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Revista ComTempo, edição nº 3, de janeiro a março de 2019

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EDITORIAL<br />

QUALQUER COISA É SÓ DIZER<br />

QUE FOI UMA METÁFORA<br />

Após a posse do novo presi<strong>de</strong>nte<br />

do Brasil, muitos inteligentes começaram<br />

a ter a sensação <strong>de</strong> <strong>de</strong>javú.<br />

Alguns, com mais bagagem<br />

<strong>de</strong> vida e experiência, já assistiram este<br />

filme mais <strong>de</strong> uma vez. Muitos se sentiram<br />

entrando em 1964 e não em <strong>2019</strong>.<br />

Para outros, em sua gran<strong>de</strong> maioria os<br />

EDIÇÃO Nº 1 - Comtempo<br />

Equipe <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização e redação<br />

Gabriela Brack, José Piutti, Kimberly Souza e Marcos Pitta<br />

Equipe <strong>de</strong> criação<br />

Marília Toffoli e Henrique Escher<br />

Diagramação<br />

Marcos Pitta<br />

Edição e monitoramento <strong>de</strong> re<strong>de</strong> social<br />

José Piutti e Carolina Paulino<br />

Colaboradores <strong>de</strong> reportagens<br />

Mayra Carvalho da Silva, Pedro Leal, Mariana Ferreira,<br />

Ana Carolina Januário e Martina Colafemina.<br />

Colaboradores <strong>de</strong> artigos<br />

Natália Salvador, Ana Karen Soares e Marcos Bergamasco.<br />

Arte <strong>ComTempo</strong> última página<br />

Fernando Ravanelli<br />

profissionais da comunicação, tiveram a<br />

sensação <strong>de</strong> estar nos Estados Unidos da<br />

América.<br />

O governo Bolsonaro para com a<br />

imprensa começa da mesma forma que<br />

o governo Trump na maior potência mundial,<br />

com <strong>de</strong>scaso. Como po<strong>de</strong>, em pleno<br />

século 21, um presi<strong>de</strong>nte eleito <strong>de</strong>mocraticamente<br />

<strong>de</strong>smoralizar e ferir uma das<br />

profissões mais antigas do mundo, que<br />

está ali para fazer, nada mais que seu trabalho<br />

<strong>de</strong> informar.<br />

O relato da jornalista Monica Bergamo<br />

na Folha <strong>de</strong> São Paulo foi suficiente<br />

para ver que mais dias <strong>de</strong> cão, virão. Centenas<br />

<strong>de</strong> profissionais viram seus quatro<br />

anos <strong>de</strong> estudo árduos jogados no chão,<br />

assim como eles. Afinal, foi no chão que<br />

eles aguardaram o momento da posse,<br />

pois não havia ca<strong>de</strong>iras no salão. Aliás,<br />

até tinha, mas foram retiradas.<br />

Primeiro <strong>de</strong> <strong>janeiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2019</strong> certamente<br />

foi um dia histórico, um novo presi<strong>de</strong>nte<br />

assume a nação após 12 anos<br />

<strong>de</strong> mandato <strong>de</strong> um único partido. Eleito<br />

<strong>de</strong>mocraticamente, prometendo mudanças,<br />

salvação e, em seu primeiro dia, fere<br />

aquela que seria sua principal aliada, a<br />

comunicação.<br />

Nos dias seguintes, mais tristezas,<br />

só para citar dois exemplos, a comunida<strong>de</strong><br />

LGBTQ+ foi retirada das diretrizes dos<br />

direitos humanos e a ministra da Mulher,<br />

Família e Direitos Humanos, disse após<br />

assumir a pasta, que menino veste azul e<br />

menina veste rosa, talvez a frase mais infeliz<br />

já dita por ela em toda sua trajetória.<br />

Após a repercussão <strong>de</strong> sua fala, a<br />

ministra Damares Alves disse, em entrevista<br />

ao Jornal das Dez, da Globo News,<br />

não estar arrependida do que disse: “Foi<br />

uma metáfora. Nós temos no Brasil o ‘Ou-<br />

tubro Rosa’, que diz respeito ao câncer <strong>de</strong><br />

mama com mulheres, temos o ‘Novembro<br />

Azul’ com relação ao câncer <strong>de</strong> próstata<br />

com o homem. Então, quando eu disse<br />

que menina veste cor <strong>de</strong> rosa e menino<br />

veste azul, é que nós vamos estar respeitando<br />

a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> biológica das crianças”,<br />

disse.<br />

Dito isso, é melhor prepararmos<br />

olhos e ouvidos, para enxergarmos e<br />

ouvirmos comentários preconceituosos,<br />

racistas, machistas e homofóbicos disfarçados<br />

como figuras <strong>de</strong> linguagens. O<br />

editorial <strong>de</strong>sta <strong>edição</strong> não vem disfarçado<br />

<strong>de</strong> receita <strong>de</strong> bolo <strong>de</strong> cenoura, mas se<br />

algum dia for preciso usar <strong>de</strong>ste artifício,<br />

será fácil encontrar a solução. Afinal, bastará<br />

dizer que se trata <strong>de</strong> uma metáfora.<br />

Aliás, se tudo continuar com o andar<br />

da carruagem <strong>de</strong> quase um mês <strong>de</strong><br />

governo, os brasileiros já po<strong>de</strong> começar<br />

a inserir esta palavra em seu dicionário<br />

do dia a dia. Qualquer atitu<strong>de</strong> que possa<br />

ser usada contra você po<strong>de</strong> ser facilmente<br />

substituída por uma metáfora. O melhor<br />

<strong>de</strong> tudo, é que serão quatro anos <strong>de</strong> muitas<br />

gargalhadas. Pessoas que até ontem<br />

não sabiam o significado <strong>de</strong> uma figura <strong>de</strong><br />

linguagem, hoje <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a fala da ministra<br />

com imensos textos nas re<strong>de</strong>s sociais.<br />

Por falar em re<strong>de</strong>s sociais, elas serão as<br />

mais beneficiadas com tudo isso. As notícias<br />

irão dobrar; as fake news triplicar<br />

e quanto aos memes, nem é bom tentar<br />

calcular. O espetáculo já começou, só que<br />

<strong>de</strong> forma invertida. São mais <strong>de</strong> 209 milhões<br />

<strong>de</strong> palhaços sentados nas arquibancadas<br />

<strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong> circo, e no pica<strong>de</strong>iro o<br />

presi<strong>de</strong>nte e seus partiners ministros que<br />

dominam este gran<strong>de</strong> circo. Calma, essa<br />

comparação foi só uma metáfora muito<br />

bem utilizada.


OPINIÃO<br />

JORNALISMO<br />

CONVENIENTE<br />

NATÁLIA SALVADOR PEREIRA<br />

É<br />

o décimo quinto dia <strong>de</strong> <strong>2019</strong>. Abro o notebook<br />

para escrever este artigo e me dou conta<br />

<strong>de</strong> que ainda não liguei minha tevê este<br />

ano. Outra constatação é não ter lido uma linha<br />

<strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong> revista ou jornal impresso. Apesar<br />

disso, não passei um dia sem acompanhar as notícias<br />

do Brasil e do mundo.<br />

São 7h26 da manhã. Checo<br />

meu e-mail e a <strong>edição</strong> do Canal<br />

Meio já está em minha caixa <strong>de</strong> entrada,<br />

com o resumo das principais<br />

notícias do dia. Enquanto dou uma<br />

conferida, meu namorido vem até o<br />

escritório me dar bom dia. Ele está<br />

com o celular ligado, ouvindo o Café<br />

da Manhã, podcast <strong>de</strong> notícias da<br />

Folha <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Essa migração no consumo<br />

<strong>de</strong> informações, <strong>de</strong> canais tradicionais<br />

para novas plataformas, não foi<br />

um processo pontual nem intencional.<br />

Em 2015, me apaixonei pela<br />

plataforma Medium e lá conheci o<br />

projeto Brio, <strong>de</strong>dicado a publicação<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s reportagens, algumas<br />

<strong>de</strong>las divididas em capítulos semanais.<br />

Na época eu acompanhava as<br />

histórias com o apego <strong>de</strong> quem seguia<br />

um seriado.<br />

Em meados <strong>de</strong> 2018, no<br />

ápice da campanha eleitoral e das<br />

famigeradas fake news, me tornei<br />

assinante do Nexo, jornal digital que<br />

eu já acompanhava há alguns anos<br />

e que estava fazendo uma cobertura<br />

<strong>de</strong> altíssimo nível.<br />

Outra forma que passei a<br />

acompanhar os resumos das notícias<br />

é pelo Instagram Stories e IGTV.<br />

Gosto da criativida<strong>de</strong> dos jornais para<br />

adaptarem sua linguagem para as<br />

mídias sociais e divulgarem seus conteúdos.<br />

Vale conferir o perfil da National<br />

Geographic Channel com abordagens<br />

fascinantes, a <strong>edição</strong> diária Não<br />

Durma Sem Saber, da Folha, e o bem<br />

Como o novo jornalismo<br />

se ajustou à minha<br />

rotina e transformou<br />

meus hábitos<br />

<strong>de</strong> consumir notícias.<br />

humorado Drops, do Estadão.<br />

Nos últimos meses um novo hábito toma<br />

conta dos meus dias: ouvir podcasts. Um amigo<br />

me apresentou o semanal Foro <strong>de</strong> Teresina, da<br />

<strong>Revista</strong> Piauí, que <strong>de</strong> cara virou favorito. No campo<br />

dos noticiários, outros queridinhos são o já citado<br />

Café da Manhã, da Folha, e o Durma com Essa,<br />

do Nexo, que ouço diariamente pelo Spotify.<br />

O que vejo <strong>de</strong> mais legal nesse movimento<br />

<strong>de</strong> novas mídias e forma <strong>de</strong> fazer jornalismo é a<br />

liberda<strong>de</strong> que a internet possibilita <strong>de</strong> experimentar,<br />

sair do óbvio e arriscar novos formatos. Percebo<br />

que o jornalismo está cada vez mais conveniente.<br />

Ao invés <strong>de</strong> eu ter que adaptar meus horários para<br />

receber as notícias, são as notícias que se adaptam<br />

à minha rotina e ao meu estilo <strong>de</strong> vida. E mais:<br />

diferente daquele mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> jornalismo formal e<br />

sisudo, surgem plataformas leves e irreverentes,<br />

com nível <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> excelente.<br />

Por outro lado, sei também do <strong>de</strong>safio<br />

para os veículos conseguirem<br />

retorno financeiro com seus projetos.<br />

Infelizmente por essa questão,<br />

muitas iniciativas bacanas acabam<br />

morrendo. O Brio, por exemplo, teve<br />

que adaptar seu formato para po<strong>de</strong>r<br />

sobreviver. A mídia em geral atravessa<br />

uma crise braba e busca se ajustar<br />

a novos tempos <strong>de</strong> receitas cada vez<br />

mais pulverizadas.<br />

Nesse cenário, vejo muitas pessoas<br />

lamentando a crise do jornalismo e<br />

das empresas jornalísticas. Entretanto,<br />

percebo o quanto nós, brasileiros,<br />

somos resistentes a pagar para consumir<br />

notícia <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, ainda que<br />

o custo-benefício seja indiscutível.<br />

São 20h15 da noite. Ligo o notebook<br />

para revisar este artigo e abro<br />

uma cervejinha para relaxar. Noto que<br />

o preço da cerveja equivale a quase<br />

um mês <strong>de</strong> assinatura <strong>de</strong>sses jornais<br />

super bacanas que acabei <strong>de</strong> citar.<br />

Em tempo – a cerveja não é daquelas<br />

especiais e caras, não. Está aí outra<br />

conveniência do novo jornalismo: em<br />

geral, custa menos do que pensamos<br />

e entrega muito mais qualida<strong>de</strong> do que<br />

estávamos acostumados a receber.<br />

Colaboração <strong>de</strong> Natália Salvador, Jornalista<br />

por formação e publicitária por<br />

<strong>de</strong>dicação. Mãe da Helena e sócia<br />

da com5 comunicação, está sempre<br />

pronta para tomar uma cervejinha, jogar<br />

conversa fora ou discutir o futuro<br />

do passado.


OPINIÃO<br />

Os movimentos que as<br />

<strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Bolsonaro<br />

causam no cenário internacional<br />

(Allan Santos/Presidência da República)<br />

ANA KAREN SOARES FERREIRA<br />

Des<strong>de</strong> o início da disputa eleitoral, o<br />

atual presi<strong>de</strong>nte Jair Bolsonaro já<br />

causava insegurança no cenário internacional<br />

com suas <strong>de</strong>clarações<br />

sobre os acordos econômicos e ambientais<br />

que existem entre o Brasil e vários outros Estados.<br />

Um exemplo, é a <strong>de</strong>claração que Bolsonaro<br />

fez em uma transmissão ao vivo por uma<br />

re<strong>de</strong> social <strong>de</strong> que o país <strong>de</strong>ixaria o Acordo <strong>de</strong><br />

Paris, caso as mudanças propostas não fossem<br />

atendidas. Porém, pouco tempo <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>claração, o presi<strong>de</strong>nte disse que o<br />

país não <strong>de</strong>ixaria o acordo climático. O problema<br />

das afirmações que o presi<strong>de</strong>nte eleito faz<br />

é a instabilida<strong>de</strong> que gera no exterior. O outro<br />

problema das <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Bolsonaro é que<br />

elas se assemelham as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Donald<br />

Trump, presi<strong>de</strong>nte dos Estados Unidos,<br />

que em julho <strong>de</strong> 2017 <strong>de</strong>ixou o Acordo <strong>de</strong> Paris<br />

com a justificativa <strong>de</strong> que as exigências do<br />

acordo do clima não eram justas e que prejudicariam<br />

a economia do país norte-americano.<br />

Recentemente, o presi<strong>de</strong>nte brasileiro<br />

confirmou a saída do Brasil do Pacto Global<br />

<strong>de</strong> Migração, outra medida que se aproxima da<br />

política anti imigrantes <strong>de</strong> Trump. A <strong>de</strong>cisão tomada<br />

pelo presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ixa o Brasil com uma<br />

imagem negativa internacionalmente, pois o<br />

país foi muitas vezes reconhecido como um refúgio<br />

para imigrantes. A<strong>de</strong>mais as crises com<br />

os imigrantes venezuelanos que ocorrem na<br />

fronteira entre os dois Estados se intensificaram<br />

após <strong>de</strong>clarações provocativas <strong>de</strong> Bolsonaro<br />

contra a Venezuela. Como a pauta sobre o<br />

Mercosul que gera instabilida<strong>de</strong> e insegurança.<br />

O Mercosul é um tratado <strong>de</strong> Livre Comércio<br />

entre os países da América Latina e<br />

Bolsonaro já afirmou que o bloco econômico<br />

era uma ferramenta <strong>de</strong> “viés i<strong>de</strong>ológico” utilizado<br />

pelos petistas. O ministro da econômia do<br />

governo <strong>de</strong> Bolsonaro, Paulo Gue<strong>de</strong>s afirmou<br />

logo <strong>de</strong>pois da eleição que o bloco econômico<br />

não seria visto com priorida<strong>de</strong> no governo. Tais<br />

afirmações são prejudiciais tanto para o Brasil<br />

quanto para os <strong>de</strong>mais países do tratado, pois<br />

a relação <strong>de</strong> livre comércio existente no bloco<br />

econômico é benéfica para todos os Estados<br />

presentes. Outra afirmação <strong>de</strong> Jair Bolsonaro<br />

que gera <strong>de</strong>sconforto entre os países, ainda<br />

sobre o Mercosul é <strong>de</strong> que segundo a cláusula<br />

<strong>de</strong>mocrática do tratado, a Venezuela não<br />

<strong>de</strong>veria fazer parte do bloco. Porém, segundo<br />

o Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia a Venezuela está suspensa<br />

do Mercosul <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2017. A <strong>de</strong>claração<br />

sobre o país latino-americano serviu apenas<br />

para provocação e aumento da instabilida<strong>de</strong><br />

política e econômica que existe atualmente entre<br />

a Venezuela e outros Estados da América.<br />

Além das provocações do presi<strong>de</strong>nte para com<br />

a Venezuela, houveram provocações com a<br />

China. A China respon<strong>de</strong>u as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong><br />

Bolsonaro com uma publicação em seu principal<br />

jornal estatal afirmando que as exportações<br />

do Brasil para a China são importantes para o<br />

crescimento econômico <strong>de</strong> ambos os países.<br />

Essas e outras afirmações do presi<strong>de</strong>nte<br />

tiveram repercussão negativa internacionalmente<br />

<strong>de</strong>vido ao seu conteúdo radical e<br />

contraditório na medida em que se aproxima do<br />

discurso neoliberal <strong>de</strong> Donald Trump e do discurso<br />

nacionalista e patriota dos militares. Além<br />

disso, houveram outras alegações que feriram<br />

direitos humanos já conquistados internacionalmente<br />

e dos quais o Brasil faz parte nos tratados<br />

internacionais dos direitos humanos. Ainda que<br />

certas alegações não se tornem efetivamente<br />

ações, elas são uma ameaça para a imagem<br />

internacional do país, causando um ambiente<br />

inseguro na política e na economia.<br />

Colaboração <strong>de</strong> Ana Karen Soares Ferreira,<br />

graduanda do curso <strong>de</strong> Relações Internacionais<br />

da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ribeirão Preto (Unaerp).


