos sociais não podem ser dissociados da prática pedagógica, pois exercem influência sobre aqueles que eles estão ensinando. Tal interação mobilizou os alunos a pensarem, produzindo conhecimento. Dessa forma, acredita-se na ocorrência de aprendizagem constante dos mesmos com o meio físico e social, construindo um novo conhecimento baseado nas experiências, deixando para trás, a forma tradicional de ensino. A partir dessa análise, entendemos que o motivo que fez com que aceitassem participar do projeto, como fora explicitado, foi a existência de uma necessária compreensão de como funciona a computação por parte dos alunos e deles também e, fundamentalmente, a visão sóciointeracionista de educação. Portanto, a dificuldade prática e compreensiva sobre quais processos podem ser utilizados para apoio à construção desse conhecimento com a utilização da computação foi relevante. Os discursos dos professores esclareceram que o objetivo de relacionar o conteúdo da disciplina com a CC foi alcançado, ainda que

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necessite maior discussão, aprofundamento e estudo. A satisfação por parte do estudante mostrando-se interessado, como expõe o professor, também foi alcançado. Além disso, as análises das falas mostraram que os professores das disciplinas conseguiram relacionar e compreender o diálogo entre os conteúdos de CC com os conteúdos abordados por eles e, juntamente com os integrantes do projeto e os alunos, conseguiram construir um novo conhecimento. Também foi possível identificar o desenvolvimento colaborativo, por meio de relações de troca, intervenção e aprendizagem, entre os estudantes, os professores, a universidade e a escola. Essas intervenções proporcionaram uma prática reflexiva, produzindo um processo inovador que consegue relacionar os saberes e traz condições para a aprendizagem de forma harmoniosa.

Considerações e desafios Com o desenvolvimento do projeto-piloto na escola, foram levantados os elementos iniciais para o estudo dos desafios e possibilidades da integração curricular da Ciência da Computação com as disciplinas da educação básica, como modo de desenvolvimento pedagógico do raciocínio computacional. E com essas intervenções que foram propostas, essa nova abordagem didática e metodológica de ensinar o raciocínio computacional, e com os recursos utilizados durante o processo das ações, possam possibilitar aos educadores a contribuição no ensino e na aprendizagem do educando. A partir das intervenções realizadas, iniciamos a concepção de uma abordagem didática de computação na escola baseada na recontextualização por hibridismo, levando para a escola novas 245


Novas atividades de computação desplugada para promoção de integração curricular na escola

práticas a partir das demandas que emanam das próprias vivências docentes do educador, levando em consideração a necessidade de cumprir as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Isso implica dizer que estamos tendo atenção à cultura local, buscando entender as nuances e variações das políticas educacionais que compõem o currículo de cada escola, almejando uma transformação social. Atualmente o projeto está em fase de adaptação e já foi aplicado em mais duas unidades escolares, com novos desafios e novas atividades. Percebemos transformação coletiva na forma de conceber o uso de novos métodos de ensino do raciocínio computacional. Impulsionado e motivado pelo entusiasmo dos professores, o projeto está sendo ampliado e levado a outras duas escolas de ensino fundamental e/ou médio. E nessa nova etapa, temos algumas metas e desafios a cumprir. Uma dessas metas é mobilizar os professores e estudantes com novas atividades que fazem relação com uma ou mais disciplinas para que tenham subsídios suficientes para a sua atuação, favorecendo o processo de construção do conhecimento por parte dos seus alunos. Na fase piloto não fizemos nenhum tipo de avaliação discente, mas espera-se em atividades futuras a realização de análises em profundidade a partir do método de Análise de Conteúdo dos grupos focais e registros de observação participativa, envolvendo os principais atores desse processo. Pretendemos avaliar a qualidade e importância das ações e verificar os níveis de aprendizado tanto dos conteúdos curriculares quanto dos conteúdos de computação, realizando uma comparação entre o modo disciplinar e o modo in-

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terdisciplinar, tudo isso com base na construção das competências descritas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica e no currículo escolar do município de Salvador/BA. A Ciência da Computação é uma área do conhecimento que não pode ficar fora do currículo escolar. E utilizando a interdisciplinaridade como aliada, verificamos que podemos obter bons resultados no âmbito educacional e assim ajudar a desenvolver uma educação de qualidade. Como proposta futura da continuidade desse projeto, o objetivo em participar ativamente das reuniões pedagógicas, onde é feita a construção do currículo, e junto com os educadores tornar o ensino do raciocínio computacional parte das atividades propostas para o ensino fundamental e médio.

Agradecimentos Os autores agradecem ao Programa de Ações Pedagógicas para Formação de Docente em Computação, em colaboração com o Programa Onda Digital; aos gestores e professores e estudantes do Colégio da Polícia Militar (unidade Ribeira) pela oportunidade em realizarmos o projeto “Computação Desplugada Interdisciplinar”; aos bolsistas e voluntários que participaram das ações e desenvolveram as atividades colaborativamente: Ana Carolina Cerqueira Ferreira, Caio Wallison Rocha, Jandiaci dos Santos Barreto, Randerson Haine de Souza Lopes, André Melhor Miranda, William Fabian Machado Vera e Euma Santos. Nosso especial agradecimento à Pró-reitoria de Extensão Universitária da Universidade Federal da Bahia pelo apoio financeiro à nossa proposta.

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CapĂ­tulo 8 250


O ensino de Sociologia baseado em livros didáticos abertos Francisco Kelsen de Oliveira (UFPE e IF Sertão-PE) Melka Freitas Abreu (UFC)

Introdução Com o objetivo de solucionar alguns problemas ou melhorar a qualidade do ensino brasileiro, vários projetos foram implementados e desenvolvidos ao longo dos últimos vinte anos, como, por exemplo, a oferta da merenda escolar aos alunos; a criação de escolas em tempo integral; a inclusão de computadores, tablets e Internet nas escolas, bem como desenvolvimento de softwares educativos; a distribuição dos livros didáticos aos alunos da educação básica através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), entre outros. Porém, os resultados obtidos não condizem com os investimentos na área (OLIVEIRA et al., 2012). Vale destacar que ao passo que se desenvolviam tais ações, as ferramentas de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) contribuíram para facilitar o acesso aos conteúdos produzidos por pessoas ao redor do mundo, principalmente, por causa da ampliação do acesso à Internet, e da grande variedade de softwares para as mais diversas aplicações, inclusive gratuitos para uso e alterações (OLIVEIRA et al., 2014). Assim, a partir dos princípios de softwares

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O ensino de Sociologia baseado em livros didáticos abertos

livres (SL)1 surgem os Recursos Educacionais Abertos (REA). Esses que são compreendidos como todos os entes essenciais para o desenvolvimento de configurações mais flexíveis de ensino e aprendizado, sendo os reais impulsionadores das novas configurações de ensino e aprendizagem. Logo, este capítulo teve como objetivo avaliar os livros didáticos abertos (LDA) para a disciplina de Sociologia no ensino médio (EM), contrapondo com as definições de competências e habilidades estabelecidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 2000), o Guia de Livros Didáticos do Programa Nacional do Livro Didático 2015 (BRASIL, 2014) e as liberdades 4Rs (MONTOYA; AGUILAR, 2010). Cumpre ressaltar que a pesquisa focou apenas nos LDA publicados em português, destinados à disciplina de Sociologia para o ensino médio e disponíveis em repositórios da Internet. A avaliação dos LDA buscou aferir a qualidade dos materiais em relação aos PCNEM e as suas possibilidades de uso, adequação, distribuição e estudo, conforme as liberdades dos REAs. As próximas seções deste capítulo apresentarão os conceitos relacionados à pesquisa na segunda seção, o detalhamento do método e materiais da pesquisa na terceira, os resultados e discussões na quarta e as conclusões na quinta seção.

1. O uso de Software Livre é uma política governamental que incentiva seu uso em máquinas das repartições públicas a fim de reduzir os custos com pagamentos de licenças de uso (OLIVEIRA, 2010).

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Desenvolvimento Nesta seção, serão apresentados os conceitos relacionados ao tema da pesquisa que envolvem: Recursos Educacionais Abertos (REA), preceitos de Ensino de Sociologia e os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM).

Recursos Educacionais Abertos (REA) Os recursos educacionais abertos (REA), termo proveniente do inglês Open Educational Resources (OER), conforme já definido é entendido como qualquer tipo de recurso livre que possa ser utilizado no viés educacional, mas que ainda não é de grande conhecimento por parte de docentes. Assim, atualmente, a educação básica e superior ainda dependem do material impresso, sendo o livro didático o principal recurso utilizado. Esse modelo gera um alto custo logístico na distribuição (ORTELLADO, 2009) e aquisição, chegando a 1,3 bilhão de reais com o PNLD (BRASIL, 2012). Além disso, o modelo de compra e gestão do material didático ainda garante todos os direitos reservados aos editores, sendo impossíveis as alterações conforme as necessidades e peculiaridades de cada contexto escolar. As editoras, por sua vez, não têm nenhum interesse em alterar esse modelo de compra de livros didáticos para educação básica pelo governo federal, por ser bastante lucrativo (OLIVEIRA; GOMES, 2015). Conforme Gonzalez (2012), os preços médios unitários dos livros cresceram substancialmente nos últimos anos, ao passo que as quantidades compradas também aumentaram. Diante desse cenário,

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O ensino de Sociologia baseado em livros didáticos abertos

poder-se-ia barganhar menor preço devido ao grande volume de compra ou mesmo assegurar uma forma de garantir mais autonomia aos professores que escolheram tal obra, pois comprar-se-iam os direitos autorais e não apenas as cópias impressas dos materiais. Vale ressaltar que a lei n° 9.610/1998 (BRASIL, 1998), lei do direito autoral, trata de dois feixes distintos: direitos morais (garante direitos de personalidade, ou seja, inalienáveis, irrenunciáveis e imprescindíveis) e direitos patrimoniais (podem ser cedidos às editoras). Assim, os autores ficam reféns das grandes editoras, pois precisam ter dinheiro para divulgação dos seus livros no mercado, submetê-los à avaliação de obras via edital e, posteriormente, ter a aceitação no catálogo do PNLD a fim de que os professores da educação básica possam selecioná-los para suas disciplinas lecionadas. Logo, as editoras garantem as vendas das cópias dos livros escolhidos, mas não cedem os direitos autorais ao governo a fim de que os livros possam ser alterados ou digitalizados. Caso o governo realizasse a aquisição dos direitos pelo uso da obra diretamente com os autores, esses receberiam mais e ainda os professores teriam liberdade para adequar as obras, sem esquecerem-se de referenciar o autor do conteúdo, inclusive sendo possível imprimi-las em gráficas e distribui-las aos alunos por um menor custo. Ainda seria possível a disseminação de uma cultura de uso de REA na educação básica através da inclusão dos alunos na cadeia de autoria, seja nas atividades regulares associadas ao currículo, seja estimulando iniciativas autônomas de produção de conteúdo em atividades complementares.

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Já no ensino superior, não há uma política de aquisição de livros para cada aluno, as bibliotecas das Instituições de Ensino Superior (IES) não são atualizadas constantemente e os altos preços das obras afastam os estudantes da compra de livros e os levam às cópias (AMIEL, 2012, p. 26). Com a ideia de REA, surgem novas possibilidades de ensino ao invés de simplesmente excluir o material impresso. Segundo Amiel (2012, p. 26), a expansão da educação a distância (EAD) tornou possível a disponibilidade de recursos didáticos digitais abertos ou não sob diversas configurações. Esse acesso ao uso das novas mídias facilitou a produção e a reprodução de recursos educacionais e bens culturais. Conforme Pretto (2010), professores e alunos podem assumir os papéis de autores dos seus próprios materiais de estudo ou de críticos construtivos. Opal (2011) sugere buscar oportunidades com práticas abertas que contemplem a criação, o uso e a gestão dos REAs, tendo em vista a inovação e melhoria da qualidade da educação. Já Amiel (2012) enfatiza o compartilhamento porque, além de pesquisar, adequar e usar os REAs, o autor original e o material alterado são divulgados para centenas de pessoas. Enquanto Shneiderman (2002) menciona o ciclo gerado pelo compartilhamento, pois os recursos propiciam oportunidades para que outros utilizem esses recursos e gerem novas possibilidades educativas. Diante disso, os princípios de REAs foram inspirados no projeto de software livre (SL). A ideia principal está no desenvolvimento e compartilhamento dos aplicativos sem a necessidade de pagamento de licença pelo seu uso. Taurion (2004) demonstra que há diferenças

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O ensino de Sociologia baseado em livros didáticos abertos

entre uma aplicação livre e outra de código aberto (open source), já que esse deve atender às quatro liberdades básicas da licença GPL: •

Liberdade n° 0: liberdade de executar o software para qualquer propósito;

Liberdade n° 1: liberdade de estudar como o programa funciona e adaptá-lo para as suas necessidades, tendo como pré-requisito o acesso ao código-fonte;

Liberdade n° 2: liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao seu próximo;

Liberdade n° 3: liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie deles.

Montoya e Aguilar (2010) propõem as liberdades 4Rs dos REAs baseadas nas liberdades dos SL: reusar, revisar, remixar e redistribuir.

Ensino de Sociologia Segundo Pereira (2009), o ensino de Sociologia no nível médio enfrenta diversos desafios, como a formação dos professores (titulares da disciplina sem formação na área de Ciências Sociais), a alta carga horária dos professores da rede pública estadual e os baixos salários. Além disso, pode-se também considerar a necessidade de uso de metodologias adequadas aos conteúdos da área. O autor (2009) ainda ressalta uma cultura de desvalorização da Sociologia pelos alunos e demais membros da comunidade escolar, evidenciado em colocações que expressam que a disciplina não reprova.

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De acordo com Ferreira; Petró e Eich (2015) há ainda a falta de material didático de Sociologia para o ensino médio (EM), sejam recursos educacionais digitais (RED) ou livros didáticos. Embora o PNDL distribua livros e disponibilize sites com material de apoio, o PNLD de 2015 de Sociologia (BRASIL, 2014) sugere apenas seis livros impressos e quatro digitais disponíveis para escolha dos docentes da rede pública. Os repositórios de Recurso Educacional Digital (RED) também disponibilizam poucos recursos em formatos de simulações ou softwares educacionais na área de Sociologia para qualquer nível de escolaridade, já que a maioria dos recursos encontrados está em formato de vídeo ou de texto em pdf sobre assuntos isolados ou biografias de autores.

Parâmetros e guias norteadores da Educação no Brasil Conforme Abreu (2011), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são provenientes de discussões entre os diversos setores da comunidade acadêmica e da sociedade, sendo inicialmente destinado ao ensino fundamental (EF) em 1998. Já em 2000, houve a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) e assim foi possível atentar especificamente para as séries finais da educação básica (EB), o ensino médio (EM), principalmente para os seguintes aspectos: contextualização e interdisciplinaridade nas abordagens de ensino. Dessa forma, o conteúdo a ser explorado no EM deve ser situado, localizado, significativo em suas práticas e buscar relações, pontes possíveis, com outras áreas.

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O ensino de Sociologia baseado em livros didáticos abertos

Ainda de acordo com Abreu (2011), tais documentos ainda sugerem a construção de cidadania, bem como torna necessária a reformulação do currículo atrelada a novas formas de aprendizagem do conteúdo, por meio de competências e habilidades. Isso motiva uma revisão na postura tradicional de ensino, de tal forma a não se limitar ao conhecimento memorístico ou conteudístico. Os PCNEM (BRASIL, 2000) estão divididos em três áreas de aprendizagem sob a perspectiva da interdisciplinaridade: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Essa última área compreende a disciplina de Sociologia. Tal divisão tem o objetivo de proporcionar os relacionamentos contextualizados dos assuntos entre disciplinas antes tratadas de forma isoladas. Nos PCNEM há proposta de se trabalhar por meio de habilidades e competências, essas que serviram como norte para análise dos LDAs. O Guia de Livros Didáticos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) também foi outro documento oficial utilizado para definição dos critérios avaliativos dessa pesquisa. Assim, alguns critérios utilizados na análise do PNLD foram adequados para também serem utilizados nas avaliações de LDAs. Tais critérios são conhecidos por avaliadores e docentes, bem como servem de norte para avaliação de livros didáticos periodicamente. A pesquisa, por sua vez, utilizou o guia da área de Sociologia de 2015 (BRASIL, 2014), cujos critérios serão descritos na seção seguinte.

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Material e métodos A pesquisa levantou as bibliografias relacionadas ao tema a fim de identificar os materiais já elaborados, principalmente, os trabalhos acadêmicos e livros, com o intuito de garantir uma visão ampliada do fenômeno pesquisado e de detectar as lacunas nos estudos concluídos (GIL, 2002). Além disso, foi realizado um levantamento na Internet para identificar os repositórios de LDA e selecionar LDA da disciplina de Sociologia destinado ao ensino médio, publicados em português e com cadastro ISBN (International Standard Book Number) na Biblioteca Nacional (BN). Dessa forma, foram identificados 41 repositórios de REAs, inclusive alguns específicos para LDA, como o repositório da editora Flat World Knowledge (materiais em inglês) e o repositório do Projeto Latin (destinado a cursos superiores e, em sua maioria, em espanhol). Assim, apenas o Portal Educacional do Estado do Paraná apresentou LDA com as características descritas no parágrafo anterior. Os LDAs foram avaliados perante os critérios baseados nas competências e nas habilidades norteadoras dos PCNEM da disciplina em análise (BRASIL, 2000), o Guia de Livros Didáticos do Programa Nacional do Livro Didático 2015 (BRASIL, 2014) e as liberdades 4Rs (MONTOYA; AGUILAR, 2010), cuja avaliação de cada material ocorreu mediante a sua leitura completa e identificação da presença ou ausência dos critérios avaliativos do Quadro 01.

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O ensino de Sociologia baseado em livros didáticos abertos

Nível

ID

Descrição

Representação e comunicação

C01

Identificar, analisar e comparar os diferentes discursos sobre a realidade: as explicações das Ciências Sociais, amparadas nos vários paradigmas teóricos, e as do senso comum.

C02

Produzir novos discursos sobre as diferentes realidades sociais, a partir das observações e reflexões realizadas.

C03

Construir instrumentos para uma melhor compreensão da vida cotidiana, ampliando a “visão de mundo” e o “horizonte de expectativas”, nas relações interpessoais com os vários grupos sociais.

C04

Construir uma visão mais crítica da indústria cultural e dos meios de comunicação de massa, avaliando o papel ideológico do “marketing” enquanto estratégia de persuasão do consumidor e do próprio eleitor.

C05

Compreender e valorizar as diferentes manifestações culturais de etnias e segmentos sociais, agindo de modo a preservar o direito à diversidade, enquanto princípio estético, político e ético que supera conflitos e tensões do mundo atual.

C06

Compreender as transformações no mundo do trabalho e o novo perfil de qualificação exigida, gerados por mudanças na ordem econômica.

C07

Construir a identidade social e política, de modo a viabilizar o exercício da cidadania plena, no contexto do Estado de Direito, atuando para que haja, efetivamente, uma reciprocidade de direitos e deveres entre o poder público e o cidadão e também entre os diferentes grupos.

Investigação e compreensão

Contextualização sócio-cultural

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Nível

ID

Descrição

Critérios legais diversos

C08

Verifica se o livro respeita a legislação vigente (a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as Diretrizes Nacionais, exceto o PCNEM).

Critérios teóricos conceituais

C09

Relaciona-se à qualidade das referências teórico-conceituais, elaboradas para auxiliar o avaliador a analisar se, no conjunto, a obra em julgamento zela pelo rigor na apresentação de conceitos e paradigmas teóricos do campo das Ciências Sociais, tanto em seu período clássico como em suas contribuições mais recentes.

Critérios didático-pedagógicos

C10

Está mais voltado ao conteúdo. Avalia a linguagem, os argumentos e as estratégias usadas pela autoria no texto de base do livro para realizar a mediação entre o conhecimento científico e o saber escolar.

C11

Está mais voltado às atividades e aos exercícios. Julga se as atividades de aprendizagem propostas mobilizam diferentes capacidades, se são coerentes com a abordagem e o conteúdo proposto no livro, e se, de fato, auxiliam na consecução dos objetivos da aprendizagem.

Critérios de avaliação de imagens

C12

Pondera se as imagens, fotos, ilustrações, gráficos, tabelas e mapas presentes na obra avaliada atendem desde os critérios relativos à clareza de exibição e à imediata identificação de créditos e fontes, até critérios avaliadores da capacidade de fato de as imagens auxiliarem na aprendizagem, despertando a reflexão e não vinculando estereótipos de qualquer natureza, conteúdo religioso ou marca comercial.

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O ensino de Sociologia baseado em livros didáticos abertos

Nível

ID

Descrição

Critérios de editoração e aspectos visuais

C13

Relaciona-se à revisão ortográfica e à coerência e precisão das informações sobre referências de livros, sites e documentos. Algumas indagações deste item abordam o projeto gráfico, que deve favorecer a aprendizagem do aluno e facilitar o manuseio do livro.

Manual do professor

C14

Identifica se há Manual do Professor e se realmente ele cumpre o objetivo de orientá-lo acerca dos pressupostos que fundamentaram a elaboração do livro e das possibilidades de seu uso, com sugestões adicionais que qualificam a aula, respeitando a autonomia docente.

REA

C15

Permite o reuso, revisão, remixagem e redistribuição.

Quadro 1: critérios de avaliação de Livros Didáticos Abertos (LDA) Fonte: adaptado de (BRASIL, 2000), (BRASIL, 2014) e (MONTOYA; AGUILAR, 2010)

Após a classificação seguindo como norte o Quadro 1, os resultados e as considerações serão apresentados na próxima seção, de tal modo a avaliar a única obra encontrada com as características elencadas (LORENSETTI et al., 2006).

Resultados e discussão Ao avaliar o LDA identificado perante os critérios do Quadro 1, é possível visualizar que o critério C01 é satisfeito ao se perceber as comparações apresentadas entre vários pontos de vista baseados

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em diferentes teóricos, bem como a comparação com o senso comum logo na segunda página da primeira unidade. Enquanto, o outro critério do nível de representação e comunicação (C02) é satisfeito basicamente por meio das atividades, de questões motivadoras de reflexão dentro do texto ou mesmo instigadas pelos autores que apresentam aspectos reflexivos acerca da teoria no decorrer da unidade até culminar em atividade. Já o nível de Investigação e compreensão é composto pelos critérios C03, C04 e C05. C03 é atendido ao verificar a busca dos autores em apresentar os diferentes grupos sociais, religiosos, étnicos e outros e suas formas de inter-relacionamento, inclusive com propostas de atividades para que os discentes entrevistem pelo menos três líderes religiosos, tendo em vista proporcionar uma melhor compreensão da vida cotidiana, ampliando a “visão de mundo”, o “horizonte de expectativas”, principalmente, nos capítulos 4, 5 e 6 da obra em análise. Tal como o critério anterior, o C04 também é satisfeito e percebido nos capítulos 7 e 8, por meio das análises realizadas entre fatos históricos e meios de comunicação utilizados para construir a opinião da massa em favor de interesses da classe dominante. Assim, C05 também é atendido, quando os autores buscam interpretar, gerar reflexões acerca das apresentações das manifestações culturais de etnias e segmentos sociais no decorrer da história, bem como os direitos conquistados e até hoje disponíveis na legislação vigente (garantir a diversidade de manifestações baseada em preceitos éticos que superam conflitos e tensões do mundo atual).

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Quanto ao nível de contextualização sociocultural, os critérios C06 e C07 também são atendidos. O C06 é percebido quando são apresentadas as transformações no mundo do trabalho e o novo perfil de qualificação exigida, gerados por mudanças na ordem econômica nos capítulos 9 e 10. Enquanto C07 é explicitado nos capítulos 12, 13, 14 e 15, quando se mostra a construção da identidade social e política, de modo a viabilizar o exercício da cidadania plena, no contexto do Estado de Direito. No que tange ao nível de aspectos legais diversos, o critério C08 é atendido prontamente pela obra ao se referir aos principais preceitos legais vigentes em nosso país como: a Constituição Federal (CF), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ao passo que os PCNEM também são atendidos, porém, os critérios C01 a C07 são estritamente voltados a tal norma, por isso a descrição do C08 excetua os PCNEM. As principais referências das Ciências Sociais e de assuntos relacionados ao tema também são apresentadas, utilizadas e referenciadas na obra, de tal forma a alcançar o critério 09 (nível de critérios teóricos conceituais). Dessa forma, é possível citar algumas obras tais como: Rousseau (1999); Marx (1985; 1987; 1989; 1996); Fernades (1978a; 1978b); Engels (1978); Freyre (2001); Prado Júnior (2000); Comte (1978) e outros. O nível de critérios didático-pedagógicos é formado pelos critérios C10 (voltado para os conteúdos) e C11 (destinado aos exercícios). A linguagem, os argumentos e as estratégias estão coesas em relação ao alcance dos objetivos estabelecidos em cada unidade da obra, já que é voltada para o ensino médio e utiliza uma

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linguagem fácil, baseada em argumentos teóricos apresentados na obra e com estratégias fáceis de serem utilizadas e adequadas aos diferentes contextos de estudo. As atividades sugeridas buscam estimular a escrita de textos argumentativos e descritivos sobre os assuntos estudados em cada unidade, bem como sugerem pesquisas em outros materiais e a realização de entrevistas com pessoas da sociedade ligadas diretamente aos fatos históricos, políticos ou religiosos. Enquanto no nível de critérios de avaliação de imagens, C12 é alcançado também pelo material, já que as tabelas, os mapas, as imagens, as figuras e demais ilustrações são visíveis e não apresentam problemas para perfeita visualização por parte dos leitores. O critério C13 (nível de critérios de editoração e aspectos visuais) também é satisfeito pelo material analisado, porque está em conformidade com o padrão normativo gramatical e ortográfico da Língua Portuguesa, bem como há sincronismo do projeto gráfico do material, tendo em vista criar um layout agradável à leitura dos estudantes sem cores fortes ou destoantes do contexto geral da obra. Já no nível de Manual do Professor, o critério C14 é contemplado com uma página eletrônica (http://www.sociologia.seed.pr.gov.br) com manual didático ao professor e demais recursos digitais como vídeos para apoiar os docentes. O critério C15 (nível de REA) é satisfeito com a possibilidade de uso, reuso, revisão, remixagem e redistribuição, porém, o formato pdf, no qual o arquivo é disponibilizado, impede as edições de modo direto pelos usuários interessados, além disso alguns aplicativos que permitem as edições de arquivos em formato pdf não garantem a formatação estabelecida do documento original.

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Portanto, de modo geral, percebe-se que todos os critérios analisados são atendidos ou de forma parcial; as alterações desses materiais podem torná-los tão bons ou melhores que muitos materiais sob licenças proprietárias e ainda com possibilidade de adequações às necessidades dos docentes, discentes e aos contextos regionais, nos quais estão inseridos.

Conclusão A elaboração dos critérios de avaliação de LDA baseados na adequação dos PCNEM de Sociologia (BRASIL, 2000), o Guia de Livros Didáticos do Programa Nacional do Livro Didático 2015 (BRASIL, 2014) e as liberdades 4Rs (MONTOYA; AGUILAR, 2010) podem se tornar uma referência na análise desse tipo de material por parte de professores ou até mesmo uma política institucional do MEC a fim de reduzir os custos com a aquisição de exemplares físicos de livros didáticos. Já que, por muitas vezes, impedem as alterações por parte dos docentes, sendo essa uma necessidade real para que as obras consigam atender aos diversos contextos regionais do nosso país. Além disso, os critérios também podem se tornar as referências para a elaboração de LDA pelos professores que desejarem não apenas consumirem os produtos didáticos, como também se tornarem produtores dos seus próprios materiais, seja a partir da adequação de materiais disponíveis sob licenças de uso e adequação, ou mesmo a elaboração desde o primeiro ao último capítulo de forma contextualizada e com textos inéditos, mas versando sobre a grade necessária à referida série.

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Percebeu-se também a qualidade de uma obra livre e disponível para uso e adequações após a análise criteriosa do LDA, cujos docentes e gestores, muitas vezes, desconhecem tal possibilidade de ter materiais de boa qualidade, gratuitos e fáceis de serem distribuídos, atualizados e usados de diferentes formas (virtual ou impresso, por completo ou em parte).

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O gênero história em quadrinhos: despertando o gosto pela leitura Gregory Augusto de Lima Laborde (UFRPE e FAFICA) in memorian

Introdução O processo de formação de um leitor crítico atualmente é um desafio para o professor (CASTRO, 2012). As novas interfaces textuais proporcionam diversas oportunidades para formularmos grandes interações entre leitor e obra. Não estando presa apenas a livros impressos, a formação do leitor da atualidade exige dos profissionais da língua uma tradução dos novos paradigmas da sociedade, pois a leitura não deve ser apenas uma atividade que gere uma nota avaliativa a partir de um resumo ou análise crítica, mas possuir significância com o contexto social do leitor para que assim esse possa compreender a importância do ato de ler. Costa (2008) elucida que a literatura canônica apresenta aos estudantes contemporâneos uma dificuldade significativa para sua interpretação, por possuir linguagem difícil, seja por uma questão temporal ou estilística. Nesse enfoque, as histórias em quadrinhos (HQ) são uma excelente ferramenta para auxiliar o estudante na introdução aos clássicos literários, tendo em vista a construção intersemiótica apresentada pela HQ que proporciona a linearidade da unidade da obra literária (compreensão da mensagem textual).

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O gênero história em quadrinhos: despertando o gosto pela leitura

Outro aspecto relevante é a familiaridade que os jovens possuem com o gênero história em quadrinhos por estar sempre presente em seu cotidiano, seja por meio das revistas ou na leitura feita nos ambientes virtuais de interação. Com a finalidade de promover uma atividade leitora contextualizada com a realidade dos estudantes do recém-nascido século XXI, Solé (2006) versa que para a conjectura de uma leitura mais motivadora, o material apresentado ao leitor em formação deve possuir contextualização com a sua realidade, para que esse possa sentir-se capaz de fazer o processo de leitura não apenas como decodificação, mas sim de forma significativa, conseguindo compreender todo o contexto da obra e sobretudo conseguir construir conexão com a sua presente realidade. Essa aplicabilidade real de que o novo leitor necessita só é possível como nos apresenta Pina (2011): quando o processo motivacional se dá de forma afetiva, que o leitor em formação deve construir paulatinamente a intimidade com a língua escrita. Portanto, o aspecto da ludicidade deve ser uma constante para a criação do significado desejado, assim a eficácia das histórias em quadrinhos no processo de formação do novo leitor deve ser uma constante, sabendo que a HQ vem sendo utilizada há décadas como ferramentas de ensino. Cunha (2008, p. 5) afirma que: “a utilização das histórias em quadrinhos como recurso pedagógico agrega elementos essenciais que podem favorecer o aluno no desenvolvimento educacional, no processo de ensino-aprendizagem e como forma de expressão artística, facilitando a interpretação texto-imagem do aluno.”

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Em Diniz (2010), podemos compreender que os quadrinhos constituem-se de uma forma privilegiada de narrativa, essa por sua vez facilita a introdução dos estudantes no estudo de gramática funcional e comunicação pelo diálogo, pois as imagens e linearidade das histórias são capazes de influenciar no processo de inteligibilidade da mensagem do texto. Tomando como base os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) que nos dizem que é preciso dominar a linguagem para participar da vida no bairro, na cidade e no país, as histórias em quadrinhos, por possuírem recursos visuais e textuais, proporcionam uma maior e melhor interpretação da unidade da obra bem como do contexto social, político e cultural de uma época, levando o aluno a um maior nível de criticidade e interação com as obras literárias.

A importância do professor leitor: dificuldades, desafios e perspectivas Um grande problema das nossas escolas é que grande parte dos professores de literatura não possui o hábito da leitura contínua, segundo Regina Zilberman professora e pesquisadora, justificando isso com uma série de fatores tais como: os altos preços dos livros, a ausência de material ou subutilização dos materiais nas bibliotecas das escolas, falta de tempo livre dos docentes e sobrecarga de trabalho. Fatores que realmente devem ser levados em conta, mas alternativas podem ser vistas frente a esse cenário tão complicado. Criação do vale-livro para professores, também campanhas de

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descontos para os professores, vale destacar a importância do programa nacional do livro didático, e também o programa nacional biblioteca na escola que massifica e torna possível acesso a muitas obras literárias desde o cânone até as obras infantis e infanto-juvenis, sem falar no grande acervo virtual disponível na Internet , que torna ainda mais fácil a distribuição e acesso a obras literárias. Em busca de ampliar a motivação pessoal e do grupo docente, os professores podem se reunir em rodas de leitura ou em grupos para debaterem suas experiências leitoras frente a uma obra ou um conjunto delas durante os seus intervalos dentro da escola. Listar alguns sites onde o professor pode encontrar obras literárias dos mais diversos gêneros e países tornando mais simples o planejamento de ações leitoras dentro das instituições.

