Cultura

Centro Nacional do Cinema francês quer estimular produções com o Brasil

Frédérique Bredin, presidente do órgão, veio ao Rio firmar parceria com a Ancine
Frédérique Bredin esteve no Rio Content Market Foto: Barbara Lopes / Agência O Globo
Frédérique Bredin esteve no Rio Content Market Foto: Barbara Lopes / Agência O Globo

RIO - O Centro Nacional do Cinema e da Imagem Animada (CNC) é um órgão ligado ao Ministério da Cultura francês, responsável por regular, promover e administrar as políticas audiovisuais do país europeu. Presidente do CNC desde 2013, Frédérique Bredin esteve no Brasil na semana passada para participar do RioContentMarket e concretizar uma parceria com Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine, para estimular a coprodução entre os dois países.

O GLOBO: Que políticas audiovisuais tiveram melhores resultados na França nos últimos anos?

Frédérique Bredin: Destaco o subsídio a toda a cadeia de produção, que incentiva produtores a reinvestir em novas obras. Graças a isso, temos uma produção independente importante, algo que ajuda o surgimento de novos talentos. Por fim, assim como o Brasil, temos um sistema de difusão de conteúdo nacional na TV. Ou seja, as TVs financiam os programas e têm a obrigação de exibi-los em toda a sua grade.

Na França, qual a cota de exibição de conteúdo nacional na TV?

Os canais têm que ocupar a grade com 60% de programas locais ou europeus, o que inclui filmes lançados nos cinemas ou feitos para a TV, documentários, animações e transmissões de espetáculos, como óperas. Também devem investir parte da receita na produção de obras.

A França é um dos territórios da Europa mais atraentes para se filmar uma produção estrangeira. Como isso se tornou possível?

Por causa de um sistema de reembolso de impostos, aprovado no ano passado. Assim, filmes nacionais e internacionais têm um subsídio de cerca de 30% de todas as despesas feitas aqui.

Quais são as intenções desse reembolso?

Incitar os realizadores a vir à França e conhecer nossas culturas e patrimônios e trabalhar com os realizadores e técnicos franceses, que são de altíssima qualidade. Graças a essa medida, recentemente houve muitas filmagens de longas americanos, chineses e indianos, além de séries.

““O importante é investir nas escolas. Os alunos aprendem a entender filmes e se acostumam a ir ao cinema. Os cineclubes ajudam na formação””

Frédérique Bredin
presidente do Centro Nacional do Cinema e da Imagem Animada na França

O cinema francês é historicamente consagrado, tendo ganhado nove Oscars de filme estrangeiro. Como construir uma cultura cinematográfica bem-sucedida?

Primeiro, gostaria de ressaltar que temos muito orgulho do ( filme franco-brasileiro ) “Orfeu do carnaval” ( 1959 ), de Marcel Camus, que, apesar de ter dado o Oscar à França, é falado em português. Mas você tem razão, tivemos a sorte de ter grandes talentos. Além dos motivos que já citei, entendemos há muito tempo a importância do audiovisual como mecanismo de transformação econômica e cultural. Sempre tivemos uma política forte para incutir a cultura cinematográfica nas crianças, graças a dois grandes ministros ( da Cultura ) que acreditaram nisso: André Malraux, nos anos 1960, e Jack Lang, nos anos 1980. Ambos projetaram o nosso cinema internacionalmente. Temos ainda a sorte de sediar o Festival de Cannes, uma vitrine maravilhosa para o cinema do mundo inteiro e, por acontecer aqui, para o audiovisual francês. Há investimentos do começo ao fim, da formação em escolas de cinema e animação, como a La Fémis, até a exibição nas salas. O importante mesmo é investir nas escolas. Estas têm acordo com as salas de cinema para que os alunos aprendam a entender os filmes e se acostumarem a ir às salas. No Ensino Médio há cineclubes que ajudam na formação.

Como surgiu o interesse em firmar uma parceria com o Brasil? Quais são os detalhes do acordo?

O protocolo estabelece um programa para analisar, conjuntamente, dados sobre a produção e distribuição independente, o futuro das salas de cinema e a revolução digital. E há um programa pioneiro de intercâmbio de funcionários entre a CNC e a Ancine.

Quais as principais políticas francesas voltadas ao streaming e aos serviços de vídeo sob demanda (VOD)?

A ideia é que temos que nos adaptar sempre às novas telas. Antes tínhamos o DVD, cuja produção financiava o CNC por meio de uma pequena taxa. Agora, integramos o VOD a esse modelo. Assim, as novas plataformas, como a Netflix, pagam um percentual da receita. O mesmo vale para o YouTube, que transfere para a gente parte de sua receita publicitária, e operadoras de telefone. Todo esse dinheiro é investido na criação de obras, incluindo digitais. O CNC financia webséries, webanimações e curtas-metragens para o YouTube. O desafio ainda é o streaming ilegal. Temos ações com as empresas que vendem espaços publicitários e com os serviços de pagamento on-line, como cartões de créditos e o Paypal, para que eles interrompam o trabalho com os sites piratas.

Como é a distribuição de salas de cinema na França?

Existem muitas salas, inclusive as independentes, que chamamos de “arte e ensaio”. Nestas, a programação é composta também por filmes universitários. Ao todo, são 5,7 mil salas para uma população de 64 milhões. Metade dos cinemas é de arte e ensaio, que recebem subsídio do CNC para exibir obras com aquele perfil. A frequência é muito satisfatória. Em 2016, vendemos 210 milhões de ingressos. Em 2015, lançamos 300 filmes franceses, e 40% deles são coproduções. Somos muito abertos para construir pontes com outros países.