OPINIÃO<br />

O aprisionamento por<br />

trás do uso excessivo<br />

<strong>de</strong> aplicativos mobile:<br />

MARCOS EDUARDO DA SILVA BERGAMASCO<br />

É<br />

difícil imaginar nossas vidas sem o<br />

uso <strong>de</strong> aplicativos para celulares, não<br />

é? Ainda mais para nós brasileiros<br />

que somos campeões mundiais em<br />

uso <strong>de</strong> aplicativos mobile segundo a App Annie<br />

que faz análises globais sobre o mercado<br />

<strong>de</strong> aplicativos em dispositivos móveis. O estudo<br />

da companhia registrou que o brasileiro<br />

usa em média 12 aplicativos a cada 24 horas<br />

em seu aparelho celular.<br />

Se tornou eminente o fato <strong>de</strong> que hoje<br />

os aplicativos celulares são indispensáveis<br />

até mesmo nas horas <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> várias<br />

empresas que utilizam os serviços <strong>de</strong> aplicações<br />

para garantir uma maior eficiência e<br />

agilida<strong>de</strong> em seus afazeres.<br />

Entretanto o uso <strong>de</strong> aplicações em<br />

celulares, não estão somente ligadas a obrigações<br />

pessoais, mas sim durante todo o dia<br />

incluindo principalmente horários <strong>de</strong> lazer, no<br />

qual o maior número <strong>de</strong> usuários é referente<br />

aos jovens com a faixa etária <strong>de</strong> 10 a 22 anos<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />

A partir do uso compulsivo dos softwares,<br />

se dá início ao isolamento social, on<strong>de</strong> as<br />

pessoas se veem interagindo estaticamente<br />

com seus dispositivos móveis, sem realizar<br />

nenhum tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> com pessoas ao<br />

seu redor. Neste momento, já é perceptível<br />

a presença do vício que o indivíduo tem em<br />

relação ao uso do aparelho.<br />

Acreditava-se que o uso prolongado<br />

dos aparelhos móveis po<strong>de</strong>ria provocar uma<br />

síndrome <strong>de</strong>nominada TextNeck que afeta a<br />

coluna vertebral, porém em estudos mais recentes,<br />

pesquisadores afirmam que não há<br />

relação da síndrome com o uso exacerbado<br />

dos celulares, e <strong>de</strong>ssa forma, não po<strong>de</strong>riam<br />

causar riscos significativos ao nosso corpo.<br />

Apesar disso, diversas pessoas relatam dores<br />

cervicais e <strong>de</strong>salinhamento na postura<br />

durante o constante uso <strong>de</strong> aparelhos móveis,<br />

e em função disso, um projeto <strong>de</strong> lei<br />

está sob análise em Comissão <strong>de</strong> Defesa do<br />

Consumidor do Senado que tem como proposta<br />

a inscrição obrigatória <strong>de</strong> alertas para o<br />

uso mo<strong>de</strong>rado nos aparelhos celulares.<br />

Será mesmo que estamos livres <strong>de</strong><br />

complicações físicas em relação ao consumo<br />

dos aplicativos mobile? o que eles possuem<br />

para conquistar tantas horas <strong>de</strong> atenção que<br />

são <strong>de</strong>dicadas por nós? Por que utilizamos<br />

aplicativos <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>masiada?<br />

As empresas <strong>de</strong>senvolvedoras <strong>de</strong><br />

aplicativos híbridos para mobile estão cada<br />

vez mais investindo em estudos <strong>de</strong> usabilida<strong>de</strong><br />

para po<strong>de</strong>rem aprimorar seus softwares e<br />

torna-los sempre mais adaptados ao usuário.<br />

Dessa forma, não é necessário apren<strong>de</strong>r a<br />

utilizar um aplicativo, pois o mesmo já possui<br />

técnicas <strong>de</strong> interface que <strong>de</strong>ixam claro qual o<br />

objetivo <strong>de</strong> cada função visível na tela. Este<br />

processo permite que a pessoa já tenha conhecimento<br />

do uso da aplicação antes mesmo<br />

<strong>de</strong> usa-las.<br />

Para esclarecer melhor sobre a interface,<br />

nas próximas linhas vamos <strong>de</strong>finir o que<br />

ela é, para que ela serve e por que ela é tão<br />

importante.<br />

A interface é tudo aquilo que nós conseguimos<br />

interagir com o aplicativo, seja por<br />

meio da visão, tato ou audição. Isso significa<br />

que, em um aplicativo, tudo que possamos<br />

ver, “clicar” e ouvir é tratado como interface,<br />

que por sua vez, é a responsável por criar<br />

uma “ponte” do sistema do software para o<br />

usuário final, e assim permitir que pessoas<br />

consigam enten<strong>de</strong>r qual a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada<br />

função da aplicação, como por exemplo um<br />

botão, um campo <strong>de</strong> texto, uma imagem entre<br />

outras diversas funções.<br />

Agora já sabemos o por que ela é tão<br />

importante, afinal imagine como seria um<br />

aplicativo sem botões, barras, ícones, imagens,<br />

cores ou qualquer coisa que possamos<br />

interagir. Seria totalmente ocioso e não teria<br />

objetivo algum.<br />

Além <strong>de</strong>sta jogada <strong>de</strong> usabilida<strong>de</strong>,<br />

assim como nós, as empresas <strong>de</strong>senvolvedoras<br />

<strong>de</strong> aplicativos também sabem que<br />

hoje em dia a busca por entretenimento se<br />

tornou muito maior do que a busca por conhecimento,<br />

e isso ficou muito claro quando<br />

a UOL compartilhou a lista dos aplicativos<br />

mais baixados do mundo, tendo nos 5 primeiros<br />

lugares o Instagram, Snapchat, Facebook,<br />

Messenger e o Whatsapp que ficou<br />

com a primeira posição.<br />

Eu sei o que você <strong>de</strong>ve estar pensando.<br />

“O Whatsapp é um aplicativo para<br />

comunicação, e não para utilizar como entretenimento”.<br />

Errado! A verda<strong>de</strong> é que o<br />

Whatsapp inicialmente tem o objetivo <strong>de</strong><br />

promover contato por texto, áudio ou ví<strong>de</strong>o<br />

entre as pessoas. Porém hoje em dia ele é<br />

mais usado para compartilhamento <strong>de</strong> áudios,<br />

fotos e ví<strong>de</strong>os que são usados apenas<br />

como diversão coletiva, permitindo assim o<br />

enriquecimento do entretenimento virtual perante<br />

os humanos.<br />

Dessa maneira é predominantemente<br />

visível que os aplicativos sociais para mobile<br />

estão cada vez mais caminhando para a<br />

ascensão das plataformas <strong>de</strong> aplicações utilitárias.<br />

Em contrapartida nos vemos totalmente<br />

consumidos pelos softwares que em sua<br />

real essência, buscam abranger mais usuários<br />

para garantir sucesso, e eventualmente<br />

trabalhar com atualizações para melhorar o<br />

empenho da aplicação, no intuito <strong>de</strong> manter<br />

as pessoas sempre próximas ao aplicativo, e<br />

é neste ponto on<strong>de</strong> nos vemos como prisioneiros<br />

<strong>de</strong> algo que nós mesmos pensamos<br />

controlar, mas na verda<strong>de</strong>, estamos apenas<br />

sendo controlados.<br />

Colaboração <strong>de</strong> Marcos Eduardo da Silva<br />

Bergamasco, estudante <strong>de</strong> Sistemas <strong>de</strong> Informação<br />

do Centro Universitário Unifafibe.


EDUCAÇÃO<br />

Dos 13 milhões <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados no<br />

país, 32% têm entre 18 e 24 anos<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. O levantamento realizado<br />

pelo Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografi a<br />

e Estatística (IBGE), divulgados em agosto <strong>de</strong><br />

2018 é alarmante, mas não tão <strong>de</strong>sesperador<br />

quanto a situação dos jovens que terminaram<br />

a faculda<strong>de</strong> e não conseguem colocação efetiva<br />

no mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

A solução, em alguns casos, é investir<br />

em trabalhos temporários, em vagas que<br />

fogem às habilida<strong>de</strong>s para as quais se graduou<br />

ou, como traz a <strong>edição</strong> da <strong>ComTempo</strong>,<br />

trabalhos alternativos. Diante das incertezas,<br />

somado ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e inovação,<br />

os jovens, cada vez mais cedo, estão<br />

optando por empreen<strong>de</strong>r.<br />

É o caso <strong>de</strong> Douglas Matricar<strong>de</strong>, 23,<br />

natural <strong>de</strong> Barretos, SP. Após terminar sua<br />

faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> História, resgatou uma habilida<strong>de</strong><br />

antiga para tocar sua vida: o Inglês.<br />

Em sua sala <strong>de</strong> aula virtual – e por vezes,<br />

física, promove aulas do idioma <strong>de</strong> forma<br />

acessível, personalizada e para diversas necessida<strong>de</strong>s<br />

e faixas etárias.<br />

“EU ENSINO<br />

PARA PESSOAS<br />

COMO EU”<br />

KIMBERLY SOUZA


Além da sala <strong>de</strong> aula digital, Douglas disponibiliza um espaço para ensinar (e inspirar) seus alunos.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Fale um pouco sobre<br />

você.<br />

Douglas: Tenho 23 anos, nasci e moro em<br />

Barretos. Gosto <strong>de</strong> ouvir música, ler, ver<br />

uns filmes nos fins <strong>de</strong> semana, escrever e<br />

fazer várias pesquisas inúteis, que um dia<br />

vão ser úteis pra algo.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como a História entrou<br />

em sua vida?<br />

Douglas: Como existe um sistema que<br />

praticamente obriga os jovens a <strong>de</strong>cidirem<br />

seu futuro aos 17 anos e eu tendo sido um<br />

péssimo aluno no Ensino Médio, repetido<br />

<strong>de</strong> ano e tudo mais, só queria <strong>de</strong>ixar<br />

aquilo pra trás e segui pra próxima etapa.<br />

Foi quando, sem saber o que queria fazer,<br />

prestei vestibular para a matéria que nunca<br />

tinha ficado <strong>de</strong> recuperação. Junto com<br />

a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair da casa dos meus pais,<br />

comecei o curso em Jaboticabal e, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> um ano sofrido, voltei pra Barretos e<br />

continuei o curso por aqui. Nessa época eu<br />

já tinha <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> só tentar fazer um curso<br />

para cursar o que eu realmente queria.<br />

Tive a sorte <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir nesse primeiro<br />

ano <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong> que minha vocação era<br />

ser professor.<br />

Diante do<br />

<strong>de</strong>semprego, um<br />

jovem <strong>de</strong>cidiu<br />

empreen<strong>de</strong>r e<br />

revolucionar a<br />

forma <strong>de</strong><br />

apren<strong>de</strong>r idiomas.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual área da História te<br />

interesse mais?<br />

Douglas: É muito difícil dizer porque a História<br />

te fornece um leque tão gigantesco <strong>de</strong><br />

informação e possibilida<strong>de</strong>, aguça tanto sua<br />

criticida<strong>de</strong>, te apresenta todos os fatos que<br />

a História acadêmica julga importante <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a pré-história até ontem. Mas tenho uma<br />

queda especial pela história social, que estuda<br />

a socieda<strong>de</strong> como um todo, as divisões<br />

<strong>de</strong> classe, o mecanismo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r social e a<br />

história cultural que é mais antropológica e<br />

estuda as culturas populares e as interpretações<br />

humanas sobre as coisas.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Po<strong>de</strong> falar um pouco do<br />

seu Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso?<br />

Douglas: Meu TCC foi bem sucinto, mas<br />

com bastante empenho – cheguei a ler uns<br />

40 livros pra fazer. O título <strong>de</strong>le é A Construção<br />

Histórica Do Homossexual: Os Desdobramentos<br />

Que Moldaram A Imagem E O<br />

Preconceito Do Gay No Século XXI. Basicamente<br />

eu tentei chegar ao início do que<br />

a gente vê hoje como homofobia. Como as<br />

relações humanas sobre sexualida<strong>de</strong> mudaram<br />

após a ascensão do capitalismo, quem<br />

padronizou o que enten<strong>de</strong>mos hoje como<br />

“normal” e quem julgou os que não fazem<br />

parte <strong>de</strong>ste padrão como “anormais”. Busquei<br />

on<strong>de</strong> as palavras (como homossexualismo,<br />

por exemplo) surgiram, quem criou e<br />

por qual motivo. Estu<strong>de</strong>i a influência da religião,<br />

mas principalmente da medicina sobre<br />

o controle dos corpos sociais. O controle que<br />

queriam impor e quem queria impor. Estu<strong>de</strong>i<br />

como a chegada ao po<strong>de</strong>r pela burguesia<br />

colocou as pessoas em <strong>de</strong>terminadas caixinhas<br />

sendo elas principalmente divididas<br />

em: o que era aceito e o que não era e como<br />

isso refletia nos tabus e nos preconceitos<br />

que estão enraizados na socieda<strong>de</strong> contemporânea.<br />

30 páginas. Nota máxima.