Portal

Principais características

www.dominiopublico.gov.br

Lançado em novembro de 2004 (com um acervo inicial de 500 obras), propõe o compartilhamento de conhecimentos de forma equânime, colocando à disposição de todos os usuários da rede mundial de computadores - Internet - uma biblioteca virtual que deverá se constituir em referência para professores, alunos, pesquisadores e para a população em geral

https://pt.wikisource.org

É um portal mantido pela Wikimedia Foundation que tem como objetivo tornar público e de fácil acesso obras científicas e literárias que tenham significância histórica e cultural .

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http://www.culturabrasil.pro. br/download.htm

Um projeto que busca ampliar o acesso a obras clássicas, com um acervo bastante vasto dos clássicos literários.

http://www.bartleby.com/

Site com obras literárias e não literárias em inglês, com referencia e acesso livre.

http://livros.universia.com.br/

O projeto visa popularizar a distribuição de grandes clássicos da literatura brasileira e mundial, disponibilizando versões digitais para download gratuito.

http://digitalcomicmuseum. com/

Site em inglês onde o professor vai encontrar diversas histórias em quadrinho disponíveis para download

http://www.escalaeducacional. com.br/livrosLiteratJuvenil

O professor pode encontrar diversas obras da literatura brasileira e mundial em versão quadrinizada, como: A cartomante; A causa secreta; A moreninha; A nova Califórnia; A polêmica e outras histórias; Brás, Bexiga e Barra Funda; Inocência; Memórias de um sargento de milícias; Memórias póstumas de Brás Cubas; Miss Edith e seu tio; O alienista; O ateneu; O cortiço; O enfermeiro; O homem que sabia javanês; O triste fim de Policarpo Quaresma; Primórdios da Literatura Brasileira; Um músico extraordinário; Uns braços.

O PNBE inclui 600 obras, 300 para o ensino fundamental e 300 para o médio em versão quadrinizada, as principais da lista são:

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A História do Mundo em Quadrinhos – A Europa Medieval e os Invasores do Oriente, de Larry Gonick (Agir).

Oliver Twist, adaptado por John Malan (Companhia Editora Nacional).

Luluzinha Vai às Compras, de John Stanley (Devir).

Níquel Náusea – Tédio no Chiqueiro, de Fernando Gonsales (Devir).

Suriá – A Garota do Circo, de Laerte (Devir).

A Turma do Pererê – As manias de Tininin, de Ziraldo (Globo).

Maluquinho por Arte – Histórias em Que a Turma Pinta e Borda, de Ziraldo (Globo).

O Beijo no Asfalto, de Arnaldo Branco e Gabriel Góes (Nova Fronteira).

Asterix e a Volta às Aulas, de René Gosciny e Albert Uderzo (Record).

Asterix nos Jogos Olímpicos, de René Gosciny e Albert Uderzo (Record).

D. João Carioca, de Spacca e Lilian Moritz Schwartz (Companhia das Letras).

A Volta da Graúna, de Henfil (Geração Editorial).

Deus Segundo Laerte, de Laerte (Olho D´Água).

10 Pãezinhos – Meu Coração Não Sei Por Quê, de Gabriel Bá e Fábio Moon (Via Lettera).

O Alienista, de Gabriel Bá e Fábio Moon (Agir).

Domínio Público – Literatura em Quadrinhos (vários autores; DCL).

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A Força da Vida, de Will Eisner (Devir).

O Sonhador, de Will Eisner (Devir).

Um Contrato com Deus, de Will Eisner (Devir)

Gerar motivação pela leitura das obras amplia os laços e a afinidade entre a equipe docente e estimula a criatividade. Porém, os desafios para um professor leitor não se resumem apenas a transpor essas barreiras, mas sim ensinar-se a ler, dispor-se a aprender a ler para poder ensinar a ler, e compreender a literatura. Perceber que suas impressões sobre a leitura, o seu contexto social, estão inseridos dentro daquela obra e de que maneira a formação cultural dele contribui para a compreensão geral dessa obra. O professor leitor não olha para o texto com uma perspectiva taxonômica buscando compreender apenas aspectos gramaticais ou subsídios metodológicos para responder ou criar fichas de leitura, mas sim dirige a si mesmo um processo de compreensão e questionamento da criatividade verbal e estética da obra dando a si a liberdade de compreensão e expressão do pensamento do autor e de seu pensamento como leitor e não ledor apenas codificando as palavras e frases. O professor leitor que ensina-se a ler traz para seus alunos sua visão impressa quando narra sua experiência leitora para seus alunos, a compreensão pessoal sobre a obra, sem desqualificar a visão tradicional da obra. Esse professor que se ensina e ensina a ler, dá vez e voz ao texto, utiliza a contra palavra, busca não uma, mas várias justificativas para um ou mais pontos de vista, sempre construindo um paralelo

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entre o pessoal e o tradicional e como esses dois juntos corroboram a compreensão ampla de um determinado texto literário. O nosso professor criativo tem que compreender a diferença histórica dos textos e se questionar como as relações demonstradas na obra podem refletir-se no seu contexto escolar? De quais maneiras pode apresentar para seu aluno determinada situação? Como os seus alunos podem traduzir, transformar e implementar a compreensão de determinados aspectos das obras selecionadas para o trabalho. Tornando nítida a necessidade do professor previamente fornecer subsídios para intertextualidade. Desempenhar um trabalho intertextual é crucial para o trabalho ser mais significativo e prático mostrando que a linguagem é múltipla e plástica, não está presa a textos e estudos gramaticais. O estudante necessitar ver, ser, sentir, interagir com os textos para que assim o sentido intertextual se complete não apenas nas relações paralelas entre os textos, mas que seja uma construção também intertextual que envolva o humano. Nesse contexto é importante ressaltar que o professor deve enfatizar a importância da leitura satisfatória que Barthes chama de fruitiva, desenvolvida por uma relação intima entre o leitor e seu livro e narrar como se pode construir essa experiência tão única trazendo quais as sensações que a leitura traz, como se forman as imagens na mente, para isso o professor também deve ser um bom contador de historias. Esse processo é possível quando o professor desenvolve em si o poder da auto-observação, da autoavaliação, pois irá conseguir narrar mais significativamente as suas experiências, o papel do pro-

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fessor leitor para a formação de leitores não está apenas em falar sobre as suas experiências enquanto leitor, mas sim dar sentido ao que foi lido por ele e como sua experiência foi repleta de significado, tendo em vista que partilhar de um mesmo contexto social e cultural que os seus alunos gera um grande diferencial. Ambos estão sob o mesmo teto e compartilhando do mesmo espaço, o que torna cada vez mais repleta de significado e sentido a experiência do professor leitor para a formação de um aluno leitor. Portanto, o trabalho de um professor criador e criativo, que forma de maneira significativa, é artesanal, mas um artesanal de mão dupla, pois se molda tornado para si o texto literário uma necessidade constante, faz com que a produção de leituras e narrativas diversas seja como o oxigênio para ele, e assim trazendo a oportunidade para o seu aluno de também sentir essa mesma sensação que só um bom livro traz, e o melhor ainda, o professor leitor traz as múltiplas oportunidades de o aluno colocar em prática todos os seus pensamentos da forma que se sentir proporcionando um aspecto artístico da compreensão da obra de não apenas movimentar o imaginário, mas sim de fazer parte da vida, de ser necessário e não algo obrigatório ou redutor a uma ficha de leitura programada, que gera por sua vez dificuldades de contextualização e cria bloqueios significativos que podem durar uma vida. Discutiremos essas dificuldades da leitura dos clássicos na próxima seção.

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A sintomática dificuldade da leitura canônica Sobre formação de leitores na contemporaneidade, nota-se uma tarefa que exige do docente uma atividade e leitura multiplexa, sabendo que as novas gerações possuem grande habilidade com os mais variados tipos de informação e tradução semiótica da realidade, porém, ressentem-se de um domínio linguístico para interagir de forma satisfatória com os clássicos. Nesse aspecto, como abordado por Pina (2012), a leitura canônica apresenta uma série de fatores que levam o leitor em formação a desinteressar-se pelas obras, podendo ser destacados os seguintes motivos: 1) linguagem utilizada pelos autores que se encontra desentronizada com a contemporaneidade, 2) não construção de significância entre o texto e o leitor; 3) má categorização dos currículos escolares no que se refere aos estudos da obra literária. Gomes (2012) apresenta de forma clara que o docente é o responsável por garantir que o estudante compreenda a unidade de uma obra. Esse deve ser estimulado constantemente a expor o seu ponto de vista e apresentar inter-relações entre o texto canônico e sua realidade, de maneira que a leitura além de significativa seja prazerosa, nesse contexto aplicando o que os Parâmetros Curriculares Nacionais determinam que o estudante seja capaz de construir saberes linguísticos para o exercício da sua cidadania. Possibilitar a construção da relação entre o texto literário clássico e o mundo atual é uma grande dificuldade, como apresentado por Cereja (2004). O foco dos estudos dentro das instituições de ensino é voltado não à construção de uma relação com a atualidade, mas

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somente um mero apanhado de informações sobre determinados contextos históricos da época e da vida de um autor, forçando o estudante a uma produção não autônoma, mas sim mecânica, pois o leitor em questão apenas entra em contato com um breve e resumido contexto, dificultando a interpretação da obra literária clássica. O mesmo autor elucida que o ato de ler e criticar deve ser posto de forma lúdica que por sua vez proporcionará ao estudante mais familiaridade, formando um leitor capaz de construir uma relação com a sua língua materna e assim apto a interpretar textos dos mais variados tipos. Com o enfoque da falta de ludicidade das obras clássicas, Pina (2012) elucida que essas obras, por possuírem um cabedal histórico e cultural carregado, fazem com que o leitor em formação tenha dificuldade na construção do imaginário que a obra solicita, pois muitos aspectos citados não estão em sintonia com a realidade vigente, gerando assim desinteresse logo no primeiro contato com esse tipo de texto. Faz-se latente a necessidade da construção do significado para o novo leitor através do lúdico, nesse segmento as histórias em quadrinhos apresentam grande potencial, tendo a luz dos recursos semióticos mais amplos que traduzem o universo cultural para o estudante, possibilitando a construção simbólica do contexto histórico e cultural através das imagens e textos, estimulando a criatividade e o imaginário.

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A utilização dos quadrinhos na sala de aula, a HQ como instrumento intersemiótico No Brasil, o Governo Federal, através do programa Biblioteca na Escola, reconhece a potencialidade real da utilização das histórias em quadrinhos como ferramenta pedagógica, pois distribui obras desse gênero para as escolas públicas em todo o território nacional. A utilização das histórias em quadrinhos baseadas em clássicos literários configuram uma visão já construída e adaptada, sendo essa capaz de direcionar o ato da leitura. Esse enfoque requer do professor um vasto conhecimento da obra original para que o trabalho dentro da sala de aula seja proveitoso e significativo, como versa Castro (2012, p.23): “as adaptações das histórias em quadrinhos auxiliam o trabalho docente a estimular os discentes no gosto pela leitura”. Como elucidado por Solé (2006), o lúdico tem papel fundamental na formação do novo leitor e do gosto pela leitura. As HQs apresentam uma formatação atrativa, tendo em vista que o seu sistema de relação simbólica propicia maior interação. Por meio dos estudos postulados por Pina (2012), vemos que as histórias em quadrinhos permitem aos leitores em formação, que não possuem um vocabulário variado, que se identifiquem com a mensagem do texto. Os personagens e suas ações estão expressas de maneira que facilitam a interpretação. Assim, o papel do docente se faz fundamental para que o estudo e utilização das histórias em quadrinhos não sejam empobrecidos. Todo o seu potencial artístico e cultural deve ser explorado, bem como os enfoques comunicacionais da linguagem desse gênero,

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construindo interpretação do texto e contexto, não explorando apenas questões meramente gramaticais. Nesse enfoque, Batista (2012) apresenta as histórias em quadrinhos como um instrumento capaz de melhorar a habilidade de leitura e escrita, fornecendo um arcabouço para que o estudante pense sobre todo material escrito que o rodeia. Dessa forma, a HQ pode e deve ser utilizada como texto e pré-texto dentro da sala de aula, pois a mesma autora afirma que O texto dentro das histórias em quadrinhos constitui um todo unificante e coerente dentro de uma determinada situação discursiva linear. Podendo também ser vista como pré-texto, pois pode fazer parte de todo material didático objetivo e concreto que o aluno tenha em mãos. Já no enfoque de pretexto as histórias em quadrinhos funcionam como instrumento motivacional pois estimulamos de forma criativa o ato de ler e escrever (BATISTA, 2012, p. 15). Ainda Batista (2012) mostra que os quadrinhos são fundamentais não só para a introdução a um determinado tema, mas esses sim devem e podem ser utilizados como ferramenta elementar para o trabalho em sala de aula, pois as relações semióticas entre imagem e texto facilitam a construção dos conceitos desejados pelo professor. Sobre essa relação semiótica, Nepomuceno versa que É importante ressaltar que o texto constituído por duas semióticas – linguagem verbal e visual – apela não apenas para a concepção da abordagem cognitiva da lingua-

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gem, mas também para um processamento mais amplo. O interlocutor precisa acessar outros conhecimentos que a língua apenas não consegue abarcar: aqueles representados pela linguagem pictórica. A orientação parte da superestrutura, quase sempre aparece no primeiro quadro, atuando cooperativamente para que isso aconteça, ou seja, é pelo traço que nos orientamos em direção aos acontecimentos da narrativa (NEPOMUCENO, 2005, p. 66). De maneira que percebemos a importância da HQ, pois despertamos não apenas o processo de leitura e interpretação pelo texto e imagem, ativando sim o conhecimento enciclopédico do aluno, podendo afirmar que o aluno terá necessidade de interpretar todos os aspectos simbólicos/gráficos trazidos pela história em quadrinhos. É importante perceber a significância dos signos linguísticos para a construção de um novo conceito, como afirma Moreira: O desenvolvimento dos processos mentais superiores depende de descontextualização e a linguagem serve muito bem para isso na medida em que o individuo faz uso de signos linguísticos, permite que este se aproxime de um contexto concreto. O domínio da linguagem abstrata, flexibiliza o pensamento conceitual (MOREIRA, 2011, p. 94). Com a finalidade de promover a significância concreta para o estudante, a HQ apresenta uma roupagem capaz de promover a aprendizagem significativa através da linguagem não somente para

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o ensino da literatura, mas de outras ciências. Esse gênero textual apresenta relações de sentido internas ao texto e de que mundos são construídos pela linguagem. Discini (2011, p.248) afirma que “há linearidade inerente ao signo verbal, pois uma palavra é lida após a outra, as sílabas são lidas uma após a outra, o que não ocorre no texto visual que se isenta da obrigatoriedade da leitura linear.” De maneira que o despertar lúdico é uma constante quando se utiliza o recurso das histórias em quadrinhos na sala de aula. Um outro fator de grande relevância para se fazer uso das histórias em quadrinhos como instrumento pedagógico e ferramenta para despertar novos leitores é a ‘iconização de figuras’ que garante maior compreensão do pensamento e sentimentos dos personagens do texto, construindo um maior significado para o leitor em formação. Ainda em Discini é possível compreender que: “a figura pode representar o mundo por meio de personagens que, se em ação desencadeada em situações concretas, se transformam, subsidiam narrações.” (DISCINI, 2011, p. 267). Nesse contexto, é muito mais fácil para o leitor em formação materializar a cena proposta pelo autor, tendo em vista que os clássicos literários narram uma realidade que não é mais vigente. Retratos simbólicos como roupas e o próprio meio ambiente cultural que está relacionado ao comportamento e hábitos de uma determinada época onde se passa a história são construídos com os HQs. É possível perceber essa premissa quando comparamos o texto original de Memórias póstuma de Brás Cubas (Machado de Assis) com a versão quadrinizada:

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Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo (ASSIS, 1880, p. 2).

Figura 1: frame extraído da versão quadrinizada da obra Memórias póstumas de Brás Cubas

Na imagem, notam-se traços de uma época retratados claramente, criando maior significado, trazendo aspectos simbólicos

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hoje não mais presentes na cultura contemporânea, garantindo maior contato com o universo. É clara a morte do personagem, pois o tratamento da imagem remonta o ‘espirito personagem’ que vaga e conta sua própria história ao leitor, garantindo maior interação e poder interpretativo. Extraindo outra parte do texto original, percebe-se comparativamente a tradução intersemiótica: Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia — peneirava uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa idéia no discurso que proferiu à beira de minha cova: — “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à Natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.” Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. (ASSIS, 1880, p. 4)

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Figura 2: conjunto de frames extraídos da versão quadrinizada de Memórias póstumas de Brás Cubas

É facilmente perceptível a recriação dos símbolos (a chuva, os amigos e o velório), propostos na obra original, garantindo ao leitor que se encontra em formação uma construção mais real do enredo proposto pelo autor, gerando a idealização da realidade literária. Retirando e analisando um fragmento do conto de Machado de Assis A cartomante percebem-se os mesmos aspectos recriados claramente. As emoções dos personagens expressas por meio do gráfico da história em quadrinhos, bem como a realidade da época da história, que se passa em 1869, por meio das vestimentas e criação do cenário. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras. — Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada.

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Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: “A senhora gosta de uma pessoa...” Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade... — Errou! interrompeu Camilo, rindo. (ASSIS. 1884, p. 1)

Figura 3: frame extraído da versão quadrinizada do conto A cartomante, de Machado de Assis

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Torna-se evidente a presença do significante em termos semióticos, pois a linguagem corporal expressa pelos personagens atrelada à representação textual por meio dos balões amplia a interpretação do leitor em formação, carregando os significados para o mesmo, dando margem a uma maior significância do sentido global da obra. Em outro fragmento textual da mesma obra, também é possível observar que as expressões dos personagens se colocam claras ao leitor, o contexto da época é recriado através das imagens, não limitando o interlocutor no poder da interpretação, uma vez que os jovens contemporâneos não possuem (na maioria dos casos) referências para a construção do universo ficcional proposto pelo autor da obra. Vejamos a seguir: Onde é a casa? — Aqui perto, na Rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca. Camilo riu outra vez: — Tu crês deveras nessas cousas? perguntou-lhe. Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muita cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranqüila e satisfeita. Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões. (ASSIS. 1884, p. 8)

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Figura 4: frame extraído da versão quadrinizada do conto A cartomante, de Machado de Assis. Onde é possível perceber a criação do meio ambiente cultural da época proposta na obra

Nas Figuras de 1 a 4 é possível perceber que o enquadramento e a forma como são trabalhados os elementos dispostos no texto literário se fazem mais palpáveis. Os detalhes das emoções sentidas pelos personagens são uma constante, expressas por meio dos enquadramentos dando maior sentido. Nesse aspecto, o câmbio

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da emoção representada de forma escrita é evidente para a forma imagética que por sua vez torna o texto bem mais simples de ser compreendido, ganhando uma nova roupagem. A personificação por meio das imagens é bem mais convidativa ao leitor em formação, sabendo que as novas gerações se sentem bem mais atraídas por essas representações, o jogo de relações entre luz e sombra e importância das cenas é inteligível pelo tamanho dos frames. Nota-se então uma perspectiva de maior valoração de determinados momentos da obra por meio do tamanho das cenas expostas. É possível perceber algumas semelhanças textuais nas falas dos personagens que por sua vez encontramos tanto no texto literário original quanto na nova versão da obra quadrinizada. Os aspectos em comum são altamente importantes, pois se busca o máximo de fidedignidade ao produto original, porém, é inevitável a modificação, pois se trata de uma nova obra, capaz de trazer à tona elementos que o texto apenas escrito não traz. O texto de Machado de Assis encontra-se imerso em um cabedal histórico bastante complexo, apresentando um universo não mais existente, possibilitando ao interlocutor uma viagem simbólica por uma determinada época. A grande vantagem da obra quadrinizada encontra-se justamente na criação desse universo histórico e simbólico de uma época, possibilitando por meio do tratamento e interpretação imagética a criação dos ambientes, não limitando o leitor em formação no que se refere à imaginação e sim fornecendo símbolos históricos, ou seja, a tradução intersemiótica da obra por mais fidedigna que seja trará sempre mais elementos imagéticos do que puramente textuais. A criação do sentido é estruturada por meio

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dos seguintes elementos: 1) verossimilhança com o texto literário por meio da fala dos personagens nos balões; 2) recriação do universo ficcional da obra por meio dos senários, dando maior ênfase aos traços de uma determinada época; 3) a emoção dos personagens por meio dos enquadramentos possíveis através da distribuição dos frames gera no leitor a capacidade de compreensão do sentimento da personagem, valorizando a expressão; e 4) os símbolos dialogam entre si em uma sincronia única através dos aspectos da linearidade proposta pelo posicionamento dos frames, ampliando a relação entre enunciador e enunciatário, não excluindo o leitor no que se refere à relação imaginativa e sim ampliando a possibilidade interpretativa. Em Farias (2011), é possível afirmar que a HQ produz um efeito de realidade ou referência através dos símbolos, construindo claramente um contexto verossímil, levando em consideração o aspecto e a verossimilhança que está relacionada diretamente com as representações culturais de um texto valorizando as situações em um determinado contexto abordado, ou seja, é um simulacro de uma situação sociocultural, possibilitando a figurativização de uma obra que atribui traços sensoriais ao texto. Nesse enfoque é possível, à luz de Koch (2003), compreender que o texto deve ser visto como uma atividade interacional, que se constrói das mais variadas formas, sendo capaz de fornecer um determinado condicionamento para uma atividade social, levando a conjectura interpretativa, proporcionando a elaboração de estratégias cognitivas para uma melhor interpretação de conteúdos semânticos, valorizando os sentidos humanos através de dialógica relação entre interlocutor e texto.

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Trabalhar com os sentidos humanos se faz essencial para construção de uma aprendizagem significativa. Consta em Moreira (2011) que para que exista aprendizagem é necessário haver sentido e para a construção desse sentido o estudante deve ser estimulado por todos os mecanismos sensoriais para que só assim seja possível a construção do significado. Para que o trabalho com as histórias em quadrinhos possua realmente uma função de significante e significado, função primeira representada pelo uso dos balões, sinais de pontuação e em segunda função os conceitos que são expressos, deve ser elucidado para o leitor em formação que a obra em questão trata-se de uma leitura intersemiótica, e não é a obra original em si, mesmo que possua grande semelhança com a formação do meio ambiente cultural ou até mesmo o enredo. Castro (2013) apresenta a importância de tornar claro ao novo leitor que está lendo uma adaptação, e não a própria obra literária, mesmo quando a versão mantem-se fiel ao texto literário. Nesse ponto, o papel docente é fundamental, pois é quem orienta o leitor em formação, abordando que a releitura intersemiótica trata-se do reencontro da obra com uma nova estilística, linguagem e veículo de publicação. Na construção de Farias (2011) é possível compreender que para a existência do entendimento de uma história em quadrinhos, é necessário que o leitor conheça o texto fundador, isto é, o fato que tornou a HQ possível ou os textos que constituem o contexto. Porém, Castro (2013) versa que a HQ é um instrumento altamente funcional da formação do leitor, é inteligível que despertará o hábito de leitura, auxiliando na compreensão dos contextos das obras literárias clássicas.

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O grande desafio para o jovem leitor no século XXI não é apenas “resistir a tentação das mídias digitais”, pois o nosso trabalho é utilizar essas para construir o gosto e o hábito pela leitura dos clássicos, mas sim desacelerar, vivemos em uma sociedade em que tudo é rápido, prático e funcional. Os jovens devem perceber o texto literário como um escape capaz de dar vida a coisas imaginadas ou até mesmo gerar novas formas de pensar saindo apenas do nível de conteúdo e indo para a forma do texto. A percepção do texto literário como formação ética é também um grande desafio, pois parte do pressuposto de que a literatura é um extrato da realidade e do contexto sócio-histórico em que a obra foi escrita, a construção do senso ético quando analisamos uma obra e seus problemas (expostos ou não). Outro fator que não pode ser deixado de fora é a formação da autonomia intelectual: o estudante deve construir suas formas de pensar, selecionar e inferir sobre um conteúdo e o texto literário serve como base para esse processo, que abre as portas para o pensamento crítico do mundo que o cerca, não reduzindo o texto literário a uma mera representatividade verbal, mas sim uma nova perspectiva de ser articulado com a realidade local para se discutir problemas. A relação do jovem com o “objeto” livro deve também propor uma experiência única, pois a partir da leitura de uma determinada obra do cânone, ele deve recriar a obra por meio de seu contexto sócio-histórico e cultural, transpondo as barreiras da interpretação tradicional, rompendo a diáspora entre literatura e novas mídias. O jovem estudante leitor constrói uma ponte transdisciplinar entre a literatura canônica e as novas tecnologias entrecruzando, se não

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todas, grande parte das ciências aprendidas na escola, percebendo a utilidade e dinamicidade do texto. Para compreender ainda mais esse processo de ‘desaceleração’ e ressignificação do cânone literário vamos ler alguns relatos de jovens leitores. “Antes a aula de literatura era muito chata, eu passava o tempo todo no celular, mas hoje não é mais legal... Nunca imaginei poder fazer literatura e ver ela acontecer. Antes era só uns pedacinhos do texto e comentários sobre as escolas literárias.” L.B.S 2º ano do ensino médio. “Eu já tentei muitas vezes ler os livros de Machado de Assis, até lia e nunca entendia tudo assim como eu entendo hoje, consigo ver muitos aspectos que eu não via antes, um dele é o papel da mulher. E melhor ainda foi produzir minha própria historia virei autor.” J.V.B 3º ano do ensino médio. “Antes do projeto eu não lia achava chato, lento umas histórias sem pé nem cabeça que o professor colocava, eu lia por ler e sempre filava a tarefa de casa quando ele mandava as listas de questões. Agora é mais massa consigo ver como funciona e que o que agente vê no livro acontece até hoje impressionante como esses autores ainda parecem vivos quando agente olha direitinho, o que mudou foi a forma de falar” L.M.M 3º ano do ensino médio.

Percebemos assim que o texto precisa fazer sentido para ser vivo, gerar a desaceleração requerida, esta por sua vez possibilita altos níveis de percepção do nosso jovem leitor, aguçando seu senso crítico, tornando possível o cruzamento entre o texto e a realidade material vivida pelo jovem, fazendo da leitura não instrumento de respostas e

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sim mecanismo significativo capaz de traduzir e propor soluções para problemas locais por meio do pensamento crítico e senso de ética chegando a um elaborado nível de satisfação cultural. O mapa conceitual abaixo visa auxiliar a compreensão da utilização das histórias em quadrinhos como instrumento capaz de auxiliar a formação de novos leitores: Utilização de Hq’s para formação de novos leitores Justifica-se por Dificuldade na leitura dos clássicos

Estrutura da HQ

Motivos

Possui

Linguagem

Linearidade

Falta de contextualização com a realidade atual

Linguagem contextualizada com a realidade

Categorização dos currículos escolares mal elaboradas

Recursos gráficos e textuais que facilitam a interpretação

Novas interfaces textuais

Estímulo à criatividade

Figura 5: mapa conceitual que explica a utilização de HQ’s para a formação de novos leitores

Conclusão Na realidade vigente é altamente imperativa a formação de leitores capazes de compreender não apenas textos clássicos da literatura, mas sim os mais variados tipos de gêneros textuais.

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Seja por sua linguagem não usual ou pela falta de contexto com a realidade os clássicos da literatura devem estar presentes na sala de aula mas não como única alternativa para formação de novos leitores. Nessa perspectiva, as histórias em quadrinhos entram como um gênero textual capaz de formar um novo leitor, tendo em vista que nos traz vários instrumentos semióticos e esses, por sua vez, são capazes de gerar maior significado para o estudante tornando o ato da leitura um hábito, sabendo que se faz cognitivamente. Deve ser elucidada também a utilização da HQ não apenas para a formação de leitores ou criação do hábito da leitura, mas como uma ferramenta de ensino capaz de trazer à tona conceitos complexos de uma forma clara e concisa, para o estudante da nova era repleto de recursos digitais e interacionais. No entanto, a missão do professor com a empreitada formativa é de tornar inteligível a necessidade latente para o hábito da leitura, por meio de uma proposta didática dinâmica em que o estudante sinta-se autor do próprio conhecimento, não delimitando o estudo da literatura a apenas um tratado de códigos e escolas literárias, mas sim que o discente compreenda literatura como arte. Para tanto é necessário que o docente expresse sua paixão pessoal pela leitura compartilhando com os estudantes suas experiências leitoras, esse conjunto de fatores permite ao professor leitor desvendar os segredos dos textos literários junto dos alunos aprimorando as diversas formas de interpretação, refinando modelos, formas e estilos produzidos pelos autores formando leitores não apenas de texto literários mas de imagens semiológicas, indo muito além do texto se inscrevendo e se percebendo enquanto sujeito social por meio da leitura.

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Referências ASSIS, Machado de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. v. II. ASSIS, Machado de. A cartomante. Literatura brasileira em quadrinhos. São Paulo: Escala Educacional, 2008. 1º Edição. ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Literatura brasileira em quadrinhos. São Paulo: Escala Educacional, 2008. 1º Edição. BATISTA, Diva Lea da Silva. As histórias em quadrinhos como pré-texto, texto e pretexto em sala de aula. Congresso Iberoamericano de las Lenguas em la Educación y em la Cultura/IV Congreso. Salamanca, 2012. Anais... Salamanca, 2012. CASTRO, Luciana de Souza. Uso dos quadrinhos em sala de aula: as adptações de clássicos da literatura a nona arte visita os classicos. Circulo Fluminense de Estudos Filológicos e linguísticos. Revista Philologus, Ano 19, Nº 55. 2013. CUNHA, Gustavo de Araújo; Bezerra, Evânio da Costa. As historias em quadrinhos em oficinas na Universidade Federal de Uberlândia: linguagem e produção. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2012. FARIAS, Iara Rosa. Charge: humor e crítica. In: Ivã Carlos Lopes e Nilton Hernandes (orgs.). Semiótica objetos e práticas. 2. Ed. – São Paulo: Contexto, 2011. GOMES, Nataniel dos Santos; Rodrigues, Marlon Leal. Para o alto e avante. Textos sobre histórias em quadrinhos para usar em sala de aula. Curituba: Appris, 2012. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. PCN. Língua Portuguesa e Ed. Artística. 3 ed. Brasília: A secretaria, 2012. MOREIRA, Marcos Antonio. Aprendizagem significativa: a teoria e textos complementares. São Paulo: Livraria da Física, 2011. NAPOMUCENO, Terezinha. Sob a ótica dos quadrinhos: uma proposta textual-discursiva para o gênero tira. 2005. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Letras e Linguística, Uberlândia. PINA, Patrícia Kátia da Costa. Literatura em HQ: interações entre textos e leitores na contemporaneidade. Revista Semioses, 2012. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 2006.

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O jogo em foco: uma discussão sobre os games e a aprendizagem Carla Alexandre Barboza de Sousa (UFPE)

Introdução Com a crescente utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) em sala de aula, o leque de possibilidades didáticas “inovadoras” ampliou muito, e isso, normalmente, gera novas discussões, novos discursos e paradigmas. Os embates travados ao redor de temas como os jogos digitais – mídia bem representante das tecnologias digitais – em ambientes escolares, geralmente, perpassam pela temeridade do desconhecido, pelo acesso à instrumentalização e pela cultura da sociedade. Os jogos digitais ou games, como são chamados, têm sido um dos artefatos tecnológicos mais utilizados na contemporaneidade, basta olharmos para como esse mercado tem crescido e para o constante desenvolvimento de pesquisas sobre o tema. De acordo com a coluna Economia Criativa do Sebrae1, o Brasil é o quarto maior mercado do mundo no segmento de jogos digitais, com 35 milhões de usuários, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Rússia e Alemanha e movimentou

1. <http://www.sebrae2014.com.br/Sebrae2014/Alertas/Brasil-tem-o-maiormercado-de-games-no-mundo-em-2012#.UyJGHj9dVcl>.

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R$ 5,3 bilhões em 2012; um crescimento de 32% em relação a 2011 (SEBRAE, 2014). Todo esse consumo no Brasil resulta no interesse de diversos segmentos da sociedade, inclusive o da educação. Dados como esses nos fazem pensar sobre o tempo que os nossos jovens passam “se divertindo” em frente à tela, seja essa do tablet, do smartphone, da TV ou do computador. Um estudo realizado pelo GEDIGames2 e financiado pelo BNDS3 mostra que dos 80 milhões de internautas no país, 61 milhões jogam algum tipo de jogo. Desses jogadores, 67% utilizam consoles, e 42% computadores pessoais, especialmente para jogos online. Os jogadores online gastam mais tempo do que os que utilizam console: em média 5h14 min por dia, contra 3h22 min dos que jogam através de consoles de mesa e portáteis. Ou seja, em qualquer modalidade, é um tempo bem superior ao que os jovens passam lendo um livro ou fazendo uma pesquisa escolar diariamente. Os games adentraram as salas de aula, principalmente porque os jovens passam muito do seu tempo jogando e são muito motivados a fazê-lo pelo próprio jogo. No entanto, questiona-se muito sobre a contribuição deles no processo de aprendizagem dos estudantes. É exatamente nessa discussão que este artigo pretende contribuir, propondo uma discussão que passa, primeiramente, pelas principais semelhanças e diferenças entre a escola e os games, no que

2. Grupo de Estudo e Desenvolvimento da Indústria dos Games. Site: www.gedigames.com.br 3. http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Galerias/Arquivos/ conhecimento/seminario/seminario_mapeamento_industria_games042014_ Relatorio_Final.pdf Acesso em 19 de Out. 2014.

