ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO

12/02/2011

ATORES ENVOLVIDOS

Ministério do Meio Ambiente (MMA); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio); Ministério Público Federal (MPF); Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM); Instituto Estadual de Florestas (IEF); moradores do entorno do Parque Nacional da Serra da Canastra; empresas mineradoras; Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (NINJA) da Universidade Federal de São João del-Rei; pequenos proprietários rurais do município de Delfinópolis; empresa de mineração Brazilian Diamonds Limited; empresa Qualimarcas Comércio e Exportação de Cereais; empresa de mineração DE BEERS, Consolidated Mines Ltd.; ONG SOS Lobo-Guará; Sopemi - Pesquisa e Exploração de Minério S/A.

MUNICÍPIO

São Roque de Minas, Delfinópolis

CLASSIFICAÇÃO GERAL E ESPECÍFICA

Demanda Territorial (Outras Demandas Territoriais)

Atividades / Processos Geradores de Conflito Ambiental

Desapropriação territorial para ampliação do Parque Nacional da Serra da Canastra.

Descrição do caso:
(população afetada, ecossistema afetado, Área atingida, histórico do caso)

O Parque Nacional da Serra da Canastra foi criado pelo decreto nº. 70.355 de 3 de abril de 1972, com o objetivo inicial de proteger as nascentes do rio São Francisco. Com uma área inicialmente prevista de aproximadamente 200 mil hectares, localizados nos Chapadões da Canastra e da Babilônia, o Parque foi regulamentado e demarcado na década de 1970 em apenas 71.525 hectares, ocupando parte do território de três municípios: São Roque de Minas, Sacramento e Delfinópolis, no sudoeste de Minas Gerais. A revisão do Plano de Manejo do Parque foi publicada pelo IBAMA no início de 2005. Do total da área decretada, apenas os 71.525 hectares estão com a situação fundiária regularizada, ou seja, sob posse e domínio do IBAMA, enquanto os outros 130.000 hectares são constituídos por propriedades/posses, não estando ainda regularizados pela União. A legalidade da desapropriação dos cerca de 130 mil hectares está sendo questionada pelos proprietários de terra da região, pois acarreta uma série de mudanças sócio-econômicas para a população local.

 
O Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) criado pelo Presidente da República, através de decreto de 24/01/2006 para rever o projeto de ampliação do Parque Nacional foi constituído por representantes dos ministérios das Minas e Energia, Agricultura, Meio Ambiente e Casa Civil, além do IBAMA. A conclusão dos levantamentos realizados pelo GTI foi apresentada à comunidade da região da Canastra no dia 9/06/2006, em São Roque de Minas. Foram formados, agora, três grupos: um para analisar as propostas dos projetos de lei 1517 e 1448, apresentados por deputados federais em 2007; outro para discutir a atuação das empresas mineradoras que exploram quartzito e diamantes; e outro para elaborar um compromisso a ser assinado pelos proprietários que residem no entorno da área do Parque a ser ampliada. Esse compromisso, chamado de TAC, Termo de Ajustamento de Conduta, tem a finalidade de regular as atividades dos proprietários para evitar ou minimizar o impacto ambiental na área protegida. Em 31 de agosto de 2005, foi aberto um procedimento administrativo pelo MPF, através de representação contra empresas mineradoras que realizavam a extração de rochas kimberlito (que indicam a existência de diamantes no subsolo) e de quartzito, na área não regularizada.

 
A aprovação da lei nº. 11.428, de 22 de dezembro de 2006, alterou as normas vigentes sobre a compensação de reservas legais, mediante a doação de áreas às Unidades de Conservação de domínio público. A portaria nº. 10, de 03 de fevereiro de 2009, estabelece os procedimentos a serem observados na análise técnico-jurídica dos processos administrativos que tem por finalidade a exoneração de reserva legal com a doação de áreas equivalentes em Unidades de Conservação de Proteção Integral carentes de regularização fundiária. Através de acordo firmado entre o ICMBio e o IEF (Instituto Estadual de Florestas), o pedido de Compensação Social de Reserva Legal deverá ser protocolado junto ao IEF, o qual fará a análise da documentação e da situação da propriedade que será doada, para que o proprietário receba indenização ou outra terra em troca. De acordo com o ICMBio, vários proprietários de terra estão procurando o IEF para abertura de processo de compensação de reserva legal para efetivar a regularização fundiária de suas propriedades. De acordo com o ICMBio, não há necessidade de encaminhamento de proposta de alteração dos limites do Parque, como propõe o projeto de lei n.1517, apresentado em 04 de julho de 2007, que exclui porções do território atual do Parque. O projeto de lei n.1448 complementa o projeto n.1517, e propõe transformar essas áreas excluídas do Parque em Áreas de Proteção Ambiental (APAs).
 