<strong>ComTempo</strong>: E o Inglês? Como entrou<br />

em sua vida?<br />

Douglas: Como disse, eu era um péssimo<br />

aluno. No ensino fundamental e médio,<br />

sempre estava na escola fazendo recuperações<br />

e exames. Com o inglês não era diferente.<br />

Daí a patroa dos meus pais <strong>de</strong>cidiu<br />

me ajudar e uma vez por semana eu ia na<br />

casa <strong>de</strong>la estudar Inglês. Ela disse então,<br />

que eu tinha facilida<strong>de</strong> com o idioma, e que<br />

me colocaria em um curso <strong>de</strong> Inglês. Eu estudava<br />

em escola particular e agora também<br />

em uma escola <strong>de</strong> idiomas pagos por ela. Eu<br />

<strong>de</strong>testava.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como foi o processo <strong>de</strong><br />

aprendizagem? Quanto tempo?<br />

Douglas: Devo ter feito uns 5 anos <strong>de</strong> inglês.<br />

Minha professora era americana e no<br />

primeiro dia <strong>de</strong> aula disse: “Dentro da sala<br />

não se fala Português. Façam mímica, <strong>de</strong>senhem,<br />

mas não se fala português na sala <strong>de</strong><br />

aula, ok?”. Então ou aprendia ou aprendia.<br />

Então comecei a pegar gosto pela língua.<br />

Nunca quis ir para os EUA, mas gostava <strong>de</strong><br />

saber falar outro idioma.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Quando <strong>de</strong>cidiu tornarse<br />

professor <strong>de</strong> Inglês?<br />

Douglas: Quando se é universitário (com<br />

um bônus <strong>de</strong> morar sozinho), se é também<br />

muito sem grana. Fazia estágio na Biblioteca<br />

Municipal <strong>de</strong> Barretos e um amigo me disse<br />

que iria sair do trabalho em uma escola<br />

<strong>de</strong> inglês. Fui lá, fiz entrevista e entrei. Não<br />

foi uma escolha, precisava <strong>de</strong> dinheiro e havia<br />

uma vaga que cabia nos meus horários.<br />

Além disso, o estágio iria acabar em seis<br />

meses. Depois <strong>de</strong> uns meses percebi que<br />

por mais que adorasse História, eu gostava<br />

ainda mais <strong>de</strong> ser professor. O gosto pelo<br />

Inglês voltou.<br />

<strong>ComTempo</strong>: O que oferece como diferencial?<br />

Douglas: Tudo que a escola tradicional<br />

oferece, tento <strong>de</strong>struir ou pelo menos modificar.<br />

Existem coisas que são muito difíceis <strong>de</strong><br />

se <strong>de</strong>svincular, mas acredito que o fato <strong>de</strong><br />

eu – como professor – me colocar no mesmo<br />

patamar do aluno, que ensina e apren<strong>de</strong> simultaneamente,<br />

tenha ele 10, 20 ou 60 anos,<br />

já é uma quebra <strong>de</strong> paradigma. Colocando<br />

isso com o fato <strong>de</strong> não seguir nenhuma “regra<br />

<strong>de</strong> etiqueta” que uma sala <strong>de</strong> aula impõe<br />

me torna mais próximo dos meus alunos e<br />

alunas além <strong>de</strong> introduzir temas transversais<br />

como a misoginia, o racismo, a LGBTfobia e<br />

a consciência <strong>de</strong> classes <strong>de</strong>ntro das aulas<br />

<strong>de</strong> forma natural para que não sejam temas<br />

especiais, apenas temas.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Por que optou por aulas<br />

mais acessíveis?<br />

Douglas: Acredito que quando temos a<br />

sorte <strong>de</strong> nascer privilegiados <strong>de</strong> alguma forma,<br />

temos que usar <strong>de</strong>sses privilégios para<br />

sermos úteis para quem não os teve. Então<br />

<strong>de</strong>cidi começar a dar aulas particulares incentivado<br />

por uma amiga, em um valor justo.<br />

Avaliei meus gastos, meu tempo, meus<br />

materiais e coloquei um valor on<strong>de</strong> consigo<br />

lucrar e proporcionar um curso <strong>de</strong> Inglês <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong> para quem quisesse fazer. Os livros<br />

são caros, fiz minha própria apostila.<br />

Nem todo mundo tem um lugar silencioso e<br />

confortável para estudar, montei uma salinha<br />

em casa.<br />

Para quem não po<strong>de</strong> sair da sua cida<strong>de</strong><br />

para ter aulas, fazemos <strong>de</strong> forma virtual.<br />

Para quem procura uma escola regular por<br />

conta do certificado, procurei como po<strong>de</strong>ria<br />

emitir e agora emito. Tento juntar o meu privilégio<br />

<strong>de</strong> saber outra língua, minha faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> licenciatura e tentar passar isso por<br />

um preço que não vai comprometer 30, 40%<br />

da renda do aluno, como acontece.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual seu público e que<br />

tipos <strong>de</strong> curso oferece?<br />

Douglas: Confesso que ainda não <strong>de</strong>senvolvi<br />

habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lecionar para crianças<br />

muito novas. Meus alunos e alunas são jovens<br />

e adultos. Tenho uma aluna <strong>de</strong> 17 anos<br />

que vai começar a faculda<strong>de</strong> em <strong>2019</strong> e uma<br />

senhora <strong>de</strong> 55 que quer apren<strong>de</strong>r porque<br />

gosta <strong>de</strong> ouvir louvores em inglês e quer enten<strong>de</strong>r<br />

o que dizem. Porém meu público médio<br />

são pessoas jovens que estão tentando<br />

uma ascensão social e profissional.<br />

A maioria está entre os 20 e 30 anos.<br />

Hoje ofereço cursos servem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> para<br />

quem não sabe nada até para quem já tem<br />

um nível avançado. Eu leciono com certificação<br />

os cursos <strong>de</strong> Inglês Básico, Intermediário,<br />

Avançado, Conversação, para viagens,<br />

preparatórios para concursos e exames internacionais,<br />

e inglês instrumental.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Você acredita que a<br />

Educação <strong>de</strong>ve ser acessível a todos?<br />

Douglas: Claro. Acho que o professor que<br />

não acredita nisso ou que se tornou professor<br />

para ganhar muita grana, além <strong>de</strong> fazer<br />

péssimas escolhas, está na profissão errada.<br />

A educação é libertadora, o conhecimento<br />

<strong>de</strong>strói a submissão.<br />

Quem têm medo que o povo se eduque<br />

é esse sistema que vivemos, em que o<br />

objetivo é perpetuar a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social.<br />

Eu sou filho <strong>de</strong> doméstica e <strong>de</strong> trabalhador<br />

rural. Eu ensino para pessoas como eu.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual seria o “mundo<br />

i<strong>de</strong>al” da Educação?<br />

Douglas: É claro que atingir o que vou dizer<br />

é muito difícil, leva muito tempo e soa<br />

utópico, mas acredito que uma Educação<br />

crítica e que atinja a todos é o i<strong>de</strong>al. Principalmente<br />

uma Educação que não é tratada<br />

como mercadoria.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Quais seus planos para<br />

o futuro do seu curso <strong>de</strong> inglês?<br />

Douglas: Meu objeto é atingir o máximo<br />

<strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong>ntro das minhas próprias limitações.<br />

É sempre <strong>de</strong>senvolver meu conhecimento<br />

com o objetivo <strong>de</strong> melhorar o<br />

aprendizado dos que me escolheram como<br />

professor. Pretendo fazer alguns cursos voltado<br />

pra professor <strong>de</strong> línguas para po<strong>de</strong>r<br />

lecionar Inglês sobre algumas áreas específicas<br />

como Comunicação, Administração,<br />

Pedagogia e Direito.<br />

Não tenho a pretensão <strong>de</strong> abrir uma<br />

escola, apenas melhorar a maneira como<br />

ensino para melhorar a maneira que meus<br />

alunos apren<strong>de</strong>m.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Você acredita que todos<br />

<strong>de</strong>vem apren<strong>de</strong>r Inglês?<br />

Douglas: Acredito que todos que queiram<br />

apren<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>veriam ter a oportunida<strong>de</strong>.<br />

O problema é que existe uma espécie<br />

<strong>de</strong> fetichismo na língua inglesa por parte<br />

do mercado <strong>de</strong> trabalho. Como os EUA é<br />

uma nação imperialista que forja muitas<br />

das regras oci<strong>de</strong>ntais, sua língua se tornou<br />

quase uma exigência para que você<br />

seja visto como um bom profissional. Então<br />

existe uma pressão universal.<br />

Tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do seu objetivo<br />

e sei que muita gente precisa tentar se<br />

<strong>de</strong>stacar no mercado para que consiga<br />

sobreviver. Mas seja Inglês ou Corte e<br />

Costura, o importante é apren<strong>de</strong>r algo<br />

que te faça bem.


INOVAÇÃO<br />

“SE O MERCADO<br />

TRANSFORMA,<br />

TRANFORME-SE<br />

JUNTO”<br />

MARCOS PITTA<br />

Ele é formado em jornalismo pela<br />

Universida<strong>de</strong> do Norte do Paraná,<br />

em Londrina. Criou, em 2015, um<br />

site sobre casamentos e relacionamentos<br />

e conseguiu atingir 4 milhões <strong>de</strong><br />

visualizações, conquistando uma comunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 500 mil leitores por mês.<br />

Foi eleito, em 2017, Top Voice Linkedin<br />

como um dos 15 maiores influenciadores<br />

da plataforma. Seu nome? Murilo Leal.<br />

A <strong>ComTempo</strong> entrevistou o profissional<br />

da comunicação, que em 2018 integrou<br />

o time e professores do ‘O que move o<br />

Marketing’ com cursos sobre conteúdo<br />

pelo Brasil inteiro.


<strong>ComTempo</strong>: Você é formado em jornalismo.<br />

Atuou em gran<strong>de</strong>s veículos<br />

como a Folha <strong>de</strong> Londrina. Como enxerga<br />

o jornalismo impresso atualmente?<br />

Realmente, com o avanço<br />

da tecnologia, existe uma escassez<br />

ou ainda há esperança <strong>de</strong> renovação<br />

nesta área da informação?<br />

Murilo Leal: Acredito que o problema do jornalismo<br />

impresso hoje é justamente o mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> negócio que não será mais aplicável.<br />

O jornalismo diário é reflexo da gestão. Antigamente,<br />

o jornalismo sobrevivia <strong>de</strong> notícias,<br />

mas agora ele precisa antes ser viável<br />

comercialmente para ser executável. Neste<br />

sentido, a crise do jornalismo não é só com a<br />

disputa pela audiência e atenção com outros<br />

canais, mas principalmente em ter que apren<strong>de</strong>r<br />

a reinventar seu próprio negócio.<br />

Arquivo Pessoal<br />

<strong>ComTempo</strong>: Você foi eleito, em 2017,<br />

um Top Voice Linkedin, como um dos<br />

15 maiores influenciadores da plataforma.<br />

Como é ser responsável por<br />

levar informação e conhecimento a<br />

tantas pessoas? Qual a sensação <strong>de</strong><br />

receber este reconhecimento?<br />

Murilo Leal: Na verda<strong>de</strong> ainda não faço i<strong>de</strong>ia<br />

do po<strong>de</strong>r da minha fala. É claro que hoje, ter o<br />

número <strong>de</strong> alcance <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> inteira é realmente<br />

importante, mas hoje ainda perco <strong>de</strong><br />

dimensão, o impacto real <strong>de</strong> tudo que produzo,<br />

faço e participo. Eu acho que um reconhecimento<br />

serve apenas chancelar um trabalho<br />

bem feito. O Linkedin veio na minha vida como<br />

um marco na minha carreira, mas eu fazia isso<br />

já há muito tempo com outros projetos.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Você é palestrante e<br />

aborda nos eventos temas como<br />

educação, a importância <strong>de</strong> escrever<br />

bem, marketing, entre outros.<br />

Qual tema você concorda que mais<br />

atrai as pessoas em suas palestras?<br />

Por que?<br />

Murilo Leal: Eu acho que <strong>de</strong>senvolvimento<br />

pessoal. Todo meu conteúdo, no fundo é pra<br />

falar para as pessoas como elas po<strong>de</strong>m viver<br />

bem melhor do que vivem hoje.<br />

Seja na sua profissão, seja na sua vida relacional,<br />

na sua rotina pessoal. Tudo que envolve<br />

pessoas e suas dores, expectativas e<br />

<strong>de</strong>sejos tem uma alta força <strong>de</strong> engajamento.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Existe uma fórmula a<br />

ser seguida pelos profissionais <strong>de</strong><br />

comunicação, diante <strong>de</strong> um mercado<br />

que se transforma com frequência?<br />

Murilo Leal: Eu não acredito em fórmulas <strong>de</strong><br />

Murilo Leal, eleito em 2017 como um dos 15 maiores influenciadores do Linkedin, dá palestras por todo o Brasil.<br />

nenhuma espécie. Sucesso é realmente uma<br />

coisa que cada um percebe <strong>de</strong> maneira diferente.<br />

Quando profissionais <strong>de</strong> comunicação,<br />

sejam iniciantes ou já seniors me procuram<br />

para vasculhar isso eu sempre digo a mesma<br />

coisa: Faça seu trabalho como uma obsessão<br />

e bem feito que sempre terá espaço para<br />

isso no mercado. Se o mercado<br />

transforma, transforme-se junto.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual a maior dificulda<strong>de</strong><br />

em produzir um bom conteúdo, seja<br />

para mídias online ou impressas?<br />

Murilo Leal: Muita gente faz muita coisa que<br />

é mais do mesmo. Acredito mesmo que o<br />

gran<strong>de</strong> diferencial é justamente ser capaz <strong>de</strong><br />

inovar a cada conteúdo. Fugir do que todos<br />

oferecem e criar uma linguagem própria para<br />

conversar com sua audiência. Além disso,<br />

acho que muita gente quer resultados rápido<br />

e isso não existe na produção <strong>de</strong> conteúdo.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Você terminou <strong>de</strong> escrever<br />

um livro digital sobre seus pilares<br />

para construir um bom conteúdo. O<br />

que o estimulou a <strong>de</strong>senvolver este<br />

projeto? Po<strong>de</strong> citar a <strong>ComTempo</strong> alguns<br />

<strong>de</strong>stes insights trazidos no livro?<br />

Murilo Leal - Sempre tive um fetiche pessoal<br />

com compartilhamento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias. Tudo que<br />

aprendi na vida foi porque alguém acabou<br />

dividindo, e é isso que me motiva a sempre<br />

criar cursos, palestras, conteúdos, textos.<br />

Meu <strong>de</strong>sejo mesmo é que todo mundo tenha<br />

a sua própria voz. Seja uma marca, uma<br />

pessoa ou uma instituição. Gosto <strong>de</strong> dizer<br />

que ser capaz <strong>de</strong> ter empatia, <strong>de</strong> gerar ajuda,<br />