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concerne à cultura e à conceitualização dos games. Depois, discute as principais teorias da aprendizagem e as concepções de jogos em cada uma delas, para posteriormente apresentar uma discussão acerca da aprendizagem baseada em jogos digitais.

A di(con)vergência entre a escola e os games: uma reflexão sobre papéis Na escola, há muitas crianças e jovens e os games atraem muitas crianças e jovens. Eis que surge a primeira convergência: a audiência. E essa também leva à primeira divergência: na escola o centro é o ensino, enquanto que nos games o centro é a experiência, ou seja, foco na audiência. O ensino arraigado em velhas práticas não leva em consideração muitos aspectos importantes para os aprendizes de hoje em dia. E a partir daí são várias divergências. Pode-se imaginar que a aprendizagem está relacionada aos aprendizes. Contudo para muitos educadores, a aprendizagem e o ensino formal não têm relação com o aluno, mas sim com o conteúdo. O que importa é “o que“ ensinar, em vez de “como“ e “por quê“. A maior parte do discurso educacional ouvido na sociedade, nas escolas e nas empresas está centrada no que ensinar – conhecido como currículo – em vez de como aprender. O que quero dizer com “aprendizagem centrada no conteúdo“ é o tratamento dispensado aos alunos como se fossem, nas palavras de Luyen Chou, “receptáculos de conhecimentos que lhes são entulhados, seja por um professor, seja por um computador“ (PRENSKY, 2012, p. 104).

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O jogo está diretamente ligado à diversão, ao lazer e ao entretenimento, e a escola, por sua vez, está culturalmente ligada à tarefa, à obrigação e ao controle. Ou seja, por essa visão, são dicotômicos (divergentes), e mesmo quando os jogos, mesmo sem serem os digitais, adentravam as aulas, eram enfatizados principalmente na perspectiva de trabalho em grupo, passatempo, afetividade, ludicidade e no desenvolvimento de algumas habilidades específicas. E esses aspectos não eram, no passado, objetivos da escola – mais uma divergência. No entanto, a escola vem num processo de transformação de paradigmas em relação à construção de conhecimento, que hoje passa a incluir todos esses aspectos que os jogos sempre permitiram (convergência). Perrenoud (2000) nos propõe a transformação da sala de aula num espaço criativo, em que as competências de competição, colaboração e cooperação são enfatizadas no ensino; e a utilização dos jogos facilita trabalhos dessa natureza, que envolvem competências, colaboração e cooperação (GEE, 2009). Por outro lado, a cultura digital, já consolidada no mundo, nos permite pensar e repensar as formas nas quais as tecnologias se fazem presentes no cotidiano da sociedade. Essas mesmas tecnologias não são postas em xeque quando limitadas a técnicas ou quando são apenas meio de se fazer algo; ou quando é um simples ponto de vista que enfatiza a parte material e artificial dos fenômenos humanos (LÉVY, 2010); a exemplo de seu uso na medicina ou em instituições financeiras. No entanto, quando envolvemos o fator humano como indissociável da relação estabelecida entre a tecnologia, a sociedade e a cultura, reiteramos que questionamentos são feitos acerca de artefatos eficazes, de pessoas, seus laços, suas trocas e de dinâmicas representadas.

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As verdadeiras relações, portanto, não são criadas entre “a” tecnologia (que seria da ordem da causa) e “a” cultura (que sofreria os efeitos), mas sim entre um grande número de atores humanos que inventam, produzem, utilizam e interpretam de diferentes formas as técnicas (LÉVY, 2010, p. 23). Não nos admira que haja mudanças nas formas de pensar e aprender entre a geração atual e a passada. Entre as muitas diferenças que nos fazem refletir sobre a nossa audiência nas salas de aula, podemos citar: 1. Velocidade twitch4 versus velocidade convencional; 2. Processamento paralelo versus processamento linear; 3. Primeiro os gráficos versus primeiro os textos; 4. Acesso aleatório versus passo a passo; 5. Conectado versus autônomo; 6. Ativo versus passivo; 7. Brincar versus trabalhar; 8. Recompensa versus paciência; 9. Fantasia versus realidade; 10. Tecnologia como amiga versus tecnologia como inimiga. (PRENSKY, 2012, p. 83).

4. Numa tradução livre o termo twitch significa, neste contexto, uma maior velocidade e capacidade de processar as informações.

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Percebemos que as mudanças que ocorrem nos espaços da escola relativas aos arranjos sociais acontecem de forma muito lenta quando comparadas às mudanças de arranjos em outros espaços da sociedade. Isso reforça o estereótipo de que a escola “castra” o poder criativo e imersivo dos estudantes. E o professor, como membro ativo dessa comunidade, cedo ou tarde, terá que assumir – refletir – transformar o seu papel nesse cenário que pede mudanças qualitativas nos processos de aprendizagem5 . A principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento. O professor torna-se um animador da inteligência coletiva dos grupos que estão ao seu encargo. Sua atividade será centrada no acompanhamento e na gestão das aprendizagens: o incitamento à troca dos saberes, a mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada dos percursos de aprendizagem etc. (LÉVY, 2010, p. 173).

5. Existem alguns casos de sucesso que ecoam no mundo inteiro, como a Escola da Ponte, em Portugal www.escoladaponte.pt, que em seu documento de princípios fundadores coloca que a Escola não é uma mera soma de parceiros hieraticamente justapostos, recursos quase sempre precários e atividades ritualizadas – é uma formação social em interação com o meio envolvente e outras formações sociais, em que permanentemente convergem processos de mudança desejada e refletida (p.1). Outro caso mundialmente difundido é a Quest to Learn em Nova Iorque <q2l. org>, que tem seu currículo fundamentado nos games. No Brasil, temos o exemplo das escolas NAVE (Núcleo Avançado de Educação), com sedes em Recife e no Rio de Janeiro; ambas trabalham com a perspectiva tecnológica (de programação e design) nos seus currículos www.oifuturo.org.br/educacao/nave.

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Mesmo com excelentes exemplos a serem seguidos, muitas vezes, na escola, há muitos entraves e inseguranças nas mudanças. Ademais, os outros espaços de aprendizagem estão tão livremente acolhidos pela sociedade, quase sempre sem cobranças e atentos à cultura e às necessidades que emergem dessa mesma sociedade, que conseguem se adequar e se reinventar sem culpa.

Tela inicial: jogo, jogo digital e jogo educativo aperte enter para entrar O jogo pode abarcar diversos significados e sentidos dependendo do contexto, já que o jogar ultrapassa a materialidade e a racionalidade, pois, há coisas em jogo que transcendem uma necessidade real (HUIZINGA, 2000). Joan Huizinga, em sua obra Homo Ludens, faz um tratado filosófico bastante elucidador, no sentido de nos colocar o jogo como fenômeno cultural e histórico a partir da ludicidade, esta não só experienciada pelo homem, o filósofo cita também os animais quando a diversão e o brincar aparecem. Desde já encontramos aqui um aspecto muito importante: mesmo em suas formas mais simples, ao nível animal, o jogo é mais que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico. Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica. É uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. Não se explica nada chamado “instinto” ao princípio ativo que constitui a essência do 307


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jogo; chamar-lhe “espírito” ou “vontade” seria dizer demasiado. Seja qual for a maneira como o considerem, o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a presença de um elemento não material em sua própria essência (HUIZINGA, 2000, p.5). Como a ação de “jogar” é inerente ao ser humano e fazemos isso o tempo todo, é muito interessante pensar que os muitos significados da palavra jogo não cabem dentro da própria palavra: pode ser uma linguagem, uma ação ou uma troca de olhares por exemplo. As grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são, desde início, inteiramente marcadas pelo jogo. Como por exemplo, no caso da linguagem, esse primeiro e supremo instrumento que o homem forjou a fim de comunicar, ensinar e comandar. É a linguagem que lhe permite distinguir as coisas, defini-las e constatá-las (...) e a sociedade oferece atividades que podem ser vistas com intervenções educacionais precoces: jogos, playgrounds, que têm a função de enriquecer o ambiente e facilitar o desenvolvimento da criança. Nesses contextos, ela busca ativamente a informação, realizando atividades que contribuem para a construção do seu conhecimento (HUIZINGA, 2000, p. 87). Esse autor aborda o conceito de jogos enquanto cultura, e mesmo sabendo que a obra Homo Ludens não é contemporânea aos games, empresta-nos o pensamento e os saberes para compreendermos a evolução do jogo, e a ação de jogar nos jogos digitais. Huizinga (2000) nos coloca que o jogo sempre cumpre o papel de

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representar alguma coisa e de promover a luta por alguma coisa, ou seja, confere um “sentido” à própria ação de jogar, sentido esse que é individual e intransferível. Diante de tais balizamentos, elencamos com base nesse autor alguns fatores básicos para classificarmos um jogo como tal:

Esquema 1. Características básicas de um jogo Fonte: Huizinga (2000)

No que se refere à produção ou até mesmo na escolha de jogos, é bastante importante a conceitualização a partir das características básicas, visto que muitas vezes chamamos algo de jogo sem o ser, principalmente no que diz respeito aos jogos digitais voltados à educação. E depois da elucidação acerca das características, o conceito de jogo é apresentado pelo filósofo: O jogo é uma atividade voluntária realizada dentro de alguns limites de tempo e espaço, através de regras livremente consentidas, porém, obrigatórias, dotadas

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de um fim em si mesmo, guiadas por sentimentos de tensão, alegria e de uma consciência, de ser diferente da vida cotidiana (HUIZINGA, 2000, p. 24). Para outros teóricos como Salen & Zimmerman (2004), jogo é “um sistema no qual o jogador se engaja em um conflito artificial, definido por regras, que terminam em um resultado que pode ser quantificado”. Enquanto que para Prensky (2012) um jogo para ser jogo deve estar estruturado em seis fatores: 1. Regras – são elas que diferenciam o jogo de outra brincadeira; é uma brincadeira organizada, mostram o que é permitido e o que não é; 2. Metas ou objetivos – também diferenciam os jogos das outras formas de brincar. Em um jogo, atingir os objetivos contribui e muito para a motivação. As metas são a força que nos faz chegar lá e vencer; 3. Resultados e feedback – são as formas de medir o progresso em relação às metas. O feedback vem quando algo muda no jogo em resposta a suas ações. É a partir do feedback que a aprendizagem acontece; 4. Conflito/competição/desafio/oposição – são os problemas que os jogadores tentam resolver. É o que faz circular a adrenalina e a criatividade e o que faz ter a vontade de jogar; 5. Interação – apresenta dois aspectos importantes: primeiro a interação do jogador com o computador, o segundo é o aspecto social dos jogos – eles são jogados com outras pessoas. (...) o brincar promove

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a formação de grupos sociais. Embora seja possível jogar sozinho, é bem mais divertido jogar com os outros; 6. Representação ou enredo – quer dizer que o jogo tem um significado, que pode ser abstrato ou concreto, direto ou indireto. O xadrez é sobre um conflito. O tetris envolve a construção e o reconhecimento de formas. Age of Empires tem que ver com a história da arte da guerra (p. 173). Prensky, apesar de discutir os jogos em seu sentido mais amplo, mantém o foco nos jogos digitais. Todos os jogos digitais se encaixam, ou deveriam, nas definições de jogo de Huizinga, mas nem todo jogo pode ser classificado como digital, pois esse tem algumas especificidades, ramificações e características próprias. Além de possuir as características descritas dos jogos, entendemos que o jogo digital é um tipo de jogo desenvolvido através de programação de computador, com interface interativa, voltada para ações de um ou mais usuários em diversos tipos de suporte6; os suportes podem nos revelar o estado da sociedade atual no que se refere à cultura

6. A definição de suporte, segundo Marcuschi (2008), “é um lócus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou de ambiente de fixação do gênero materializado como texto” (p. 174). Com essa definição emprestada da Linguística cabe muito bem a discussão de que podemos pensar que isso também se aplica aos jogos. Visto que muitos aspectos dos games serão identificados a partir do seu suporte, por exemplo, o conteúdo de um jogo pode não mudar, mas a jogabilidade, a interface mudam de acordo com a tela, seja essa de um tablet, de um smartphone ou de um PC, ou seja, em muitos casos, o suporte influenciará a experiência do jogador com o game.

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e à tecnologia. A história dos jogos digitais é relativamente recente comparada aos outros jogos. Huizinga atesta que os jogos são mais antigos que a sociedade, mas com os games essa história tem por volta de 50 anos. Entre a década de 60 e os meados da década de 70 temos o marco da origem da história dos videogames7. Assumimos que os jogos digitais, apesar de poderem ser considerados como dispositivos não humanos, com a apropriação do conceito de Tureta (2011), são concebidos, ao nosso entendimento, como mediadores produzidos na cultura contemporânea que desempenham um papel de interface entre a linguagem docente e escolar e as práticas discursivas da juventude atual. O foco do nosso estudo são os jogos do tipo digital, ou seja, os games. Quando começamos a problematizar esse estudo, perguntamo-nos por que os games têm atraído tanto os jovens, e qual a principal diferença entre um jogo analógico e um digital. Prensky (2012) coloca que uma das principais diferenças entre jogos e jogos digitais é que o computador aprimora a experiência do jogar: O computador cumpre bem esse papel, tomando conta de todas aquelas regras e detalhezinhos chatos, liberando o jogador para aproveitar mais a experiência do jogo.

7. Até aqui utilizamos as palavras jogos eletrônicos, videogames, games e jogos digitais como sinônimas, pois entendemos que todas têm muitos elementos em comum e pertencem à mesma “família”, se assim podemos dizer, essa família traz o computador como elemento comum; são jogos feitos por programação. No entanto, a palavra “videogame” ficou mais difundida pelo uso dos consoles, enquanto que “games” e “jogos digitais” eram utilizadas quando o suporte era algum dispositivo computacional, como PCs, tablets e celulares.

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(...) Por que tantas pessoas preferem os jogos digitais? (...) • Costumam ser mais rápidos e apresentar mais reações; • Conseguem fazer coisas mais divertidas que os outros jogos não conseguem, como simular as propriedades físicas de atirar no espaço, combinar fatores de pilotar um avião ou até considerar as milhares de possibilidades em quebra-cabeças ou cursos estratégicos; • Conseguem suportar mais e melhor representações gráficas; • Podem ser jogados contra pessoas reais, mas se não houver nenhuma disponível, joga-se contra a inteligência artificial; • Podem lidar com um número infinito de conteúdos e cenários; • Podem ser atualizados instantaneamente (...). (PRENSKY, 2012, p. 185). Dentro da categoria jogo digital ou jogo de computador há uma imensa variedade de gêneros8. Faremos um quadro para expor, de forma resumida, os principais gêneros dos games com base em Prensky (2012), que nos coloca que “atualmente, reconhece-se que os jogos de computador podem ser classificados em oito ‘gêneros‘ que geralmente se sobrepõem” (p. 186).

8. Aqui, os gêneros são tidos como características marcantes dos jogos que levam também em consideração o formato de apresentação deles.

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Gênero

Descrição

Exemplos

Jogos de Ação

Essa categoria inclui jogos no estilo side scroller – em que os personagens são vistos de lado, movendo-se da esquerda para a direita. Jogos do tipo labirinto, plataforma e de tiro pertencem a esse gênero.

GTA

Jogos de Aventura

São aqueles que nos quais se explora o mundo, pegam-se objetos e solucionam-se problemas.

Zelda

Jogos de Esporte

É a única categoria em que o conteúdo, e não o jogo em si, é um fator determinante. A maior parte é formada por jogos de ação em que é possível controlar um ou mais jogadores.

Fifa

Jogos de estratégia

O jogador é responsável por algo grande no jogo, fazendo evoluir da forma que lhe aprouver.

Civilization

Jogos de luta

Dois personagens, selecionados a partir de um conjunto de centenas, travam uma batalha entre si até que um deles seja destruído.

Mortal Kombat, Street Fighter.

Quebra-cabeças

São problemas que precisam ser resolvidos.

Tetris, Devil Dice

Role-playing games RPG

A maioria apresenta imagens medievais e envolve tarefas de busca (quests), para salvar alguém ou alguma coisa.

Ultima, EverQuest

Jogos de simulação

São aquele em que se constroem máquinas e/ ou mundos

Sim City, The Sims

Tabela 1: principais gêneros de jogos Fonte: Huizinga (2000)

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Com base nas características que apresentamos acerca de jogo e das especificidades sobre um game, uma simples análise de vários jogos digitais tidos como educativos nos mostram a ausência das várias características básicas para nomear um jogo como tal. Ou seja, não são jogos, poderíamos nomear, apenas, de atividades lúdicas interativas. Mesmo os que se enquadram como games não conseguem “competir” com os jogos comerciais em seus cenários 3D, que além de possuírem uma narrativa tão imersiva, conseguem prender a atenção dos alunos (ARRUDA, 2011). Os jogos digitais educativos esgotam-se facilmente quando a questão é ser atrativos às crianças e aos jovens, por isso não é difícil encontrarmos os jogos “comerciais” ou “não educativos” atuando em sala de aula, como é o caso do Age of Empire para o trabalho com a disciplina de história9, ou o SimCity que foi um dos jogos não educativos mais utilizados em sala de aula para ajudar os alunos a resolverem problemas e fazerem planejamento (MENDES; GRANDO, 2008). O fato de termos jogos comerciais auxiliando os alunos em sala não os fazem ser jogos da categoria “educativos“, como o caso do SimCity, por exemplo, mas poderíamos nomeá-los de educacionais nesse contexto de escola, de sala de aula especificamente. Porque apesar de estas palavras parecerem sinônimas educativo e educacional, nessa proposta de conceitualização adquirem outros sentidos e vamos mostrar o porquê. A palavra “educativo” – adjetivo formado pelo verbo educar + sufixo ivo, que significa modo de ser –, confere

9. Tese de Doutorado de Eucídio Pimenta Arruda que foi publicada como livro em 2011 pela Editora Alínea.

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o sentido de: modo de educar, de instruir alguém. Enquanto que a palavra educacional, também adjetivo formado pelo substantivo educação + al, tem uma conotação mais ampla que significa relativo a, por exemplo: pessoal – relativo a pessoas; institucional – relativo à instituição; educacional – relativo à educação, sem focar no modo como isso deve ser feito. Dessa forma, um jogo tido como educativo tem por finalidade um modo de instruir, de ensinar algo a alguém; enquanto que um jogo educacional não; ele não tem como papel ensinar alguma coisa, mas poderia ser utilizado para tal. Isso justificaria os jogos que não são educativos nas salas de aula, auxiliando nos processos de aprendizagem dos alunos com mais engajamento, ludicidade e motivação. Em suma, os jogos educacionais não teriam o papel de ensinar algum conteúdo específico, enquanto os jogos educativos trazem essa premissa. Há ainda os jogos conversacionais10 que promovem diálogos sobre os conceitos e conteúdos nas salas de aulas a partir de suas representações11. Um jogo pode ser conversacional mesmo que educacional ou educativo, no caso, a classificação de conversacional não é excludente pelo nosso entendimento. De qualquer forma, um jogo para ser classificado como conversacional deve, no mínimo, levar em consideração o usuário para conseguir provocar uma discussão para além da tela do jogo. E essa consideração pelo

10. Conhecemos esse termo com o professor Luciano Meira e na leitura Re-Design narrativo – imersão temática em jogos conversacionais. 11. A OJE, Olimpíada de Jogos Digitais e Educação, uma Olimpíada de conhecimentos que utiliza jogos em rede para a sua competição, utiliza o modelo de Jogos conversacionais em sua rede.

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usuário envolve todas as características que um jogo deve ter para assim ser classificado.

As teorias na escola - breve entendimento acerca das teorias da psicologia e suas aplicações à Educação Há muitas linhas pedagógicas direcionando as práticas didáticas no que diz respeito às concepções de ensino-aprendizagem, todas ancoradas em abordagens teóricas relacionadas à psicologia da educação; essa discussão focará em três dessas linhas, por considerarmos que são as mais difundidas: uma tradicional, calcada no gestaltismo e no behaviorismo, outra construtivista, com base na psicogenética de Piaget e a terceira, a sociointeracionista, abarcada em Vigotsky. As concepções de conhecimento, ensino/aprendizagem, papel do professor e do aluno, bem como as atividades didáticas e o tratamento do erro são bem distintas entre essas três linhas pedagógicas. Tentaremos situar essas concepções para fazer as devidas relações com os games, e com a situação da sala de aula em que tanto os alunos quanto os professor atuam como protagonistas nos usos de tal artefato.

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A gestalt e o behaviorismo - alicerces de uma pedagogia tradicional A psicologia de gestalt e o behaviorismo são as principais correntes de pensamento que ancoram a linha pedagógica tradicional. Estudando os nomes principais da gestalt – Kohler (1978) – e do behaviorismo – Skinner (2003) – chegamos à conclusão que essas correntes influenciam de formas distintas a linha pedagógica tradicional, pois elas têm raízes epistemológicas completamente diferentes, praticamente opostas. E nos perguntamos como podem ser tão diferentes e confluírem para os mesmos resultados, já que conseguimos enxergar que o resultado da influência de ambas é similar; ou quando não, conseguimos enxergar que há uma “mistura“ delas nas práticas didáticas. E podemos confirmar nas palavras de Giusta (2013): (...) referidas práticas se debatem entre as duas concepções de aprendizagem apresentadas, sendo muitas vezes, difícil identificar se o ensino está fundado em uma teoria ou noutra. A razão disso nos parece óbvia: ambas as abordagens conduzem ao mesmo resultado e às práticas pedagógicas equivalentes (p. 25). O behaviorismo tem em Pavlov e Watson suas primeiras associações, mas é com Skinner (2003) que o behaviorismo ascende na educação. Para essa corrente, o pensamento é algo objetivo, ou ao menos se entende dessa forma por ser a única possível de se observar; a aprendizagem é operacionalizada e medida com o desempenho da atividade aprendida e confunde o conhecimento

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adquirido com o processo de aprendizagem e a resposta com base no conhecimento adquirido (BRITO; GARCIA, 2005). No behaviorismo, leva-se o aluno a apresentar respostas certas, obter notas altas e repetir o que o professor ensina. É fato que para a linha da pedagogia tradicional, o ensino é supervalorizado, pois através dele transmitem-se as informações, quase sempre, pela exposição verbal e pela prática de exercícios; a (re)passagem de conteúdos faz parte desse processo de ensino, que visa à preparação moral e intelectual de um determinado modelo, moldando os comportamentos dos alunos. Toda essa prática sempre foi valorizada e ainda perdura hoje, não estamos dizendo que ela não funciona, mas não há como negar que ela subestima a capacidade intelectual do indivíduo em favor apenas da memorização, muito importante para o processo de aprendizagem, mas não podemos achar que a aprendizagem é limitada apenas aos processos de memória. Para essa corrente, o conhecimento é resultado de uma ampla carga de informações, sistematizadas pelo professor e consolidada pelos estudantes; é uma das principais cristalizações da escola. O aluno é visto como mero receptor de informações, já que é considerado um ser sem experiência. Isso pode ser justificado com base em que, para o behaviorismo, os processos internos – que não podem ser medidos – são reduzidos ou mensurados como padrões de comportamento, e esses são gerados a partir dos estímulos-respostas; conseguimos ver como isso reverbera na forma de como a aprendizagem do aluno, na linha tradicional, pode ser, simplesmente, reduzida ou medida por uma nota alta. E essa nota seria, para o behaviorismo, o reforço positivo;

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o problema disso é que muito “se estuda” para ter apenas essa recompensa (a nota), sem se importar com todo caminho percorrido. Uma “causa“ vem a ser uma mudança em uma variável “independente“, e um “efeito“ uma mudança em uma variável “dependente“. A antiga relação de causa e efeito transforma-se em uma relação funcional. (...) Descobrindo e analisando essas causas poderemos prever o comportamento; poderemos controlar o comportamento na medida que o possamos manipular (SKINNER, 2003, p. 24). Para Skinner (2003), estímulo-resposta-reforço é o trio necessário, ou como o próprio Skinner diz, é a tríplice contingência e está imbricada de significações entre si, que possibilita o controle prático do comportamento. É, como um todo, a busca pela ciência do comportamento, dos fenômenos controlados e observáveis. E que por isso, o behaviorismo é colocado, para muitos autores, como materialista: A meta do behaviorismo sempre foi a construção de uma psicologia “científica”, livre da introspecção e fundada numa metodologia “materialista” que lhe garantisse a objetividade das ciências da natureza. A objetividade perseguida pelo behaviorismo é a mesma do positivismo em geral e, por isso, termos como consciência, inconsciente e similares banidos da linguagem psicológica. A Psicologia vem definida como a “ciência do comportamento” (observável) e o comportamento é entendido como produto das pressões do ambiente, significando

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o conjunto de reações a estímulos, reações essas que podem ser medidas, previstas e controladas. Nessa via de interpretação, ganha sentido a definição de aprendizagem como “mudança de comportamento resultante do treino ou da experiência” (GIUSTA, 2013, p. 22). Então, retomando o que pontuamos anteriormente: que o behaviorismo difere do gestaltismo, mas confluem para os mesmos resultados na educação: a começar, para os gestaltistas, o pensamento era um fenômeno produtivo e inédito, no qual a solução de um problema é encontrada quando, de forma súbita, eu disse súbita, se produz uma reestruturação da percepção, de modo que a relação entre os elementos adquire novos significados em função da nova percepção da totalidade através de insights12 (KOHLER, 1978). Ou seja, privilegia a razão e as estruturas pré-formadas do sujeito. Com isso, a experiência também é deixada de lado e o conhecimento é visto como inerente ao ser humano, independente da experiência vivida. Giusta (2013) muito nos elucida acerca dessas diferenciações entre o gestaltismo e o behaviorismo, quando nos aponta que “se a unilateralidade do positivismo consiste em desprezar a ação do sujeito sobre o objeto, a do racionalismo consiste em desprezar a ação do objeto sobre o sujeito” (p.24). Para isso ser verdade, tomamos o termo positivismo como sendo equivalente a behaviorismo

12. Insight, para os gestaltistas, “se refere a quando se toma consciência de uma relação, qualquer relação, ela não é experimentada como fato em si mesmo, mas, antes, como algo que se conclui das características dos objetos que estão sendo considerados” (KOHLER, p. 154).

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e racionalismo como sendo equivalente ao gestaltismo. Ademais, pensando nos games, não conseguiríamos desprezar ambas as ações: do sujeito sobre o objeto (o game) e o inverso, pois a ação do sujeito num determinado objeto é modificadora do próprio sujeito. No entanto, não é difícil encontrarmos características behavioristas nos games, tais como reforço positivo e negativo – representados como bônus, power ups, adversários e perda de “vida” no jogo. Entretanto, essas já são práticas cristalizadas como sendo de game design13 e além dessas, que são práticas comuns a todos os jogos, encontramos nos jogos digitais do tipo educativo uma maior frequência de outras características behaviorista, com isso as possibilidades de aprendizagem em jogos que seguem essa linha são reduzidas, pois se limitam à repetição instrucional da máquina, gerando uma resposta certa que equivale a uma resposta quase automática. No gestaltismo, entre os muitos teóricos destaca-se Kohler (1978), que claramente focou suas pesquisas nos processos intelectuais perceptivos por achar que em nenhum outro campo da psicologia os fatos seriam tão acessíveis à observação. Parece-nos que a aprendizagem, para os gestaltistas, equivale à percepção, especificamente a visual; não é à toa que a teoria de gestalt é muito estudada em cursos de artes visuais, design, além, claro, da psicologia; e também nos explica muito sobre o significado da própria palavra gestalt, que tem origem alemã e remete à totalidade da

13. O termo game design, específico da área de produção de jogos digitais, tem amplas descrições; genericamente seria o processo de definição da mecânica do jogo, assim como suas regras, disputas, pontuação, fases, obstáculos etc., enfim toda “arquitetura” do jogo.

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forma. A gestalt valoriza apenas os aspectos fisiológicos, e com isso, os aspectos que não tenham dependência de nenhum fator externo, como a sociedade e a cultura, por exemplo. A complexidade dos processos de aprendizagem, do mais simples ao mais sofisticado, não pode ser sempre observável e nem pode ser reduzida a comportamentos, assim como não pode desvalorizar a experiência, individual ou em grupo, ou reduzi-la à percepção. Quanto aos games, percebemos que esta teoria, a da gestalt, também reverbera nas práticas de game design no que diz repeito à interface gráfica e às ações que os usuários podem fazer no jogo; claro que se limitando, muitas vezes, ao processo de percepção. E um bom jogo que vislumbre auxiliar aos estudantes em sala de aula não pode ser limitado nesse sentido.

Construtivismo - a psicogenética de Piaget a favor de uma pedagogia de descobertas Sequencialmente, em contraposição ao behaviorismo, cresce o construtivismo, ancorado na psicogenética de Jean Piaget, que traz conceitualizações totalmente opostas ao seu antecessor, pois o aluno, para a linha pedagógica construtivista, deve ser questionador e criador e se forma à medida que suas estruturas mentais vão amadurecendo. Piaget busca uma teoria para explicar o desenvolvimento e a formação do conhecimento através de um processo de equilibração. Não através de uma estrutura generalizada como posta pela gestalt. Sua teoria tece um processo que conduz a estados de equilíbrio a partir de desequilíbrios.

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Todo esquema de assimilação tende a alimentar-se, isto é, incorporar elementos que lhe são exteriores e compatíveis com sua natureza. (...) Todo esquema de assimilação é obrigado a se acomodar aos elementos que assimila, isto é, a se modificar em função de suas particularidades, mas sem com isso, perder sua continuidade (portanto, seu fechamento enquanto ciclo de processos interdependentes), nem seus poderes anteriores de assimilação. Este segundo postulado (já válido no plano biológico com a formação dos acomodados fenotípicos) afirma a necessidade de um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação (PIAGET, 1976, p. 14). Piaget apresenta sua epistemologia genética em meio a uma forte adesão à teoria behaviorista; seu intuito, no entanto, não foi propor uma teoria voltada à educação, mas seus pensamentos alicerçaram muitas teorias seguintes e nortearam, como ainda norteiam, muitas ações educativas. Essa singularidade entre a educação e a contribuição teórica de Piaget dá-se, principalmente, porque a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, esse último como foco das pesquisas dele, é indissociável, por isso temos tantos efeitos dessa teoria no campo educacional. Piaget lançou sua teoria do conhecimento com base no estudo da gênese e no desenvolvimento humano. Ele propunha estágios de desenvolvimento cognitivo entre as crianças de diversas faixas etárias e não como se dava a aprendizagem. O objetivo da teoria piagetiana, metaforicamente falando, era explicar, além de como entendemos o mundo, como muda o nosso conhecimento a respeito desse mundo. E os esquemas que formamos e reformamos a todo

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instante por desequilíbrio e reequilíbrio. Piaget trouxe o conceito de esquemas, de assimilação, acomodação e equilibração e isso impulsionou a psicologia cognitiva, pois foi um salto qualitativo no que diz respeito aos processos de aprendizagem, mesmo sem ter esse foco. Diante da importância dessa teoria, percebemos que o papel do professor nesse contexto é outro, o de facilitador da aprendizagem dos estudantes; ele deve encorajar e aceitar a autonomia e as iniciativas dos estudantes, criando e provocando situações para que eles possam ter condições de gerar seus próprios conhecimentos. O termo facilitador na teoria piagetiana, é porque as crianças aprendem sozinhas por meio de descobertas a partir de seus estágios de maturação. Com base nos estágios de maturidade propostos por Piaget, o professor deveria direcionar atividades de acordo com o “nível” do aluno. Para essa linha, os conhecimentos são elaborados espontaneamente pela criança, dependendo justamente do seu estágio de desenvolvimento, e construído pelo próprio sujeito na interação com o objeto de estudo, ou seja, essa relação sujeito e objeto de estudo é bem privilegiada. Assim sendo, o aluno deve refletir sobre suas experiências e estabelecer estratégias de resolução das situações e só o conseguirá se suas estruturas estivem “maduras” para a resolução de tal problema. E o ensino, enfim, é visto como um processo estabelecido por meio de estágios de ensino-aprendizagem e não mais como um “toma lá da cá”. Seu foco claramente está na adaptação dos organismos ao meio, na adaptação biológica e intelectual; não leva em conta a interação social e o contexto de aprendizagem.

