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Reinaldo Azevedo

Cassando carta branca 1: Bolsonaro evidencia em entrevista que ele decide a Previdência, não Guedes, de cujo modelo afirma ainda desconfiar

Reinaldo Azevedo

06/11/2018 05h22

Paulo Guedes: nesta segunda, Bolsonaro cassou sua carta branca para cuidar da Previdência. Nunca acreditei que ele a tivesse

A entrevista concedida por Jair Bolsonaro (PSL), presidente eleito, a Jose Luiz Datena, no programa "Band Urgente", na tarde desta segunda, teve mais importância do que pareceu à primeira vista. Bolsonaro cassou ali duas cartas brancas que teria dado: a Paulo Guedes, superministro da Economia, e a Sérgio Moro, superministro da Justiça. Comecemos por Guedes.

Na primeira semana depois da vitória, o economista parecia ter engolido uma vitrola. Falava pelos cotovelos e se comportava como o chefe da coisa toda. Deixou claro que sempre foi defensor da reforma da Previdência e que o correto seria que a turma de Bolsonaro se empenhasse em aprovar ainda neste ano o texto enviado pelo presidente Michel Temer. Não houve muito entusiasmo. Também defendeu a chamado sistema de capitalização em lugar do atual modelo, de repartição. Em linhas gerais, o trabalhador poupa e faz ele mesmo a sua aposentadoria.

De toda sorte, o que se dizia por aí, COISA NA QUAL NUNCA ACREDITEI, é que o Posto Ipiranga da economia iria decidir.

Bem, não foi o que Bolsonaro disse na entrevista desta segunda. Reproduzo suas palavras:
"Não está batido o martelo, tenho desconfiança. Sou obrigado a desconfiar para buscar uma maneira de apresentar o projeto. Tenho responsabilidade no tocante a isso aí. Não briguei para chegar (à Presidência) e agora mudar tudo. Quem vai garantir que essa nova Previdência dará certo? Quem vai pagar? Hoje em dia, mal ou bem, tem o Tesouro, que tem responsabilidade. Você fazendo acertos de forma gradual, atinge o mesmo objetivo sem levar pânico à sociedade (…). Nós temos um contrato com o aposentado, você vai mudar uma regra no meio do caminho. Não pode mudar sem levar em conta que tem um ser humano que vai ter a vida que será modificada. Às vezes um colega pensa apenas em número. Não existe recriação da CPMF. Não queremos salvar o Estado quebrando o cidadão brasileiro".

Não há como não concluir que o "colega" que pensa apenas em número é mesmo… Paulo Guedes.

Reitero: presidentes da República não dão carta branca a ninguém. A razão é simples. São eles os donos dos votos. Por que dariam?

Bolsonaro está pensando com a cabeça daquilo que ele é: um político. E está a falar com outros políticos.

Venham cá: por acaso, ele disse, durante a campanha, em algum momento, que iria fazer a reforma da Previdência dessa ou daquela maneira, nesse ou daquele ritmo? Resposta: NÃO! Isso nunca saiu de sua boca. Isso sempre foi algo presumido, que cercava o seu entorno. Havia e há a presunção no mercado de que faria.

Se o fizer, está claro, será um processo lento e gradual. Ao menos é o que foi esboçado na entrevista de ontem.

Eu defendo a reforma da Previdência? Caro que sim! Mas estou tratando aqui do mundo real da política. O presidente eleito sabe que a realidade não muda do dia para a noite. Sim, um governo tem muita força, como se costuma dizer, nos primeiros seis meses. Mas também pode se desmoralizar nesse tempo, como aconteceu com a segunda gestão de Dilma.

Observem que os petistas poderiam adotar boa parte da fala de Bolsonaro sobre Previdência, inclusive a crença/constatação/norte de que, no limite, o Tesouro paga a conta. O eleito não está disposto a estrear com o carimbo de presidente antipobre. Os mercados podem não gostar. Mas é que, na política, existe um outro mercado bastante importante: o de votos.

Então, carta branca uma ova! Bolsonaro admitiu, em outra entrevista, à TV Aparecida, que pode querer votar neste ano a elevação em um ano a idade mínima para a aposentadoria dos servidores públicos. Um aninho só: 61 para homens e 56 para mulheres. Não mais do que isso.

Ameaça de demissão
O presidente eleito ainda mandou outro recado, mostrando que é o Posto Ipiranga do Posto Ipiranga. O economista Paulo Cintra havia criticado a ideia do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que Bolsonaro já defendeu mais ou menos, e defendido a criação de uma pequena alíquota sobre transações bancárias — leia-se: nova CPMF.

Bolsonaro mandou bala, a seu estilo: "Esse cara já foi deputado e está lá na equipe de transição. Já conversei com ele para não falar aquilo que não tiver acertado com o Guedes e comigo. Parece que tem certas pessoas que, se é a verdade a informação, não pode ver uma lâmpada que se comporta como mariposa."

E ameaçou demitir quem eventualmente criticar suas orientações.

Convenham, né? Depois dessa, o "cara" ou a "mariposa" teria de pegar o rumo. Mas isso é com ele.

Fato: carta branca ninguém tem. E a reforma da Previdência andará a passos mais lentos, tudo indica, do que muitos imaginavam.

Bolsonaro intui, e com razão, que a reforma da Previdência vai minar parte da sua popularidade. Por adesismo, medo que ele e Sérgio Moro despertam ou sei lá o quê, talvez consiga aprovar no Congresso o que lhe der na telha nos primeiros meses. Qualquer que seja mudança, no entanto, os efeitos, bons ou ruins, cairão sobre o seu colo.

Uma reforma da Previdência certamente terá um efeito positivo, mas será naquele longo prazo, como disse certo economista, em que estaremos todos mortos. Bolsonaro está pensando nos eleitores que ainda estão vivos, não naqueles que ainda não nasceram

Aqui o link para a cassação da carta branca a Sérgio Moro.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.