<strong>de</strong> trazer<br />

experiência, <strong>de</strong> construir um lado diferenciado<br />

para sua audiência é o que vai fazer você<br />

se <strong>de</strong>stacar. Foi assim que foi comigo. É sobre<br />

isso que falo no livro.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Por que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> escrever<br />

um livro no formato digital e não<br />

impresso? Acredita atingir mais pessoas<br />

por este caminho? De qual forma<br />

as pessoas po<strong>de</strong>rão ter acesso?<br />

Murilo Leal: Foi exclusivamente por uma<br />

questão <strong>de</strong> facilida<strong>de</strong>. Um livro impresso<br />

envolve outras coisas como editoração<br />

avançada, distribuição, logística e outras<br />

questões que complicam, mas estamos estudando<br />

possibilida<strong>de</strong>s para isso se tornar<br />

também físico. O livro está sempre disponível<br />

em bit.ly/livrotop.<br />

Meus links estão em www.murilloleal.com.br


JOSÉ PIUTTI<br />

PORNOGRAFIA<br />

DE VINGANÇA<br />

Antigos mol<strong>de</strong>s sociais que<br />

permanecem no meio digital


“Relacionar-se é caminhar na neblina<br />

sem a certeza <strong>de</strong> nada”, disse Zygmunt<br />

Bauman em seu livro “Amor Líquido”,<br />

on<strong>de</strong> alerta a socieda<strong>de</strong> sobre a crescente<br />

fragilida<strong>de</strong> das relações afetivas na<br />

atualida<strong>de</strong>. Em um mundo on<strong>de</strong> tudo se volta<br />

ao consumismo e a agilida<strong>de</strong> proporcionada<br />

pela internet, o sociólogo afirma que<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concretizar relações está<br />

suspensa.<br />

Devido a correria do dia a dia, não<br />

existe tempo para aprofundamento <strong>de</strong> relações<br />

- que na maioria das vezes <strong>de</strong>mandam-o<br />

em <strong>de</strong>masia - e a atualida<strong>de</strong> prova<br />

que é possível tratá-los com superficialida<strong>de</strong><br />

ao habitar zonas <strong>de</strong> confortos que protegem<br />

do real.<br />

A tecnologia trouxe um novo modus<br />

operandi para as relações: o liga e <strong>de</strong>sliga,<br />

antes utilizado em eletrodomésticos, tornou-se<br />

ferramenta utilizada em ativida<strong>de</strong>s<br />

interpessoais. Aplicativos para relacionamentos,<br />

por exemplo, tornaram-se um novo<br />

botão para iniciar uma relação.<br />

O Tin<strong>de</strong>r - aplicativo mais famoso<br />

do nicho - atingiu em 2014 marca <strong>de</strong> 100<br />

milhões <strong>de</strong> usuários, sendo 10% <strong>de</strong>les, brasileiros.<br />

Dois anos <strong>de</strong>pois, em 2016, anunciou<br />

que o recor<strong>de</strong> anterior havia sido ultrapassado,<br />

não revelando números brutos,<br />

dizendo apenas que o Rio <strong>de</strong> Janeiro é a cida<strong>de</strong><br />

com mais usuários ativos, com 7,4%<br />

dos números globais.<br />

Deslizar o <strong>de</strong>do para a direita - caso<br />

o perfil apresentado agra<strong>de</strong> o usuário - ou<br />

para a esquerda, caso contrário, é a maneira<br />

pela qual uma nova relação po<strong>de</strong> ou<br />

não surgir. Um “match” acontece se a recíproca<br />

entre perfis for verda<strong>de</strong>ira e a partir<br />

daí, dura até o momento em que um <strong>de</strong>les<br />

<strong>de</strong>sejar <strong>de</strong>sativar a relação, seja ao apontar<br />

seus motivos ou apenas utilizar alguma<br />

artimanha digital, como bloquear o perfil do<br />

antigo affair.<br />

A estudante <strong>de</strong> psicologia Vanessa<br />

Delai, 20, utiliza o aplicativo há dois anos e<br />

diz que as relações ali iniciadas têm tendência<br />

pouco duradoura. “A maioria dos matchs<br />

não saem do aplicativo e quando rola algum<br />

encontro, continua sendo algo superficial. É<br />

uma forma mais rápida <strong>de</strong> se conectar com<br />

alguém sem muitas dificulda<strong>de</strong>s, e caso a<br />

pessoa não agra<strong>de</strong> ou ‘encha o saco’, é só<br />

<strong>de</strong>sfazer o match’.<br />

Em entrevista a <strong>ComTempo</strong>, a jovem<br />

toca no assunto abordado no início <strong>de</strong>sta<br />

reportagem. Em seu argumento, ela <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />

que muitas pessoas utilizam o Tin<strong>de</strong>r<br />

para alimentar o ego dos usuários. “Os relacionamentos<br />

passageiros da socieda<strong>de</strong><br />

líquida em que vivemos geram uma carência<br />

muito gran<strong>de</strong>. As pessoas tentam suprir<br />

isso por meio das re<strong>de</strong>s sociais, pela quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> likes nas fotos ou <strong>de</strong> matchs, e<br />

assim por diante”.<br />

MANDA NUDES!<br />

Com a liqui<strong>de</strong>z social, não só a procura<br />

pelo par perfeito ou paquera i<strong>de</strong>al sofreu<br />

mudanças. Há alguns anos, muito discutia-se<br />

sobre sexo no primeiro encontro.<br />

Hoje, um pequeno anglicismo foi adotado<br />

ao vocabulário brasileiro para <strong>de</strong>finir um<br />

crescente fenômeno entre os jovens: sexting.<br />

Questões como ‘o tempo i<strong>de</strong>al para<br />

iniciar uma relação sexual com um novo<br />

parceiro’ caem por terra na medida em que<br />

se torna possível transar por meio <strong>de</strong> fotos,<br />

textos e ví<strong>de</strong>os, no conforto <strong>de</strong> sua casa.<br />

A expressão inglesa sexting, refere-se<br />

ao ato <strong>de</strong> trocar fotos, ví<strong>de</strong>os e até<br />

mesmo mensagens <strong>de</strong> texto <strong>de</strong> cunho erótico<br />

através <strong>de</strong> aparelhos eletrônicos, como<br />

computadores ou smartphones que segundo<br />

pesquisa realizada pela <strong>ComTempo</strong>, tem<br />

tornado algo completamente normal.<br />

A enquete respondida por 90 pessoas<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong> entre 15 e 42 anos, mostra que<br />

80% dos participantes já enviaram fotos íntimas<br />

para alguém. O número dos que receberam<br />

fotos pessoais é maior, chegando<br />

aos 92,2%. Questionados sobre o compartilhamento<br />

<strong>de</strong> fotos <strong>de</strong> terceiros - ato consi<strong>de</strong>rado<br />

crime no Brasil -, 43,8% afirmou já<br />

ter praticado. Desse número, 62% é composto<br />

por homens.<br />

Gabriel Mariano (21), estudante <strong>de</strong><br />

psicologia, enviou seu primeiro nu<strong>de</strong> aos<br />

18 anos, recebido em terras longínquas,<br />

em Portugal - outra artimanha da tecnologia.<br />

Segundo ele, o receptor o provocou<br />

por meio das mensagens <strong>de</strong> texto, <strong>de</strong>ixando-o<br />

com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> enviar. “O ser humano<br />

quando está com tesão não pensa no<br />

que faz, apenas faz. As consequências vêm<br />

<strong>de</strong>pois”, respon<strong>de</strong>u à <strong>ComTempo</strong>, após ser<br />

questionado sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter<br />

seus nu<strong>de</strong>s vazados. “Senti medo no começo,<br />

mas logo passou. Acho que isso é algo<br />

normal, cada um faz o que bem enten<strong>de</strong>r.”<br />

Já uma estudante do ensino médio,<br />

<strong>de</strong> 17 anos, que preferiu manter o anonimato,<br />

conta nunca ter trocado fotos íntimas.<br />

“Esse tipo <strong>de</strong> situação requer muita confiança<br />

e, para mim, é complicado confiar este<br />

tipo <strong>de</strong> conteúdo a alguém, não me sinto<br />

confortável.” A questão <strong>de</strong> gênero é um dos<br />

principais fatores para a jovem evitar a prática.<br />

“Principalmente no caso das mulheres,<br />

uma foto vazada resulta em problemas sociais,<br />

psicológicos e familiares. Tenho amigos,<br />

por exemplo, que riram ao saber que<br />

seus nu<strong>de</strong>s haviam sido vazados, enquanto<br />

uma amiga, que teve um ví<strong>de</strong>o atribuído a<br />

ela, tentou suicídio, e nem era ela”, conta.<br />

SE ORGANIZAR CERTINHO…<br />

“Confesso que antes eu temia essa<br />

história <strong>de</strong> enviar nu<strong>de</strong>s”, diz um estudante<br />

<strong>de</strong> enfermagem que também não quis i<strong>de</strong>ntificar-se.<br />

Ele, praticante assíduo do sexting,<br />

está inserido em grupo no WhatsApp<br />

que tem como objetivo a <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> nu<strong>de</strong>s<br />

próprios entre os integrantes.<br />

Mesmo com o grupo todo formado<br />

por <strong>de</strong>sconhecidos, cerca <strong>de</strong> 123 membros,<br />

ele segue com pé atrás. “É diferente <strong>de</strong> trocar<br />

nu<strong>de</strong>s com alguém da minha rua, por<br />

exemplo. Um conhecido po<strong>de</strong> vazá-las por<br />

aí. Com <strong>de</strong>sconhecidos, os riscos são mínimos<br />

pelo fato <strong>de</strong> não saberem nada sobre<br />

minha vida pessoal. Mesmo assim, sigo<br />

com cautela. Nunca envio imagens com<br />

meu rosto, por exemplo”.<br />

Segundo o estudante, o local é politizado.<br />

Possui regras que se - caso quebradas<br />

- geram o banimento do membro. Entre<br />

elas, estão a apresentação com nu<strong>de</strong>, local<br />

e ida<strong>de</strong> do participante. Apagar os nu<strong>de</strong>s<br />

após o envio e mencionar alguns assuntos,<br />

como política, religião e futebol, também<br />

causam punição do participante.<br />

Sobre a dinâmica do ambiente, ele<br />

explica: “os participantes postam ‘seminu<strong>de</strong>s’<br />

- imagens que não mostram as genitais,<br />

por exemplo - para atrair parceiros.<br />

Cabe ao interessado chamar no privado e<br />

iniciar a conversa.<br />

Para ele, a prática não é normal nem<br />

anormal, porque o que mudou foi a “forma<br />

<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r aos <strong>de</strong>sejos sexuais, seja<br />

por meio <strong>de</strong> fotos <strong>de</strong> alguém pelado, que<br />

talvez você nem conheça a fundo, e antes,<br />

por exemplo, tínhamos revistas pornos e<br />

blogs especializados no assunto.”<br />

A CERTEZA DE NADA<br />

Os resultados da pesquisa por esta<br />

revista realizada, mostram que - mesmo<br />

com peso criminal - as pessoas seguem a<br />

compartilhar imagens íntimas <strong>de</strong> terceiros.<br />

Os motivos não foram questionados, porém,<br />

as consequências são, quase sempre,<br />

catastróficas - e exemplos, infelizmente,<br />

não faltam, como o caso <strong>de</strong> Giana Laura<br />

Fabi.<br />

Fabi, na época com 16 anos, tomou


medidas extremas ao receber a notícia <strong>de</strong><br />

que suas fotos haviam vazado. O ano era<br />

2013, quando em uma conversa por skype<br />

a jovem recebeu pedido para que mostrasse<br />

os seios. No momento em que o fez, um<br />

rapaz <strong>de</strong> 17 anos - que não teve i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

divulgada - realizou captura <strong>de</strong> tela.<br />

Pouco tempo <strong>de</strong>pois, a foto foi compartilhada<br />

em aplicativo <strong>de</strong> mensagens e<br />

chegou até amiga íntima da vítima, que a<br />

alertou. Mesma amiga que, após contatar<br />

Giana, viu tweet <strong>de</strong>la em um microblog,<br />

on<strong>de</strong> dizia que iria colocar fim na própria<br />

vida para não se tornar um estorvo para<br />

ninguém.<br />

A amiga tentou por diversas vezes<br />

falar com Giana pelo telefone, mas já era<br />

tar<strong>de</strong>. A jovem havia se enforcado, em casa,<br />

com um cordão <strong>de</strong> seda.<br />

VINGANÇA<br />

No entanto, em meio às mais diversas<br />

hipóteses, existe um motivo para o<br />

compartilhamento que tem colocado o judiciário<br />

- ainda mais - em alerta: a chamada<br />

Pornografia <strong>de</strong> Vingança. Consi<strong>de</strong>rado uma<br />

nova modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> violência <strong>de</strong> gênero, o<br />

termo remete ao ato <strong>de</strong> expor publicamente,<br />

fotos e ví<strong>de</strong>os íntimos <strong>de</strong> terceiros, sem<br />

o consentimento dos mesmos, com o intuito<br />

<strong>de</strong> vingança. O ato geralmente é praticado<br />

após términos <strong>de</strong> relacionamentos, como<br />

aconteceu com Larissa, em 2013.<br />

Na época em que transitava dos 13<br />

para 14 anos, Larissa relacionou-se com<br />

Rafael, um menino <strong>de</strong> sua sala <strong>de</strong> aula pelo<br />

qual tinha certo interesse. Após uma ida ao<br />

cinema, ele anunciou que ambos haviam<br />

iniciado um relacionamento e, por gostar<br />

<strong>de</strong>le, aceitou.<br />

Em duas semanas, ele pediu que<br />

Larissa o enviasse fotos ‘mais picantes’.<br />

De início, ela relutou contra o pedido, mas,<br />

por medo <strong>de</strong> perdê-lo, o realizou. “Ele continuava<br />

insistindo e brigando comigo pra<br />

que eu enviasse as fotos, e por medo <strong>de</strong><br />

o per<strong>de</strong>r, acabei enviando. Não eram nem<br />

nu<strong>de</strong>s reais, eu estava <strong>de</strong> calcinha e sutiã.<br />

Mas isso não fez diferença no julgamento<br />

das pessoas.”<br />

Os dois mantinham o relacionamento<br />

em segredo, mas os pais <strong>de</strong> Larissa <strong>de</strong>scobriram<br />

e a trocaram <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula. Os dois<br />

se afastaram e não tiveram um término <strong>de</strong><br />

relacionamento saudável. Após um tempo,<br />

Rafael encaminhou para Larissa todas as<br />

fotos intimas que ela havia mandado. “Eu<br />

perguntei se ele as enviaria pra alguém e a<br />

resposta foi: você vai dormir sem saber.”