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Em todos os seus escritos, Piaget enfatizou a interação entre o meio ambiente e o indivíduo; porém, uma análise mais cuidadosa a respeito dessa interação permite verificar que a ênfase é colocada no organismo, no sujeito, no endógeno e é a partir daí que o conhecimento é construído (BRITO; GARCIA, 2005, p. 39). Abstraindo a influência dessa teoria num game, tendo em vista que Piaget (1990) também estudou a formação do símbolo na criança, incluindo o jogo e suas representações, um game apresentar-se-ia tanto na forma de uma ampliação da função de assimilação, quanto gerando desequilíbrios, para que pudessem ser acomodados. O jogo, enquanto símbolo, seria uma ponte, pois entre a imagem do próprio jogo, no nosso entendimento a representação visual do jogo, e o que ele de fato pode representar, existe uma conexão, não imposta por convenção social, mas sentida diretamente pelo pensamento individual do sujeito (PIAGET, 1990). Um game, nessa perspectiva, deveria propor experimentações que levassem aos indivíduos representações.

O sociointeracionismo - Vigotsky e a aprendizagem como processo social Em conseguinte, a terceira linha pedagógica de nossa discussão, a sociointeracionista, é baseada nos postulados de Vigotsky. Para esse, é através de seu desenvolvimento histórico que o homem cria a linguagem, as complexas formas de relações sociais, as convenções

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culturais, os produtos materiais e o conhecimento (BRITO; GARCIA, 2005). Já a partir de tais escritos, percebemos palavras-chaves emergirem: o desenvolvimento histórico e as relações sociais; ou seja, são fatores não antes levados em consideração, mas que são de fundamental importância, pois privilegiam a interação para além de um dado objeto de estudo, entre os pares e leva em consideração as relações afetivas envolvidas na construção do conhecimento. Pozo (1998) discute a teoria Vigotskyana por vários ângulos, que vai da psicologia da educação e suas instigantes e reveladoras relações entre aprendizagem e desenvolvimento, e é justamente a questão da mediação que a diferencia, pois coloca pessoas como o centro da interação entre crianças e objetos – clara diferença da teoria piagetiana14; para Vigotsky, os instrumentos de mediação são frutos da cultura e proporcionados pelo meio social, isso também é discutido por Lalueza et al. (2010) nas questões da tecnologia da informação e comunicação nos processos de desenvolvimento: Cultura e cognição estariam, então, mutuamente constituídas por meio das atividades concretas que são realizadas na vida diária. Por outro lado, toda atividade humana é mediada pelo uso de ferramentas de maneira que o desenvolvimento é, em grande medida, a apropriação das ferramentas (materiais e simbólicas) do nicho cultural que a criança opera (p.47).

14. Isso é um ponto tão forte, convergências e divergências entre as teorias de Piaget e Vigotsky, que na 4ª edição do livro Pensamento e linguagem (2008), de Vigotsky, há um capítulo só para discutir as discordâncias e concordâncias da teoria de Piaget.

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Exatamente a relação estreita que procuramos entre artefatos digitais, cultura, aprendizagem e seres humanos, que tanto produzem esses artefatos, quanto são produtos e produtores de cultura e mais que qualquer coisa, são seres aprendentes. As concepções pedagógicas embebidas dessa teoria entendem que o conhecimento é construído pela criança em interação com o objeto de estudo, mas a partir das relações que ela estabelece (entre seus pares e com o objeto), e leva em consideração os conceitos e as vivências dos alunos a partir do universo histórico e sociocultural. Assim, entendemos que é justamente a interação e a organização estabelecida na situação de aprendizagem que envolvem os estudantes em análises e reflexões fundamentais para a construção de conhecimento: “a aprendizagem humana pressupõem uma natureza social específica e um processo do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam” (VIGOTSKY, p. 59). Diante disso, reiteramos que qualquer situação de aprendizagem com a qual a criança se depara na escola tem sempre uma história prévia. Ora, com isso a escola cria situações, ou deveria, de desenvolvimento e aprimoramento que levam a experimentações inteiramente válidas, inclusive no campo da interação e da mediação com seus pares. Chegamos assim a um dos pontos mais importantes da contribuição teórica de Vigotsky, a zona de desenvolvimento proximal, a ZDP. Essa discussão começa bem antes na teorização do processo de desenvolvimento e aprendizagem, linhas tão próximas, que se encontram no caminho diversas vezes, mas com raízes e fins diferentes. A questão do desenvolvimento infantil está muito

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associada ao desenvolvimento da fala, que por sua vez está associada ao pensamento. Assim, a fala em sua primeira fase que era emocional-afetiva, passa para a uma fase intelectual quando as linhas de desenvolvimento da fala e do pensamento se encontram. É desse encontro que Vigotsky atribui o desenvolvimento intelectual: O momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem (2008, p.21). A partir de tais aspectos, percebemos que essa corrente de pensamento nos elucida à medida que nos apresenta especificidades inteiramente humanas, como a consciência e a linguagem, intrínsecas ao processo de aprendizagem, tirando esse da mera acumulação de reflexos e associações entre estímulos e respostas. Além de permitir que façamos uma relação entre os jogos digitais e o desenvolvimento da linguagem: num primeiro estágio, o game estaria numa posição de linguagem simbólica, atuando como ponto importante para o desenvolvimento da linguagem escrita nas crianças; passando adiante a atuar como signo no desenvolvimento do pensamento.

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Vigotsky propôs um primeiro ciclo de atividades, bem diferente do que hoje conhecemos por teoria da atividade15:

Esquema 2. O ciclo de atividades proposto por Vigotsky Fonte: Pozo (2002)

Vigotsky em sua obra A formação social da mente (1991) coloca que toda forma elementar de comportamento pressupõe uma reação direta a uma situação-problema, no caso do Esquema 2 estímulo-resposta, que ele representa por (S-R), mas ele também diz que essa estrutura requer um elo intermediário justamente por conta da fala, representada por ele neste processo como signos. Ele, o signo, nesse esquema também adquire a função de estímulo, mas de segunda ordem, isso porque mais que reforçar, ele

15. Hoje, um dos autores mais estudados em relação à teoria da atividade é Alexei Leontiev. Para alguns estudiosos, Leontiev faz parte da escola de Vigotsky, enquanto para outros ele estruturou algo completamente diferente e constitui-se uma nova escola.

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cria uma nova relação entre o S-R e também promove uma operação reversa. Assim, uma simples operação de estímulo-resposta torna-se um esquema complexo e mediado. Assim, fica evidente que os conceitos de mediação e de uso de instrumentos tornam-se mais claros a partir dessas prerrogativas; o estudo dessas especificidades humanas era inevitável, não se podia deixá-lo alheio a estudos mais profundos de desenvolvimento e aprendizagem. Vigotsky considera que o homem não se limita a responder aos estímulos, mas atua sobre eles, transformando-os. Isso é possível graças à mediação – instrumentos que se interpõem entre o estímulo e a resposta. A criança, de fato, começa a entender e a interagir mais e melhor com o seu ambiente através da fala e isso produz novas relações com esses ambientes, induz a novas formas de comportamento e reflete no seu desenvolvimento; esse é outro ponto muito discutido por Vigotsky: o quanto a aprendizagem está para o desenvolvimento e vice-versa. Outro ponto que fortemente nos faz refletir sobre a teoria vigotskyana e os jogos digitais: o constante contato entre as crianças e os games produz novas relações com os seus ambientes e induz a novas formas de comportamento e isso refletiria no seu desenvolvimento? Temos por hipótese um sim, do contrário, não caberia estudos acerca de jogos nessa perspectiva, mas não conseguimos estabelecer, ainda, em que medidas isso acontece. Ainda na obra A formação social da mente, Vigotsky nos apresenta três teorias que discutem a relação entre aprendizagem e desenvolvimento; ele rejeita as três e coloca que se os instrumentos mediadores, que são externos, facilitam um processo contínuo de

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internalização, e esse por sua vez culmina no processo de aprendizagem, o processo de aprendizagem será iniciado sempre no externo, e pelos elementos mediadores criaria-se um processo interno, que mais adiante se transformam em desenvolvimento interno, ou seja, o vetor de desenvolvimento e de aprendizagem iria desde o exterior do sujeito ao interior, seria um processo de “internalização” ou transformação das ações externas, sociais, em ações internas, psicológicas (POZO, 2002). Isso nos faz pensar que quando uma situação-problema é dada a uma criança em idade escolar e essa não sabe ainda resolver sozinha, a interação com alguém que a ajude faz toda diferença e antecede um estágio (o de fazer sozinha) como um “ensaio”, ou seja, o fazer sozinha alguma situação ou realizar a solução para um problema parece ser mais “fácil” depois que a realizamos com ajuda. E daí surge um termo tão evidenciado na contemporaneidade: o professor-mediador. Outro fator importante é o fato de as contribuições da ZDP estarem diretamentes ligadas ao processo escolar, ou seja, temos de fato uma abordagem que põe os olhos em cima da escola, e a enxerga como ponto importante no desenvolvimento das crianças. Um fato empiricamente estabeIecido e bem conhecido é que a aprendizagem deve ser combinada de alguma maneira com o nível de desenvolvimento da criança. Por exemplo, afirma-se que seria bom que se iniciasse o ensino de leitura, escrita e aritmética numa faixa etária específica. Entretanto, tem-se atentado para o fato de que não podemos limitar-nos meramente à determina-

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ção de níveis de desenvolvimento, se o que queremos é descobrir as relações reais entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem. Temos que determinar pelo menos dois níveis de desenvolvimento. O primeiro nível pode ser chamado de nível de desenvolvimento real, isto é, o nível de desenvolvimento das funçôes mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados. Quando determinamos a idade mental de uma criança usando testes, estamos quase sempre tratando do nível de desenvolvimento real. Nos estudos do desenvolvimento mental das crianças, geralmente admite-se que só é indicativo da capacidade mental das crianças aquilo que elas conseguem fazer por si mesmas. Por outro lado, se a criança resolve o problema depois de fornecermos pistas ou mostrarmos como o problema pode ser solucionado, ou se o professor inicia a solução e a criança a completa, ou, ainda, se ela resolve o problema em colaboração com outras crianças – em resumo, se por pouco a criança não é capaz de resolver o problema sozinha – a solução não é vista como um indicativo de seu desenvolvimento mental. Esta “verdade” pertencia ao senso comum e era por ele reforçada. Por mais de uma década, mesmo os pensadores mais sagazes nunca questionaram esse fato; nunca consideraram a noção de que aquilo que a criança consegue fazer com ajuda dos outros poderia ser, de alguma maneira, muito mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que consegue fazer sozinha (VIGOTSKY, 2008, p. 59).

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Enxergamos que um game agiria diretamente na ZDP dos sujeitos como mediador, dando condições para que determinados conceitos fossem refletidos a partir das atuações dos sujeitos no jogo. Os jogos online multiplayer permitem interação entre os jogadores, atuando também na ZDP, visto que consideramos que a aprendizagem se consolida através da interação entre os sujeitos.

A aprendizagem baseada em jogos digitais Muitos pesquisadores, Moita (2007), Alves (1998; 2012), Arruda (2011), entre tantos outros, têm-se dedicado a argumentar os ganhos em trabalhar com os jogos digitais, além de crerem que é bastante válido quando se é pensada a audiência atual de nossas aulas: crianças e jovens de uma geração altamente tecnológica. Ou seja, para esses estudantes, aprender por meio de artefatos tecnológicos é tão natural quanto foi para nós fazer cópias imensas no caderno para melhorar a caligrafia. Percebemos que as crianças que crescem rodeadas de tecnologia de fato aprendem diferente de nós, pensam diferente de nós (PRENSKY, 2012). Ou seja, ensiná-las de forma “mecânica e linear” não faz sentido para elas, que fazem muitas coisas ao mesmo tempo, que não seguem a ordem direta das coisas16; não é do tempo delas.

16. Como experiência pessoal, coloco que o meu filho, há alguns anos atrás e hoje com 5 anos, aprendeu primeiramente o X enquanto letra. Não consegui compreender bem como que uma criança despertaria primeiro para o X, era tão lógico para mim, aprendermos primeiro o A. Algum tempo depois percebi que o X tinha um sentido maior para ele, pois nos desenhos que ele mais assistia – de piratas – o X marcava o lugar do tesouro.

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Vigotsky (2008) nos diz que “a experiência ensina à criança” (p. 79), e a premissa de aprendizagem que os jogos digitais traz carrega essa conceituação baseada na experiência, na interação para a formação de complexos que se apoiarão nas conexões verdadeiras ou por semelhança ou em outras conexões observadas na prática para a formação de conceitos. Temos como premissa que os jogos digitais conseguem envolver os alunos, num processo que não é abstrato do ponto de vista dos objetivos do jogo, que lhes permitem agir, pensar, e obter vitórias a curto prazo; embora saibamos que os jogos não dão conta de todo o trabalho de ensino e aprendizagem. De toda forma, não é difícil encontrar quem ainda olhe com desconfiança para os games nos espaços escolares, pois aparentemente são fenômenos tão contrários, aprendizagem e diversão, mas cremos que podem resultar num trabalho eficaz e tão sério quanto qualquer outro desempenhado na sala de aula, pois se pensarmos que quanto mais envolvidos estivermos em algum processo, melhor será o resultado, nesse sentido os games estariam cumprindo seu papel. Inferimos que a aprendizagem baseada nos games ocorre quando tanto o envolvimento quanto o potencial para a aprendizagem são altos, pois são consideradas essas duas dimensões, envolvimento e aprendizagem, o tempo todo. Prensky ainda nos coloca que esse tipo de aprendizagem não favorece nem o envolvimento nem a aprendizagem, mas luta para manter ambos em um nível elevado. Outro argumento forte para considerarmos a aprendizagem baseada em jogos digitais é o fato de o jogo não obrigar ninguém a nada; Gee (2009) conversa sobre isso:

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Muitos bons jogos de computador e videojogos são longos, complexos e difíceis, principalmente para os principiantes. Como bem sabemos pela escola, os jovens nem sempre querem fazer algo de complicado. Os adultos têm duas opções quando confrontados com o desafio de os implicar em algo mais complexo. A primeira opção consiste em obrigá-los, e é a solução mais utilizada nas escolas. A segunda opção, tentadora quando a preocupação é o proveito, conceito também conhecido nas escolas, consiste em rebaixar o nível intelectual. Nenhuma destas opções pode ser aplicada à indústria dos jogos, pelo menos até agora. Não podem obrigar alguém a jogar e a maioria dos jogadores entusiastas não quer jogar videojogos curtos e fáceis (p.55). E da mesma forma que o autor, questionamos-nos sobre como essa indústria consegue fazer com que novos usuários aceitem jogar games que são longos, complexos e muitas vezes caros. Corroboramos o argumento dado por Gee de que a resposta para esse questionamento tem muito mais a ver com a forma de como os jogos são concebidos para provocar o desejo de jogar e de saber sobre o jogo. Dessa forma, os games conseguem atuar no imaginário dos estudantes com muito mais eficácia do que algumas metodologias utilizadas nas salas de aulas, já que eles conseguem dar concretude aos objetivos de quem joga. As competências que se desejam desenvolver na escola estão muito mais no campo verbal, e para estudantes em desenvolvimento, como vimos, o campo da ação constitui melhor a formação dessas competências e habilidades.

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Reiteramos que novas práticas devem ser associadas à sala de aula, pois elas respondem melhor a essa geração por vários motivos, alguns que já discutimos anteriormente. As escolas insistem habitualmente para que os aprendizes estudem muito, se tornem competentes e, só depois, tenham um desempenho relativamente ao que fazem (porém, as investigações apontam para o fato de que os aprendizes são muitas vezes incapazes de fazer muito mais além de responder às perguntas dos testes). É claro que a vontade de estudar e de adquirir competências é escassa, quando o aprendiz não tem uma ideia concreta do que é agir eficazmente num determinado domínio, ou ainda por que é que alguém pretenderia tornar-se competente numa área específica. Além disso, todos os fatos e todas as informações que o aprendiz está a aprender fariam muito mais sentido se o estudante tivesse tido a oportunidade para perceber como se aplicavam no mundo da ação e da experiência. Sem isso, são apenas meras palavras para o aprendiz (GEE, 2009, p. 136). Os games seriam esse campo da ação, de atuação, pois eles envolvem os estudantes em situações que lhes proporcionariam experiências (no mundo gamer XP17) que podem contribuir e dar mais significado à aprendizagem, mas levando em consideração que não aprendemos com base apenas em nossas experiências, mas, sobretudo dialogando com nossos pares, em espaços de diálogos

17. XP: termo usado na linguagem dos jogadores para designar o nível de experiência de um jogador, fulano tem alto XP, por exemplo.

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(ARRUDA, 2011). O jogo nos ajuda, através de uma representação imagética, a construção de um campo conceitual. Fazendo com que os estudantes entrem num processo de consciência, amadurecendo as construções já feitas. Evidenciamos nesse estudo vários termos emergentes da aprendizagem baseada em jogos digitais; um deles é a aprendizagem disfarçada18 que surge (para os jogos) à medida que a diversão e/ou o desafio toma mais conta das atividades propostas pelo game do que os conteúdos inseridos nele; com isso não estamos dizendo que o usuário do game aprende sem perceber ou sem querer ou que o conteúdo é menos importante, mas enfatizamos que, nos jogos, o foco é outro, não é o conteúdo stricto sensu; transformando isso em metáfora não é a história em si, mas como contamos a história é o que chama, ou não, a atenção dos espectadores. A “aprendizagem escolar19” não consegue motivar as pessoas de forma espontânea em sua grande maioria; talvez esse não seja mesmo o objetivo. Dan Taspocott utiliza o termo aprendizagem por transmissão em sua obra Growing up digital (1998) para se referir a métodos de exposição e avaliação parecidos com os da escola; cremos que cada ser aprende de forma única e individual, e não estamos propondo uma discussão acerca de qual a melhor forma de promover aprendizagem, mas sim como os jogos podem auxiliar

18. Prensky atribui este termo a Doug Crokford. 19. Entenda-se aqui por aprendizagem escolar aquela que está ancorada nos princípios da “ensinagem”, no qual o foco é o ensino de conteúdos que muitas vezes não fazem correlação com a vida do estudante.

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o processo de aprender de cada um. De qualquer forma, sempre será complexa essa discussão e esperamos contribuir com as conceitualizações dos termos mais evidenciados a partir da utilização dos jogos nas salas de aula. Com uma experiência bem sucedida de games dentro da escola, e utilizando o modelo dos jogos conversacionais, Meira (2012) nos elucida sobre o termo aprendizagem periférica, que é uma aprendizagem não diretiva e não conceitualizadora de conteúdos do currículo escolar; esse é o tipo de aprendizagem em que o aprendiz entra em contato com as disciplinas e com os conteúdos escolares de forma periférica, através dos jogos e suas representações, que são postas num ambiente colaborativo através de outro processo utilizado na OJE20, que é a gamificação, não investigado neste estudo, apesar de identificarmos na plataforma do Plinks. Em outras palavras, a aprendizagem periférica não trata os conceitos de forma vertical, mas investe em cenários nos quais a aprendizagem possa ser mais lúdica e significativa; o que evidenciamos com a teoria sobre os conceitos espontâneos. Outra aprendizagem bem difundida na literatura com a disseminação dos jogos digitais nas escolas é a aprendizagem tangencial que está mais ancorada, também, na facilitação dos processos de aprendizagem. Portnow (2008) diz que a aprendizagem tangencial baseia-se na ideia de assimilar melhor as informações que interessa, e que os jogos, de alguma forma, despertam o interesse por certos

20. Vídeo explicativo sobre os processos da OJE em <http://www.oje.inf.br/aracaju/ app/index>.

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conteúdos. Mesmo que a aprendizagem não ocorra dentro do jogo, criam-se cenários e se desperta o interesse voluntário para a pesquisa sobre determinado assunto. Um exemplo citado por esse autor é sobre o game Assassin’s Creed, que com um vídeo no YouTube, gerou mais de 23% de todos os comentários postados nessa rede. E a maioria desses comentários fazia menção ao aprofundamento do tema a partir do jogo. Portnow admite que essa seja uma exceção e que a maioria dos jogadores não vai além dos jogos, por isso defende a construção de games pensados como divertidos e não que tentem ensinar algo específico, ou seja, que não sejam educativos. Pontua, ainda, que enquanto as questões levantadas na escola não forem as mesmas que interessam aos alunos, não haverá engajamento21. E ressalta que essa é uma das vantagens dos games, que os usuários se importam com o que fazem enquanto jogam, a diversão já está lá no jogo, na mecânica do jogo. A aprendizagem tangencial se daria na exposição das várias coisas num contexto no qual já se está engajado. Vigotsky (2008) nos coloca que o ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero: Um professor que tenta fazer isso geralmente não obtém qualquer resultado, exceto o verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança, semelhante à de um

21. Fazendo um paralelo com a teoria do fluxo de Mihaly Csikszentmihalyi – que não foi estudada profundamente e sistematicamente – o jogo possibilitaria um estado mental de muita satisfação, de completo envolvimento.

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papagaio, que simula um conhecimento dos conceitos correspondentes, mas que na realidade oculta um vácuo (p. 104). A partir desse embasamento, vemos o quanto faz sentido as aprendizagens proporcionadas pelos jogos digitais, já que essas fogem dos ensinos diretos de conceitos; o papel do professor seria tornar essa aprendizagem consciente. Gee (2009) afirma que sem aprendizagem não há divertimento e que um dos princípios da aprendizagem, que todos os bons jogos incorporam, é o fato de as pessoas terem prazer em aprender e isso faz com que continuem a jogar. Apesar de a esfera motivacional ser grande dentro do universo dos games, (o que me motiva, não é o que motiva o outro), o jogo promove essa motivação nas pessoas e esse engajamento deve ser potencializador de contextos de aprendizagem, por isso faz sentido utilizarmos um elemento da cultura contemporânea (os games) a favor de um novo cenário escolar, e que esse cenário escolar não seja limitado pelas paredes da sala de aula. O potencial dos jogos para os processos de aprendizagem é imenso, e está sendo explorado por pesquisadores das mais diversas áreas que buscam compreender o fenômeno enquanto objeto de pesquisa. Entendemos que os jogos tidos como educativos, ao focarem na aprendizagem diretiva e nos processos de ensino, fogem dos elementos dos games que provocam a imersão dos sujeitos (diversão, fim em si mesmo, ludicidade) e não mantêm o interesse dos alunos por muito tempo. Por isso, enfatizamos que os bons jogos digitais trabalhem a aprendizagem como elemento constituinte do próprio jogo.

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Prensky (2012) lista o porquê de os jogos prenderem tanto a atenção: Jogos são uma forma de diversão, o que nos proporciona prazer e satisfação; jogos são uma forma de brincar, o que faz nosso envolvimento ser intenso e fervoroso; jogos têm regras, o que nos dá estrutura; jogos têm metas, o que nos dá motivação; jogos são interativos, o que nos faz agir; jogos têm resultados e feedback, o que nos faz aprender; jogos são adaptáveis, o que nos faz seguir um fluxo; jogos têm vitórias, o que gratifica nosso ego; jogos têm conflitos, competições, desafios, oposições, o que nos dá adrenalina; jogos envolvem a solução de problemas, o que estimula nossa criatividade; jogos têm interação, o que nos leva a grupos sociais; jogos têm enredo e representações, o que nos proporciona emoção (p. 156). Compartilho do pensamento de Arruda (2011) no que se refere aos desafios cognitivos que o ato de jogar videogame proporciona; os games são muito mais proveitosos quando comparados a outros gêneros educativos típicos da sala de aula, como jogos educativos, vídeo-aulas etc. Como parte de um prévio fechamento de discussão, pontuamos que não atribuímos aos jogos digitais o poder de remediar a educação e resolver todos os seus entraves, mas quando trabalhados com propósitos transformadores da prática escolar, inova-se aos poucos os contextos e as formas de se pensar educação no nosso país. Entendemos que as possibilidades de aprendizagem com os

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games são grandes e há um grande potencial ainda inexplorado na maioria dos contextos das salas de aula. O espaço dos jogos digitais configura-se como um ambiente de troca, de colaboração, cooperação e aprendizagem. Conseguimos vislumbrar que os games ultrapassam as barreiras temporais do jogo, e essa é uma das perspectivas de ZDP criada pelos jogos digitais. Comparamos os games ao que Lévy chama de tecnologias intelectuais (1993) quando ele nos diz que as tecnologias intelectuais são auxiliares cognitivos dos processos controlados, tais como a atenção, raciocínio e memória. Cremos na importância de estudos que não compartimentalizam a educação, pois esses veem a educação como base alicerçante da sociedade, que muda e se reinventa a todo instante. A educação não é e não pode ser hermética; os estudos feitos na área devem orientar as práticas e serem questionados pelas próprias práticas, num ciclo de renovação sempre. E o uso de tecnologias na educação não deve ser considerado como a salvação ou a modernização da escola, assim como não deve ser considerado deficiência nem inferioridade. São processos “comuns” de uma sociedade informatizada num ambiente digital de aprendizagem, isso deveria ser normal. Por fim, corroboramos a ideia de Prensky (2012) de que a aprendizagem baseada em jogos digitais não é, ou não deve, ser desenvolvida para dar conta de todo um trabalho de ensino formal. Os jogos digitais, mesmo tendo ganhado mais importância e notoriedade na atualidade, é uma abordagem mais ampla, mais periférica, mas não menos importante. Os jogos digitais devem fazer parte do

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universo escolar junto a outras formas de aprendizagem, visto que eles contribuem com os processos de aprendizagem dos sujeitos, os motivam e fazem parte da cultura deles. E expomos o nosso desejo de que novas práticas didáticas sejam pensadas, novos arranjos escolares sejam descobertos, pois o uso da tecnologia, e com isso o uso dos games, não traz bons resultados e não mudam o cenário escolar que muito precisa ser inovado.

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O Scratch como ferramenta pedagógica para o desenvolvimento do pensamento computacional sob a perspectiva da aprendizagem significativa Fellipe Oliveira Ramos (IF Baiano e PMAR) Lilian da Silva Teixeira (UNEB e IF Baiano) Introdução A difusão das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) nas atividades humanas nessas últimas décadas, tem provocado discussões relacionadas à inserção dessas tecnologias na educação desde as etapas iniciais da educação básica. É possível registrar em muitas escolas a tímida inserção do ensino de Informática como componente curricular. Geralmente o trabalho desenvolvido na disciplina de Informática apresenta uma perspectiva meramente instrucionista, de forma que os estudantes são conduzidos a uma postura passiva diante do computador, manipulando a máquina superficialmente, aprendendo as instruções básicas de editores de texto e/ou planilhas eletrônicas. O CSTA K-12 Computer Science Standards (CSTA, 2011) destaca a importância do desenvolvimento de habilidades computacionais na educação básica que promovam a capacidade de resolução de problemas, para que possam auxiliar outras ciências, e motivar os alunos.

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Para tanto, inúmeros estudos têm sido desenvolvidos a fim de demonstrar as possibilidades e a necessidade de inserção de conceitos de Computação na educação básica, pois diferentemente da Informática, a Computação abarca a busca de soluções para problemas, a criação de softwares e o desenvolvimento dessas ferramentas. Algumas iniciativas de inserção da Computação relatam experiências bem sucedidas do ensino de lógica de programação, estruturação de algoritmos e abstração de conceitos computacionais a alunos do ensino fundamental e médio. Por meio da exploração de ambientes de linguagem de programação e da exploração de jogos digitais, os alunos são estimulados à exploração do raciocínio lógico necessário para a construção de algoritmos (MARQUES et al., 2011; RAPKIEWICZ et al., 2006). Estudos como os de Oliveira (2009); Souza e Lencastre (2013) comprovam a eficiência da promoção do ensino que promove as habilidades do Pensamento Computacional por meio do Scratch. A inserção da Computação na educação básica pode se dar por meio da perspectiva do desenvolvimento de atividades que exploram o Pensamento Computacional. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Computação, no Parecer nº 136/2012, “a introdução do Pensamento Computacional e algorítmico na educação básica fornece os recursos cognitivos necessários para a resolução de problemas, transversal a todas as áreas do conhecimento” (BRASIL, 2012). Diante do exposto, o presente capítulo apresenta como problemática principal a seguinte questão: como se dá o desempenho de estudantes do ensino médio no desenvolvimento de atividades com a

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FELLIPE OLIVEIRA RAMOS & LILIAN DA SILVA TEIXEIRA

linguagem de programação Scratch? Para tanto, objetivou-se analisar o desempenho de práticas que exploram o Pensamento Computacional sob a perspectiva da Aprendizagem Significativa por meio de um minicurso sobre a linguagem de programação Scratch desenvolvido com alunos de turmas do 1º ao 3º ano do ensino médio do Colégio Estadual Luís Eduardo Magalhães, na cidade de Senhor do Bonfim/BA.

Pensamento Computacional: uma ampla compreensão do ambiente digital e tecnológico O termo Pensamento Computacional surge pela primeira vez com Wing (2006), ao afirmar que ele se constrói nos poderes e nos limites dos processos computacionais, sejam eles executados por um ser humano ou por uma máquina. Para a autora, os métodos computacionais proporcionam a resolução de problemas e o desenho de sistemas que não seriam resolvidos pelo ser humano. Portanto, o Pensamento Computacional envolve a formulação de problemas e suas respectivas soluções, que são representadas de forma que possam ser realizadas por agentes de processamento de informação. Sob essa perspectiva as ferramentas computacionais são utilizadas a fim de transformar determinado problema aparentemente difícil em um processo que, auxiliado pelas ferramentas computacionais, possa ser resolvido mais facilmente. A The Royal Society (2012, p. 29) concebe Pensamento Computacional como “o processo de reconhecimento de aspectos da computação no mundo que nos rodeia, e de aplicação de ferra-

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mentas e técnicas da Ciência da Computação1, a fim de entender e analisar sistemas e processos naturais e artificiais”. Ou seja, pensar através de elementos computacionais proporciona ao ser humano a compreensão do ambiente digital e tecnológico em que está inserido, além de dar meios para que ele interfira nesse ambiente. Na educação básica, especificamente no ensino médio, atividades na área de Pensamento Computacional promovem uma formação mais ampla do sujeito para enfrentar os desafios da contemporaneidade. Além de proporcionar ao educando aprendizagens na área de leitura, aritmétrica, assim como um acentuado desenvolvimento do pensamento analítico. (CARVALHO et al., 2013) Brennan e Resnick (2012, p. 3) identificaram sete conceitos úteis no desenvolvimento de atividades com o Pensamento Computacional, que são comuns em linguagens de programação, mas que também podem ser explorados por meio da linguagem de programação visual Scratch. São eles: •

Sequências: instruções que expressam uma tarefa ou atividade a ser executada pelo computador;

Loops: execução de uma mesma sequência várias vezes por meio de iterações;

Eventos: para que determinada ação ocorra é necessário que uma outra ação aconteça previamente;

1. Ciência que estuda técnicas, metodologias e instrumentos computacionais afim de automatizar processos, desenvolvendo soluções baseadas no uso do processamento digital.

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Paralelismo: sequências de instruções que acontecem ao mesmo tempo;

Condicionais: tomada de decisões baseadas em certas condições;

Operadores: suporte a operações matemáticas;

Dados: armazenagem, recuperação e atualização de valores por meio de variáveis e listas.

Por meio da implementação desses conceitos o sujeito será capaz de desenvolver animações, jogos ou outras atividades no Scratch, de forma acessível e criativa. Essas atividades devem proporcionar ao aluno, além do pensar e aprender, o aprender como se aprender. Neste trabalho observou-se que os alunos sentem dificuldades em absorver o conhecimento teórico elencado nesta seção como conceitos úteis no desenvolvimento do Pensamento Computacional. Todavia, o uso do Scratch possibilita a compreensão desses conteúdos de forma dinâmica e divertida.

Scratch: uma ferramenta criativa e acessível O Scratch tem sido uma das ferramentas mais utilizadas na promoção do Pensamento Computacional em ambientes escolares. É uma linguagem de programação open source2, colaborativa idealizada e desenvolvida por uma equipe de investigação do Media

2. Termo destinado a softwares de código aberto que disponibilizam seu código-fonte publicamente para fins de estudo, mudança e melhoria de seu design.

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Laboratory do Massachusetts of Institute of Technology (MIT). Por ser um ambiente de programação visual permite a criação de projetos ricos por meio de mídias interativas, sendo possível a criação de games, histórias animadas, tutoriais, simulações e outros, por meio de seus blocos programáveis. Divulgado em maio de 2007, o Scratch começou a ser desenvolvido em 2003. Sua primeira versão era indicada para jovens de 8 a 16 anos, todavia, segundo informações do site do MIT, é “utilizado por pessoas de todas as idades, inclusive crianças mais jovens”, que “aprendem a pensar de forma criativa, trabalhar de forma colaborativa e pensar de forma sistemática”. Segundo Maloney et al. (2010), este projeto inicial de Scratch foi motivado por necessidades e interesses de jovens de centros pós-escolares de computação como o Intel Computer Clubhouse3 que, por meio de seus ambientes criativos estimula jovens ao desenvolvimento de novas habilidades e ideias tecnológicas. Um dos principais objetivos do Scratch é introduzir noções de linguagem de programação àquelas pessoas que não possuem experiência com ambientes de linguagens de programação. Ao exigir de seu usuário decisões óbvias através da utilização de seus blocos visuais, ele apresenta layout simples, com janela única, e utilização mínima de comandos, proporciona aos jovens a manipulação de mídias através da exploração e partilha de suas produções, sem a necessidade de compreensão de uma sintaxe complexa como possuem outras linguagens de programação. (MALONEY et al., 2010).