De acordo com relatório do IBAMA, de 2006, denominado “Parque Nacional da Serra da Canastra: solucionando conflitos de interesses”, a mineração de quartzito na região se apresenta como atividade amplamente distribuída, pois existem 91 títulos minerários expedidos para a exploração de quartzito, totalizando uma área aproximada de 35 mil hectares, em dez municípios. Ainda segundo o relatório, nenhum direito minerário concedido depois de 1972, no interior do perímetro definido no Decreto nº. 70.355, pode ser reconhecido como tendo validade atual. O parecer PROGE n. 145/2006-CCE-JMO, da Procuradoria Jurídica do Órgão de execução da Procuradoria Geral Federal junto ao DNPM, aprovado em 14/07/2006 e publicado no Diário Oficial da União, reconhece exatamente esta posição. De acordo com o memorando nº. 014/2010, expedido pelo Ministério de Meio Ambiente, a coordenação do Parque, em resposta ao MPF, informou que estão sendo realizadas as seguintes ações: capacitação dos analistas ambientais da Unidade de Conservação para os procedimentos de consolidação territorial; preparo de cartilha para orientar os procedimentos de compensação de reserva legal; preparo de edital para orientar os procedimentos de compensação de reserva legal; orientação aos interessados em participar dos procedimentos de compensação de reserva legal e identificação de imóveis inseridos nos limites do Parque, através de documentos, principalmente TACs assinados com o IBAMA/ICMBio. O processo ainda não terminou.

 
Em depoimento à oficina com movimentos sociais da mesorregião Sul-Sudoeste “Cidadania a Justiça Ambiental”, realizada pelo NINJA/UFSJ em Alfenas no dia 28 de novembro de 2009, representantes de pequenos proprietários rurais do município de Delfinópolis declararam-se preocupados com a preservação da serra da Canastra e com as injustiças que a regularização fundiária do Parque tem causado às comunidades rurais. Denunciaram que, em 1972, a regularização de 200 mil hectares levou à desapropriação de muitos produtores rurais, vários deles ainda não indenizados. Ainda segundo os depoentes, teve início, desde 2002, o processo de regularização de mais 129 mil hectares e, desde então, os agricultores da região têm sido impedidos de realizar, em suas terras, os plantios regulares. Os depoentes também reclamam dos custos a eles impostos pela averbação de reserva legal. Diante da “frieza” dos órgãos ambientais, pequenos produtores rurais se vêm na contingência de abandonar as terras e  migrarem para as periferias das cidades mais próximas.

 

No relato, ainda foram mencionadas as atividades desenvolvidas por mineradoras na região, que estariam prejudicando as nascentes d’água em desobediência às leis ambientais. Também presente à oficina, o representante da Associação Comercial Industrial Agropecuária e Serviços de Delfinópolis (ACIAS) complementou o relato, afirmando que empresas canadenses têm projetos de extração de diamantes industriais na região. Segundo ele, essas empresas estariam fazendo um lobby ao apoiar a expansão do parque para posteriormente ter acesso às áreas de jazidas de diamantes que ficam nas bordas do parque. A preocupação expressa nos relatos parece ter fundamento. O sítio eletrônico O PHAROL informou que em pesquisas preliminares na região, realizadas pelas mineradoras de diamante, indicam a presença de jazidas que permitiram “um salto na produção nacional de diamantes de 300 mil quilates anuais para 2,6 milhões de quilates”. De acordo com a matéria, as empresas mineradoras e órgãos públicos têm se utilizado de expedientes suspeitos, para viabilizar a legalização da extração de diamantes na região do Parque:

  

O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) sugeriu que as duas regiões diamantíferas (...) fossem excluídas da área de proteção ambiental. O ICMBio, segundo informou seu presidente, Rômulo Mello, acatou a sugestão, que foi transformada em substitutivo e já está no Senado Federal, onde o projeto da redução do Parque aguarda parecer da relatoria, que está a cargo do senador Renato Casagrande (...) A Câmara dos Deputados ressuscitou e encaminhou ao Senado um projeto de Lei que prevê a redução da área de proteção da Serra da Canastra (...) O projeto de alteração da área - PL nº 1517/2007 - é de autoria dos então parlamentares mineiros Carlos Melles, Odair Cunha, Maria do Carmo Lara, Geraldo Thadeu e Rafael Guerra. A tramitação do projeto (...)  também ocorreu de forma controversa. O texto tramitava em caráter terminativo, ou seja, precisava de aprovação apenas das Comissões, sem necessidade de votação no plenário. Do dia 3 de novembro de 2008 a 19 de maio deste ano, ele ficou estacionado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No entanto, foi acelerado a partir desta data e, em menos de três meses, saiu da Câmara e desde 6 de agosto aguarda parecer da relatoria no Senado (O PHAROL).  