Alguns meses <strong>de</strong>pois, a jovem se<br />

envolveu com outro garoto da mesma escola<br />

e este, segundo ela, po<strong>de</strong> ter sido o que<br />

motivou seu ex namorado e espalhar suas<br />

imagens. “Ele <strong>de</strong>ve ter ficado com o ego ferido,<br />

por todos seus amigos terem me visto<br />

com outro menino”.<br />

Em uma festa agropecuária local,<br />

Rafael anunciou para seus amigos que tinha<br />

no celular algumas fotos íntimas <strong>de</strong><br />

Larissa, que uma pessoa havia lhe enviado.<br />

Frente o interesse dos colegas pelas<br />

fotos, ele montou um grupo no WhatsApp e<br />

enviou as imagens, que, em pouco tempo,<br />

chegaram até o círculo social da jovem.<br />

“Um dia eu estava almoçando e recebi<br />

mensagem <strong>de</strong> uma amiga.” Eu sei o<br />

que você fez’, disse para Larissa, que ao<br />

questionar o que era, foi informada que<br />

suas fotos íntimas haviam vazado.<br />

“Depois disso a vida virou um inferno.<br />

Fiquei <strong>de</strong> castigo em casa e meus amigos<br />

viraram a cara pra mim. Na escola, as<br />

meninas apontavam e riam enquanto eu<br />

passava, sem disfarçar. Um dia, uma menina<br />

me viu lanchando sozinha e apontou<br />

pro Rafael, dizendo: tá vendo? Você tá aí<br />

sozinha enquanto ele lá, cheio <strong>de</strong> amigos.”<br />

“Eles ficaram muito <strong>de</strong>cepcionados”,<br />

conta, referindo-se aos pais, que ficaram<br />

sabendo do caso através da filha <strong>de</strong> um casal<br />

<strong>de</strong> amigos. Porém, entraram com procedimentos<br />

legais contra o autor do crime,<br />

que realizou serviço voluntário como pena.<br />

No ápice <strong>de</strong> seu sofrimento, Larissa<br />

tentou suicídio, mas sua fé a salvou. “Eu<br />

comecei a tomar vários remédios, vários.<br />

Mas alguma coisa, que pra mim é Deus,<br />

me disse pra parar, que uma hora as coisas<br />

iriam melhorar.<br />

Ela só conseguiu se recuperar completamente<br />

em 2017. Antes disso, qualquer<br />

olhar diferente na rua já lhe remetia ao fato,<br />

causando-lhe medo e insegurança. “Isso<br />

tomou muito tempo na minha vida, mas<br />

me fez mais forte. Depois <strong>de</strong> ter enfrentado<br />

tudo isso, é muito difícil algo me abalar.<br />

Manda bala que eu ‘to nem ai.”<br />

MOTIVOS E CONSEQUÊNCIAS<br />

Vitória <strong>de</strong> Macedo Buzzi, advogada,<br />

membro da Comissão Nacional <strong>de</strong> Direitos<br />

Humanos da OAB e autora do livro ‘Pornografia<br />

<strong>de</strong> Vingança: Contexto Histórico-<br />

Social e Abordagem no Direito Brasileiro’,<br />

conta ser difícil <strong>de</strong>svendar exatamente a<br />

subjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem divulga a intimida<strong>de</strong><br />

alheia por vingança, mas que, em geral, o<br />

ato é resultado <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> insubordinação<br />

da vítima.<br />

“Por exemplo, quando se recusa a<br />

reatar ou quando não abre mão da guarda<br />

dos filhos ou <strong>de</strong> um imóvel durante um<br />

processo <strong>de</strong> divórcio, é que esse ex-companheiro<br />

usa a sexualida<strong>de</strong> da própria mulher<br />

como uma arma contra ela. É como<br />

se, contrariando o que ele espera <strong>de</strong>la - o<br />

po<strong>de</strong>r que ele imaginava possuir sobre ela<br />

-, <strong>de</strong>vesse ser punida ou humilhada publicamente.”<br />

Para a Vitória, a forma pública <strong>de</strong><br />

humilhação só funciona pelo entendimento<br />

social que foi criado ao redor da sexualida<strong>de</strong><br />

feminina.<br />

“Estamos todas e todos inseridos em<br />

uma socieda<strong>de</strong> que enten<strong>de</strong> a sexualida<strong>de</strong><br />

feminina como um tabu, como algo que<br />

não <strong>de</strong>ve ser público e <strong>de</strong>ve existir apenas<br />

enquanto sexualida<strong>de</strong> subordinada a uma<br />

sexualida<strong>de</strong> masculina. É justamente num<br />

contexto baseado em uma sexualida<strong>de</strong> masculina<br />

gloriosa, pública, e uma sexualida<strong>de</strong><br />

feminina privada, a serviço <strong>de</strong> alguém é que<br />

a pornografia <strong>de</strong> vingança torna-se possível.<br />

SIMETRIA<br />

Durante as pesquisas que a advogada<br />

<strong>de</strong>senvolveu e que culminaram em<br />

seu livro, ficou claro que as mulheres são<br />

as maiores vítimas <strong>de</strong>ste crime. Segundo<br />

Buzzi, são elas as que mais buscam ajuda<br />

online após o vazamento <strong>de</strong> material íntimo<br />

na re<strong>de</strong> e também as que menos se sentem<br />

seguras em compartilhar material próprio na<br />

internet, em comparação com os homens.<br />

“As análises que encontrei variam,<br />

mas, percentualmente, estamos falando<br />

que entre 75 e 90% <strong>de</strong> todo material classificado<br />

como “pornografia não consensual”<br />

é disponibilizado na internet com o objetivo<br />

<strong>de</strong> expor uma mulher. Sites foram criados<br />

com o objetivo exclusivo <strong>de</strong> divulgar, <strong>de</strong><br />

forma não autorizada, imagens e ví<strong>de</strong>os <strong>de</strong><br />

mulheres, sejam elas anônimas ou famosas.”<br />

Ela conta, também, que ao contrário<br />

do que esse dado possa dar a enten<strong>de</strong>r,<br />

são os homens, na verda<strong>de</strong>, que mais se<br />

expõem na internet, compartilhando material<br />

íntimo com pessoas com as quais eles<br />

têm ou não têm intimida<strong>de</strong>. A diferença é<br />

que raramente esse material é usado como<br />

uma forma <strong>de</strong> chantagem ou <strong>de</strong> vingança<br />

contra ele.<br />

“Ainda que digam que também existe<br />

o vazamento <strong>de</strong> material íntimo masculino,<br />

é uma falsa simetria supor que as causas<br />

e consequências são as mesmas. Um<br />

homem em muito menor escala é exposto<br />

por outra pessoa na internet, e, quando é<br />

exposto, raramente é feito num contexto<br />

<strong>de</strong> humilhação e constrangimento porque<br />

o comportamento sexual masculino não é<br />

socialmente tido como algo humilhante e<br />

constrangedor. Pra mim, essa é a exemplificação<br />

clara do que Simone <strong>de</strong> Beauvoir<br />

chamou <strong>de</strong> “celebração da sexualida<strong>de</strong><br />

masculina” - tornar pública a sexualida<strong>de</strong><br />

masculina não causa constrangimento porque<br />

só evi<strong>de</strong>ncia um comportamento esperado<br />

e incentivado aos homens”.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Por que a pornografia<br />

<strong>de</strong> vingança <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado<br />

um crime <strong>de</strong> violência <strong>de</strong> gênero?<br />

Vitória Buzzi: Ela é uma violência baseada<br />

no gênero da vítima porque ela só consegue<br />

agredir da maneira que o agente busca,<br />

pela condição <strong>de</strong> vítima da mulher. O<br />

agente que compartilha esse material quer<br />

o estrago na vida da mulher, quer o julgamento,<br />

quer a humilhação. Isso só é possível<br />

quando a vítima é mulher, e vai ser<br />

julgada socialmente pelo exercício da sua<br />

própria sexualida<strong>de</strong>.”<br />

Esse argumento é ainda mais po<strong>de</strong>roso<br />

quando levamos em consi<strong>de</strong>ração que<br />

o crime geralmente ocorre em um contexto<br />

<strong>de</strong> insubordinação da mulher ao companheiro<br />

que acreditava ter controle sobre<br />

aquela mulher, como expliquei anteriormente.<br />

Quando a mulher questiona a autorida<strong>de</strong><br />

que o ex-companheiro imaginava possuir<br />

sobre ela, é que esse homem a expõe na<br />

internet.<br />

Por isso, <strong>de</strong>fendo que essa é uma<br />

violência pensada contra a vítima por ela<br />

ser mulher, e não apesar <strong>de</strong>la ser mulher. É<br />

a alienação completa do direito que ela tem<br />

sobre o próprio corpo, sobre com quem ela<br />

quer compartilhar sua intimida<strong>de</strong>.<br />

<strong>ComTempo</strong>: O que o Código Penal<br />

Brasileiro prevê como pena?<br />

Vitória Buzzi: Após as alterações feitas<br />

pelas leis <strong>nº</strong> 13.718/18 e 13.772/18, que<br />

acrescentaram os artigos 218-C e 216-C ao<br />

Código Penal Brasileiro, foi que a pornografia<br />

não consensual passou a ser crime no<br />

Brasil. Para os casos <strong>de</strong> registro não autorizado<br />

da intimida<strong>de</strong> sexual (art. 216-B),<br />

a pena é <strong>de</strong>tenção, <strong>de</strong> 6 meses a 1 ano, e<br />

multa. Para os casos <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong> cena<br />

<strong>de</strong> estupro ou <strong>de</strong> cena <strong>de</strong> estupro <strong>de</strong> vulnerável,<br />

<strong>de</strong> cena <strong>de</strong> sexo ou <strong>de</strong> pornografia<br />

(art. 218-C), a pena é <strong>de</strong> reclusão, <strong>de</strong> 1<br />

(um) a 5 (cinco) anos.


<strong>ComTempo</strong>: Quais os primeiros passos<br />

legais que uma vítima po<strong>de</strong> tomar?<br />

Vitória Buzzi: Para quem <strong>de</strong>seja buscar a<br />

reparação no po<strong>de</strong>r judiciário, primeiramente<br />

é importante registrar como esse material<br />

está circulando e, se for o caso, os sites<br />

em que ele está sendo disponibilizado. Isso<br />

po<strong>de</strong> ser feito através <strong>de</strong> print-screen ou do<br />

backup <strong>de</strong> conversas, por exemplo. Uma<br />

providência importante, mas não obrigatória,<br />

é fazer uma ata notarial <strong>de</strong>sse material no<br />

cartório <strong>de</strong> notas. Depois, recomendo que<br />

se lavre um boletim <strong>de</strong> ocorrência e procure<br />

uma advogada ou a <strong>de</strong>fensoria pública.<br />

Uma providência importante é tentar,<br />

o mais rápido possível, remover o conteúdo<br />

da re<strong>de</strong>. Essa é geralmente a primeira providência<br />

que as mulheres vítimas <strong>de</strong>sejam.<br />

Para isso, <strong>de</strong>ve ser feito um pedido extrajudicial<br />

aos provedores ou sites que estejam<br />

com o conteúdo hospedado para que o retirem<br />

do ar. Graças ao Marco Civil da Internet,<br />

esse pedido não precisa ser feito na<br />

justiça, bastando a notificação extrajudicial.<br />

Para conseguir i<strong>de</strong>ntificar o responsável,<br />

é necessário solicitar às empresas<br />

que disponibilizem os dados <strong>de</strong> navegação<br />

dos usuários, na tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir o<br />

primeiro a publicar a imagem. Não só a primeira<br />

pessoa que disponibilizou o material,<br />

mas também as que o compartilharam po<strong>de</strong>m<br />

ser punidas. Isso é feito mediante ação<br />

judicial, por isso a importância <strong>de</strong> recorrer à<br />

advogada ou <strong>de</strong>fensoria.<br />

Com o agressor ou os agressores<br />

i<strong>de</strong>ntificados, po<strong>de</strong>-se entrar na justiça com<br />

pedido <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por danos morais<br />

e possíveis danos materiais causados. Na<br />

seara penal, como a ação é pública incondicionada,<br />

cabe ao Ministério Público oferecer<br />

a <strong>de</strong>núncia. A vítima, contudo, po<strong>de</strong> se<br />

habilitar como assistente da acusação.<br />

É importante ter em mente que para<br />

superar a pornografia <strong>de</strong> vingança não basta<br />

que se fale em criminalização. Só iremos<br />

compreen<strong>de</strong>r a pornografia <strong>de</strong> vingança<br />

e a melhor forma <strong>de</strong> lidar com suas causas<br />

e consequências quando discutirmos<br />

e compreen<strong>de</strong>rmos o direito ao corpo e os<br />

limites do seu acesso ao corpo do outro, e<br />

principalmente, neste contexto, o direito da<br />

mulher ao próprio corpo, os limites que ela<br />

<strong>de</strong>termina sobre o acesso ao corpo <strong>de</strong>la. A<br />

criminalização não muda o modo como uma<br />

socieda<strong>de</strong> enxerga e enten<strong>de</strong> a sexualida<strong>de</strong><br />

feminina. O agente po<strong>de</strong> ser con<strong>de</strong>nado,<br />

mas segue sem compreen<strong>de</strong>r que não po<strong>de</strong><br />

dispor do corpo <strong>de</strong> outra pessoa sem o seu<br />

consentimento.


SAÚDE E COMPORTAMENTO<br />

YOGA E MEDITAÇÃO:<br />

AQUI E AGORA<br />

GABRIELA BRACK


Em grupo ou <strong>de</strong> maneira autônoma, Giovanna Borges reconhece<br />

serem inúmeros os benefícios da yoga.(Arquivo Pessoal).<br />

“Principais diferenças entre yoga e meditação”. “Yoga, muito além <strong>de</strong> posturas<br />

e meditação”. “Yoga e meditação amenizam estresse, afirma neurofisiologista”.<br />

“Como apren<strong>de</strong>r a meditar sozinho”.<br />

Estes são alguns dos conteúdos encontrados somente na primeira página<br />

<strong>de</strong> resultados <strong>de</strong> uma breve pesquisa no Google, ao digitar “yoga e meditação”.<br />

Antigamente, até po<strong>de</strong>riam parecer práticas um pouco distantes <strong>de</strong> nossa<br />

realida<strong>de</strong>, voltadas a um público muito segmentado, como pessoas mais alternativas<br />

e holísticas. Mas no caso da yoga, por exemplo, o número <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ptos, no<br />

mundo, mais que dobrou em 8 anos: <strong>de</strong> 15,8 milhões para 36,7 milhões, entre 2008<br />

e 2016. Os dados são da Yoga Aliance e Yoga Journal.<br />

Com certa relação, mas não necessariamente caminhando juntas, as práticas<br />

são trazidas pela <strong>ComTempo</strong> em parte por quem enten<strong>de</strong> do assunto, mas<br />

também por quem vivencia, necessita e sente seus inúmeros efeitos. O que eles<br />

têm em comum: buscar e encontrar muitos benefícios, ao corpo, e principalmente à<br />

mente.<br />

Final <strong>de</strong> período da faculda<strong>de</strong>. Quem vivenciou ou também não o ambiente acadêmico<br />

sabe ou po<strong>de</strong> fazer i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> todos os seus ônus para estudantes. E foi exatamente<br />

num período como este, acompanhado <strong>de</strong> estresse e principalmente ansieda<strong>de</strong>,<br />

que a bacharel em Relações Internacionais Giovanna Borges, 22, <strong>de</strong>cidiu<br />

iniciar a prática da yoga.<br />

“Li muito sobre a prática <strong>de</strong> yoga como forma <strong>de</strong> controlar essa ansieda<strong>de</strong>,<br />

gastar energia, ‘limpar’ a mente”, conta Giovanna, que aliou a yoga à prática da meditação.<br />