3. Programa comunitário da Intel, no qual uma comunidade de aprendizes utiliza a tecnologia como uma ferramenta de aprendizado e expressão criativa.

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Os projetos em Scratch são formados por um palco e vários objetos. O palco é como um plano de fundo onde serão executadas as ações dos objetos, que são associados a sons, imagens, variáveis. Os comandos que dão vida aos objetos precisam somente ser arrastados e soltos no local específico, onde são encaixados uns nos outros. Ao serem combinados sempre formam programas corretos, inexistindo erros sintáticos. (MALAN; LEITNER, 2007). Nas imagens a seguir percebe-se as sintaxes necessárias para emitir uma mesma informação nas linguagens Java4 e Scratch. Além disso identifica-se a utilização de uma grande quantidade de códigos na primeira, e a praticidade apresentada pela segunda, ao utilizar somente dois blocos para tal.

Figura 1: programa “Hello” em Java

Figura 2: programa “Hello” em Scratch

A imagem a seguir mostra a tela principal do Scratch, e destaca os seus principais ambientes: Cenário, Abas, Barra de Comandos, Área de Comandos, Palco e Lista de Sprites.

4. Linguagem de programação orientada a objetos, desenvolvida na década de 90 pela empresa Sun Microsystems. É uma das linguagens de programação mais utilizadas na atualidade.

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Figura 3: tela principal do Scratch

Apesar do Scratch ser uma produção relativamente recente, pode-se afirmar que sua difusão em todo o mundo foi muito rápida. Graças à comunidade de colaboradores, atualmente está disponível em inúmeros idiomas. Atualmente o Scratch encontra-se na versão 2.0, e pode ser utilizado de forma online5, e também, pode ser feito o download gratuito do editor offline6, disponível para os sistemas operacionais Mac OS, Windows e Linux. O Scratch pode ser considerado um ambiente de ensino e aprendizagem potencialmente significativo, mas para que isso ocorra se faz necessário compreender os fundamentos teóricos do conceito de Aprendizagem Significativa.

5. https://scratch.mit.edu. 6. https://scratch.mit.edu/scratch2download.

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Aprendizagem significativa na prática pedagógica contextualizada Concebida por David Ausubel na década de sessenta, a teoria da Aprendizagem Significativa é representada pela interação cognitiva existente entre um conhecimento prévio e um novo conhecimento. Dessa forma, ela ocorre em “qualquer atividade na qual a representação cognitiva de experiência prévia e os componentes de uma situação problemática apresentada são reorganizados a fim de atingir um determinado objetivo” (AUSUBEL, 1968). Moreira (1999) considera que a Aprendizagem Significativa opera a partir do momento em que o sujeito faz uso de conceitos aprendidos anteriormente como base para a aprendizagem de outros conceitos. Para que a Aprendizagem Signicativa ocorra de fato, o material utilizado no processo de ensino e aprendizagem deve ser potencialmente significativo; o aluno precisa possuir subsunçores que possam ser relacionados com os novos conteúdos de forma não arbitrária e substantiva; e para que esses novos conteúdos sejam absorvidos dessa forma, o aluno precisa estar disposto a relacionar o novo conteúdo a algum conteúdo já existente em sua estrutura cognitiva, portanto ele precisa estar predisposto a aprender (AUSUBEL et al., 1980). Além dos princípios apresentados, é preciso que o professor apresente os conteúdos aos alunos de uma forma que esses percebam utilidade naquilo que estão aprendendo. Isso contribuirá para que haja interesse nos novos contéúdos, e interesse no aprendizado. Uma prática pedagógica que se inspira nos princípios da teoria da Aprendizagem Significativa proporciona que os novos conceitos

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demorem a ser esquecidos, e caso esquecidos sejam mais facilmente lembrados. Desse modo, ao trabalhar conteúdos que requerem do sujeito novas competências e habilidades, no contexto da Aprendizagem Significativa, o indivíduo transferirá rapidamente esses conceitos para a resolução de problemas outros a serem apresentados, mesmo que esses estejam configurados em contextos diferentes daqueles aprendidos.

Caminho metodológico O presente trabalho foi desenvolvido sob a metodologia de abordagem qualitativa. “A pesquisa nessa área lida com seres humanos que, por razões culturais, de classe, de faixa etária ou por qualquer outro motivo, têm um substrato comum com o investigador” (MINAYO, 2011, p. 21). A pesquisa qualitativa é mais utilizada pelas ciências humanas, no caso em questão, por se tratar de uma pesquisa que nasce da conclusão de um curso de licenciatura, é oportuna pela necessidade de ser feita uma analíse voltada para um grupo particular, alunos de ensino médio, de contexto específico que permite ao pesquisador compreender também realidades mais amplas, porém, sem atribuir determinismos. Um trabalho com uma problemática dessa natureza requer uma ação interventiva junto aos sujeitos a fim de constatar-se a aplicabilidade e viabilidade da inserção do Pensamento Computacional no ensino médio através do Scratch. Desse modo, foi desenvolvida a metodologia de pesquisa de campo de caráter exploratório, que apresenta um aspecto de pes-

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quisa empírica, em que aplicou-se um procedimento sistemático (execução de minicurso) para a obtenção de dados de análise. Na pesquisa de campo de caráter exploratório, obtêm-se frequentemente descrições tanto qualitativas quanto quantitativas do objeto de estudo, e o investigador deve conceituar as inter-relações entre as propriedades do fenômeno, fato ou ambiente observado. (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 71). Justifica-se a escolha da metodologia da pesquisa de campo exploratória por se tratar de sujeitos pertencentes a uma escola em que um dos pesquisadores já atua há aproximadamente dois anos com atividades referentes ao ensino de informática e computação, através do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), da Licenciatura em Ciências da Computação do Instituto Federal Baiano - campus Senhor do Bonfim. A experiência do trabalho com conceitos básicos da área do Pensamento Computacional por meio do Scratch se deu através do minicurso intitulado “Scratch e Desenvolvimento de Jogos”, oferecido a 12 alunos de uma escola pública estadual, e com duração de 16 horas. O minicurso foi dividido em duas etapas: Definições, Conceitos Iniciais de Computação, Algoritmos; Raciocínio Lógico; e Programação com o Scratch. Após a execução das atividades do minicurso, aplicou-se um questionário semiaberto com a finalidade de obter uma devolutiva dos alunos, pois para perceber o impacto dessa nova aprendizagem para a formação desses sujeitos fazia-se necessário verificar suas interpretações sobre a experiência com o Scratch.

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Execução do minicurso “Scratch e desenvolvimento de jogos”

Etapa #1 Definições, conceitos iniciais de computação, algoritmos e raciocínio lógico Nessa etapa abordou-se fundamentos introdutórios da computação, como evolução do computador, números binários, bits e bytes, hardware, software, peopleware e firmware, e processamento de dados. Um dos objetivos dessa etapa foi apresentar aos alunos, mesmo que de forma introdutória, fundamentos básicos da computação, por meio de conceitos discutidos por aqueles que fazem cursos superiores na área de computação. Esses conceitos foram apresentados aos alunos de forma teórica, mas relacionados a situações práticas, e contextualizadas. Posteriormente eles foram instigados a conceituar computação e informática e a identificar o uso de elementos computacionais na sociedade, seus benefícios e malefícios. Também foram apresentados aos alunos conteúdos diretamente ligados à programação, conceitos e exemplos de algoritmos, bem como exemplos e utilização de linguagens de programação. Foi discutido que os algoritmos representam uma sequência lógica do passo a passo necessário para a execução de determinadas tarefas, que são primordiais na área de programação, inclusive na construção de programas no Scratch e estão presentes no conceito de Pensamento Computacional. Após conhecer esses conceitos os alunos foram desafiados a utilizar o raciocínio lógico a fim de desenvolver algoritmos: “ir para a escola”, “trocar pneu” e “trocar uma lâmpada”. 360


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Etapa #2 Programação com o Scratch Por meio de desafios lançados aos alunos, que envolviam o desenvolvimento de jogos e programas no Scratch, buscou-se seguir os conceitos de sequências, loops, eventos, paralelismo, condicionais, operadores e dados propostos por Brennan e Resnick (2012) no desenvolvimento de atividades com o Pensamento Computacional. Dessa forma, essa etapa foi dividida em dois momentos que abordaram conceitos teóricos de programação seguidos de desafios no Scratch a serem desenvolvidos por meio da utilização desses conceitos. No primeiro momento abordou-se os conceitos de Estruturas de Controle de Seleção (simples e composta) e Estruturas de Controle de Repetição (pré-teste, pós-teste e variável de controle), relacionando-os com os blocos existentes no Scratch. No Desafio 1 foi proposto o desenvolvimento de uma animação composta por dois personagens, e um palco da escolha do aluno, sendo que os personagens deveriam trocar suas fantasias por meio da utilização das Estruturas de Seleção e/ou Repetição. Nesse momento inicial os alunos foram motivados a descobrir as funcionalidades do Scratch de forma autônoma. Na sequência foram discutidos os conceitos de programação: paralelismo, operadores e armazenagem, recuperação e atualização de dados por meio de variáveis e listas, mas também foram desenvolvidas práticas no ambiente do Scratch juntamente com uma explanação sobre a importância da compreensão e da aplicação de coordenadas no Scratch por meio da utilização de blocos específicos.

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Para aplicar esses conceitos foi proposto o Desafio 2, no qual os alunos desenvolveram um jogo simples de labirinto. Teriam que desenhar um caminho por meio da ferramenta “plano de fundo”; inserir 7 atores (um teria movimentos e percorreria o caminho, a fim de caçar os outros seis atores que estariam espalhados no palco); implementar paralelismo; utilizar blocos com operadores; e implementar um placar por meio da criação de uma variável que contabilizaria os atores tocados no caminho. A importância das coordenadas foi observada por meio do estabelecimento de uma regra que garantia ao ator principal do jogo retornar ao seu ponto inicial quando tentasse sair do caminho estabelecido.

Criatividade e liberdade de criação na exploração do Scratch Todo o trabalho foi organizado em quatro momentos. Dois momentos referentes a primeira etapa, e dois momentos referentes a segunda etapa. Na primeira etapa do minicurso as atividades foram teóricas, e culminaram com a produção de algoritmos. A princípio os alunos demonstraram resistência, principalmente em relação aos conceitos computacionais no plano teórico, porém a medida que esses conceitos eram relacionados às atividades do cotidiano os alunos envolviam-se mais demonstrando surpresa ao compreenderem a gênese de construção de softwares a partir da lógica das sequências que compõe um algoritmo. Todos os alunos envolvidos na atividade produziram algoritmos relacionados a atividades do cotidiano. É interessante observar que

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cada sujeito produziu sua própria lógica sequencial, alguns mais elaborados que outros, mas todos alcançaram o resultado esperado. A problematização foi um fator importante para fazer os sujeitos refletirem sobre o que estavam produzindo, à medida que organizavam suas sequências, questionava-se se esses não estavam esquecendo de inserir na sequência “passos” importantes para se alcançar o fim pretendido. Na Figura a seguir apresenta-se o algoritmo “trocar pneu”, desenvolvido por um dos alunos que participaram do minicurso.

Figura 4: produção algoritmo “trocar pneu” - Aluno A

Observa-se que o Aluno A, trouxe todos os passos necessários para executar a ação de forma correta, porém, nos passos 2 e 8, ele acaba integrando duas ações distintas que poderiam estar separadas. Ao encerrar as atividades da primeira etapa, iniciou-se a fase de aproximação com os conteúdos de programação necessários para a prática com a linguagem Scratch. Ao apresentar os conceitos computacionais voltados à programação, os sujeitos voltavam a mostrar as mesmas resistências do momento teórico da primeira etapa.

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Os alunos no ambiente do laboratório de informática apresentam um comportamento de grande expectativa para a interação direta com a máquina e seus recursos digitais, ao serem conduzidos a uma discussão teórica nesse espaço físico ficam inquietos e ansiosos para estabelecer o contato direto com a máquina. A seguir apresentam-se as Figuras 5 e 6, que são produções dos alunos após o momento de apresentação do Scratch e execução do Desafio 1. Sem a intervenção do orientador do minicurso, os alunos foram estimulados à exploração do ambiente da linguagem Scratch.

Figura 5: palco e comandos - produção do Aluno B

Ao se observar a estrutura construída pelo Aluno B percebe-se que ele cumpriu a atividade proposta, pois modificou o plano de fundo, inseriu dois atores e implementou a troca de suas fantasias por meio da utilização das Estruturas de Repetições “sempre” e “repita”.

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Na animação abaixo, o Aluno C, assim como o Aluno B, concluiu o desafio proposto. O Aluno C descobriu de forma autônoma a aplicação dos operadores na Estrutura de Seleção “se”, o que proporcionou o controle dos blocos a serem executados, e também descobriu que para utilizar o bloco “próxima fantasia” era necessário utilizar o bloco “mova x passos”. Além disso, ele utilizou blocos que não foram solicitados como “se tocar na borda volte”, o que promoveu uma melhor execução da animação. Observamos aqui, portanto, a criatividade e a liberdade de criação proporcionadas pelo Scratch, definidas por Pinto (2010) como algumas das potencialidades dessa linguagem de programação.

Figura 6: palco e comandos - produção do Aluno C

O que mais chamou atenção no desenvolvimento dos desafios foi a postura criativa e autônoma dos alunos, quando se deparavam com os conflitos na organização da estrutura lógica dos blocos rapidamente encontravam as soluções mais adequadas e prosseguiam com seus projetos de animação.

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Na sequência, após a apresentação teórica de conteúdos relativos a programação, partiu-se para a execução do Desafio 2. As Figuras a seguir apresentam os produtos obtidos através dessa atividade. Como pode ser visto na Figura 7, o Aluno D cumpriu o Desafio 2 ao inserir todos os elementos solicitados. O conceito de paralelismo é aplicado nos atores que possuem evento comum para serem executados, no caso, “quando clicar em bandeirinha”. Esses atores ficam estáticos na tela, e somem da tela ao serem tocados pelo ator “girl”. Para tanto o Aluno D descobriu de forma autônoma o bloco “esconda” e utilizou a mesma sequência de blocos para os atores estáticos, que pode ser vista no ator “pomba”. Além disso, um fato relevante foi que o Aluno D agregou os conceitos aprendidos por meio do Desafio 1 ao implementar blocos de Estruturas Controle, utilizando-se de operadores.

Figura 7: palco e comandos - produção do Aluno D

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Ao desenvolver o Desafio 2, o Aluno E, assim como o Aluno D, utilizou conceito de paralelismo também fez uso de mecanismos aprendidos anteriormente ao utilizar os blocos “próxima fantasia” e Estruturas Condicionais e Estruturas de Repetição. O que difere a produção do primeiro (Aluno D), para a do segundo (Aluno E) foi a forma com que ele utilizou a Estrutura de Controle “se”, e agrupou todos os blocos de comandos em eventos distintos. Esse fato revela que a Aprendizagem Significativa ocorre de maneira muito específica para cada sujeito. Na experiência aqui descrita todos os sujeitos foram envolvidos no mesmo trabalho, o conteúdo foi direcionado igualmente a todos, assim como as instruções indicadas foram as mesmas, todavia cada aluno traçou suas próprias estratégias para construir um novo conhecimento, pois, como afirma Ausubel (1968), cada sujeito desenvolve a situação proposta de uma forma específica, levando em consideração seus conhecimentos prévios.

Figura 8: palco e comandos - produção do aluno E

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O Aluno E (Figura 8) conseguiu implementar o bloco “mudar estilo de rotação”, e também uma variável capaz de armazenar o número de atores, a fim de exibi-la na tela e informar o número de atores tocados pelo ator que se movimenta. Dessa forma o Aluno E concluiu o desafio proposto em sua totalidade. O Aluno D, apesar de ter feito uso de uma estrutura lógica diferente, e não ter implementado a variável também teve êxito em sua produção. Após o desenvolvimento de todas as atividades previstas no minicurso, foi aplicado um questionário semiaberto aos alunos cursistas a fim de avaliar o trabalho desenvolvido sob a perspectiva dos próprios sujeitos. Nesse instrumento foi possível perceber as dificuldades, as situações mais significativas e os impactos da experiência com o minicurso para o desenvolvimento intelectual dos alunos do ensino médio. Ao serem questionados se Scratch pode ser utilizado nas disciplinas curriculares do ensino médio, 100% dos alunos afirmaram acreditar que isso é possível. Esse fato nos chama atenção, demonstrando que os sujeitos conseguiram fazer uma relação das atividades desenvolvidas no Scratch com os conteúdos curriculares das disciplinas propedêuticas. Observemos a resposta do Aluno B: “Pode ser utilizado na forma de raciocínio... É isso que o Scratch faz, você raciocinar para montar algo”. No que se refere aos aspectos de usabilidade do ambiente da linguagem de programação Scratch, observa-se como um aspecto positivo o fato dele ser lúdico e de fácil manipulação. O Aluno B afirma que: “é legal estar produzindo algo como uma atividade e ao

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mesmo tempo se divertindo”. Já o Aluno F considerou “a facilidade para construir os jogos”. Por ser uma linguagem de programação mais simples, o Scratch possibilita que o aluno pense na produção por ele mediada, sem que pense, necessariamente, na programação em si (RESNICK, 2007). Quando indagados se após o minicurso ainda continuariam utilizando o Scratch, todos os alunos relataram que se identificaram com o ambiente e continuarão a utilizá-lo, conforme percebe-se na fala do Aluno C: “É provável que sim. Achei divertido mexer com a criação de um jogo, ao invés de apenas jogar.”. Enquanto isso, o Aluno D atesta que pretende “tentar melhorar o que foi aprendido”. Um dos limites dessa produção é o fato de não ter sido possível trabalhar com todos os alunos da escola pesquisada, desse modo, o posicionamento dos alunos pesquisados possivelmente não revela a totalidade, uma vez que os sujeitos foram selecionados a partir do critério de identificação com atividades voltadas as TDIC.

Considerações finais A realização do minicurso sobre Scratch com os alunos do ensino médio proporcionou uma rica experiência interventiva aos alunos que foram contemplados. As atividades desenvolvidas foram voltadas a exploração do Pensamento Computacional, e a contextualização constante dos conceitos e conteúdos apresentados contribuiu para a aprendizagem significativa. Como foi possível perceber, a utilização do Scratch teve uma grande aceitação por parte dos alunos, de forma que quando inda-

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gados, todos afirmaram ter aprovado a experiência com a linguagem de programação, confirmaram o desejo em continuar manipulando-a, não relataram grandes dificuldades na sua utilização, e o mais importante, sinalizaram perceber que estavam desenvolvendo atividades que proporcionavam o raciocínio lógico, e consequentemente o Pensamento Computacional. Através da análise foi possível perceber que os alunos de turmas do ensino médio são capazes de interagir e produzir objetos digitais num ambiente de linguagem de programação, mesmo sem conhecimentos prévios específicos da área da Computação, e ainda num espaço reduzido de tempo, visto que todas as atividades desenvolvidas ocorreram em 4 dias de trabalho que totalizaram 16 horas de minicurso. Confirmando o que afirma Ausubel et al. (1980), percebeu-se que, no momento de construção dos objetos digitais, os estudantes a todo momento estabeleciam pontes com conhecimentos que já possuiam em sua estrutura cognitiva, logo acredita-se que o Scratch é potencialmente significativo. Além disso, os alunos que participaram do minicurso o frequentaram de iniciativa própria, de forma extraclasse, e estavam predispostos a conhecer os novos conteúdos apresentados, uma vez que Ausubel et al. (1980) considera a predisposição como um das bases da Aprendizagem Significativa. Ratificando o que afirma Phillips (2009), constatou-se que os indivíduos que desenvolvem o Pensamento Computacional adquirem aptidão para o desenvolvimento de aplicações, e também competências como o pensamento abstrato, o pensamento algorítmico, o pensamento lógico e o pensamento dimensionável.

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Consequentemente, se continuarem a explorar o Scratch, poderão tornar-se sujeitos com competências e habilidades nem sempre alcançadas por sujeitos que nunca tiveram contato com ambientes de linguagem de programação. Concluindo, foi evidenciado o quanto os conceitos computacionais, e ainda, conceitos da Matemática podem ser facilmente aprendidos quando essa aprendizagem ocorre de forma significativa, pois a interação com a linguagem de programação do Scratch provoca no sujeito a organização do seu pensamento amparado em noções subsunçoras num processamento de significação do conhecimento a ser construído.

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CapĂ­tulo 12 374


O uso de jogos digitais como objetos de aprendizagem no ensino da Matemática: uma proposta para as escolas públicas do semiárido potiguar Katia Cilene da Silva (UFERSA) Mylani Nathalini Dantas Costa (UFERSA)

Introdução A Matemática é uma linguagem que permite a reconstrução da realidade através de modelos. Por meio de seu ensino, procura trazer esses modelos para sala de aula de maneira didática, que permita possibilitar aos alunos a realização de um diálogo entre a Matemática e as suas vidas. Sendo assim, é preciso que os professores tenham uma concepção que os leve a refletir, sempre que possível, sobre suas práticas pedagógicas. Essa reflexão ajuda na condução da construção de uma aprendizagem significativa para os alunos por ser essa, muitas vezes, uma aprendizagem que surge através das necessidades dos mesmos. Sendo que, muitas vezes, os professores na sua formação, em nível de graduação, não são formados no sentido de buscarem alternativas que os façam avançar em sua didática. Isso se deve ao fato de que os mesmos aprendem que a Matemática deve ser

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O uso de jogos digitais como objetos de aprendizagem no ensino da Matemática...

ensinada apoiada em poucos recursos, particularmente o uso do quadro e, mais fortemente, o uso do livro didático. É preciso ressaltar que há algum tempo estamos vivendo no mundo com diversas mudanças e os alunos vêm acompanhando essas mudanças interagindo com vários meios de comunicação. A escola, como um desses meios, não pode ficar distante da inovação que vem acontecendo e os professores, como um dos elementos importantes da escola, precisam ajudar com o amadurecimento dessa. Para isso, precisam trabalhar não de maneira estanque, mas trazer algo externo aos muros da escola, para poder orientar os alunos sobre seu uso, como também ensinar algo novo. Torna-se importante, então, buscar novas estratégias didáticas, que o possibilitem refletir sobre sua prática e perceber que, em alguns momentos, essa prática não está ou não vem funcionando. Essa reflexão pode ser um elemento que o ajudará a reverter o quadro de baixos índices de desempenho dos alunos em Matemática que vem sendo apresentado nas avaliações em larga escala, o que aponta que o ensino de Matemática precisa, e muito, ser melhorado. No diagrama apresentado na Figura 1 a metodologia de ensino é tratada como um dos aspectos mais fortemente relacionados ao núcleo central do rendimento escolar, ou seja, do desempenho dos alunos, fazendo parte dos fatores que, hierarquicamente, compõem o âmbito interno desse processo.

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KATIA CILENE DA SILVA &MYLANI NATHALINI DANTAS COSTA

Figura 1: representação holística e hierárquica dos fatores de rendimento escolar (adaptado de MIRANDA et al, 2007, p.103)

Pode-se observar também, no diagrama adaptado de Miranda et al. (2007, p. 103), que diversos são os fatores que influenciam no rendimento escolar e, consequentemente, na qualidade desse ensino. Na primeira dimensão, âmbito do currículo formal, os fatores mais diretamente relacionados ao rendimento escolar dos alunos são a metodologia de ensino e os procedimentos para avaliar as aprendizagens, em intrínseca relação com a ausência ou carência de promoção de aprendizagens significativas e habilidades de pensamento. O nível seguinte de influência é o currículo oculto, o qual se orienta em dois sentidos: o acadêmico e o atitudinal. No plano

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acadêmico aparecem as deficiências formativas trazidas dos níveis educacionais prévios e, entre os fatores atitudinais, se destacam os valores intrínsecos em torno dos professores e módulos dos cursos, bem como a administração do poder, a hierarquia e o respeito, e as disposições e as atitudes frente ao estudo. Os fatores do terceiro nível de influência são os que mais rapidamente se modificam; paradoxalmente, as políticas educacionais e o ensino básico parecem não haver permeado o currículo e o rendimento escolar. Por último, cabe destacar que o estudo do rendimento escolar dos alunos e da qualidade do ensino básico é muito complexo, pois é influenciado pelos diversos fatores e a partir das relações apresentadas na Figura 1, mas pode-se sinalizar a maior ou menor importância de alguns fatores de influência, segundo sua proximidade ao eixo central do rendimento escolar; como é o caso da metodologia de ensino. No cenário atual muito se fala da mudança de postura dos professores em relação às metodologias adotadas, o que demanda tanto uma melhor qualificação dos licenciados quanto o exercício de escuta das necessidades e anseios do novo perfil de alunos que vem sendo exigido nessa sociedade tecnologizada, o que nos ajudará a construir esse novo perfil de professor. No contexto do ensino da Matemática, a aprendizagem depende de ações que caracterizem experimentação, interpretação, visualização, indução, abstração, generalização e demonstração, as quais podem ser realizadas através da interação dos alunos com Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), como os jogos

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digitais e os objetos de aprendizagem, considerados poderosas ferramentas de apoio aos processos de ensino-aprendizagem.

Tecnologias digitais: experiências com jogos digitais e outros objetos de aprendizagem Em tempos de fomento por uma educação continuada, há diversos investimentos governamentais em Políticas e Programas Públicos que estimulam o uso das TICs na educação, a saber: a) Domínio público; b) DVD escola; c) E-ProInfo; d) E-Tec Brasil; e) Formação pela escola; f) Mídias na educação; g) Paped; h) Pró Info; i) Pró Formação; j) Pró Letramento; k) Pró Licenciatura; l) Rádio escola; m) Rived; n) TV escola; e o) Universidade Aberta do Brasil. Esses programas buscam a melhoria da qualidade no ensino através de ações do MEC/MCT/CAPES/CNPQ. No que se refere à utilização de recursos tecnológicos aplicados na educação, Setzer (2001) traz a discussão sobre os benefícios de tais recursos, bem como possíveis estratégias de ensino para aplicação dos mesmos. Em seu livro intitulado “Meios eletrônicos e educação: uma visão alternativa” o autor apresenta as tecnologias que fazem parte do dia a dia dos ambientes educacionais e analisa os limites da influência delas no desenvolvimento ou no atrofiamento do pensamento, das ideias ou mesmo do seu físico e tenta “(...) conscientizar as pessoas do que são esses aparelhos e o que deveria significar a educação de um ponto de vista humano global” (SETZER, 2001, p. 13). Já Alonso (2001) apresenta uma proposta de estratégias diferenciadas para a utilização dessas tecnologias na educação.

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Quando se trata da didática, Ballachef e Bellemein (2006) propõem a ideia de utilização de ambientes de “Technology Enhanced Learning” (aprendizagem ampliada pela tecnologia), onde ampliada, nesse contexto, é usada com um sentido próximo da noção de “Realidade Ampliada” (Enhanced Reality), tratando do uso das tecnologias para ampliar nossas capacidades humanas de perceber ou agir. Ressaltamos aqui a dualidade de saberes pedagógicos e tecnológicos, que deveriam aparecer em uma relação dialógica na atuação docente, articulando as competências necessárias para utilizar os recursos tecnológicos para o ensino de conteúdos específicos com as competências pedagógicas necessárias a essa ação docente. Alves (2008) usa o termo jogos digitais para se referir aos elementos tecnológicos que são utilizados nos PCs que apresentam narrativas, interatividade, interface, qualidade e realismo das imagens de forma diferenciada dos primeiros, isto é, mais simples, mais elementar. Esses elementos tecnológicos que também se valem da simulação tem hoje papel crescente nas atividades de pesquisa científica, de criação industrial, de gerenciamento, de aprendizagem, mas também nos jogos e diversões (sobretudo nos jogos interativos na tela). A ação no jogo, tanto quanto no problema, envolve um objetivo único que é vencer o jogo ou resolver o problema e, em ambos os casos, o indivíduo se sente desafiado e motivado a cumprir tal objetivo. Atingir o objetivo implica em dominar, em conhecer, em compreender todos os aspectos envolvidos na ação e, portanto, produzir conhecimento (GRANDO, 1995, p. 77).

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Partindo da premissa que o uso de jogos pode promover aprendizagens significativas aos seus usuários, inúmeros estudos têm sido realizados em todo o país a partir do desenvolvimento de experimentos com jogos, principalmente no ensino básico, como é o caso das “Olimpíadas de Jogos Digitais e Educação (OJE)”, criada em Pernambuco, mas hoje realizada também no Rio de Janeiro, onde alunos das escolas públicas de ambos os estados organizam-se em equipes para competir em uma olimpíada de jogos educacionais, cujos resultados permitem verificar o quanto os jogos impactam as tarefas tipicamente escolares e, consequentemente, a aprendizagem dos alunos envolvidos e o despertar do interesse pelos estudos e pelo convívio escolar. A partir da dimensão motivadora promovida pela OJE aos alunos das redes estaduais de ensino de Pernambuco e do Rio de Janeiro, se deparam com um ambiente invocador e desafiador que, segundo Meira (2010), perpassa 50% do tempo de atividades escolares e que tem contribuído para a transformação dos cenários tradicionais da sala de aula. No que se refere aos objetos de aprendizagem são definidos por Willey (2002) como qualquer recurso digital que pode ser reusado para apoiar a aprendizagem, considerando como objetos de aprendizagem desde imagens e gráficos, vídeos, sons, ferramentas até qualquer outro recurso educacional digital a ser utilizado para fins educacionais e que contenha sugestões sobre o contexto de sua utilização. Os objetos de aprendizagem são exemplos de recursos tecnológicos que surgiram como forma de organizar e estruturar materiais educacionais digitais. O estudo de Tarouco et al. (2006) apresenta a

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estratégia de capacitação de professores e alunos para a construção de objetos de aprendizagem, exercendo o processo de autoria. As autoras testaram as ferramentas de autoria Powerpoint (com VBA), Hotpotatoes e Flash com professores e estudantes de curso de Licenciaturas em Pedagogia, Matemática, Geologia e outras e, segundo elas, em todos esses ambientes de desenvolvimento, verificou-se que os professores e alunos foram capazes de projetar e desenvolver objetos de aprendizagem voltados à sua área de interesse e atuação docente. E, especificamente para os professores, os exemplos de soluções de problemas foram o suporte para a criação de novas estratégias didáticas pelos professores formadores. Tais relatos de experiência descrevem casos de sucesso na utilização de jogos digitais e de objetos de aprendizagem e vislumbram suas potencialidades para usos educacionais, comprovando a importância desses recursos para a aprendizagem dos alunos e para formação do professor, sendo que existem também experiências específicas de investigação do uso desses recursos para o ensino-aprendizagem de conteúdos matemáticos, como o de Martins et al. (2009), porém destinado somente para as séries iniciais do ensino fundamental. Especificamente para o ensino da Matemática o uso de jogos digitais e de objetos de aprendizagem pode trazer contribuições como: desenvolver a criatividade, a capacidade de reflexão, o senso crítico e as diferentes estratégias para a resolução de problemas. Também é apresentada, nos estudos de Moura (1994), Grando (1995, 2000, 2004) e Marco (2004), a capacidade de revelar e/ou desencadear conceitos matemáticos no processo de aprendizagem.

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Dessa maneira, os jogos (digitais), hoje, são mais uma ferramenta que o professor tem para usar didaticamente, apesar disso esse uso ainda é pouco frequente. Com isso, o subprojeto do PIBID aqui relatado, aprovado na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), teve por objetivo inserir os jogos digitais na formação docente dos licenciandos de Matemática, instrumentalizando-os, para ser remetido seu ensino na formação discente nas escolas públicas do semiárido.

Metodologia É nesse contexto que se insere o subprojeto intitulado “Diversão  Aprendizagem

= Diversagem: aprendendo a Matemática por

outros caminhos” que foi desenvolvido em 4 escolas da Rede Pública

Estadual do Rio Grande do Norte situadas nas cidades onde estão localizados dois dos polos de apoio presencial de uma universidade pública federal do semiárido potiguar e que foram parceiras da universidade na formação da nova geração de educadores matemáticos que atuarão no estado, bem como foram selecionadas duas escolas da cidade sede da universidade. Por meio desse projeto, 40 professores-alunos da Licenciatura em Matemática foram inseridos como bolsistas em uma pesquisa de intervenção didática por meio da participação no Projeto Político Pedagógico das escolas, sob a orientação de 4 professores das referidas escolas, atuando como supervisores bolsistas, desenvolvendo atividades de extensão integradas ao ensino da didática de conteúdos matemáticos com a utilização de jogos digitais e objetos de aprendizagem.