   

No mesmo período em que a tramitação do projeto começou a se acelerar, a mineradora canadense Brazilian Diamonds vendeu, por R$ 1,1 milhão, os direitos de lavra e pesquisa na região à empresa Qualimarcas Comércio e Exportação de Cereais. Isso levou a procuradora da República do Ministério Público Federal de Passos a considerar que “comprar o direito de explorar uma região onde a exploração só é permitida se o projeto for aprovado no Senado revela indícios de pressão econômica” (O PHAROL). Evidentemente, a garantia de aprovação do projeto está pressuposta na transação. A procuradora considera, ainda, que o respaldo dado pelo IBAMA e pelo DNPM à liberação da exploração de diamantes considera como área do Parque apenas os 70 mil hectares já regularizados, quando, na verdade, os 130 mil hectares ainda não regularizados também constituem legalmente parte do Parque, tal como definido em seu decreto de criação.

De outra parte, ainda conforme a matéria supracitada, o presidente do ICMBio considera que o impacto ambiental a ser produzido pela exploração de diamantes não seria “significativo”, e sim “muito localizado” (para ele, a área total projetada para o Parque poderia ser mantida pela incorporação de outras áreas, deixando livres aquelas em que houvesse diamantes e quartzito). Entretanto, essa avaliação sobre os impactos provocados pela mineração de diamantes está longe de ser consensual. Matéria publicada no sítio eletrônico do Instituto Socioambiental (ISA) informa que a empresa SOPEMI - Pesquisa e Exploração de Minério S/A - subsidiária brasileira da mineradora sul-africana DE BEERS Consolidated Mines Ltd., “que comercia cerca de 80% da produção mundial de diamantes e que está na região há mais de 30 anos” (ISA) – encontrou, pela primeira vez nas Américas amostras de uma rocha denominada kimberlito, ou rocha de Kimberley. Resultado de erupções vulcânicas, essa rocha indica a presença de diamantes no subsolo em seu estado mais puro. Este nome foi dado em homenagem à cidade de Kimberley, África do Sul, onde foi encontrada a rocha pela primeira vez no final do século passado. Hoje, após a total destruição do relevo na região, resta uma enorme cratera de aproximadamente um quilômetro de profundidade (ISA). 

Ainda na mesma matéria, um militante da ONG SOS Lobo-Guará denuncia que a SOPEMI, apesar de dispor de licença apenas para pesquisa, já perfurou buracos de até 600 metros de profundidade e “extraiu além do limite de 30 mil quilates de diamantes estipulado pela licença”. Esses diamantes, denuncia o ambientalista, teriam saído ilegalmente do Brasil, sem conhecimento da Receita Federal e, por essa razão, a autorização de pesquisa da SOPEMI foi suspensa “e no momento as atividades encontram-se paradas à espera de uma licença para lavra” (ISA).  

Esse cidadão lembra ainda os impactos sociais “imprevisíveis” da extração de diamantes. Com efeito, pode-se antever uma corrida de pessoas para a região em busca de empregos ou mesmo do garimpo clandestino, trazendo problemas de infra-estrutura urbana, prostituição, violência etc. Nesse sentido, a matéria lembra o enorme potencial turístico da serra da Canastra. Os representantes de pequenos proprietários rurais do município de Delfinópolis presentes à oficina com movimentos sociais da mesorregião Sul-Sudoeste também se manifestaram a esse respeito. Disseram que o turismo poderia ser uma alternativa para a região, desde que a população local se tornasse protagonista e beneficiária do processo. Por fim, demandaram a elaboração de um novo plano de manejo para o Parque, de forma a incorporar as práticas agrícolas tradicionais do lugar, graças às quais a região permanece bastante preservada, tais como as queimadas controladas para evitar os grandes incêndios na área do Parque. 

 

 Fontes:

 

ISA - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Exploração de diamantes ameaça Serra da Canastra. Disponível em: <http://site-antigo.socioambiental.org/website/parabolicas59/artigos/canastra1.htm> Acesso em 12/02/2011.

 

MINAS GERAIS. Ministério Público Federal. Procedimento Administrativo n. 1.22.004.0000007-2005-91. Município de Passos.  

 

O PHAROL.  Mineração na Serra da Canastra terá sinal verde - Paraíso pode desaparecer. MPF Ataca. Disponível em: <http://www.opharol.com/index.php?option=com_content&view=article&id=149:mineracao-na-serra-da-canastra-tera-sinal-verde-paraiso-pode-desaparecer-mpf-ataca&catid=27:politica&Itemid=54>.Acesso em 15/02/2011.

 

Relato de representante de pequenos proprietários rurais da serra da Canastra apresentado à oficina “Cidadania a Justiça Ambiental – mesorregião Sul-Sudoeste”. Alfenas, 27-28/11/2009.

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