O primeiro contato da internacionalista foi através <strong>de</strong> aulas guiadas online,<br />

possibilitando a prática em casa, seguindo para a leitura <strong>de</strong> livros e busca <strong>de</strong> informações<br />

sobre posturas e a filosofia da yoga.<br />

Giovanna conta que após iniciar a prática autônoma, pesquisou opções <strong>de</strong> aulas<br />

presenciais “com valores que cabiam no meu orçamento ou gratuitas, e acabei encontrando<br />

aulas na universida<strong>de</strong>, que eram ministradas por grupos diferentes <strong>de</strong><br />

yoga (cheguei a fazer yoga gratuito 3x por semana na Universida<strong>de</strong>!) e também em<br />

parques públicos da cida<strong>de</strong>”.<br />

Atualmente ainda aproveitando as aulas presenciais, a internacionalista<br />

mantém rotina <strong>de</strong> yoga em casa, seguindo conforme sua disponibilida<strong>de</strong>, geralmente<br />

com 5 dias por semana. “Fazer as práticas com instrutores ajuda muito na correção<br />

das posturas e a te guiar na filosofia do yoga, mas tudo vai do quanto po<strong>de</strong><br />

gastar, pois nem sempre as aulas em studios são baratas, por isso optei pelas aulas<br />

gratuitas”, analisa.<br />

Sobre os benefícios, Giovanna é enfática ao dizer que são muitos: “Além <strong>de</strong><br />

reduzir muito minha ansieda<strong>de</strong>, me ajuda a trilhar minha vida <strong>de</strong> forma mais leve,<br />

ter clareza nos meus pensamentos, ações, etc. Consigo dormir melhor, pois também<br />

é uma prática interessante <strong>de</strong> exercícios. No yoga você também <strong>de</strong>senvolve<br />

o autoconhecimento, a força, flexibilida<strong>de</strong> e equilíbrio corporais! É consi<strong>de</strong>rada uma<br />

das práticas mais completas que existe, porque trabalha corpo e alma... O yoga me<br />

ajudou muito no momento que iniciei a prática e me ajuda até hoje, é um momento<br />

incrível <strong>de</strong> reflexão”, completa.<br />

“Se você tem um corpo e uma mente, se você respira, então yoga é para<br />

você” - Jivana Heyman<br />

“A palavra yoga vem do sânscrito atrelar, unir, representando a união <strong>de</strong> mente e<br />

corpo. Desenvolvemos maior consciência no pensar, agir, falar, nos traz para o presente.<br />

Com o aprimoramento <strong>de</strong>sses aspectos <strong>de</strong>senvolvemos, maior consciência<br />

postural, respiratória, maior controle da ansieda<strong>de</strong>, dos níveis <strong>de</strong> estresse, qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sono, tônus muscular, alongamento, foco e equilíbrio. Não há um nicho específico,<br />

po<strong>de</strong> ser praticada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância até a melhor ida<strong>de</strong>”. Assim é <strong>de</strong>finida a yoga<br />

pelo instrutor Vittor Roko, 29.<br />

Tendo contato com a yoga <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a adolescência, mas <strong>de</strong>cidindo transmitir<br />

a prática após apenas ganhar conhecimento, o instrutor, já há 4 anos, elenca alguns<br />

dos motivos que levam as pessoas a procurarem pela prática: “Gran<strong>de</strong> parte das<br />

pessoas que vem até o núcleo tem o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver maior consciência<br />

postural e respiratória. Outros aspectos seriam, por exemplo, dores na coluna lombar,<br />

ciático, em alguns casos hérnia discal. Nosso dia a dia muitas<br />

vezes nos coloca em funções em que passamos gran<strong>de</strong> parte<br />

do dia sentados, o que po<strong>de</strong> acarretar <strong>de</strong>sgastes ou mesmo falta<br />

<strong>de</strong> força na musculatura. Na parte dos aspectos psicossomáticos<br />

seriam relacionados a controle da ansieda<strong>de</strong>, estresse, ajuda na<br />

concentração, para acalmar a mente, ou mesmo como auxílio no<br />

combate a <strong>de</strong>pressão”.<br />

Sobre práticas autônomas, como é o caso <strong>de</strong> Giovanna<br />

Borges, o instrutor afirma serem válidas, mas com atenção às questões<br />

posturais. “Algumas posturas po<strong>de</strong>m apresentar alto grau <strong>de</strong><br />

dificulda<strong>de</strong> e consciência postural, para evitar lesões o i<strong>de</strong>al é que<br />

o aluno procure uma orientação e a partir <strong>de</strong>la inicie suas práticas<br />

em casa. Como é uma ativida<strong>de</strong> que não exige muitos materiais,<br />

dá liberda<strong>de</strong> para ser praticada em casa, em praças e clubes”, diz.<br />

Definir objetivos <strong>de</strong> curto prazo está entre as dicas e Vittor<br />

para quem nunca foi em busca <strong>de</strong> uma experiência na yoga: “Com<br />

anos <strong>de</strong> prática vamos <strong>de</strong>senvolver vários aspectos físicos e mentais.<br />

Porém <strong>de</strong>vemos focar nas questões que mais nos atrapalham<br />

e incomodam no dia a dia. Após <strong>de</strong>finir seus objetivos, o aluno <strong>de</strong>ve<br />

procurar a yoga que mais se adéqua para alcançar seus objetivos,<br />

ou que traz maior prazer e conforto. Às vezes po<strong>de</strong>mos levar um


“A partir do momento que comecei a dar as aulas, me senti confortável,<br />

gostei do que estava fazendo”, diz o instrutor <strong>de</strong> yoga<br />

Vittor Roko.(Arquivo Pessoal).<br />

tempo maior para alcançar os objetivos, mas o caminho po<strong>de</strong> ser<br />

mais agradável”.<br />

Meditação: “higiene mental”?<br />

Pelo menos 15 anos é o tempo que o <strong>de</strong>sign gráfico e<br />

ilustrador Thiago Petruccelli, 33, pratica meditação, ao menos esporadicamente,<br />

sendo muitas vezes atrelada à yoga mas, eu seu<br />

caso, ao budismo, por meio <strong>de</strong> matéria <strong>de</strong> uma revista. “Decidi<br />

experimentar. Foi muito bom naquela época; eu chegava a fazer<br />

por 45, 50 minutos. Mas não fazia todo dia. Porém ficou uma lembrança<br />

da sensação boa que eu sentia. Chegava um momento<br />

em que eu sentia o corpo todo relaxar, e conseguia ficar sem<br />

pensar em nada por alguns breves instantes”, conta.<br />

A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> iniciar a prática, segundo Thiago, <strong>de</strong>u-se pelos<br />

benefícios até então investigados. “Dizem que se você praticar<br />

todos os dias, nem que seja por 10 minutos, seu cérebro vai mudando.<br />

O seu humor fica mais fácil <strong>de</strong> controlar, a saú<strong>de</strong> melhora.<br />

Tem até uma pesquisa recente que diz que as células das pessoas<br />

que meditam envelhecem mais <strong>de</strong>vagar. E, quando você<br />

realmente está presente, parece que tudo fica mais “vivo”, mais<br />

intenso. Estamos sempre em outro lugar com a nossa mente,<br />

difícil estar presente no agora. Andar na rua e simplesmente prestar<br />

atenção no seu ambiente – o vento no seu rosto, as árvores<br />

balançando, os cheiros... Parece algo simples, mas po<strong>de</strong> ser extraordinário”,<br />

<strong>de</strong>talha.<br />

Como método que guia sua prática, o <strong>de</strong>sign gráfico utiliza<br />

o aplicativo em inglês Headspace, que segundo ele traz abordagem<br />

“mais científica”. Sinto que vou apren<strong>de</strong>ndo mais cada<br />

vez que faço. “Mas existem outros aplicativos que parecem muito<br />

bons também. Penso em experimentar o Lojong mais para frente, que é em português<br />

e traz as práticas <strong>de</strong>ntro da tradição budista”, exemplifica.<br />

Apesar <strong>de</strong> “<strong>de</strong>butar” na prática sem assiduida<strong>de</strong>, Thiago conta ter <strong>de</strong>cidido recentemente<br />

se comprometer à pratica todos os dias. Até o dia da entrevista, 15 <strong>de</strong> <strong>janeiro</strong>,<br />

já estaria com 160 dias completos.<br />

“Acho que os benefícios da meditação são a longo prazo, você realmente<br />

começa a sentir <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uns 10 dias praticando sem parar. A meditação não resolve<br />

nenhum dos problemas que você tem – eu por exemplo tenho ansieda<strong>de</strong> e<br />

insônia – mas ajuda muito a lidar com isso. É como se você estivesse ‘abaixando o<br />

volume’ das suas emoções; <strong>de</strong> 10 ela abaixa para 5, 4. Me lembro que no meio do<br />

ano passado, antes <strong>de</strong> começar a praticar todo dia, estava muito estressado. Brigava<br />

com as pessoas aqui <strong>de</strong> casa por qualquer coisinha. Tudo parecia muito intenso, ou<br />

me machucava <strong>de</strong>mais ou me irritava <strong>de</strong>mais. Depois que comecei a praticar, parece<br />

que ficou mais fácil lidar com tudo. Existem pesquisas que dizem que a meditação<br />

atua muito no córtex pré-frontal, que é uma região do cérebro ligada com autocontrole<br />

e empatia. Então, antes <strong>de</strong> explodir com alguém, parece que eu automaticamente<br />

‘freio’ e consigo pensar se é daquela maneira mesmo que <strong>de</strong>vo agir”, <strong>de</strong>talha o <strong>de</strong>sign<br />

gráfico, sobre sua experiência.<br />

Ainda numa análise mais macro, Thiago diz acreditar que a maioria das pessoas,<br />

atualmente, tem alguma questão <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental.<br />

“Não sei se antes já era assim, ou se as coisas do nosso tempo estão agravando<br />

– como a tecnologia – mas eu como ansioso, reconheço uma ansieda<strong>de</strong> geral<br />

nas pessoas. O smartphone se popularizou não faz muito tempo e muitas pessoas<br />

não criam relações saudáveis com eles. As re<strong>de</strong>s sociais são capazes <strong>de</strong> liberar muita<br />

dopamina ao cérebro, <strong>de</strong> forma que ficamos <strong>de</strong> certa forma ‘viciados’ nisso. A prática<br />

da meditação ajuda a regular nosso cérebro, e ensina a viver o momento presente.<br />

Ajuda a estar atento ao seu corpo, o que ele está sentindo e o que ele precisa. Parece<br />

que a vida fica mais leve com a meditação. Eu sou suspeito para falar, recomendo a<br />

meditação para muita gente... Acho que muitas pessoas po<strong>de</strong>riam experimentar uma<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida melhor adotando a meditação como prática diária. É quase como<br />

uma higiene mental. Assim como escovamos os <strong>de</strong>ntes todo dia, limpar a mente todo<br />

dia também faz muito bem”.<br />

Há 15 anos voltado à meditação, Thiago Petruccelli usa como<br />

analogia à prática uma “higiene mental”. (Arquivo Pessoal).


Não é tudo, mas muito do<br />

que você precisa saber.


JORNALISMO & FUTURO<br />

PROFISSIONALISMO<br />

ALÉM DAS TELAS<br />

MARCOS PITTA<br />

“Gaúcha <strong>de</strong> alma e <strong>de</strong> nascença, ribeirão-pretana<br />

<strong>de</strong> coração”. É assim<br />

que Lucieli Dornelles, editora <strong>de</strong><br />

texto e apresentadora do jornal da<br />

EPTV, afiliada da Re<strong>de</strong> Globo, no interior<br />

<strong>de</strong> São Paulo, apresenta-se em sua re<strong>de</strong><br />

social com quase 24 mil seguidores. A jornalista,<br />

que todos os dias no horário do<br />

almoço faz companhia para milhares <strong>de</strong><br />

pessoas, aglomera um conhecimento vasto,<br />

dá palestras e ainda consegue tempo<br />

para agra<strong>de</strong>cer o carinho dos fãs nas re<strong>de</strong>s<br />

sociais.<br />

Neste início <strong>de</strong> <strong>2019</strong>, Dornelles passou<br />

a comandar as duas edições do Jornal<br />

da EPTV, e mesmo com a rotina atribulada<br />

conseguiu respon<strong>de</strong>r a <strong>ComTempo</strong>, enquanto<br />

<strong>de</strong>sdobrava-se na redação, sempre<br />

enfatizando que o cansaço existe, porém<br />

não há nada que lhe <strong>de</strong>ixe mais feliz<br />

do que fazer o que gosta.<br />

Lucieli fala sobre o avanço da era<br />

digital e como isso influenciou a maneira<br />

<strong>de</strong> fazer jornalismo, Fake News, a maneira<br />

como lida com notícias trágicas e ainda comenta<br />

sobre seu outro lado, o <strong>de</strong> palestrante,<br />

artifício que a ajudou ganhar mais voz.


<strong>ComTempo</strong>: Com a era digital se <strong>de</strong>senvolvendo<br />

cada vez mais, a forma <strong>de</strong> se<br />

fazer jornalismo é a mesma ou mudou?<br />

Se houve mudanças, qual a principal até<br />

o momento?<br />

Lucieli Dornelles: As mídias sociais transformaram<br />

completamente o nosso jeito <strong>de</strong> fazer jornalismo.<br />

Do início ao fim: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a hora em que nasce<br />

a notícia até o momento em que ela vira um<br />

produto (reportagem) e é veiculada na tela da TV.<br />

Uma década atrás, por exemplo, o comum na redação<br />

era “correr” atrás das informações. Agora,<br />

a sensação que se tem é que as notícias “caem<br />

no nosso colo”. Veja que gran<strong>de</strong> mudança: antes<br />

a nossa equipe <strong>de</strong> produção passava o dia inteiro<br />

apurando e organizando as possíveis pautas<br />

das 66 cida<strong>de</strong>s da área <strong>de</strong> cobertura da emissora.<br />

Pelo menos quatro vezes por dia, os produtores<br />

telefonavam para prefeituras, bases da Polícia<br />

Militar, Corpo <strong>de</strong> Bombeiros, hospitais, etc. Hoje<br />

não. Hoje tudo o que acontece se espalha com<br />

rapi<strong>de</strong>z, em questão <strong>de</strong> minutos. Isso é ótimo,<br />

mas também po<strong>de</strong> ser perigoso.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Você trabalha com jornalismo<br />

televisivo, qual a principal dificulda<strong>de</strong><br />

em selecionar as pautas? O que é<br />

levado em consi<strong>de</strong>ração?<br />

Lucieli: O nosso critério <strong>de</strong> relevância não mudou.<br />

No jornalismo, dividimos as reportagens em factuais<br />

(aquilo que acaba <strong>de</strong> acontecer) e não-factuais<br />

(frias, po<strong>de</strong>m ir ao ar em qualquer dia da semana).<br />

A seleção é natural: priorizamos a informação que<br />

tem mais impacto no dia-a-dia das pessoas ou<br />

po<strong>de</strong> servir como exemplo/visibilida<strong>de</strong> para que<br />

elas tenham uma vida melhor. Exemplo: falar sobre<br />

falta <strong>de</strong> remédios na re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é<br />

mais importante do que falar sobre mato alto, assim<br />

como falar sobre mato alto é mais importante<br />

do que falar sobre dicas <strong>de</strong> organização no armário<br />

<strong>de</strong> casa. As reportagens que não pe<strong>de</strong>m urgência<br />

na veiculação ficam guardadas no nosso sistema<br />

– em um lugar que chamamos <strong>de</strong> gela<strong>de</strong>ira - e vão<br />

ao ar quando tem espaço no telejornal.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Com tantos anos <strong>de</strong> experiência<br />

na TV, tem alguma cobertura marcante<br />

em sua trajetória?<br />

Lucieli: É difícil escolher só uma, já que o meu<br />

trabalho em TV começou aos 17 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,<br />

como estagiária. De lá pra cá, viajei o Brasil inteiro<br />

fazendo coberturas especiais e passei por uma<br />

infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências – algumas incríveis, outras<br />

assombrosas. Vou <strong>de</strong>stacar aqui uma série <strong>de</strong><br />

reportagens que mexeu bastante comigo: sobre<br />

as comunida<strong>de</strong>s Quilombolas do Sul do país. Ver<br />

<strong>de</strong> perto uma realida<strong>de</strong> tão diferente a da maioria<br />

das pessoas foi impactante e transformador. Conversei<br />

(e convivi) com filhos e netos <strong>de</strong> escravos,<br />

gente que vive à margem da socieda<strong>de</strong> e ainda é<br />

afetada pelo regime <strong>de</strong> violência e brutalida<strong>de</strong> que<br />

existiu no nosso país. Não posso negar que me tornei<br />

uma pessoa mais empática e engajada <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong>sse trabalho, foi um dos gran<strong>de</strong>s aprendizados<br />

que o jornalismo me proporcionou.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como você vê a aproximação<br />

do público com o jornalismo através<br />

das re<strong>de</strong>s sociais? É completamente<br />

saudável e importante?<br />

Lucieli: Eu costumo dizer que vivi para ver isso<br />

acontecendo. Nada me <strong>de</strong>ixa mais realizada do<br />

que po<strong>de</strong>r fazer jornalismo com tanta proximida<strong>de</strong><br />

do telespectador - e muitas vezes junto com<br />

ele. Temos hoje um canal muito mais amplo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>núncia, interativida<strong>de</strong> e expressivida<strong>de</strong> do público.<br />