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O projeto fez parte do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), uma das políticas públicas implementadas pela CAPES para incentivo à formação de professores através da mobilização de instituições, docentes e estudantes que lidam com a formação de professores para a educação básica, com o intuito de socializar, debater e implementar práticas formativas referentes às licenciaturas. O PIBID visa criar possibilidades para que as instituições formadoras, por meio de seus professores e estudantes, promovam a análise, proposição e intervenção nas políticas públicas referentes à formação de professores e à educação básica no Brasil vislumbrando um caminho promissor para atingir o tão almejado objetivo da qualidade da educação. Tais proposições têm relevância em decorrência do panorama atual caracterizado por mudanças em todas as dimensões da vida social e educacional no mundo e no Brasil, as quais têm requerido políticas mais coerentes com esse contexto e mais especificamente, políticas para a formação de professores que possibilitem fazer frente aos inúmeros desafios postos cotidianamente para esses profissionais. Assim, o espaço da escola pública passa a ser o campo de experiência desses professores-alunos para a sua construção/ constituição como educadores matemáticos durante o curso de graduação, fortalecendo o vínculo da universidade com a sociedade. Para tanto, foi realizado um processo seletivo tanto para os alunos da Licenciatura em Matemática, quanto para os professores de Matemática das escolas participantes do projeto que demonstraram interesse em participar da iniciativa. Na seleção dos alunos

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para atuarem como bolsistas foram utilizados os seguintes critérios: a) disponibilidade para dedicar-se às atividades do PIBID; b) comprometimento com a licenciatura; c) interesse em exercer atividades docentes na educação básica; c) experiência em atividades relacionadas à docência e/ou ao magistério; e d) participação efetiva em eventos relacionados à educação. Já na seleção dos professores de Matemática para atuarem como supervisores foram utilizados os seguintes critérios: a) disponibilidade para dedicar-se às atividades do PIBID; b) comprometimento com a docência; c) experiência em atividades relacionadas à docência e/ou ao magistério; d) participação efetiva em eventos relacionados à educação; e e) interesse em dar continuidade à formação docente. Posteriormente à seleção dos bolsistas foi dado início à implantação do projeto, cuja pesquisa em questão foi organizada em 4 fases: Fase I – Formação dos professores-alunos para o trabalho na didática de conteúdos matemáticos usando jogos digitais e seleção dos jogos a partir da correlação das potencialidades desses com as orientações dos Planos Curriculares Nacionais (PCNs) para cada um dos eixos da Matemática; Fase II – Diagnóstico e análise a priori da situação de ensino-aprendizagem de Matemática nas escolas antes da implementação do projeto e observação da prática docente no ensino de Matemática nas escolas; Fase III – Intervenção nas escolas a partir do ensino de conceitos matemáticos para alunos do ensino fundamental

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II (6º ao 9º anos) utilizando jogos digitais nos laboratórios de informática das escolas; Fase IV – Diagnóstico e análise a posteriori da situação de ensino-aprendizagem de Matemática nas escolas com a implantação do projeto, análise do desenvolvimento da escola após a intervenção; análise dos impactos na prática docente após a intervenção; estudo comparativo da situação de ensino-aprendizagem de Matemática entre as escolas do projeto. A interação dos licenciandos com os alunos das escolas ocorreu de quatro diferentes formas: a) como observadores na sala de aula de Matemática; b) planejando e realizando as aulas em laboratório; c) na Olimpíada de Jogos Digitais; e d) em demais atividades extra-curriculares propostas pela escola.

Figura 2: momentos de interação entre licenciandos em Matemática e alunos das escolas

Tal interação caracteriza-se como ferramenta essencial, tanto para o aprendizado dos licenciandos sobre a prática docente, quanto

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para a motivação dos alunos das escolas, como pode ser obervado no relato dos licenciandos: Licenciando 3 – “Um dos objetivos alcançados foi a interação com os alunos, que é de suma importância para nossa formação pedagógica e o aprendizado dos alunos no meio escolar.” Licenciando 6 – “Durante as aulas era feita uma contextualização do conteúdo estudado, respeitando os conhecimentos prévios dos estudantes, de modo a proporcionar um espaço para que os mesmos explorassem os jogos e interagissem sobre o conteúdo”. Durante os momentos de interação com alunos e professores, ao levarmos novas práticas de ensino, transformamos também o modo de pensar dos professores de Matemática das escolas. Por fim, pudemos perceber também que ao utilizarmos metodologias que incluem o uso de tecnologias como meio de interação, como é o caso dos objetos de aprendizagem e dos jogos digitais, os alunos ficam mais motivados a assimilarem os conteúdos. Mesmo a literatura abordando a inserção das mídias digitais como um dos desafios presentes no currículo educacional atual é sabido que os recursos tecnológicos estão sendo utilizados de várias formas e que as diferentes mídias digitais contribuem para mediação do ensino e aprendizagem do professor para com o aluno, pois possibilitam ao docente utilizar formas criativas e interessantes

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de serem aplicadas em sala de aula. Dessa forma, o professor que se utiliza dessa metodologia, torna-se um profissional que contribui para uma educação transformadora, a qual provoca efeitos positivos na vivência educacional e social dos alunos. E essa postura se alinha com o proposto pelos PCNs de Matemática (2001), ao indicar que as metodologias utilizadas em Matemática Priorizem a criação de estratégias, a comprovação, a justificativa, a argumentação, a criticidade que favoreçam a criatividade, como também trabalhos coletivos, a iniciativa e autonomia construída mediante ao desenvolvimento, confiança e capacidade de conhecer e enfrentar desafios. Dessa forma, os recursos tecnológicos e todos os contextos teóricos citados e referenciados são de grande importância para formação do professor de Matemática, visando a um melhor desenvolvimento no sistema educacional, seja por meio de métodos práticos, investigações, interações, avaliações, planejamentos e observações, as quais possam construir novos pensamentos, metodologias e aplicabilidades que contenham propósitos por um melhor futuro de aprendizagem matemática voltada a formação educacional.

Ações de pesquisa Durante a implementação do subprojeto foram realizadas inúmeras ações, ordenadas e organizadas de acordo com as quatro fases metodológicas já citadas.

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Na fase I ocorreu a formação dos professores-alunos para o ensino da didática de conteúdos matemáticos por meio de jogos digitais e de objetos de aprendizagem, bem como a seleção dos jogos digitais e dos objetos de aprendizagem a partir da correlação das potencialidades desses com as orientações dos PCNs para cada um dos eixos da Matemática, para só então ser realizado o planejamento das ações de intervenção nas escolas. Para seleção dos objetos digitais de aprendizagem que seriam utilizados, os licenciandos, juntamente com os professores de Matemática das escolas parceiras, foram orientados a acessarem os principais bancos de objetos de aprendizagem e os selecionarem a partir de sua correlação com os conteúdos indicados nos PCNs. A partir da lista inicial de objetos, foram selecionados os que melhor permitiam o trabalho com os conteúdos, segundo critérios conceituais como completude, complexidade, nível de aprofundamento e correlação com a prática. O critério técnico adotado para seleção das ferramentas foi que pudessem ser executadas localmente, em função das condições precárias de Internet nas escolas. Os professores de Matemática auxiliaram os alunos na identificação dos conteúdos a serem trabalhados com cada um dos objetos de aprendizagem selecionados, bem como discutindo o método, a melhor forma de aplicar a ferramenta no ensino dos conteúdos. Essas discussões eram realizadas mensalmente, nas reuniões de planejamento das aulas práticas em laboratório, das quais resultavam os planos de aula para cada aula semanal de cada uma das turmas do 6º ao 9º anos. Algumas das ferramentas obtidas em bancos de objetos de aprendizagem públicos e selecionadas para o trabalho com os

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alunos foram: Jogo do enigma – para trabalhar com operações com números racionais, mais especificamente com frações; Cubo vermelho, vitral quebrado e ponte escura – para trabalhar raciocínio lógico; Jogo OX – para trabalhar potenciação; Calculadora quebrada e apocalipse – para trabalhar com números e operações; Tangram – para trabalhar geometria plana; Torre de Hanói – para trabalhar com números naturais.

Figura 3: aula de Matemática sobre frações, no laboratório da escola Coronel Solon, com alunos do 7º ano

Esse diagnóstico preliminar realizado em equipe com os professores da escola e os membros do projeto foi verificado também na pesquisa realizada por Poeta (2013) como se observa no trecho a seguir, Sobre a escolha dos jogos digitais, foi realizada uma sondagem com os professores participantes sobre o design

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dos jogos utilizados, as características que deveriam estar presentes nestes jogos e os elementos relativos aos aspectos do conteúdo disciplinar a ser trabalhado (POETA, 2013, p. 39). Do ponto de vista dos licenciandos, a seleção se deu da seguinte forma: Licenciando 6 – “Nessa escolha levamos em consideração, os jogos educativos que englobavam os conteúdos matemáticos que estavam sendo trabalhados e iriam ser ensinados no cronograma escolar da disciplina de Matemática no ensino fundamental maior. Os objetos escolhidos possuíam características de incentivar os discentes quanto à resolução de problemas e raciocínio lógico”. Já na fase II, foi realizado o diagnóstico da situação de ensino-aprendizagem de Matemática em cada escola, baseado no IDEB, a análise a priori da situação de ensino-aprendizagem de Matemática em cada escola e a observação da prática docente no ensino de Matemática nas escolas, através da aplicação de questionários e realização de entrevistas com alunos, professores e equipe gestora e da realização de testagens com os alunos; instrumentos esses que possibilitaram aos licenciandos a participação na elaboração, aplicação e análise dos dados coletados; experiência de pesquisa com a qual não haviam tido contato até então. Na fase III foi realizada a formação dos professores das escolas para o ensino de conceitos matemáticos por meio de jogos digitais

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e objetos de aprendizagem através de oficinas de exploração, bem como a efetivação do ensino de conceitos matemáticos para alunos do 6º ao 9º anos, utilizando objetos de aprendizagem e jogos digitais. Tal formação se deu a partir da construção colaborativa, pelos professores de Matemática e licenciandos, de estratégias de abordagem dos conteúdos com o apoio didático das ferramentas selecionadas, com a mediação da coordenação do projeto e, algumas vezes, da coordenação pedagógica da escola. A característica colaborativa desse trabalho possibilitou uma maior aceitação do uso das ferramentas pelos docentes, uma apropriação mais rápida da ferramenta pelos docentes e a mobilização dos saberes para aplicação na prática com as ferramentas. Na fase IV foi realizado um novo diagnóstico da situação de ensino-aprendizagem e Matemática em cada escola, o levantamento de dados sobre o desempenho da escola no IDEB, a observação da prática docente no ensino de Matemática a posteori, as análises do desenvolvimento da escola após a intervenção, dos impactos na prática docente e da situação de ensino-aprendizagem de Matemática em cada escola após a intervenção. Também foi realizado um estudo comparativo da situação de ensino-aprendizagem de Matemática nas escolas, comparando-se os diagnósticos, observações e análise a priori com os realizados a posteori. Para que as fases de implantação pudessem ser realizadas, a pesquisa contou com 4 etapas metodológicas, assim organizadas: a) coleta de dados; b) registro de dados; c) análise de dados e, d) avaliação.

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Na coleta de dados foi observada a legislação vigente, assim como os documentos norteadores (PCNs) e os projetos pedagógicos das escolas. Também foi realizada uma pesquisa etnográfica e o uso de instrumentos e técnicas de coleta de dados, como: aplicação de questionários, entrevista e grupos focais. Para o registro de dados foram utilizadas duas estratégias diferentes: a) os dados qualitativos organizados de acordo com os princípios da análise de conteúdo, utilizando os softwares NVIVO e CHIC; e b) os dados quantitativos tabulados de acordo com os princípios da análise estatística, utilizando o software SPSS. Já a análise de dados foi realizada utilizando quatro diferentes estratégias: a) análise estatística; b) análise de conteúdo; c) análise documental; e d) análise de ferramentas.

Ações de formação Para além das ações de pesquisa foram realizadas diversas ações e formação para a atividade docente, contemplando diferentes públicos: alunos bolsistas da licenciatura em Matemática, professores bolsistas supervisores nas escolas e demais professores de Matemática das escolas; sendo organizadas em dois tipos: a) ações de capacitação; e b) ações de planejamento. A literatura dedicada a esse assunto aponta entre os principais entraves para uma efetiva utilização dos recursos tecnológicos como instrumentos metodológicos, a ausência de formação específica dos professores de Matemática voltada ao uso de objetos digitais de aprendizagem. Os docentes não são formados para incluir as

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tecnologias como opção metodológica nas aulas, tendo em vista que as mesmas exigem recursos didáticos e métodos inovadores. As ações de capacitação envolveram a preparação dos alunos para o planejamento das aulas, orientações sobre a avaliação, seleção e utilização de objetos de aprendizagem e jogos digitais de aprendizagem, avaliação de livros didáticos, elaboração de instrumentos de avaliação e análise dos protocolos de aplicação dos instrumentos. As ações de planejamento envolveram o planejamento de conteúdos e a escolha das ferramentas, o planejamento das ações em sala de aula, a elaboração dos planos de aula, o planejamento das aulas no laboratório de informática, encontros mensais para planejamento geral das ações junto à coordenação do subprojeto, além do planejamento das Olimpíadas de Jogos Digitais e Matemática em cada escola (realizado no segundo semestre de cada ano de projeto), para a qual os alunos se organizavam em equipes, participavam de uma eliminatória na sua escola e as equipes vencedoras representavam suas escolas na final, realizada na universidade, bem como premiação e entrega de medalhas aos vencedores.

Figura 4: 5º encontro de formação – concepção e planejamento da operacionalização das Olimpíadas de Jogos Digitais e Matemática

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Na opinião dos licenciandos a Olimpíada de Jogos Digitais e Matemática configurou-se como fator motivador da aprendizagem dos alunos nas aulas de Matemática, conforme o depoimento de um dos licenciandos: Licenciando 1 – “A realização da Olimpíada de jogos digitais foi de suma importância para motivação e contribuição para o aprendizado dos alunos que fazem parte do PIBID”.

Avaliação A avaliação das atividades realizadas pelos atores do subprojeto foi coparticipativa, formativa e processual, envolvendo os gestores e professores das escolas, o coordenador de área e os supervisores do subprojeto, visando não à avaliação do sujeito, mas à avaliação dos impactos da implantação do projeto nas escolas. Também foi incluída no processo avaliativo a autoavaliação de bolsistas de iniciação à docência, supervisores e coordenador de área. Para cada etapa de avaliação foram elaborados instrumentos adequados às atividades realizadas, como questionários com questões fechadas e abertas, entrevistas semiestruturadas e roteiros para realização de grupo focal. O registro das atividades e percepções dos atores envolvidos foi realizado através de relatórios parciais e finais, redigidos com base nas observações e nas gravações de áudio realizadas durante a atuação nas escolas.

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Outro fator importante foi a possibilidade da avaliação processual, realizada nos momentos de aulas em laboratório, onde os professores de Matemática puderam perceber o nível de apropriação dos alunos sobre o conteúdo trabalhado em sala de aula, como pode ser verificado no relato de uma das professoras: Professor 1 – “A interação dos alunos com o jogo foi boa. Em alguns momentos foi perceptível a dificuldade de alguns alunos em pensar sobre como efetuar a jogada antes de realizá-la.” Os depoimentos dos licenciandos também corroboram a percepção dos professores, o que pode ser observado na fala de um deles: Licenciando 2 – “Alguns alunos sentiram dificuldades com o conteúdo, o que gerou um pouco de dificuldade nos jogos. Já outros que, certamente, aprenderam o conteúdo em sala de aula, não tiveram dificuldades com a ferramenta.”

Discussão dos resultados A receptividade ao projeto, tanto pela escola, quanto pelos professores de Matemática foi primordial para o bom andamento do mesmo e a expectativa e a motivação dos alunos fizeram surgir novas ações não previstas anteriormente, durante a fase de planejamento, como uma Olimpíada de Jogos de Matemática Digitais, que

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foi organizada pelos licenciandos e supervisores de cada escola, com o apoio da coordenação do projeto. Os resultados alcançados foram categorizados segundo os atores por eles beneficiados, como segue: a) alunos da UFERSA; b) professores das escolas parceiras; c) alunos das escolas parceiras; d) escolas parceiras; e) Curso de Licenciatura em Matemática a Distância da UFERSA.

Para os alunos UFERSA Como resultados principais alcançados em benefício dos alunos da UFERSA participantes como bolsistas da pesquisa pode-se citar a preparação desses para a carreira docente na área de Matemática em escolas públicas, a partir do conhecimento do contexto educacional das escolas, da observação da prática docente, da experiência de intervenção supervisionada e, principalmente, através do planejamento das aulas e dos registros das atividades realizadas, que fizeram com que eles fossem capazes de refletir sobre a própria prática, conforme pode ser observado na fala de um dos licenciandos: Licenciando 3 – “A observação das aula, nos proporciona um olhar mais amplo e vivência sobre a realidade dos alunos em sala de aula.” As formações/orientações para implantação do projeto e intervenção em sala de aula permitiram a preparação dos alunos bolsistas para a atuação em projetos de extensão o que, segundo os

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licenciandos, quando questionados sobre a participação no projeto, configurou-se como uma contribuição importante: Licenciando 5 – “[...] um ótimo conhecimento educacional para minha formação profissional.” Outro aspecto importante foi a preparação dos alunos bolsistas para a realização de pesquisas científicas sobre a prática docente em educação matemática, a partir de capacitações que os qualificaram a elaborar, aplicar e analisar os instrumentos de coleta de dados, bem como da capacitação para avaliação de livros didáticos a partir das dimensões apresentadas nos PCN’s. De forma mais abrangente, pode-se dizer que o projeto contribui para a formação dos futuros professores que podem fazer a verdadeira revolução na educação no Brasil, pois apesar das dificuldades encontradas, buscaram soluções para utilizar as novas tecnologias na sala de aula, como pode ser observado no depoimento de um dos licenciandos: Licenciando 6 – “Foi bastante gratificante a minha participação no referido projeto e, por intermédio do mesmo e suas contribuições, nós licenciandos adquirimos mais incentivo sobre o futuro profissional e metodologias inovadoras que podem ser aplicadas em sala de aula, além da pesquisa e apresentações científicas em congressos. Existiram algumas dificuldades, mas elas não impediram que o projeto fosse executado, (...), é um grande orgulho ter participado do PIBID da nossa universidade.”

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Para os professores das escolas parceiras No que se refere aos professores das escolas parceiras, atuantes no projeto como bolsistas de supervisão, receberam a formação continuada sobre a avaliação de jogos digitais e objetos de aprendizagem relacionando-os aos conteúdos do currículo escolar, o que os preparou para a atuação como supervisores dos licenciandos em Matemática. Tanto as formações recebidas, quanto as orientações e acompanhamentos da coordenação do projeto contribuíram para a melhoria na qualidade do trabalho como docente e a melhoria da qualidade do ensino na área de Matemática, visto que foram identificadas mudanças de postura dos professores em relação às metodologias adotadas; sendo registradas diversas ocorrências de uso dos objetos de aprendizagem pelos professores para demonstração de aplicação prática dos conteúdos matemático em sala de aula, como pode ser verificado na fala dos professores: Professor 2 – “O pibid proporciona ao licenciando e a nós, professores, novas metodologias para se aplicar em sala de aula.” Professor 3 – “O projeto tem contribuído para melhorar nosso comportamento em relação às práticas de atividades extracurriculares, como também, tem nos tornados seres mais responsáveis, pois, temos que cumprir prazos estabelecidos para cada tarefa que é atribuída, isto faz com que o nosso desempenho melhore cada vez mais.”

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Um resultado importante, que cabe ser ressaltado é a valorização do professor da rede pública de educação básica enquanto profissional da educação, tanto por parte dos próprios alunos, como dos colegas professores (que valorizaram a seleção do colega para participação no projeto) e das direções das escolas, que não somente autorizaram a realização do projeto, como também apoiaram toda a sua execução.

Para os alunos das escolas parceiras Os alunos das escolas parceiras obtiveram como benefícios a melhoria da qualidade da aprendizagem na área de Matemática, em função do uso dos jogos digitais e dos objetos de aprendizagem para auxiliar o ensino dos conteúdos. O uso de jogos digitais e de objetos de aprendizagem para o ensino da Matemática nas turmas do 6º ao 9º anos do ensino fundamental comprovadamente contribuíram para a prática docente, visto que potencializaram o processo de ensino-aprendizagem, motivaram os alunos a aprender e possibilitaram que os alunos dessem mais significado ao seu conhecimento matemático, como pode ser verificado do depoimento de um dos licenciandos: Licenciando 7 – “[...] foi possível perceber a interação e motivação dos alunos em participar das aulas no laboratório, enfrentar os desafios que a Matemática proporciona através dos jogos digitais, trabalhando também a coletividade.”

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Também foram registrados dois resultados importantíssimos: o aumento do interesse dos alunos pela disciplina de Matemática o estímulo aos alunos das escolas públicas para o ingresso na universidade pública.

Para as escolas parceiras As escolas parceiras, nas quais a pesquisa foi realizada, obtiveram como principal resultado a contribuição para a melhoria na qualidade do ensino na escola, visto que seus professores foram capacitados e estimulados a utilizarem um espaço antes subutilizado, o laboratório de informática. Também se pode citar a melhoria da qualidade do ensino e aprendizagem na área de Matemática e o aumento da frequência das atividades experimentais na escola.

Para o curso de Licenciatura em Matemática a Distância da UFERSA Já no que se refere ao curso de Licenciatura em Matemática a Distância da UFERSA, pode-se dizer que a articulação do curso com as escolas e a comunidade foi um dos principais benefícios do projeto, visto que contribuiu para a consolidação da proposta de formação prevista no Projeto Pedagógico do Curso. Outro resultado importante foi a melhoria da qualidade do estágio supervisionado da licenciatura nas escolas da rede pública.

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Além desses, um dos principais problemas dos cursos a distância foi aqui minimizado, através da implantação do presente projeto: a evasão dos alunos do curso, que foi diminuída com o envolvimento dos alunos em atividades de extensão. Também pode-se citar como importante o aumento da valorização do magistério entre os alunos do curso, que passaram a valorizar mais a carreira docente por eles escolhida.

Resultados não previstos Como resultados não previstos no planejamento das ações e no estabelecimento das metas a serem alcançadas pelo projeto cabe ressaltar a melhoria dos índices educacionais das duas escolas situadas na cidade de Mossoró, que alcançaram índices mais altos dos que os anteriores no IDEB. No caso do Centro de Educação Integrada Professor Eliseu Viana, o IDEB de 2011 foi de 2,6, enquanto que o de 2013, posterior à realização do projeto, foi de 3,3, correspondendo a um aumento superior a 25%. Quando comparados esses resultados às metas previstas para os mesmos períodos, verifica-se que a escola alcançou a sua meta em aproximadamente 79% em 2011, passando para, aproximadamente, 89% de cumprimento da meta em 2013, conforme os dados apresentados na Tabela 1.

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ESCOLA CE INTEGRADA PROF ELISEU VIANA Ideb Observado

Metas Projetadas

2005

2007

2009

2011

2013

2007

2009

2011

2013

2015

2.8

2.4

2.0

2.6

3.3

2.9

3.0

3.3

3.7

4.1

Tabela 1: desempenho do Centro de Educação Integrada Professor Eliseu Viana Fonte: ideb.inep.gov.br, acessado em 27 de outubro de 2014

Poder-se-ia dizer que esse é um resultado isolado, porém também se repetiu na Escola Estadual Ambulatório Padre Dehon, cujo IDEB em 2011 foi de 3,1, enquanto o de 2013, posterior à implantação do projeto, foi de 3,9, correspondendo a um aumento também superior a 25%. Quando comparados os resultados às metas previstas para os mesmos períodos, verifica-se que a escola superou a sua meta em 3% em 2011, passando para uma superação de aproximadamente 14% da meta prevista para 2013, conforme pode ser verificado na Tabela 2. ESCOLA ESTADUAL AMBULATORIO PADRE DEHON Ideb Observado

Metas Projetadas

2005

2007

2009

2011

2013

2007

2009

2011

2013

2015

2.6

2.6

3.5

3.1

3.9

2.6

2.8

3.0

3.4

3.8

Tabela 2: desempenho da Escola Estadual Ambulatório Padre Dehon (Fonte: ideb.inep.gov.br, acessado em 27 de outubro de 2014)

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O uso de jogos digitais como objetos de aprendizagem no ensino da Matemática...

Considerações finais A motivação para o desenvolvimento do presente projeto surgiu da necessidade social de melhorar a qualidade do aprendizado de Matemática nas escolas públicas da região, através da formação dos atuais e futuros professores de Matemática, do estímulo aos alunos para o estudo da Matemática e, consequentemente, da melhoria da qualidade do ensino da Matemática. Apesar de ter sido um projeto inovador, o primeiro subprojeto do PIBID com bolsas específicas para os alunos de um curso a distância, esse foi extremamente exitoso, contrariando as expectativas da comunidade acadêmica que pensava não ser possível a realização de um projeto de extensão exigindo tamanho envolvimento de alunos de um curso a distância. O que pode ser confirmado através dos relatos dos próprios alunos que relataram que a sua participação no projeto do PIBID foi o fator motivador para eles não desistirem do curso, apesar das dificuldades enfrentadas ao longo do curso; fato esse que corrobora a importante mudança de postura dos licenciandos em relação ao seu compromisso com o curso de licenciatura. Objetivos instrucionais estabelecidos no início do projeto como o desenvolvimento de ações acadêmicas da Licenciatura em Matemática a Distância da UFERSA por meio da integração do ensino, pesquisa e extensão articulando ações da formação docente com a educação básica do sistema público, relacionando-as com as disciplinas de práticas e ensino e o estabelecimento de parcerias com escolas da rede pública buscando melhorar a qualidade do ensino de Matemática na educação básica a partir da integração

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de jogos digitais e objetos de aprendizagem nas práticas adotadas pelos docentes foram amplamente alcançados. Já os objetivos da valorização do magistério e da valorização do espaço da escola pública como campo de experiência para a construção do conhecimento na formação de professores de Matemática para a educação básica no uso de novas tecnologias, extrapolaram as expectativas dos pesquisadores, visto que o incentivo aos professores da área de Matemática a participarem de práticas inovadoras no processo de ensino-aprendizagem acabou não só por motivar os alunos bolsistas, quanto incentivar os outros colegas professores e contagiar o ambiente escolar. Outros dois objetivos que superaram as expectativas dos pesquisadores foram o da elaboração de experiências práticas que contribuam para a melhoria da qualidade do ensino de Matemática nas escolas parceiras e o de proporcionar aos professores de Matemática a participação nas ações, pois tais experiências metodológicas e práticas docentes inovadoras, articuladas com a realidade da escola e da região do semiárido e da sociedade tecnologizada, acabaram não só por motivar os alunos das escolas públicas a participar das aulas de Matemática com mais entusiasmo, como também abriram novas perspectivas motivacionais de acesso à universidade. Tão importante quanto os objetivos institucionais, da valorização do magistério e da valorização do espaço da escola pública, da elaboração de experiências práticas e de proporcionar aos professores de Matemática a participação nas ações são as expectativas dos alunos, diagnosticadas no início do projeto e validadas ao final, foram integralmente alcançadas e dizem respeito a mudanças nas

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aulas de Matemática através de: a) inserção de novas tecnologias nas atividades; b) inserção de novos métodos de avaliação; c) modificação nas formas de ensino através da adoção de jogos e outros elementos de aprendizagem; d) elevação das notas das atividades desenvolvidas por eles; e e) que passassem a gostar de Matemática. Alguns desses resultados podem ser corroborados por Costa et al. (2012), bolsistas do projeto que discutiram os resultados parciais do último ano de execução do projeto no artigo “Tecnologias da informação e comunicação e a educação matemática”, apresentado no VII Encontro Paraibano de Educação Matemática, cuja temática tratou das concepções contemporâneas do trabalho com educação matemática. Essa iniciativa contribuiu para a ampliação e o aprofundamento da discussão sobre a relação do professor com os recursos de apoio à aprendizagem, como os jogos digitais e os objetos de aprendizagem, não somente no ambiente escolar, como também no ambiente universitário. Possibilitou a aplicação prática dos recursos de tecnologias digitais no âmbito da educação matemática. Porém, apesar de todos os resultados positivos, foram encontradas dificuldades relacionadas à execução do projeto de pesquisa, como poderia acontecer em qualquer pesquisa de campo, como a falta de professores de Matemática nas escolas, o adiamento dos trabalhos em virtude da greve dos profissionais da educação no estado e problemas relativos ao funcionamento dos laboratórios de informática nas escolas. Cabe ressaltar que, apesar da criação e modificação de artefatos ser considerada um novo e promissor campo de pesquisa,

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esse não foi um objeto da presente pesquisa, pois o considerado primordial foi a apropriação dos professores sobre as ferramentas/ recursos e a capacidade desses de analisar e avaliar de que maneira eles influenciam na prática da didática da Matemática em sala de aula e/ou no laboratório de informática. Dessa forma foi possível observar a influência desses recursos não só no trabalho individual do professor de Matemática, como também no seu trabalho coletivo de planejamento e execução das aulas juntamente com os licenciandos em Matemática e da sua interação com os alunos durante as aulas em laboratório. Tal perspectiva nos permite uma base fundamental do funcionamento desse tipo de projeto nas escolas públicas do Rio Grande do Norte, preparando os professores e licenciandos para selecionarem de forma eficaz os recursos de apoio a aprendizagem e preparando-os para futuros projetos como, por exemplo, o desenvolvimento de seus próprios objetos de aprendizagem ou outras ferramentas educacionais.

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Possibilidades de uso de software educacional no processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo Rafaela Bohrz (UPF) Márcia de Borba Campos (PUCRS)

Introdução Este estudo possibilitou, ao longo de seu desenvolvimento, a reflexão acerca do uso do software educacional no processo de ensino e de aprendizagem do aluno surdo e de sua importância para a potencialização no desenvolvimento desse sujeito. O desenvolvimento tecnológico das áreas da informática, especialmente a Internet, pode ser visto como uma revolução, que influencia os indivíduos, permitindo avanços em muitas áreas, inclusive no âmbito da educação. A qualidade da educação deve ser direito de todos os indivíduos da sociedade, independente da situação e das características físicas e sensoriais. Nesse sentido, a inclusão dos surdos sempre gerou polêmica na educação, porém recentemente tomou um novo caminho. Através da aprovação do Decreto Federal nº 5626, de 22 de dezembro de 2005, foi estabelecido que alunos com deficiência auditiva têm direito a uma educação bilíngue nas classes regulares. Logo, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) deve ser aprendida pelos

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indivíduos surdos o mais cedo possível através da aprendizagem com outros surdos ou com seus usuários. Diante dessa situação, questiona-se sobre a possibilidade e sobre a importância do uso do software educacional no processo de ensino e de aprendizagem do aluno surdo. Entende-se que os professores de LIBRAS e intérpretes que desejam ser pautados pela modernidade no ensino da Língua Brasileira de Sinais deverão repensar sua concepção de ensino de modo a potencializar sua ação pedagógica, através da compreensão e utilização dos avanços tecnológicos na sala de aula. Nesse contexto, este capítulo busca responder à seguinte questão-problema: como o uso do software educacional pode potencializar o processo de ensino e de aprendizagem do aluno surdo? Frente aos impactos que o avanço da tecnologia traz à humanidade e à educação, sabe-se que a Internet vem auxiliando pesquisadores e professores interessados em melhorar suas atuações e o desenvolvimento de suas tarefas. Assim, a investigação proposta se justificou por sugerir o uso do software educacional para potencializar o processo de ensino e de aprendizagem do indivíduo surdo e a aprendizagem das línguas de sinais, proporcionado, então, a inserção dos alunos em uma rede de comunicação e de interação que está cada vez mais acessível a todas as pessoas. Por fim, a partir das questões de investigação propostas, este capítulo objetivou: a) aprofundar o conhecimento sobre a educação de surdos, sobre a língua de sinais e sua forma de escrita; b) identificar diferentes softwares e aplicações da Internet que fazem uso da língua de sinais; c) verificar a forma como o software educacional e

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suas funcionalidades de comunicação e interação podem ser utilizadas no processo de ensino e de aprendizagem do aluno surdo; d) refletir sobre a necessidade de que os docentes e os intérpretes estejam preparados para aproveitar as amplas possibilidades comunicativas e informativas da Internet, no âmbito educacional; e) sugerir atividades em Língua Portuguesa, LIBRAS e Signwriting; e f) incentivar o acesso às informações e à familiarização de alguns softwares e aplicações disponíveis na rede, ampliando os conhecimentos e práticas educacionais do professor do aluno surdo.

Educação do aluno surdo Acredita-se que, para melhor entender o contexto atual das abordagens educacionais voltadas para o ensino do aluno surdo, é necessário fazer um retrospecto na história. Por limite de espaço no texto, apresentamos um breve resumo. O início da educação dos surdos aconteceu na Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média e Moderna, Idade Média e Moderna com Gallaudet, filantropo e fundador da primeira escola americana para o surdo. No Brasil, em meados do século XIX foi criado o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que, para o Ministério de Educação do Brasil, é reconhecido como Centro de Referência Nacional na Área da Surdez, exercendo os papéis de subsidiar a formulação de políticas públicas e de apoiar a sua implementação pelas esferas subnacionais de Governo.

