Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Elio Gaspari

Se foi 'jogada de mestre', o Rio está frito

Intervenção na segurança do Rio pede um trabalho de chinês paciente e calado, e até agora foi um espetáculo

"Jogada de mestre", as três palavras ditas por Temer ecoam as outras cinco ("tem que manter isso, viu?") que descarrilaram seu governo. O doutor nomeou um general para pacificar o Rio e criou um Ministério da Segurança. Braga Netto deu uma entrevista coletiva com perguntas previamente selecionadas, e quando os jornalistas fizeram um burburinho, ele informou: "Senhores, no grito não funciona". Verdade, mas, com perguntas selecionadas, também não. Ninguém deve esperar que o general seja obrigado a responder o que não quer, mas, todo dia, quando acorda, tem o sacrossanto direito de ficar calado ou de falar apenas por notas oficiais.
Se a intervenção no Rio foi uma "jogada de mestre", Temer pode ter entregue ao general a tropa da cavalaria ligeira da batalha de Balaclava, na guerra da Crimeia, em 1854. Jogada de mestre foi imortalizada num poema heroico de Lord Tennyson. Noves fora a marquetagem da época que era feita por poetas, aquela carga de cavalaria foi um desastre, mas durante algum tempo valeu a emoção do poema.
 
No mesmo palácio de Temer está o ex-governador do Rio Moreira Franco. Numa jogada de mestre, em 1987, ele também anunciou o império da lei e da ordem.
 
Temer pagou o vexame de dispensar o diretor da Polícia Federal, um fabricante de trapalhadas, que ficou no cargo menos de cem dias. Todas as suas encrencas atrapalhavam o combate à corrupção.
 
Poucas vezes se torceu tanto para que uma jogada de mestre dê certo. Até agora houve um teatro medíocre.
 
 

ZILDA ARNS, MUITO TRABALHO, ZERO TEATRO

Está chegando às livrarias "Zilda Arns - A Biografia", do jornalista Ernesto Rodrigues, que conta a vida da médica que criou a Pastoral da Criança e revolucionou as políticas públicas de combate à mortalidade e desnutrição infantil. Por diversos ângulos, a vida de dona Zilda é um tesouro. Junta a fé católica e o vigor pessoal. Seu irmão Paulo Evaristo foi cardeal, outro, tornou-se frei, e duas irmãs, religiosas. Zilda enviuvou aos 46 anos e criou cinco filhos. Quando morreu, aos 75, durante o terremoto do Haiti de 2010, ela era um símbolo da força da mobilização comunitária e do valor das soluções simples. Com 200 mil voluntários, a pastoral cuidava de 1,35 milhão de crianças. É palpite, mas sua beatificação pelo Vaticano será uma questão de tempo.
 
A virtude da narrativa de Ernesto Rodrigues está em ter mostrado, sem estridências, como é dura a rotina de quem quer fazer o bem. Em 1983 ela foi defenestrada do serviço de pediatria do governo do Paraná por motivos puramente políticos. Quando começou a formular o trabalho de uma Pastoral da Criança, teve que ralar nas ciumeiras de outras iniciativas da Conferência Nacional dos Bispos. Sua ação comunitária foi hostilizada pelos salvadores da pátria que viam nela uma política meramente assistencialista.
 
Farmacêuticos chegaram a se mobilizar porque seu trabalho reduzia a venda de remédios contra diarreias de crianças. A burocracia internacional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) às vezes ajudava, às vezes atrapalhava. Dona Zilda teve bons aliados: o irmão cardeal, o bispo d. Geraldo Majella, Roberto Marinho e o ministro da Saúde José Serra. Outro ministro (ela lidou com 28) queria engessar a pastoral e gentilmente retirou-a da sala. Ninguém conseguiu pespegar-lhe um rótulo político. Ela era uma máquina a serviço das crianças. Só.
 
No dia 20 de janeiro de 2010 Zilda Arns estava no Haiti e passou o dia com religiosos, num dos anexos da igreja Sacré Coeur, e assistira a uma missa. A terra tremeu e restou apenas um monumento com a forma de crucifixo.
 
 
 

RIDÍCULO

Os juízes federais que ameaçam fazer greve para defender o penduricalho do auxílio-moradia podem entender muito de direito, mas não têm senso do ridículo.
 
Se eles pararem, farão menos falta que o pipoqueiro do cinema. Os cidadãos que pagam seus salários e auxílios esperam anos por um despacho dos meritíssimos. O doutor Luiz Fux ficou três anos sentado em cima do processo que arguiu a inconstitucionalidade do penduricalho e nenhum juiz reclamou. Afinal, era um esperteza a favor deles.
 
 

CANCELLIER, 4 MESES

Completaram-se quatro meses do suicídio do professor Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. Ele se matou depois de ser preso e proibido de entrar no campus da instituição. Sabe-se que a Polícia Federal tem um novo diretor e que a reforma da Previdência de Temer foi para o brejo, mas não se sabe o resultado da espetaculosa Operação Ouvidos Moucos, que o relacionava com um desvio (inexistente) de R$ 80 milhões.
 
Aqui e ali pingam gotinhas de informações capazes de insinuar culpas de Cancellier. Sabe-se que ele não é acusado de ter desviado um só centavo. O inquérito teria mais de 3.000 páginas, e o principal acusador de Cancellier, o professor Rodolfo Hickel do Prado, diz que ele quis atrapalhar a investigação ao avocar oficialmente ao seu gabinete o processo que tratava dos desvios. Além disso, a investigação envolveu a Capes, e os procedimentos burocráticos não foram mantidos em sigilo. Isso foi o que vazou. Parece pouco para tamanho espetáculo.
 

CONCILIAÇÃO

Cozinha-se em Brasília uma gambiarra para manter o mimo do auxílio-moradia usufruído por magistrados e procuradores. A ideia é manter o pagamento para os servidores que vão viver em cidades onde não têm casa. Os outros, que embolsam os R$ 4,3 mil mesmo tendo imóveis, às vezes dois, e, num caso, 60, teriam o mimo transformado numa forma de abono. Ele seria abatido gradativamente. Quando as categorias tivessem aumentos salariais.
 
A ideia é engenhosa, mas falta os doutores concordarem com o fim de todos os outros penduricalhos e com o respeito ao teto constitucional dos R$ 33,7 mil.
 

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e acredita em todas as superstições. Tem medo de gato preto, não passa embaixo de escada e não diz o nome do pai da aviação.
 
O cretino achou a origem da desgraça de Jared Kushner, o genro de Donald Trump, encrencado com a polícia americana.
 
O pai de Jared é um empreendedor imobiliário e comprou um edifício na Quinta Avenida, para substituí-lo por uma torre moderníssima. A arquiteta Zaha Hadid, que projetou o novo prédio, foi abatida por um ataque cardíaco aos 66 anos, o negócio atolou e a empresa de Kushner está mal da pernas.
 
O prédio da Quinta Avenida tem o número da besta, iluminado por diabólicas luzes vermelhas.
 

WAGNER E A CHINA

O ex-governador Jaques Wagner justificou sua coleção de 15 relógios de grife dizendo que são réplicas compradas na China.
 
Lance arriscado. A milenar tradição chinesa do "yahui" ou "gorjeta elegante" consiste em dar a uma pessoa uma obra de arte falsa quando, na realidade, ela é verdadeira.

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