Eu adoro tecnologia e me consi<strong>de</strong>ro bastante<br />

otimista em relação às mudanças! Acredito<br />

que saímos ganhando, em todos os aspectos:<br />

em quantida<strong>de</strong> e em rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> informação também.<br />

Percebe que agora acabamos quase que<br />

por contrariar a Lei da Física? Com tantos ví<strong>de</strong>os<br />

e fotos chegando pelas re<strong>de</strong>s sociais “em tempo<br />

real”, é quase como se estivéssemos em mais <strong>de</strong><br />

um lugar ao mesmo tempo.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como fazer jornalismo sério<br />

sem ser afetado pelas fakenews que<br />

só crescem?<br />

Lucieli: O nosso princípio básico, <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

com a informação, continua o mesmo. A<br />

diferença é que o nosso trabalho <strong>de</strong> checagem e<br />

apuração agora é ainda maior – e mais minucioso.<br />

Nunca antes foi tão importante checar a veracida<strong>de</strong><br />

do fato e se <strong>de</strong>bruçar sobre todos os aspectos<br />

e versões <strong>de</strong> uma reportagem. Afinal, nos dias <strong>de</strong><br />

hoje, o que é relevante e o que não é se confun<strong>de</strong>m<br />

em um espaço on<strong>de</strong> impera o excesso. Todo<br />

mundo tem voz, não é? Isso seria maravilhoso,<br />

não fosse um <strong>de</strong>talhe: gran<strong>de</strong> parte das pessoas<br />

não se preocupa com o bom senso ou com a credibilida<strong>de</strong><br />

da informação que compartilha. E é aí que<br />

entra o jornalista: não apenas com o compromisso<br />

<strong>de</strong> transmitir a informação correta e precisa, mas<br />

corrigir e <strong>de</strong>smentir os boatos que se espalham por<br />

aí. Estamos suscetíveis ao erro? Sim, po<strong>de</strong> acontecer.<br />

Mas tomamos todas as medidas <strong>de</strong> precaução<br />

para que não aconteça. Em caso <strong>de</strong> dúvidas,<br />

optamos por não veicular.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como é para você noticiar<br />

casos trágicos, como casos <strong>de</strong> feminicídios,<br />

assassinatos? Como lidar com<br />

essas notícias para que ela chegue ao<br />

telespectador da maneira mais correta<br />

possível?<br />

Lucieli: Esta é uma curiosida<strong>de</strong> recorrente: as<br />

pessoas costumam me perguntar qual é a tática<br />

que uso para controlar as emoções, ao noticiar<br />

alguma tragédia. Não sei se existe. Eu tenho<br />

como hábito respirar fundo e intensificar o grau<br />

<strong>de</strong> concentração. Mas não creio que fique mais<br />

fácil com o passar dos anos. Pelo contrário, é<br />

como se o trauma <strong>de</strong> cada vítima fosse um pouco<br />

meu também. Algumas histórias têm <strong>de</strong>talhes<br />

tão assustadores que eu custo a acreditar que<br />

sejam fatos da vida real e não da ficção. Mas<br />

sei que elas fazem parte do ofício e tenho como<br />

obrigação não <strong>de</strong>ixar que os meus sentimentos<br />

atrapalhem o meu trabalho. Vale dizer que<br />

transparecer um semblante triste, revoltado ou<br />

chocado é muitas vezes inevitável. Acontece, sai<br />

naturalmente. Só não po<strong>de</strong> prejudicar a notícia.<br />

Nosso cuidado maior, em casos assim, é contar<br />

o fato com riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes e ouvir todos os<br />

lados envolvidos - inclusive o <strong>de</strong> quem cometeu<br />

a atrocida<strong>de</strong> - sem escandalizar o telespectador.<br />

Depen<strong>de</strong>ndo do grau <strong>de</strong> violência da imagem,<br />

optamos por tirar o foco ou não transmiti-la.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Você ministra palestras sobre<br />

motivação profissional, mercado <strong>de</strong><br />

trabalho e fala bastante em nunca <strong>de</strong>sistir,<br />

e em ter orgulho <strong>de</strong> sua trajetória.<br />

Como você enxerga o resultado final <strong>de</strong><br />

suas palestras? As pessoas pe<strong>de</strong>m para<br />

falar com você no final, tiram dúvidas e<br />

pe<strong>de</strong>m conselhos?<br />

Lucieli: As palestras ampliaram a minha voz na<br />

região <strong>de</strong> Ribeirão Preto <strong>de</strong> uma maneira muito<br />

especial. Para mim, é o momento <strong>de</strong> plantar a<br />

sementinha do trabalho e do comprometimento,<br />

principalmente nos jovens estudantes que me assistem.<br />

Faço questão <strong>de</strong> brincar com eles dizendo<br />

que sou a “tia chata” e estou ali para dar puxões <strong>de</strong><br />

orelha. Tento usar a minha trajetória <strong>de</strong> vida para<br />

motivá-los. Não porque ela seja exemplar, mas<br />

para que eles entendam que nada nesta vida cai<br />

do céu. A garotada <strong>de</strong> hoje faz parte da geração do<br />

imediatismo e, na maioria das vezes, quer trabalhar<br />

pouco e ganhar muito. Minhas palestras mostram<br />

que profissão é construção, não acontece <strong>de</strong><br />

um dia para o outro. Recebo muitas mensagens<br />

positivas dos professores - falando sobre a mudança<br />

<strong>de</strong> comportamento dos alunos - e dos próprios<br />

adolescentes. Gran<strong>de</strong> parte me escreve para contar<br />

que estava perdida, sem rumo, e se viu com<br />

forças e capacida<strong>de</strong> para estudar e ir atrás dos sonhos<br />

que tem. Eu me emociono muito quando isso<br />

acontece! Em relação à parte final das palestras, é<br />

incrível como todo mundo gosta <strong>de</strong> conversar, dar<br />

um abraço forte e tirar uma selfie. E eu adoro também!<br />

Acredita que as pessoas costumam me enxergar<br />

como uma amiga? Até porque estou todos<br />

os dias na casa <strong>de</strong>las, não é mesmo? Algumas me<br />

fazem confidências e todas me tratam com muito<br />

amor. Fico extremamente feliz.


A jornalista durante uma <strong>de</strong> suas palestras. Na foto, Lucieli conversa<br />

com estudantes no Unifafibe, em Bebedouro-SP. (Arquivo Pessoal)<br />

<strong>ComTempo</strong>: Para você, ser jornalista é?<br />

Lucieli: Um propósito <strong>de</strong> vida. Hoje sei que não<br />

vou conseguir mudar o mundo (meu gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al<br />

quando entrei na faculda<strong>de</strong>), mas continuo valorizando<br />

o papel social da minha profissão. Principalmente<br />

porque sei que, por meio <strong>de</strong>la, consigo<br />

transformar pequenos mundos, pequenas comunida<strong>de</strong>s,<br />

todos os dias. Isso já é suficientemente<br />

incrível pra mim. Aliás, esse é outro diferencial do<br />

jornalismo <strong>de</strong> TV, impulsionado pela internet: as<br />

mídias sociais ampliaram o po<strong>de</strong>r do jornalismo<br />

comunitário. Sinto que somos como o espelho do<br />

telespectador. Estamos ali para refletir o que eles<br />

vivem, para dar voz e vez para quem nos assiste.<br />

Desconheço sensação melhor.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Existe <strong>de</strong>svalorização da<br />

profissão por parte do público? E do<br />

mercado?<br />

Lucieli: O jornalismo, assim como acontece com<br />

outras profissões, está mudando muito rápido.<br />

Quem não acompanhar vai ficar para trás, isso<br />

é inevitável. E é lógico que, diante <strong>de</strong> tudo o que<br />

as mídias sociais proporcionam hoje, é impossível<br />

não refletir sobre a parte que ainda nos cabe.<br />

Mas sem esquecer: em meio a uma avalanche <strong>de</strong><br />

informações compartilhadas, minuto a minuto, os<br />

nossos gran<strong>de</strong>s diferenciais são a capacitação e<br />

a experiência. Afinal, como eu já disse aqui, quem<br />

mais, além do profissional <strong>de</strong> jornalismo, vai filtrar<br />

a informação e ouvir todas as versões <strong>de</strong> um mesmo<br />

fato? Creio que o público entenda e reconheça<br />

isso. Já tivemos muitos exemplos <strong>de</strong> boatos <strong>de</strong>smentidos<br />

ao vivo, no jornal do meio-dia. O telespectador<br />

ligou a TV para checar a veracida<strong>de</strong> da<br />

informação recebida pela internet.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como é o mercado <strong>de</strong> trabalho<br />

para quem quer seguir a área da<br />

comunicação? Que conselhos você dá<br />

para quem está começando?<br />

Lucieli: Destaco dois pontos importantes. Primeiro,<br />

lembrar que esta é a hora do jornalista <strong>de</strong>scobrir<br />

novos nichos no mercado e se reinventar,<br />

sem comodismo. As oportunida<strong>de</strong>s aumentaram<br />

com o boom da internet, basta olhar para elas<br />

com carinho, sem preconceito. O segundo ponto<br />

é ter a consciência <strong>de</strong> que sempre haverá espaço<br />

no mercado para o trabalhador proativo, bem-disposto<br />

e comprometido. No jornalismo, a parte do<br />

comprometimento ganha uma relevância ainda<br />

maior, já que o nosso trabalho nem sempre tem<br />

hora para começar ou terminar. É fundamental que<br />

o estudante leve isso em consi<strong>de</strong>ração, quando for<br />

escolher a profissão. Não há glamour! O glamour<br />

é uma ilusão. Nós trabalhamos muito, com prazos<br />

curtos, responsabilida<strong>de</strong>s gigantes e muita pressão<br />

interna e externa. Eu adoro isso. Amo! Mas<br />

conheço centenas <strong>de</strong> pessoas que <strong>de</strong>sistiram por<br />

não dar conta <strong>de</strong> tanta pressão. Ah, po<strong>de</strong> parecer<br />

óbvio, mas também tem que gostar bastante <strong>de</strong> ler<br />

e <strong>de</strong> escrever – já vi muito aprendiz <strong>de</strong> jornalista<br />

preguiçoso ou escrevendo errado na redação.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como é seu dia-a-dia?<br />

Lucieli: Bastante corrido. A maioria das pessoas<br />

olha pra gente e pensa que a nossa vida é um conto<br />

<strong>de</strong> fadas, principalmente por causa da imagem<br />

que se vê na televisão. Mas apresentar o jornal<br />

é apenas 10% da minha realida<strong>de</strong> profissional.<br />

Quando entro no ar, já trabalhei por muitas horas<br />

longe dos holofotes (chego cedo, também sou<br />

editora <strong>de</strong> texto dos telejornais e coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong><br />

mídias sociais em Ribeirão) e continuo trabalhando<br />

nos bastidores, <strong>de</strong>pois que o jornal termina. Nossa<br />

jornada ainda inclui feriado, fim <strong>de</strong> semana, Natal,<br />

Réveillon, etc. É uma profissão repleta <strong>de</strong> abdicações,<br />

a pessoa tem que gostar muito. Sem contar<br />

que somos jornalistas 24 horas por dia, né? Não<br />

tem como ser diferente, faz parte do compromisso<br />

que assumimos. Tudo o que a gente enxerga ou<br />

enfrenta no dia-a-dia po<strong>de</strong> virar pauta.<br />

Quando estou <strong>de</strong> folga, tento acalmar a mente<br />

com leitura, filmes, séries e, claro, na companhia<br />

dos amigos: jogo vôlei toda semana, sou fã <strong>de</strong> um<br />

bom churrasco com samba/pago<strong>de</strong> e amo viajar.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Você possui 23mil seguidores<br />

no Instagram, como consegue dar<br />

atenção a tantos comentários e questionamentos<br />

que chegam até você? Como<br />

é sua interação com os fãs?<br />

Lucieli: A minha gran<strong>de</strong> preocupação hoje na internet<br />

é mostrar quem é a pessoa física por <strong>de</strong>trás<br />

da pessoa jurídica. Não quero ser “a moça da televisão”.<br />

Quero que me enxerguem como uma<br />

mulher <strong>de</strong> 34 anos que estudou e trabalhou muito<br />

para ser quem é e estar on<strong>de</strong> está. Uma mulher<br />

como todas as outras - que fica triste e tem<br />

problemas. Parece simplório falar assim, mas é<br />

incrível perceber como consigo me conectar melhor<br />

com o público quando falo sobre alguma dificulda<strong>de</strong><br />

pela qual passei. Hoje, faço questão <strong>de</strong><br />

respon<strong>de</strong>r a todos (com exceção <strong>de</strong> perguntas<br />

<strong>de</strong>srespeitosas e invasivas, claro). São questionamentos<br />

variados: sobre a minha alimentação,<br />

meus cuidados com a saú<strong>de</strong>, minha trajetória profissional,<br />

meu dia-a-dia atribulado, enfim. Confesso<br />

que até pouco tempo atrás eu não conseguia<br />

me organizar para respon<strong>de</strong>r, mas hoje – mesmo<br />

que <strong>de</strong>more – consigo dar atenção para todos os<br />

seguidores. E sinto como isso é importante para<br />

a pessoa que está do outro lado! A troca <strong>de</strong> energia<br />

é surreal. Algumas me acompanham há muitos<br />

anos (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época da faculda<strong>de</strong>, quando<br />

eu escrevia em um blog). Elas torcem por mim,<br />

passaram comigo por vários momentos felizes ou<br />

difíceis e se lembram <strong>de</strong> coisas que às vezes nem<br />

eu mesma me lembro. É maravilhoso sentir esse<br />

carinho e essa energia positiva! Tento retribuir<br />

como posso. Hoje, gosto <strong>de</strong> falar sobre assuntos<br />

que possam contribuir com a reforma íntima <strong>de</strong><br />

cada um que está ali no meu perfil: autoconhecimento,<br />

saú<strong>de</strong>, fé, <strong>de</strong>pressão, solidão, vaida<strong>de</strong>,<br />

liberda<strong>de</strong>, relacionamento, amor próprio, intolerância,<br />

empatia, preconceito, etc, etc. O retorno é<br />

instantâneo. E sensacional.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Você tem o hábito <strong>de</strong> ler.<br />

Qual o primeiro livro que você leu? E<br />

qual sua melhor leitura até hoje?<br />

Lucieli: Comecei a ler muito cedo, pouco antes<br />

<strong>de</strong> completar quatro anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Minha paixão<br />

da infância eram os gibis da Mônica e outros livros<br />

infantis. Na adolescência, <strong>de</strong>vorei (em apenas um<br />

fim <strong>de</strong> semana) “Gabriela, Cravo e Canela”, <strong>de</strong><br />

Jorge Amado, e nunca mais consegui <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

lado o hábito da leitura. Além <strong>de</strong>le, “O Nome da<br />

Rosa”, <strong>de</strong> Umberto Eco, “O Morro dos Ventos<br />

Uivantes”, <strong>de</strong> Emily Brontë e “A Arte da Guerra”,<br />

<strong>de</strong> Sun Tzu foram livros que me marcaram profundamente.<br />

Uma curiosida<strong>de</strong>: gosto <strong>de</strong> ler mais<br />

<strong>de</strong> um livro ao mesmo tempo, faz parte da minha<br />

personalida<strong>de</strong> inquieta.