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Com relação à educação de surdos, há três correntes ou propostas educacionais (BRITO, 1995; CAMPOS, 2001; KARNOPP, 1994; QUADROS, 2000): a oralista, a bimodal e a bilinguista. A oralista preocupa-se, basicamente, com a oralização e não permite a utilização da língua de sinais nas escolas. A corrente bimodal caracteriza-se pela utilização da língua de sinais juntamente com a utilização da língua oral sendo considerada, de acordo com Rinaldi et al. (1997), uma técnica manual da oralista. A bilinguista, por sua vez, reconhece a língua de sinais como a língua materna (L1) dos surdos, a que eles percebem, produzem e utilizam de maneira natural, ao mesmo tempo que reconhecem a língua da sociedade ouvinte em que os surdos vivem como a segunda língua, a L2. Concordando com Campos (2001), não há como desenvolver um trabalho na área de educação de surdos sem que haja um posicionamento frente às alternativas ideológicas, pedagógicas e metodológicas representadas por essas correntes. Neste estudo, assume-se a proposta bilíngue e bicultural na qual, segundo Jokinen (1999), muitos dos problemas enfrentados pelos surdos partem dos obstáculos que residem no ambiente e não na pessoa em si. A língua de sinais possui uma estrutura independente da língua oral de seu país. Nesse sentido, a LIBRAS representa a língua brasileira sinalizada, ou vice-versa. E, assim como as línguas orais, possue uma gramática com regras específicas. O sistema fonológico, por exemplo, estuda as configurações das mãos, o ponto de articulação e os movimentos, que são tidos como parâmetros primários, e a região de contato, orientação e disposição das mãos, que são consideradas

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como parâmetros secundários morfológico e sintático. O sistema morfológico trata das características quanto ao gênero, grau, tempo e negação na LIBRAS, por exemplo. Sobre a organização sintática básica da LIBRAS, Fernandes (1999) descreve que segue a ordem Objeto-Sujeito-Verbo (OSV), enquanto Brito (1995), Felipe (1997) e Stumpf e Quadros (2000) descrevem que segue a estrutura SVO.

Figura 1: exemplos de sinais em LIBRAS

A Figura 1 traz a representação gráfica de alguns sinais e sua escrita baseada no sistema SignWriting. Esse sistema de escrita de língua de sinais foi criado por Valerie Sutton em 1974 e permite representar as configurações de mãos, pontos de articulação, movimentos e expressões faciais. Neste estudo foram analisados diferentes softwares que fazem uso do SignWriting para representar os sinais. Dentre esses, destacamos: SignED (Figura 2), SignSim (Figura 3), SignMail (Figura 4), Signtalk, Signhtml, Signhq, Signwebedit (CAMPOS e SILVEIRA, 2007), conforme ilustrado a seguir.

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Figura 2: SignED: editor de escrita de língua de sinais

Figura 3: SignSim: tradutor semiautomático de LIBRAS para Português, e vice-versa

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Figura 4: SignMail: ferramenta de envio de emails em LIBRAS

Foram ainda pesquisados alguns exemplos de softwares e de aplicações da Internet que fazem uso da língua de sinais. Dentre esses, os dicionários, tradutores, ferramentas e outros recursos de tecnologia assistiva para pessoas surdas. Percebe-se, portanto, que a partir do uso de softwares educacionais no processo de ensino e de aprendizagem e no seu dia a dia, o indivíduo surdo terá acesso a inúmeras possibilidades de aprendizagem e à produção de conhecimento. Igualmente, estará se incluindo em um contexto social e cultural que exige, cada vez mais, a inclusão de elementos tecnológicos de cooperação, interação e colaboração à sua vida. Na próxima seção são sugeridas diferentes atividades com o uso do software de criação EdiLIM. Optou-se por essa ferramenta, pois é de fácil uso e entendimento e auxilia na elaboração de atividades lúdicas, as quais possibilitam um aprendizado de LIBRAS diferenciado.

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Sugestões de atividades No contexto deste capítulo foram desenvolvidas oito atividades com o uso do EdiLIM, que é um editor de livros interativos. Tal ferramenta permite a elaboração de atividades e materiais educativos, proporcionando a interação entre aluno e conteúdo através de atividades lúdicas. Além de possuir uma interface agradável, pode ser usado em várias disciplinas. São características desse software educacional: •

Possibilita que as aplicações desenvolvidas possam ser disponibilizadas na Internet e seu uso não requer instalações adicionais por parte do usuário;

Possui facilidade em seu uso;

Propicia o desenvolvimento de atividades variadas, atrativas e interativas;

Permite o uso de recursos multimídias;

Oportuniza ao professor incluir feedback em cada atividade, motivando os alunos e impedindo que eles desistam dos exercícios quando se depararem com um erro;

Disponível para download na Internet, sem custos, por meio do endereço: http://edilim.br.uptodown.com.

Nesse sentido, o EdiLIM é um recurso bastante valioso para o desenvolvimento de aplicações por parte do professor, em um primeiro momento, e por parte dos alunos que podem ser os au-

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tores de suas atividades ou de atividades que podem compor uma biblioteca de jogos da turma. O público-alvo dos jogos foram alunos alfabetizados em LIBRAS e outros que estão em fase de alfabetização em Língua Portuguesa. As atividades desenvolvidas foram: a) jogo Memória dos Números, b) jogo Memória da Família, c) caça palavras – Mundo Animal, d) SignFrutas, e) Ordenando as Vogais, f) Palavra Secreta, g) Anifrutas? O que é animal, o que é fruta?, h) jogo da memória – Frutas. Ressalta-se ainda, que tais atividades podem ser utilizadas por ouvintes, que estejam aprendendo a LIBRAS. A primeira atividade desenvolvida, jogo Memória dos Números, objetiva a revisão do vocabulário de números e o encontro dos pares, sendo que alguns cartões monstrarão o sinal dos números e outros mostrarão figuras de animais. Para enriquecer a brincadeira, o professor poderá discutir com a turma as estratégias para localizar as figuras no espaço, como a fixação de um ponto de referência e a observação do entorno de uma figura. Ademais, o docente poderá também conversar ao término de cada partida para socializar as táticas usadas por cada jogador e, ainda, trabalhar com os sinais e elaboração de frases envolvendo os animais que foram apresentados nos cartões, como vocabulário de adjetivos, cores, habitat etc.

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Figura 5: jogo Memória dos Números

A próxima tarefa desenvolvida, jogo Memória da Família, visa ao encontro do sinal com o seu respectivo significado, dentro do vocabulário família. No decorrer do jogo, os participantes usam sua percepção e memória para se lembrarem das figuras que forem, temporariamente, descobertas. Enquanto os pares vão se formando, restarão apenas as duplas não descobertas para serem viradas. Nesse jogo não haverá vencedor, o essencial será o reconhecimento das imagens.

Figura 6: jogo Memória da Família

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O caça palavras – Mundo Animal caracteriza-se pela busca do conhecimento a respeito da temática animais. Na sua dinâmica, o jogador deverá procurar no quadro as palavras que simbolizam os sinais das imagens, clicando sobre as letras para selecioná-las. As palavras encontradas ficarão em verde e poderão estar dispostas na horizontal, vertical e diagonal. Conforme o aluno for encontrando as palavras, as imagens ficarão esmaecidas. Nessa atividade, o professor irá avaliar a percepção do aluno e, partindo disso, também poderá trabalhar com produções textuais, pedindo para que os alunos elaborem frases que contenham o vocabulário dos animais presentes no caça palavras. O docente poderá também discutir com os alunos quais foram as estratégias utilizadas para encontrar as palavras como, por exemplo, a observação da lista de palavras disponibilizadas e a procura pelas palavras que possuam letras que se destaquem (Q, O, U, X, e Z); identificação dos dígrafos, que são letras que aparecem algumas vezes acompanhadas com outras (“NH”, “LH”), visto que a probabilidade delas aparecerem juntas no jogo, composto por letras aleatórias, não é grande; e, por fim, discutir sobre a técnica de varredura, isto é, observar linha por linha (ou coluna por coluna) da esquerda para a direita (ou de cima para baixo) em busca das palavras que estão faltando.

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Figura 7: caça palavras – Mundo Animal

Já o game SignFrutas tem como objetivo relacionar o sinal em Signwriting com a imagem da fruta que ele representa. O jogo é semelhante a um quebra-cabeça, no qual as peças deverão se encaixar. Quando elas formam o conjunto correto aparece a mensagem “Correto”, caso contrário o aluno visualizará na tela a mensagem “Tente novamente” e, com isso, deverá tentar relacionar novamente a peça, encontrando seu destino certo. Com o objetivo de auxiliar na realização dessa atividade e de sanar as possíveis dúvidas, sugere-se que o professor proponha como material complementar para pesquisa o Dicionário Português SignWriting.

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Figura 8: SignFrutas

O próximo jogo, Ordenando as Vogais, visa ao reconhecimento da posição das vogais no sistema alfabético. Para isso, os alunos deverão reorganizar as vogais de acordo com seus conhecimentos. No momento em que uma das peças for colocada em posição incorreta, o aluno receberá um feedback, informando o erro. Somente após todas as vogais estarem nas posições corretas, ele receberá um retorno positivo. Como forma de complementar o jogo e desenvolver as habilidades em LIBRAS, o professor explicará a segunda parte do jogo, na qual os alunos deverão relacionar novamente as vogais, porém representadas em LIBRAS. O funcionamento do jogo será o mesmo, visto que as peças colocadas de forma incorreta ocasionarão um feedback negativo, que pedirá para o aluno refazer a atividade. A atividade será concluída quando todas as vogais estiverem organizadas na forma correta. Sugere-se também que o professor apresente a terceira parte desse exercício de fixação, a qual compreende a organização das

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vogais, porém escritas com o Signwriting. Assim, o professor deverá explicar que o objetivo dessa parte continua o mesmo, sendo que o aluno deverá organizar as peças na ordem correta. Assim, quando estiver pronto, poderá conferir seu desempenho e receberá outra mensagem aprovando a sua tarefa.

Figura 9: Ordenando as Vogais

O próximo game é inspirado na obra “O livro do Bentinho”1, escrita em Língua Portuguesa e em Signwriting. Em seguida, o docente deverá propor a atividade denominada palavra secreta, onde inicialmente os alunos são convidados a ler um trecho da história. Após a leitura do trecho inicial, o aluno deverá refletir sobre esse fragmento e descobrir qual é a palavra secreta. Para isso, deverá selecionar algumas letras que estão dispostas abaixo do campo da palavra principal.

1. História disponível em: <http://www.signwriting.org/archive/docs1/sw0063-BRLivRinHo.pdf>

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Cada letra que é selecionada, quando correta, aparecerá no campo azul, dando forma para a palavra secreta. Quando o aluno erra uma das letras, acaba perdendo oportunidades, “vidas”, uma vez que a cada erro os números (de um a seis), dispostos no canto direito, diminuem. O aluno concluirá as atividades quando selecionar todas as letras corretas e encontrar a palavra que define o sinal expresso na imagem, através do Signwriting.

Figura 10: Palavra Secreta

No jogo seguinte, Anifrutas? O que é animal, o que é fruta?, os alunos estudarão nomes de frutas e de animais. As cartas deverão ser retiradas e seu sinal observado pelo discente. Após isso, ele deverá escolher em qual coluna relacionará a carta, na coluna da esquerda, das frutas, ou coluna da direita, dos animais. As imagens serão inseridas uma embaixo da outra, ficando essas dentro do quadro delimitado. Caso o aluno tenha dúvidas quanto ao vocabulário, ele poderá acessar o dicionário online de LIBRAS.

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Ao concluir a atividade, o aluno poderá clicar na seta situada na parte inferior da tela (check) e receberá um feedback sobre sua atividade. Se algumas cartas foram colocadas em colunas inadequadas, sugere-se que o jogador observe as cartas, recolocando as erradas em seus devidos lugares. Após a correção da posição das cartas, o discente receberá um retorno positivo, indicando que sua atividade foi realizada corretamente. Como atividade complementar, indica-se que o professor incentive o aluno a criar um dicionário ilustrado, no qual poderá citar as vitaminas da fruta, mostrar como cortá-la, de que forma ela nasce etc. Em relação aos animais, propõe-se que seja ilustrado o seu habitat, modo de andar e comer, partes do corpo e assim por diante.

Figura 11: Anifrutas? O que é animal, o que é fruta?

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Por fim, a última atividade proposta, jogo da memória - Frutas, propõe que o aluno descubra os pares de imagem, que possuem a inicial do nome da fruta em LIBRAS e em Signwriting. Conforme o jogador for encontrando as cartas iguais, essas serão destacadas com uma cor, sinalizando os pares. Espera-se que o discente encontre os pares das seis diferentes frutas ilustradas nesse jogo. Quando todas as peças forem encontradas, todas poderão ser vistas. Sugere-se que nessa etapa o professor reflita com seus alunos acerca da semelhança entre as letras iniciais do nome da fruta em LIBRAS e em Signwriting. No final, o professor deverá complementar a atividade pedindo para que o aluno apresente aos colegas uma característica da fruta. É necessário que essas características iniciem com a mesma letra do nome do alimento. Sugere-se, ainda, uma dinâmica de memorização de vocabulário, a fim de rever o que já foi aprendido. O docente deverá dizer em LIBRAS: “Nesta cesta tem...” e completa com o nome de uma fruta usada no exercício anterior. O aluno responderá com o nome da fruta citada pelo professor e acrescentará uma nova fruta citada no jogo. O terceiro dirá a fruta do docente, do primeiro colega, e assim por diante. Todos os discentes participarão dessa atividade, a qual resultará em uma revisão de vocabulário.

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Figura 12: jogo da memória - Frutas

Metodologia O estudo envolveu uma metodologia qualitativa e quantitativa, a fim de coletar os dados com o uso de instrumentos com professores de alunos surdos. Para abordar qualitativamente a possibilidade de uso de softwares educacionais no processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo e a validação das sugestões de atividades elaboradas, procurou-se reunir informações com o uso de entrevistas, as quais possibilitaram coletar diferentes depoimentos dos docentes surdos e ouvintes de LIBRAS. Já a justificativa da metodologia quantitativa ocorre por essa demonstrar as prováveis causas que os objetos dessa pesquisa estão sendo submetidos, bem como descrever o padrão de ocorrência dos eventos observados no estudo. Os sujeitos da pesquisa foram quatro professores ouvintes, os quais ensinam LIBRAS para alunos surdos, e uma professora surda, que tinha proficiência na leitura e escrita do Português.

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Para atingir os propósitos desse estudo, foi organizada uma reflexão em forma de nove perguntas guias, que buscavam verificar a importância do uso de softwares educacionais no processo de ensino e aprendizagem dos alunos surdos e a possibilidade de uso das atividades sugeridas com os alunos que os participantes acompanham. Seguem as perguntas: 1. Qual é a importância do uso de softwares educacionais no processo de ensino e aprendizagem dos alunos surdos? 2. Como esta tecnologia pode auxiliar professores na sala de aula? 3. Você utiliza jogos educacionais apoiados na Internet em sala de aula? Qual(is)? 4. Há uma variedade de jogos educacionais hoje para trabalhar com o ensino de LIBRAS e Língua Portuguesa para surdos ou ainda é difícil encontrá-los? 5. Soluções de softwares como o EdiLIM podem contribuir para esse processo? 6. Haveria possibilidade de uso das atividades sugeridas nesse trabalho com os alunos que você acompanha? Estas atividades estariam adequadas para o ensino de um determinado vocabulário? 7. Você tem alguma sugestão para que esses jogos educacionais possam ser aperfeiçoados? 8. Como inserir essa tecnologia na vida dos professores e dos alunos?

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9. Que expectativas você criou através desses jogos educacionais sugeridos? Você se motivou a fazer alguma atividade? Ressalta-se que essas perguntas não foram “engessadas”, visto que com o passar das entrevistas outras questões foram instigadas, todas de acordo com o objetivo proposto neste estudo

Resultados Como resultado das entrevistas, apresentamos alguns depoimentos sobre as atividades desenvolvidas no EDILIM: •

Além de dinamizar as aulas com recursos modernos e tecnológicos, o que atrai muito as crianças, de modo geral, possibilita trabalhar imagem, Português e LIBRAS. Tudo isso manipulado com discernimento e sabedoria cria ambiente favorável à alfabetização do aluno surdo e à interação com a turma de modo alegre e diretamente ligado ao cotidiano da maioria dos brasileiros de todas as idades. O mundo é imagem, cor, isso é leitura;

Com mais essa atividade, os alunos surdos com certeza poderão assimilar melhor os conteúdos, pois o que se utiliza é bastante visual. E a cada dia aparecem coisas novas, ajudando assim a pessoa portadora de necessidades especiais a crescer e evoluir, sentindo-se assim parte da sociedade;

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[as atividades] Despertam o interesse, as habilidades, dinamizando a aula, trazendo movimento à tarefa de ensinar e aprender;

[as atividades] Possibilitam facilidade de acesso e são ferramentas free, disponíveis para qualquer usuário, basta ele ter interesse. Os jogos criados contribuem para tornar as aulas mais interessantes, visuais e com gosto de brincadeira;

Será um atrevimento qualquer sugestão, pois é evidente o cuidado com a criação dos jogos. Talvez com o uso frequente possa sugerir, precisaria manusear mais e observar mais os alunos usando para dar qualquer opinião que não essa: os jogos são muito bons. Parabéns;

A forma de inserir essa tecnologia – jogos educacionais – na vida dos professores e dos alunos seria possível por meio da realização de pesquisas, visitas nas escolas, explanação para professores, colocando jogos em prática;

A inserção poderá ser realizada através de treinamento dos professores e interesse dos professores.

Para inserir essa tecnologia na vida dos professores e dos alunos, teríamos juntamente com os professores de Informática, estudar e procurar esses jogos educacionais, ou seja, os professores necessitam de um curso de formação de docentes para que se sintam a vontade de trabalhar com essas ferramentas de ensino, que possibilitam momentos diferenciados em uma aula.

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Possibilidades de uso de software educacional no processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo

Considerações finais Após a realização deste estudo, apresentam-se algumas considerações sobre o tema de investigação proposto, o qual objetivou, ao longo de seu desenvolvimento, a reflexão acerca da possibilidade de uso de softwares educacionais no processo de ensino e de aprendizagem do aluno surdo. As transformações tecnológicas em hardware e software têm provocado grandes impactos nas sociedades contemporâneas, especialmente a área de informática na educação tem colaborado com o processo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, existem diversos recursos vinculados à Internet que permitem ao professor o acesso a materiais em língua de sinais e na Língua Portuguesa, os quais são atualizados rapidamente, proporcionando aos docentes ouvintes e surdos mais possibilidades para o planejamento de suas aulas. Sem dúvida, para tanto, o professor deverá buscar cursos de formação continuada, tutoriais disponíveis na rede, que lhe auxiliem na construção desse conhecimento, modificando seu perfil docente e ampliando suas competências para trabalhar com software educativo no processo de ensino e de aprendizagem dos alunos surdos. Além disso, o docente ao selecionar os softwares, que irá utilizar em sala de aula, deverá ter cuidado com os materiais selecionados, a fim de desenvolver um roteiro de estudos em consonância com o plano de ensino. Ainda, o professor pode desenvolver seus próprios materiais didáticos digitais, por meio de ferramentas que permitam a construção de softwares educacionais. Para tanto, além

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do conhecimento sobre a tecnologia, o professor deverá definir os objetivos pedagógicos, sempre em consonância com o conteúdo que será trabalhado. Logo, é necessário haver uma metodologia para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça. Para que um software atenda às necessidades educacionais é preciso destacar a importância da formação de uma equipe inter e/ou multidisciplinar para a definição das etapas de planejamento, desenvolvimento, teste e implementação de softwares educacionais. No caso de não ser possível, o professor deve ter esse conhecimento interdisciplinar. Exemplificando, para desenvolver os softwares apresentados neste trabalho, precisou-se construir um referencial teórico sobre o processo de educação das pessoas surdas e sobre a Língua Brasileira de Sinais. A partir deste estudo, analisou-se os sistemas/ ambientes/softwares que utilizam LS e constatou-se que alguns são mais direcionados a pessoas ouvintes, outros a pessoas surdas, alguns para o ensino da LS e outros para o ensino da língua oral escrita. Em virtude da restrição do tempo, a avaliação ficou pautada nos recursos utilizados para o uso de LS e, nesse sentido, se pode verificar que são utilizados desenhos, animações, avatares, filmes e, mais recentemente, o sistema Signwriting para escrever os sinais. Também se verificou a falta de adequação de alguns softwares que se diziam próprios para o ensino de LS quando, de fato, traduzem palavras de uma língua oral para o alfabeto manual. Portanto, decidiu-se por elaborar alguns exemplos de atividades, que fizessem uso de língua de sinais.

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Possibilidades de uso de software educacional no processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo

O desenvolvimento de softwares com suporte à LS não é uma atividade trivial e foi discutido por Campos e Silveira (2007) em atendimento ao chamado da Sociedade Brasileira de Computação em 20062 no que se refere aos “Grandes desafios da pesquisa em computação no Brasil – 2006-2016”, especificamente no que tange ao “Acesso participativo e universal do cidadão brasileiro ao conhecimento”. Nesse trabalho, as autoras destacaram dificuldades com relação ao desenvolvimento de projeto de sistemas interativos para a Comunidade Surda, conforme segue (p. 2243-2244): •

Verificar formas de manipulação e escrita das línguas de sinais. (...), uma das alternativas utilizadas para a escrita de sinais em ambientes computadorizados é utilizar uma combinação de símbolos armazenados em arquivos de figura para compor a escrita de um sinal. Cada sinal passa a ser uma nova figura, sendo necessária descrição de seus componentes para mecanismos de busca, consulta ou predição de sinais;

Reforçando o incentivo ao desenvolvimento da Educação a Distância, (...) é preciso desenvolver ambientes virtuais de aprendizagem de língua de sinais possibilitando uma melhor divulgação e reconhecimento das línguas de sinais, tanto na comunidade surda como para comunidade ouvinte, no que se

2. “Grandes desafios da pesquisa em computação no Brasil – 2006-2016”, SBC, maio de 2006. http://www.sbc.org.br/index.php?option=com_jdownloads&Itemid=195&t ask=finish&cid=11&catid=50.

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refere a sua modalidade “falada” e escrita. Uma das grandes dificuldades em cursos de ensino de língua de sinais presencial refere-se ao material de apoio onde os alunos ainda precisam desenhar os sinais ao lado das palavras ou tentam explicar a configuração das mãos e os movimentos por meio da escrita da língua oral. Para cursos a distância que se restringem ao uso de vídeos, esses servem para a apresentação dos sinais, mas não como forma do usuário interagir e se comunicar a distância com seus pares. Há que se desenvolver ambientes de EAD com suporte à língua de sinais; •

Para o desenvolvimento de editores 3D de personagens (avatares) falantes da língua de sinais, fazem-se necessários estudos sobre a representação da expressão facial. Esses sistemas não devem ser vistos somente como sistemas de visualização, mas de criação de sinais em 3D. Devem, portanto, além de considerar as especificidades da expressão facial, considerar as configurações de mãos, tipos e velocidades de movimento, ponto de articulação, e contato.

Portanto, enquanto a comunidade da área da Computação direciona suas pesquisas para essas questões, nós, professores, devemos buscar uma formação interdisciplinar para aprender a selecionar e avaliar softwares educacionais e a desenvolver

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Possibilidades de uso de software educacional no processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo

atividades utilizando, por exemplo, softwares de construção de aplicações, apoiados por uma metodologia que vise à constituição do processo de ensino e de aprendizagem. Retornando a descrição da caminhada para a construção deste trabalho, optou-se por utilizar o software EdiLim para a elaboração de atividades lúdicas no computador. A escolha por esse recurso foi devido ao fato dele apresentar as seguintes características: •

É de fácil utilização;

Possui uma biblioteca de idiomas, incluindo o Português do Brasil;

Usuário não necessita conhecimentos de programação para a elaboração das atividades interativas;

Possui um conjunto de tipos de atividades;

Está disponível para download na Internet, sem custos;

Não necessita de instalação para ser utilizado;

Seu tamanho ocupa menos de 1MB, podendo ser salvo em pen drives;

Permite salvar as aplicações em formato HTML.

Após a elaboração das atividades, foram entrevistados alguns professores para mostrar-lhes as aplicações e recolher impressões sobre o uso de TIC em apoio ao processo de ensino e aprendizagem junto a alunos surdos. De forma geral, os professores sabem que

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o uso das TIC pode auxiliar e que o uso de softwares adequados ao contexto específico é que dará a devida dimensão ao uso dos computadores em sala de aula, mas muitos ainda não fazem uso dessas tecnologias. Finaliza-se este capítulo com questões para reflexão, e que foram apresentadas por Demo (2011): •

Persiste ainda vazio significativo entre o potencial das novas tecnologias e a prática escolar. Esta tende a continuar a mesma, e, quando lança mão de novas tecnologias, as usa para adornar vezos tradicionais. (p.16)

Inúmeros são os desafios, mas o maior parece ser docente. Para podermos influenciar positivamente nossos estudantes, é indispensável saber acompanhar as novas tecnologias e lidar com elas produtivamente. (p.22)

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Referências BRASIL. Deficiência auditiva. Brasília: MEC/SEESP, 1997. (Série Atualidades Pedagógicas). BRITO, L. F. Por uma gramática de línguas de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: UFRJ, Departamento de Lingüística e Filologia, 1995. CAMPOS, Marcia de Borba. Ambiente telemático de interação e comunicação para suporte à educação bilíngue de surdos. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Tese (Doutorado em Informática na Educação). UFRGS, 2001. CAMPOS, M. B., MAIOCCHI, D., BORTOLIN, M. de Borba. SIGNHQ: sistema de autoria para criação e leitura de histórias em quadrinhos com suporte à língua de sinais. XV Simpósio Brasileiro de Informática na Educação (SBIE). 2004. UFAM. Anais... 2004. Disponível em:< http://www.br-ie.org/pub/index.php/sbie/article/view/371>. Acesso em: 03 ago. 2011. CAMPOS, M. B., SILVEIRA, M. S. Promoção da cidadania da comunidade surda: o uso das TICs na apropriação de sua língua materna. XXXIV Seminário Integrado de Software e Hardware, 2007, Rio de Janeiro. Anais... Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2007. v. 1. pp. 2232-2246. EDILIM. http://www.educalim.com/cEdiLIM.htm. FELIPE, Tanya A. Introdução à gramática da LIBRAS. In: RINALDI, Giuseppe et al. (Org.) Educação especial. Deficiência auditiva. n.4. Brasília: SEESP, 1997. (Série Atualidades Pedagógicas). FERNANDES, Sueli. É possível ser surdo em português? Língua de sinais e escrita: em busca de uma aproximação. In: SKLIAR, Carlos (Org.) Atualidade da educação bilíngüe para surdos. Porto Alegre: Editora Mediação, v. 2, 1999. p. 59- 81. GÓES, M. C. R. Linguagem, surdez e educação. Campinas, SP: Autores Associados, 1999. INES. Instituto Nacional de Educação de Surdos. http:// http://www.ines.gov.br/ JOKINEN, Markku. Alguns pontos de vista sobre a educação dos surdos nos países nórdicos. In: SKLIAR, Carlos (Org.). Atualidade da educação bilíngüe para surdos. Porto Alegre: Editora Mediação, v. 1, 1999. p. 105-127.

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KARNOPP, L. B. Aquisição do parâmetro configuração de mão na Língua Brasileira dos Sinais (LIBRAS): estudo sobre quatro crianças surdas, filhas de pais surdos. Porto Alegre: PUCRS, 1994. 154 f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Instituto de Letras e Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1994. QUADROS, Ronice Müller de. A estrutura frasal da Língua Brasileira de Sinais. Congresso Nacional da ABRALIN, 2, 1999, Florianópolis. Anais... Florianópolis, Santa Catarina, 2000. (2000b) RINALDI, Giuseppe et al. (Org). Educação especial. Deficiência auditiva. n.4. Brasília: SEESP, 1997. (Série Atualidades Pedagógicas) SignWriting. http://www.signwriting.org/. STUMPF, Marianne Rossi; QUADROS, Ronice Muller. Apostila sobre o signwriting e a escrita da LIBRAS. (2000) (Trabalho preliminar).

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Tecnologias contemporâneas como instrumento auxiliar da educação em Artes Marina Vieira Gonçalves (IFBA) Luciene Teixeira Vieira Gonçalves (ETI Sueli Reche) O auxílio da tecnologia contemporânea na educação O surgimento da Internet transformou o modo de comunicação das pessoas, o que vem possibilitando transformações na área educacional que, ao utilizar seus mais variados recursos, propicia a inclusão e atende às demandas crescentes por ensino e aprendizagem. É nesse contexto que as tecnologias contemporâneas surgem como uma das mais importantes ferramentas de difusão da educação e do conhecimento. Observa-se que, por meio da aplicação da tecnologia da informação (TI) na educação, será possível mudar a perspectiva de ensino, pois, o desenvolvimento de novas tecnologias tem provocado uma revolução na sociedade, e também tem transformado os meios de fazer negócios, o modo de trabalhar das pessoas e proporcionado o desenvolvimento de alternativas em educação, que combinam os já conhecidos recursos educacionais com as contemporâneas ferramentas das tecnológicas de informação e comunicação (TICs) (MAIA, 2003).

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Há duas ou três décadas a TI tem se introduzido gradativamente na vida da sociedade, e hoje sua presença é tão generalizada que, às vezes, até passa despercebida. Em todas as horas do dia, em praticamente todas as atividades, o indivíduo tem contato direto ou indireto com equipamentos informatizados que interferem na forma como interage com o mundo, mesmo que não se dê conta disso. Transportes, comunicações, serviços financeiros, diversões e acesso a informações são algumas das áreas que foram significativamente aprimoradas com o advento da TI. Quando surgiu, na década de 1950, o computador estava restrito a centros de pesquisa e instituições governamentais, o que lhe conferia uma aura de mistério, tanto que, em seus primórdios, já foi chamado de “cérebro eletrônico” (LOHN, 2002). Apesar de seus recursos extremamente limitados, aparecia em cenários futurísticos como instrumento de ficção de uma realidade distante. Apenas seis décadas depois não é raro encontrar crianças ainda de tenra idade manipulando com toda a familiaridade tablets, mouses ou smartphnes, às vezes, até com mais naturalidade do que os adultos. Esses são alguns dos fatores que demonstram que a tecnologia já não pode mais ser dissociada do cotidiano, o que, por si só, já justifica o interesse por conhecê-la e por dominá-la. Apesar disso, em algumas áreas, ainda há certa dificuldade para absorvê-la e utilizá-la como instrumento facilitador de acesso ao conhecimento. A educação é uma delas, e ainda hoje se discute como deve ser a incorporação da informática ao ensino. No Brasil, segundo Almeida et al. (2009), as experiências com o uso de TI na educação ainda são incipientes, pois, as políticas

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governamentais não estabelecem como meta prioritária a sua consolidação e sua expansão. De acordo com os autores, apesar dos diversos projetos que vêm sendo implantados nas últimas décadas com o intuito de instalar computadores nas escolas, ainda é deficiente o desenvolvimento de profissionais que saibam como utilizá-los adequadamente e de ferramentas que favoreçam esse uso. Além disso, quase todas as propostas nesse sentido estão voltadas para o ensino básico, limitando o foco a apenas uma parte da trajetória de formação do indivíduo. É importante, entretanto, fazer uma distinção entre educar para a informática e educar pela informática. No primeiro caso, também importante, o objetivo é fazer com que o aluno compreenda os princípios dessa ciência, como funcionam os computadores e processadores, como programá-los para que sejam utilizados no cotidiano. Ensinar informática também é educar o indivíduo para o uso dessas ferramentas e, quem sabe, para participar, no futuro, de seu desenvolvimento. Não se trata, também, de utilizar a informática apenas para facilitar as atividades de aprendizagem. Nesse caso, como ressalta Abbad (2007), o computador é utilizado como material escolar, auxiliando através do uso de editores de texto, planilhas eletrônicas, manutenção de bancos de dados e até como fonte de pesquisa, mas sempre na forma de coadjuvante de uma educação ainda tradicional. A educação pela informática, por outro lado, apresenta-se como um campo muito mais amplo de possibilidades, já que parte do princípio que esse instrumento pode ser utilizado para transmissão de outros tipos de conhecimento, de forma mais interessante e

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mais eficiente. Trata-se de utilizar o computador como plataforma de aprendizagem, em paralelo ou em substituição aos métodos tradicionais. Nesse sentido, Belloni (2001) afirma: Buscar enfocar as possibilidades de autonomia do cidadão consumidor é válido numa perspectiva de mudança, de educação para o exercício dessa autonomia. Essas possibilidades, porém, não são oferecidas pelas novas potencialidades técnicas, que a sociotécnica tende a enfatizar, mas situam-se na capacidade política de os grupos sociais se organizarem em projetos educativos de mudança, de modo a assegurar que os sistemas educacionais de todos os níveis e modalidades sejam capazes de oferecer oportunidades de acesso a estas tecnologias. Não é a natureza mais suave e mais amigável das máquinas que permitirá a apropriação criativa dessas tecnologias, muito antes pelo contrário, estas características técnicas aumentam seu poder de sedução ante o usuário desprevenido (BELLONI, 2001, p. 78). Para refletir sobre o conceito e a prática da educação por meio da tecnologia é preciso ampliar o pensamento e não se ater somente à ideia de que o uso das (novas) tecnologias de informação e comunicação na educação é um desafio contemporâneo. Essa integração como eixo pedagógico central pode ser uma estratégia ímpar, quando considerada como meio de se atingir o objetivo educacional, e que, segundo Belloni (2001, p. 78), elas (as TI) sejam utilizadas em suas dimensões indissociáveis: “ao mesmo tempo como ferramentas pedagógicas extremamente ricas e pro-

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veitosas para a melhoria e a expansão do ensino e como objeto de estudo complexo e multifacetado, exigindo abordagens criativas, críticas e interdisciplinares”. As tecnologias da informação aplicadas à educação oferecem maior flexibilidade e acessibilidade à oferta educativa, fazendo-as avançar na inovação e distribuição de metodologia de ensino criativo, rompendo com a tradição e contribuindo para a criação dos sistemas educacionais do futuro (SIMÕES, 2013). É nesse contexto de inovações tecnológicas na área educacional que se enquadra a proposta desse estudo realizado dentro da sala de aula, com alunos do primeiro ano dos Cursos Técnicos Integrados em Meio Ambiente, Informática e Edificações, do Instituto Federal de Tecnologia, Ciência e Educação da Bahia, Campus Eunápolis, no ano de 2015. Espera-se contribuir com uma revisão acerca dos conceitos de tecnologias educacionais, bem como sua importância, vantagens, e como ela está inserida, de forma favorável, no contexto de uma educação inclusiva para o do ensino aprendizagem.

Educação, arte e cultura A Comissão Nacional da UNESCO, em 2006, produziu um documento intitulado “Roteiro para Educação Artística” que traz parâmetros fundamentais para o ensino aprendizagem de Artes Visuais. Baseado nos debates realizados no decurso e após a Conferência Mundial sobre Educação Artística, que se

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realizou de 6 a 9 de março em Lisboa, Portugal, o presente “Roteiro para a Educação Artística” propõe-se explorar o papel da Educação Artística na satisfação da necessidade de criatividade e de consciência cultural no século XXI, incidindo especialmente sobre as estratégias necessárias à introdução ou promoção da Educação Artística no contexto de aprendizagem (UNESCO, 2006, p. 4) (grifo nosso). O documento chama atenção, pois releva conceitos de consciência cultural no século XXI. Entende-se que a cultura e a arte são componentes essenciais de uma educação completa que conduza ao pleno desenvolvimento do indivíduo. De acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), art. 27, “toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam”. O Roteiro para Educação Artística (2006, p. 6) traz a afirmação de que é preciso educar discentes por meio de processos artísticos, onde os trabalhos incluam na educação elementos da sua própria cultura, cultiva em cada educando sentidos de “criatividade e iniciativa, uma imaginação fértil, inteligência emocional e uma ‘bússola’ moral, capacidade de reflexão crítica, sentido de autonomia e liberdade de pensamento e ação”. Essas relações se tornam essenciais no permear da vida contemporânea, onde os progenitores estão distantes e as crianças e adolescentes devem desenvolver capacidades de autonomia e proteção sobre si mesmas, para um desenvolvimento saudável. “O desenvolvimento emocional faz parte integrante do processo de

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tomada de decisões e funciona como um vector de ações e ideias, consolidando a reflexão e o discernimento” (UNESCO, 2006, p. 7). As pessoas desenvolvem dentro de suas culturas meios para se comunicar de maneira inteligível, valores, crenças, individualidades, costumes, e, o canal mais fértil para a disseminação desses, são as artes. O estudo do “espírito do tempo” pode revelar o modo de vida dos cidadãos de cada localidade, com suas particularidades e marcar, num mesmo povo, as diferenças na cronologia, sua evolução. O “espirito do tempo” é revelado através de manifestações artísticas que contam sobre um clima intelectual com características genéricas. É fato que a arte reproduz a cultura de uma época. Portanto, acredita-se que a arte depende inteiramente do meio em que é produzida para gerar significados. Então se torna significante levar os discentes a pensar em arte como forma de expressão de sentimentos relacionados ao meio em que estão inseridos, fazendo parte da educação cultural do indivíduo, gerando a compreensão e apreço por sua cultura, além da valorização e do respeito pelas diferenças da cultura alheia.

Projeto de educação em artes por meio de tecnologias contemporâneas É necessário ter em atenção a utilização das novas tecnologias na criação artística, música electrónica e novas mídias, bem como o ensino a distância. O recurso às novas tecnologias veio alargar o papel da Educação Artística e atribuir novas funções aos professores de

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arte do século XXI. Estas tecnologias podem constituir uma plataforma fundamental de colaboração entre os professores de artes e entre estes e os artistas, cientistas e outros educadores (UNESCO, 2006, p. 13). Partindo do princípio de que educar para as artes inclui elaborar temáticas que envolvam a cultura em que o discente está inserido, além de mostrar como se dão, ou se deram, processos culturais alheios, elaborou-se um conteúdo para o primeiro módulo das aulas de Artes Visuais, ministradas para os primeiros anos dos Cursos Técnicos Integrados em Meio Ambiente, Informática e Edificações, do Instituto Federal de Tecnologia, Ciência e Educação da Bahia, Campus Eunápolis, no ano de 2015, que integrasse as novas tecnologias utilizadas diariamente pelos alunos e os processos históricos da Arte. O projeto intitulado “Autorretratos = Selfies” começa numa aula em campo aberto, onde os alunos, em grupos, fotografam com suas câmeras de celular, o campus, em plano detalhe (Figura 1).

Figura 1: fotografia do campus em plano detalhe Fonte: imagem cedida pelo discente Thiago – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – Campus Eunápolis – Curso Técnico em Edificações

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A realização das fotografias com a ferramenta celular inclui os alunos, que se mostram confortáveis com o uso dessa tecnologia. Fotografar o campus os descontrai e leva ao conhecimento das estruturas da escola, bem como sua paisagem e ambiências. O trabalho é importante para o conhecimento mútuo dos discentes. Os grupos formados são compostos por alunos que acabam de ser inscritos no Instituto, portanto, esses têm uma oportunidade de melhor se conhecer e trocar experiências. Ao final da aula em campo, com todos descontraídos, é pedido que os alunos se fotografem, formando “selfies” (Figura 2). Segundo o dicionário Oxford1, selfie é “uma fotografia que uma pessoa tirou de si própria, normalmente com um smartphone ou webcam, e que foi colocada numa rede social”.

Figura 2: selfie tirado em sala de aula. Fonte: imagem cedida pela discente Julianny Souza – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – Campus Eunápolis. Curso Técnico em Edificações

1. Disponível em; http://www.oxforddictionaries.com/pt. Acesso em: 11/2015.

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Existe uma objeção latente dos discentes, pois, muitos deles não querem tirar suas fotografias. Não estão contentes com sua aparência no dia. A resposta para a proposta da atividade já é esperada. O inconformismo com a estética pessoal real no contemporâneo é uma preocupação latente. Um dos intuitos do projeto é que os discentes formem uma boa relação com sua autoimagem, seja ela qual for, respeitando os limites de seu corpo e entendendo as diferenças entre si e o do outro. Numa segunda aula é discutida em sala a importância do autorretrato na história da arte. Smith e Watson (2002, p. 11) mencionam sobre obras artísticas autobiográficas que: “a obra autobiográfica é um local performativo para as autorreferências, no qual as formações psíquicas da subjetividade e das identidades culturalmente codificadas estabelecem uma intersecção e são colocadas em interface.” É desenhada uma linha do tempo, onde são expostos artistas (Figuras 3, 4 e 5) que se retrataram, e essas imagens, demonstram além da tecnologia disponível naquele momento para a realização da obra, uma ambiência que conta para a atualidade, como se viveu naquela época, qual era a cultura em que o artista se inseria, qual a mensagem que ele gostaria de registrar para a posteridade.

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Figura 3: autorretrato de Leonardo Da Vinci (1515) - Renascimento Fonte: Wikipedia.org

Figura 4: autorretrato de Rembrandt (1669) - Barroco Fonte: Wikipedia.org

Figura 5: autorretrato de Jean-Honoré Fragonard (1769) - Rococó Fonte: Wikipedia.org

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Visto isso, no terceiro momento foi formada uma roda de conversa sobre a utilização do corpo na arte, onde contou-se com o livro didático, que traz textos que abordam a arte performática de contemporâneos e os significados dessas obras. Como complemento da temática utilizou-se o computador para assistir a vídeos dessas performances. Foi abordado o artista performático, cantor Ney Matogrosso, interpretando a música “Homem com h”, de como esse utiliza seu próprio corpo na tentativa de passar uma mensagem, utiliza a expressão do seu “eu” para transgredir regras e pensamentos impostos pela sociedade, causando uma possível reflexão no espectador, que muito provavelmente, o transformará. A discussão é de relevância, pois leva os discentes a elaborarem conceitos sobre a utilização do corpo na transmissão de mensagens e símbolos. Aborda-se a maneira de vestir como uma das ferramentas de expressão de individualidade e pertinência ao coletivo. O momento é oportuno para se discutir assuntos delicados do cotidiano escolar como a prática do bullying, evidenciando o respeito e a valorização do próximo e da sua liberdade de ser e se expressar. É pontuada nesse momento qual a necessidade de se manipular a autoimagem para que o outro o venha aceitar. Passando para o quarto momento, são projetadas imagens para demonstração do que vem ser a interferência na autoimagem dentro da arte contemporânea, como forma de expressão cultural. Como exemplo, utiliza-se a imagem das mulheres Kayan (Figura 6), africanas que tracionam o pescoço até 25cm como forma de identificação da tribo a qual pertencem e demonstração da beleza.

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Figura 6: mulheres Kayan - África Fonte: http://jpgmag.com (2015)

Aqui, são discutidos em sala de aula como se dão os padrões de beleza pertencentes ao meio social em que se está inserido. São levantadas questões como: o que é o belo para você? Quais os padrões de beleza instituídos pela mídia? O que seria uma fisionomia ideal no contemporâneo? Você acha certo que estabeleçamos padrões para uma “beleza” num mundo de seres tão diversos? Essas perguntas geram uma discussão de preocupações palpáveis como os excessos cometidos em detrimento de um ideal de beleza inalcançável, gerado por uma mídia que preza pelo consumo de massa. Novamente, pode-se abordar a questão do respeito à individualidade

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do próximo, a necessidade do respeito e da valorização para com as diferenças entre tribos e dentro da própria cultura. Nessa mesma senda, é pedido aos discentes que acessem em seus computadores a arte contemporânea de Priscilla Davanzo (Figura 7). Por intermédio da dor, a artista alude às práticas habituais ligadas ao culto do corpo, como, por exemplo, certos tratamentos de beleza, cozendo à própria pele flores retiradas de seu jardim. É feita uma explanação aos discentes sobre os intuitos da arte contemporânea quando trata com o choque. Nesse caso traz-se à temática a definição de body art, uma das vertentes da arte contemporânea: A body art, ou arte do corpo, designa uma vertente da arte contemporânea que toma o corpo como meio de expressão e/ou matéria para a realização dos trabalhos, associando-se frequentemente a happening e performance. Não se trata de produzir novas representações sobre o corpo – encontráveis no decorrer de toda a história da arte –, mas de tomar o corpo do artista como suporte para realizar intervenções, de modo geral, associadas à violência, à dor e ao esforço físico (ITAÚ CULTURAL, 2015). O choque ao ver as imagens, gera opiniões contraditórias. Alguns alunos acham absurdo, outros sentem agonia ao ver a agulha cerzir a pele, outros se calam e observam a estranheza da obra, mas nenhum deles se ausenta de opinião.

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Figura 7: Priscilla Davanzo - artísta contemporânea Fonte: Google Imagens (2015)

O intuito dessa abordagem é chamar atenção para o significado da obra. Imagens de cirurgias plásticas são mostradas aos alunos e esses, então, entendem o porquê de a artista cozer flores ao corpo. A mensagem da obra é levar o espectador à reflexão dos exageros cometidos em busca de um ideal de beleza, chegando às interferências corporais como cirurgias plásticas meramente estéticas, aplicação de toxinas, uso de anabolizantes, entre outras práticas estéticas dos dias atuais. Com todas essas reflexões, os alunos são convidados a repensar as práticas usuais de manipulação de suas próprias imagens e como querem se apresentar ao mundo exterior. Vê-se uma tendência nas mídias sociais da divulgação de imagens que têm manipulação de cor, sombras, saturação, contrastes, além das interferências de roupas e maquiagem para a representação de um meio ao qual não se vive, ostentando uma realidade falsa, com pretensões de “ter para ser”. Em busca de “likes” em suas páginas sociais, adolescentes entram no fluxo da manipulação de suas imagens, causando uma onda de não aceitação, de duelo com o espelho, de desrespeito

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com seu eu, e muitas das vezes, gerando expectativas inalcançáveis com o próximo. Assim, propôs-se que os discentes criem um briefing2 que traga informações sobre sua personalidade, características do seu “eu”, para que a proposta conceitual do trabalho seja clara e objetiva. Nesse briefing os alunos registraram como gostam de ser chamados; três palavras que conceituam sua personalidade; idade; cidade onde residem; gênero; estilo de vida com ênfase no lazer e costumes; cores preferidas; dois artistas ou bandas de preferência; e por fim, um sonho que deseja realizar. Essa atividade (Figura 8) foi desenvolvida nos computadores disponíveis no laboratório de informática do Instituto, por meio do programa WPS Presentation.

Figura 8: briefing de personalidade. Fonte: imagem cedida pela discente Julianny Souza – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – Campus Eunápolis – Curso Técnico em Edificações

2. Briefing é um conjunto de informações, uma coleta de dados para o desenvolvimento de um trabalho. Palavra inglesa que significa resumo em português.

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Das informações registradas no briefing de personalidade, os discentes criaram um painel imagético. O painel imagético abaixo apresentado (Figura 9) tem correspondência com os dados registrados pela Figura anterior (Figura 8).

Figura 9: painel imagético. Fonte: imagem cedida pela discente Julianny Souza – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – Campus Eunápolis – Curso Técnico em Edificações

No momento de encerramento do módulo de atividades é pedido que os alunos levem suas selfies, tiradas na aula em campo, para o programa “Perfect 360”. O programa “Perfect 360” é um software gratuito que traz a possibilidade de alterar a imagem do rosto, colocando ou retirando detalhes como cílios, cabelo, maquiagem, alterando a cor da pele, entre outros recursos. O objetivo da atividade é que o discente “veja-se” através da selfie produzida, decidindo se opta ou não por manipular virtualmente essa imagem.

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[...] qualquer número de impressões distintas pode ser feito a partir de um único negativo fotográfico e não existe um “original”, uma condição que se relaciona perfeitamente com a negação pós-moderna da singularidade e da originalidade. Isto assim é porque a fotografia, apesar de manipulada, está no centro da maioria dos anúncios e dos media, fornecendo o veículo mais pervasivo para a ideologia, tornando-o pronto a ser utilizado para a desconstrução. E porque a fotografia se baseia na ilusão visual – mesmo as fotografias mais abstratas são uma fotografia de algo – ela causa estragos com os esforços de Greenberg para remover todas as referências externas da arte. Como resultado, a fotografia fornece aos pós-modernistas o instrumento perfeito e o alvo perfeito (HEARTNEY, 2001, p. 54). Como resultado, pôde-se entender que o uso das tecnologias contemporâneas como o celular, a fotografia digital, o computador, o datashow e os softwares de manipulação de imagem foram imprescindíveis para levar os discentes às reflexões de paradigmas contemporâneos sobre a exposição de suas autoimagens. Ao elaborar seus autorretratos (Figura 10) e terem a possibilidade de manipulá-los ou não, os discentes têm a oportunidade da autoaceitação, a conformidade com seu reflexo no espelho e compreendem melhor sobre a necessidade do respeito quanto à individualidade do outro. A Figura 10, a seguir, mostra a discente registrada na Figura 2, em dois momentos: antes da manipulação da imagem e após a manipulação da imagem.

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MARINA VIEIRA GONÇALVES & LUCIENE TEIXEIRA VIEIRA GONÇALVES

Figura 10: antes e depois da manipulação da selfie Fonte: imagem cedida pela discente Julianny Souza – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – Campus Eunápolis – Curso Técnico em Edificações

Como resposta à proposta feita em sala de aula de manipulação da autoimagem, 78% dos alunos resolveram não alterar sua imagem original, o que é um resultado significante. Uma resposta tardia de uma discente em sua página social do facebook (Figura 6), fez com que se chegasse à conclusão do sucesso do projeto. A imagem a seguir foi cedida pela aluna.

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Tecnologias contemporâneas como instrumento auxiliar da educação em Artes

Figura 11: discente Naiky Suélly – IFBA Campus Eunápolis, set/2015 Fonte: Facebook (2015)

O projeto, assim como a Arte, não está pronto e acabado, porém, essa sequência didática nos propiciou momentos prazerosos do ensinar e aprender. Entende-se, que a tecnologia contemporânea é sim uma ferramenta importante no auxílio ao ensino das artes, que pode influenciar alunos numa reflexão atual sobre seu meio de vivência e o do outro, ensinando sobre a linha do tempo da história da arte, as características formadoras do “espírito desse tempo”, aproximando a disciplina do cotidiano, além de produzir novas obras carregadas de conceitos e cultura atuais.

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MARINA VIEIRA GONÇALVES & LUCIENE TEIXEIRA VIEIRA GONÇALVES

Referências ABBAD, G. S. Educação a distância: o estado da arte e o futuro necessário. Revista do Servico Público, Brasília (DF), vol. 58, n. 3, p. 351-374, jul./set. 2007. ALMEIDA, A. L. M.; CONCEIÇÃO, S. S.; SCHNEIDER, H. N. ProInfo: Uma proposta para a inserção das TICs na Educação Brasileira. Revista Tempos e Espaços em Educação, Aracaju (SE), v. 2, p. 91-106 jan./jun. 2009. BELLONI, M. L. O que é mídia-educação. Campinas: Autores Associados, 2001. HEARTNEY, Eleanor. Postmodernism. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. ITAU CULTURAL. Arte contemporânea. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural. org.br/termo3177/body-art. Acesso em: 11/2015. LOHN, Reinaldo Lindolfo. Pontes para o futuro: relações de poder e cultura urbana Florianópolis 1950 a 1970. 2002, 445 p. (Tese) Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande Do Sul. MAIA, Marta de Campos. Educação a Distância e o Ensino Superior no Brasil. Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância. São Paulo, Dezembro. 2003. MELO, Lúcia de Fátima. Reformas educacionais e gestão democrática no estado do Acre: repercussões no trabalho do núcleo gestor da escola. Tese (Doutorado), 2010. Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social Faculdade de Educação. MORAN, J. M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2013. ONU. Declaração universal dos direitos do homem, 10 de dezembro de 1948. Disponível em: http://www.humanrights.com/pt/what-are-human-rights/universal-declaration-of-human-rights.html. Acesso em: 11/2015. SIMÕES, Eduardo Lemos. Apostila de didática do ensino superior, pós-graduação à distância em direito administrativo. Faculdade Internacional Signorelli, 2013. SMITH, Sidonie; WATSON, Julia. “Mapping Women’s Self-representation at Visual/ textual Interfaces.” In: ______. (Ed.). Interfaces: women, autobiography, image, performance. Michigan: University of Michigan Press, 2002. TOSCHI, M. S. Tecnologia e educação: contribuições para o ensino. Série-Estudos, Campo Grande (MS), n. 19, p. 35-42, jan./jun. 2005. UNESCO. Roteiro da educação artística, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/ pdf/ccedes/v30n80/v30n80a02.pdf. Acesso em: 11/2015. UNESCO. Roteiro para a educação artística, 2006. Disponível em: http://www. educacao-artistica.gov.pt/documentos/Roteiro.pdf. Acesso em: 11/2015. 461


Sobre os autores


Ana Cláudia Munari Domingos Professora do Departamento de Letras e do Mestrado em Leitura e Cognição da Universidade de Santa Cruz do Sul. Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2011), na área de Teoria da Literatura. Linha de Pesquisa: Processos Narrativos Comunicacionais e Poéticos. Grupos de pesquisa: Leitura, Literatura e Cognição; Intermídia (CNPq); Literatura, artes e mídias (Anpoll). Projeto de pesquisa: Vozes da cultura contemporânea: a ficção em primeira pessoa. Atua principalmente nos seguintes temas: Literatura Comparada; Ficção contemporânea; Teorias da leitura; Formação do leitor e leitura; Literatura e mídias; Sistema literário e hipermídia; Convergência de mídias e hiperleitura; Harry Potter.

Ângelo Jesus Nascido em 1985, Ângelo Jesus licenciou-se em Farmácia pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto em 2007, tendo concluído o Doutoramento em Ciências da Educação (Especialidade em Tecnologia Educativa) na Universidade do Minho em 2014. Actualmente é professor Adjunto Convidado do Instituto Politécnico do Porto, onde acumula funções de Coordenador de Curso de Farmácia e de coordenação de protocolos e mobilidades internacionais. Desenvolve actividade lectiva na área da Farmacologia, da Farmacoterapia e dos Métodos Instrumentais de Análise, onde explora metodologias de ensino-aprendizagem baseadas em casos, flipped classroom e aprendizagem enriquecida pelas tecnologias. Desenvolve também trabalho de investigação no âmbito do currículo e das tecnologias educativas.

Carla Alexandre Barboza de Sousa Atua na área de Desenvolvimento de Tecnologias voltadas à Educação desde 2007, com projetos que envolvem inovação, desenvolvimento de games, softwares educativos e conteúdos curriculares para novas mídias. Tem experiência na formação de professores para o uso das TIC; desenvolveu

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Educação Criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem

projetos de iniciação científica sobre os PCNs de LP e sobre o Ensino da Língua Portuguesa através de Softwares. Licenciada em Letras, Especialista em Informática aplicada à educação e Mestra em Educação Matemática e Tecnológica. Pesquisa a contribuição dos games no processo de aprendizagem.

Ecivaldo Matos Professor Adjunto do Departamento de Ciência da Computação (DCC) e do Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação (PGCOMP) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor em Educação (Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares) pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa do Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford (IFP - Ford Foundation International Fellowships Program). Bacharel em Ciência da Computação (2002) com especialização em Sistemas Distribuídos pela Universidade Federal da Bahia (2003) e Mestrado em Informática (Eng. de Software / Interação Humano-Computador) pela Universidade Federal de Campina Grande (2006).

Emilayne Corlett Licenciada em Ciência da Computação pela Universidade Federal da Paraíba. Mestranda em Ciência da Computação na Universidade Federal da Bahia (UFBA), participante do Programa permanente de extensão Onda Digital. Linha de pesquisa: Computação Aplicada, atuando nas subáreas Computação & Educação.

Fellipe Oliveira Ramos Licenciado em Ciências da Computação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano - Campus Senhor do Bonfim). Foi bolsista do Programa de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Atualmente é Professor da Prefeitura Municipal de Amélia Rodrigues/BA, onde

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SOBRE OS AUTORES

leciona a disciplina de Informática nos Anos Finais do Ensino Fundamental. É pesquisador nas áreas de Pensamento Computacional, Informática Educativa e Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação na Educação.

Fernando Paiva Professor Substituto do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando em Ciência da Computação do Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação (PGCOMP) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Linha de pesquisa: Computação Aplicada, atuando nas subáreas Informática & Educação, Computação e Educação e Interação Humano-Computador (IHC). Atua como pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão Onda Digital (UFBA). Possui Licenciatura em Ciência da Computação pela Universidade Federal da Paraíba (2015).

Francisco Kelsen de Oliveira Doutorando em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Possui mestrado em Computação Aplicada, especialização em Gestão de Projetos e licenciatura em Matemática pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), especialização em Tutoria em EaD pela Universidade Cândido Mendes (UCAM); bacharelado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá (UNESA) e Técnico de Informática pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Atualmente é professor de Informática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IF Sertão-PE) no Campus Salgueiro.

Gregory Augusto de Lima Laborde (in memoriam) Licenciado em Computação pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, é professor de Língua Inglesa da rede particular da cidade de Caruaru (Colégio Exato e Atual), Realizou atividades no Programa Ganhe o Mundo (PGM) do Governo do Estado de Pernambuco na função de professor de Lín-

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Educação Criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem

gua Inglesa. Possui Interesse em pesquisas voltadas para aplicabilidade das novas tecnologias no ensino-aprendizagem à luz da teoria da criatividade.

Janderson Jason Barbosa Aguiar Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG (2012–2015). Bacharel em Ciência da Computação pela UFCG (2008–2012). Atualmente, é aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação da UFCG e atua como professor substituto no Departamento de Computação do campus I da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Anteriormente atuou como professor visitante na Escola Técnica Redentorista - ETER (2014-2015). Possui interesse principalmente em pesquisas relacionadas à Informática na Educação e a Sistemas de Recomendação.

Katia Cilene da Silva Graduada em Informática pela URCamp, com especialização em Ciência da Computação URCamp/UFRGS e Gestão Educacional pela URCamp/ UFSM. Mestre em Educação Matemática e Tecnológica - UFPE. Em IES, possui experiência na URCamp de Bagé/RS e de Alegrete/RS, na FAFICA de Caruaru, e na FG de Jaboatão dos Guararapes. É professora assistente da UFERSA desde out/2010, tendo ministrado as disciplinas de Tópicos em Informática, Introdução a Computação, Introdução a Lógica, Ambiente Virtual de Ensino Aprendizagem Moodle, Introdução a Educação a Distância e Tenologias Assistivas e tendo coordenado o Subprojeto de Matemática a Distância do PIBID. Exerceu as coordenações do Núcleo de Educação a Distância, da Institucional da UAB e do Comitê Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais do Magistério da Educação Básica. É professora concursada para a disciplina de Introdução a EaD e cursa doutorado no Edumatec da UFPE.

Learcino dos Santos Luiz

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SOBRE OS AUTORES

Doutorando no Programa de Pós-graduação em Educação da UFPR na linha Cultura, Escola e Ensino onde pesquisa temas relacionados com cibercultura e uso de tecnologias digitais para ensino de Matemática na educação básica. Possui graduação em Matemática - Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001) e Especialização em Educação Matemática (UNISUL-2007). Mestre em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT - UFSC - 2010). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Metodologia do Ensino de Matemática e Formação de Professores, atuando principalmente nos seguintes temas: Metodologia de ensino de Matemática, Ensino de Matemática (níveis Fund. Médio e Superior), Formação de Professores e Uso de Tecnologias na Educação. É membro dos grupos de pesquisa PEMSA - Grupo de Pesquisa em Educação Matemática e Sistemas Aplicados ao Ensino” (UDESC) e “Formação Docente, Currículo e práticas pedagógicas: paradigmas contemporâneos” (UFPR)

Lilian da Silva Teixeira Doutoranda em Educação e Contemporaneidade através do Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia (PPGEDUC-UNEB - Campus I). É Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). É licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB - Campus VII). É docente na Licenciatura em Ciências da Computação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano - Campus Senhor do Bonfim). Atuou como coordenadora de área do Programa de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) na Licenciatura em Ciências da Computação. Tem experiência na área de Educação com ênfase em Formação Docente, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, Prática Pedagógica, Identidades Docente e Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) na Educação. Realizou a organização e coordenação da publicação de dois livros na área de TDIC na educação.

Luciene Teixeira Vieira Gonçalves 467


Educação Criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Luterana do Brasil (2010). Pós-graduanda em Psicopedagogia Institucional pela União de Cursos Superiores (UNICOC). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Atendimento Educacional Especializado.

Márcia de Borba Campos Associada da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). Bacharel em Informática pela PUCRS em 1991, Mestre em Computação pela UFRGS em 1996 e Doutora em Informática na Educação pela UFRGS em 2001. Professora adjunta da Faculdade de Informática da PUCRS desde 1996, atuando nos cursos de graduação e pós-graduação, com ênfase de pesquisa em Interação Humano-Computador, Interfaces Multimodais para Pessoas com Deficiência, Informática na Educação, Tecnologias Assistivas. Líder do grupo de pesquisa Informática na Educação da Faculdade de Informática da PUCRS (GIE/FACIN/PUCRS).

Marina Vieira Gonçalves Possui graduação em Design de Moda pela Universidade Salgado de Oliveira. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Design de Moda. Curso de Conteúdo Artístico das Formas Vestimentares. Participação em desfiles e organização de eventos de Moda. Pesquisadora do comportamento social dentro de instituições escolares. Atualmente professora de Artes do Instituto Federal da Bahia e consultora de Moda em lojas de vestuário.

Melka Freitas Abreu Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em Ensino de Sociologia pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).

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SOBRE OS AUTORES

Mylani Nathalini Dantas Costa Licenciada em Letras Língua Inglesa na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN. Cursou o curso de Extensão Universitária em Língua Inglesa no Núcleo de Ensino e Estudo de Línguas – NEEL (Nível 8) – UERN. Formada em Licenciatura em Matemática a Distância – UFERSA e concluiu Técnico de Metalurgia no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Senai (2012). Com estágio na Usina Brasileira de Óleos e Castanhas – USIBRAS, como jovem aprendiz. Possui experiências como docente de programas educacionais e de Língua Inglesa em outras instituições e no Instituto Metrópole Digital.

Pedro Henrique Andrade de Santana Graduado em Administração de Redes e Sistemas Operacionais e Pós-Graduado em Gerência de Projetos. Com sólida experiência em montagem manutenção e instalação de Sistemas Operacionais Windows e Redes. Trabalhando nos últimos 5 anos na área de supervisão de Tecnologia da Informação.

Rafaela Bohrz Graduada em Letras, habilitação Inglês e Português pela Universidade de Passo Fundo (2008), pós-graduada em Informática na Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2011), em Planejamento, Implementação e Gestão da EaD pela Universidade Federal Fluminense (2015) e mestranda em Educação na Universidade de Passo Fundo. É membro da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). Atua como Assistente de Educação a Distância na Universidade de Passo Fundo e Tutora Presencial na Rede e-Tec Idiomas. Dedica-se a estudos nas áreas de Educação a Distância, Informática na Educação, Ensino de Línguas e Políticas Educacionais.

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Educação Criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem

Ricardo Antunes de Sá É Professor Adjunto IV do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná desde 1992. Licenciado em Pedagogia – UFPR. Mestre em Educação - UFPR. Doutor em Educação – UNICAMP. Realizou estágio na Universidade Nacional de Educação a Distância UNED em Madrid (1999). Foi um dos fundadores do Núcleo de Educação a Distância (NEAD) da UFPR (1999). Desenvolve estudos na área da formação e atuação de Professores e Pedagogos. Epistemologia da Pedagogia. Pensamento Complexo. Tecnologias e Mídias Digitais aplicadas à Educação. Educação a Distância (EaD). É professor do Mestrado e Doutorado no Programa de Pós-Graduação e Educação e do Mestrado Profissional da UFPR.

Ynah de Souza Nascimento Já sofri muito querendo seguir modelos pedagógicos que julgava corretos. Talvez pensasse desse modo maniqueísta por conta da minha formação no curso de licenciatura em Letras (Português-Literaturas Brasileira e Portuguesa) na UFRJ. Talvez porque fui criada com muito rigor em uma família humilde que acreditava na educação como destino dos vitoriosos. Mas não culpo a formação familiar nem a acadêmica. Considerando o momento histórico por que passávamos – década de 70 – até que pude fortalecer meu senso crítico com os livros de Monteiro Lobato e com textos acadêmicos proibidos na época (mas era só trocar a capa do livro e não corríamos o risco de ser denunciados como terroristas). Só muito tempo depois, quando tive a oportunidade de ser aprovada no concurso para o Colégio de Aplicação da UFPE, comecei a descobrir que podia inventar e reinventar minha prática pedagógica o tempo todo. E foi o que fiz, sustentada, claro, por cursos que ia fazendo ao longo do percurso: Especialização em Linguística (UFPE) e Mestrado em Letras (UFPB). Essas formações serviram de alicerce para as atividades profissionais, no CAp – dando aulas e orientando licenciandos – e fora dele – atuando em cursos de formação de professores e na produção de material didático impresso e digital. No meio desse caminho, apaixonei-me

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SOBRE OS AUTORES

pelo computador, internet e pelas tecnologias digitais, que têm facilitado minha atuação profissional e alimentado minha disposição de sempre inovar na sala de aula. Mas, desde novembro de 2015, posso dizer que estou vivendo o verdadeiro amor: o Bernardo, meu primeiro neto. Isso, sim, é que faz a vida valer a pena!

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O volume especial da Série Professor Criativo surge a partir da seleção de 14 textos realizada através de chamada pública lançada em setembro de 2015 pelos organizadores da série. O edital marca o desejo dos editores de fazer desta iniciativa de formação um espaço aberto à participação de professores desbravadores que desejam transformar a educação através do compartilhamento de experiências de aprendizagem cada vez mais criativas.

ISBN: 978-85-66530-60-5


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