VOCÊ REPÓRTER<br />

ANSIEDADE<br />

QUEM AINDA NÃO ENFRENTOU ESSE MAL?<br />

PEDRO LEAL E MARIANA FERREIRA


1<br />

1<br />

Ao pesquisar o signifi cado da palavra<br />

ansieda<strong>de</strong> na internet, o resultado é<br />

<strong>de</strong> sua origem latina com signifi cado<br />

<strong>de</strong> “angústia”; um estado psíquico <strong>de</strong> apreensão<br />

ou medo provocado pela antecipação<br />

<strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong>sagradável ou perigosa.<br />

O Brasil li<strong>de</strong>ra o ranking <strong>de</strong> pessoas que<br />

sofrem <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>, com 18,6 milhões<br />

<strong>de</strong> pessoas sofrendo <strong>de</strong>ste transtorno, o<br />

correspon<strong>de</strong>nte a 9,3% da população. No<br />

mundo, este número é <strong>de</strong> 246 milhões <strong>de</strong><br />

pessoas.<br />

A segunda <strong>edição</strong> do Você Repórter<br />

traz reportagem especial sobre este mal que<br />

tanto afl ige os brasileiros. Para isso, a Com-<br />

Tempo entrevistou Valéria Chechia, doutora<br />

em psicologia pela USP e coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong><br />

Psicologia do Centro Universitário Unifafi be,<br />

que esclareceu dúvidas sobre o assunto.<br />

<strong>ComTempo</strong>: O que é a Ansieda<strong>de</strong>?<br />

Dra. Valéria: A palavra “Ansieda<strong>de</strong>” tem origem<br />

no latim “Anxiesta”, do verbo “angere”<br />

que signifi ca apertar, sufocar. Assim, ansieda<strong>de</strong><br />

é um estado emocional <strong>de</strong>sagradável<br />

e apreensivo, provocado pelo pressentimento<br />

ou previsão <strong>de</strong> um perigo para a integrida<strong>de</strong><br />

da pessoa. Quando os perigos são<br />

reais, como por exemplo, “passar seus dados<br />

pessoais para alguém que ligou dizendo<br />

que você foi premiado com um celular”,<br />

a esse tipo dá –se o nome <strong>de</strong> “Ansieda<strong>de</strong><br />

Realista” porque as pessoas estão vivendo<br />

em um mundo virtual <strong>de</strong> extrema insegurança.<br />

Além <strong>de</strong>sse tipo, temos a “Ansieda<strong>de</strong><br />

Antecipatória ou Ansieda<strong>de</strong> Neurótica” cujo<br />

indivíduo processa um medo, uma insegurança<br />

imaginária, on<strong>de</strong> prevê que algo ruim<br />

vai lhe acontecer, mas sem nenhum dado<br />

realístico.<br />

A ansieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ter manifestação<br />

física: suor, tremores, taquicardia, e manifestações<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m subjetiva: sentimentos<br />

<strong>de</strong> apreensão que não são suscetíveis ou<br />

que não possuem probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acontecer,<br />

são imagens e sentimentos gerados<br />

pela imaginação da pessoa. Concluindo,<br />

para Carl Gustav Jung, há muitas gerações<br />

às pessoas estão sujeitas à ansieda<strong>de</strong>, Jung<br />

explica que isso acontece porque o mundo<br />

nunca nos pareceu seguro.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual é o tratamento<br />

para ansieda<strong>de</strong>? Como ele é?<br />

Dra. Valéria: Em situações cuja ansieda<strong>de</strong><br />

é ameaçadora para o bem estar da pessoa,<br />

como a “ansieda<strong>de</strong> agudo-crônica”, orienta-se<br />

que seja procurada uma avaliação<br />

médica para constatar os sintomas físicos<br />

que estão tirando-lhe a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver<br />

bem. Por exemplo, é comum, em casos<br />

agudos, a pessoa ter distúrbios do sono, alimentar-se<br />

<strong>de</strong>mais ou <strong>de</strong> menos, per<strong>de</strong>r ou<br />

aumentar o peso, ter crises <strong>de</strong> taquicardia,<br />

aumento da pressão arterial, difi culda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

concentração, entre outros. Nesses casos,<br />

uma avaliação minuciosa do estado físico<br />

po<strong>de</strong> levar a medicação da pessoa até que<br />

ela consiga restabelecer os padrões mínimos<br />

necessários para sua vida.<br />

Concomitante a isso, orienta-se a<br />

psicoterapia para auxiliar o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s para combater os sintomas e<br />

promover o autoconhecimento, colaborando<br />

para que a pessoa encontre as causas da<br />

ansieda<strong>de</strong> e assim, conseguir o auto equilíbrio<br />

emocional.<br />

O tratamento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> duas<br />

avaliações: física e psicológica, portanto,<br />

não há uma indicação precisa para todos<br />

os casos, sempre é necessário refletir os<br />

danos físicos e emocionais para iniciar o<br />

tratamento.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual a importância do<br />

terapeuta? Apenas este profissional<br />

po<strong>de</strong> resolver um problema <strong>de</strong><br />

ansieda<strong>de</strong>? Há algum tratamento<br />

alternativo, além da terapia, como<br />

por exemplo a meditação?<br />

Dra. Valéria: A importância do psicoterapeuta<br />

está na razão para fazer a pessoa<br />

compreen<strong>de</strong>r o que está causando a ansieda<strong>de</strong><br />

e o quanto o nível dos sintomas está<br />

afetando sua vida emocional. Nesse sentido,<br />

o profi ssional auxiliará na busca da estabilida<strong>de</strong><br />

dos seus comportamentos frente às<br />

situações que lhe causam ansieda<strong>de</strong>. Em<br />

segundo lugar, não somente o profi ssional<br />

da psicologia po<strong>de</strong> auxiliar a pessoa com<br />

quadro <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>, um psiquiatra com o<br />

diagnóstico dos sintomas po<strong>de</strong> orientar medicamentos<br />

específi cos, ajudando a pessoa<br />

a combater crises agudas. Em terceiro, a<br />

meditação é uma alternativa <strong>de</strong> tratamento,<br />

mas se for acompanhada, com um profi<br />

ssional especialista nesse método ou com<br />

um dos profi ssionais citados anteriormente,<br />

pois requer muito treino, então, em caso <strong>de</strong><br />

a pessoa estar em crise, a mesma terá difi -<br />

culda<strong>de</strong> em obter os resultados.<br />

A meditação e também, atualmente a<br />

“Mindfulness”, exercício acompanhado por<br />

um profi ssional especialista nessa abordagem,<br />

vem tornando-se importante ferramenta<br />

para o tratamento da ansieda<strong>de</strong>, uma vez<br />

que se trabalham as distrações, pensamentos<br />

externos e sentimentos anteriores, para<br />

intencionalmente sentir, ouvir, viver plenamente<br />

a situação presente.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Hábitos saudáveis ajudam<br />

no controle da ansieda<strong>de</strong>?<br />

Dra. Valéria: Como a pessoa se sente em<br />

relação a si mesma está relacionada à forma<br />

como se sente a respeito <strong>de</strong> seu corpo<br />

e <strong>de</strong> seu físico. Sendo assim, a pessoa com<br />

ansieda<strong>de</strong> que insere no seu dia a dia, hábitos<br />

que valorizam seu bem estar e sua qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vida, tem maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

restaurar sua estabilida<strong>de</strong>. Por exemplo, caminhar,<br />

praticar esporte, alimentar-se mais<br />

com frutas, verduras, legumes e proteínas,<br />

beber água constantemente, inserir leituras<br />

e meditações, são costumes que irão colaborar<br />

para o equilíbrio físico-mental do indivíduo<br />

ansioso.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Por que quase ninguém<br />

leva a saú<strong>de</strong> mental a sério? Por<br />

que a ansieda<strong>de</strong> virou “gíria”, como,<br />

por exemplo, “estou ansioso com o<br />

show <strong>de</strong> sábado”?<br />

Dra. Valéria: A princípio, a socieda<strong>de</strong> brasileira,<br />

mobilizou-se para promover a saú<strong>de</strong><br />

mental dos brasileiros se comparada a<br />

décadas anteriores. Talvez, com o advento<br />

das tecnologias, das re<strong>de</strong>s sociais e das<br />

telecomunicações, as pessoas têm utilizado<br />

muita parte <strong>de</strong> seu tempo nas relações<br />

virtuais, do que nas pessoais. A interação<br />

social é importante para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do ser humano, no entanto, com o advento<br />

tecnológico as pessoas estão tornando-se<br />

solitárias, não dialogam tanto como as gerações<br />

anteriores, não riem como antes, isso<br />

parece que está fazendo a pessoa viver um<br />

mundo <strong>de</strong> aparências e não <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s.<br />

Também os discursos <strong>de</strong> ódio nas<br />

re<strong>de</strong>s sociais têm levado as pessoas per<strong>de</strong>rem<br />

a essência humana <strong>de</strong> respeito ao<br />

próximo e isso tem <strong>de</strong>ixado todos mais tristes<br />

e mais sombrias. Desse modo, quando<br />

se trata <strong>de</strong> uma pessoa propensa à ansieda<strong>de</strong>,<br />

essas novas formas <strong>de</strong> se relacionar<br />

po<strong>de</strong> contribuir para que ela fi que insegura,<br />

com medo e ansiosa, pois possibilita exposição<br />

pessoal <strong>de</strong>snecessária, e quando não<br />

é aceita seu quadro ten<strong>de</strong> a piorar. Quanto<br />

às “gírias” sobre estados psicológicos, costumamos<br />

chamar <strong>de</strong> “psicologização”, ou<br />

seja, pessoas sem conhecimento da ciência<br />

da psicologia utilizam-se <strong>de</strong> termos da<br />

psicologia para se <strong>de</strong>fi nirem e/ou <strong>de</strong>fi nirem<br />

outros indivíduos. Nesse caso, acreditamos<br />

que as pessoas acabam sofrendo atualmente<br />

muito mais pelas palavras que pelo que


está passando verda<strong>de</strong>iramente.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Quais os perigos em ignorar<br />

o que está acontecendo em<br />

relação a ansieda<strong>de</strong> e a saú<strong>de</strong> mental<br />

<strong>de</strong> uma maneira geral?<br />

Dra. Valéria: Naturalmente, a pessoa que<br />

está passando por crise <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> antecipatória<br />

está sofrendo <strong>de</strong> variados sintomas<br />

como <strong>de</strong>scrito anteriormente. Dessa<br />

maneira, se esses sintomas forem ignorados<br />

a pessoa po<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>r para uma<br />

<strong>de</strong>pressão associada à ansieda<strong>de</strong> porque o<br />

<strong>de</strong>sconforto físico acaba interferindo no seu<br />

dia a dia. Igualmente, se a pessoa ignorar<br />

ambos os quadros esses sintomas po<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong>senvolver uma crise do pânico. Consequentemente,<br />

o quadro emocional, físico e<br />

mental se agravará e o tratamento po<strong>de</strong>rá<br />

ser mais <strong>de</strong>morado. Logo, orienta-se a pessoa<br />

fi car atenta aos sinais quando perceber<br />

que estão lhe tirando a paz, a tranquilida<strong>de</strong> e<br />

afetando sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e já no início<br />

procurar por profi ssionais para se cuidar.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como você vê o futuro<br />

das pessoas se a ansieda<strong>de</strong> (patológica)<br />

for ignorada?<br />

Dra. Valéria: Embora a pessoa possa conhecer<br />

os sintomas é necessário que a mesma<br />

não veja isso como algo normal ou passageiro.<br />

Muitas vezes, um indivíduo ansioso po<strong>de</strong><br />

buscar o isolamento emocional, como forma<br />

<strong>de</strong> se proteger. Mas, no isolamento emocional<br />

o indivíduo reduz suas necessida<strong>de</strong>s e<br />

se retrai numa espécie <strong>de</strong> concha <strong>de</strong> passivida<strong>de</strong>.<br />

Como consequência, abaixa o nível<br />

<strong>de</strong> motivação, <strong>de</strong> aspirações profi ssionais e<br />

<strong>de</strong> realização <strong>de</strong> seus objetivos. Orienta-se<br />

que a pessoa refl ita porque <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se envolver<br />

com os assuntos da vida não a fará<br />

menos ansiosa e mais feliz. Ao contrário, o<br />

isolamento causado pela ansieda<strong>de</strong> conduzirá<br />

o indivíduo a um abismo, difi cultando<br />

sua vida em todos os sentidos. Por exemplo,<br />

as pessoas ansiosas precisam saber que<br />

viver e conviver trazem riscos e somente no<br />

enfrentamento <strong>de</strong>sses riscos o indivíduo criará<br />

resistências para evoluir emocionalmente,<br />

profi ssionalmente e socialmente.<br />

Ao falar sobre ansieda<strong>de</strong> é inevitável<br />

esquecer-se dos jovens na transição do<br />

Ensino Médio para a faculda<strong>de</strong>. Muitos sofrem<br />

por conta <strong>de</strong> não terem i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> qual<br />

curso irão fazer, outros pela pressão dos<br />

pais em seguir uma carreira que não quer<br />

ou simplesmente a cobrança da vida adulta.<br />

Sabendo disso, o Grêmio Estudantil <strong>de</strong> 2017<br />

da escola Abílio Manoel, <strong>de</strong> Bebedouro, no<br />

interior <strong>de</strong> São Paulo, realizou uma ativida<strong>de</strong><br />

pós-aula com psicóloga para que os alunos<br />

pu<strong>de</strong>ssem conversar e <strong>de</strong>sabafar sobre problemas<br />

e angústias pelo qual passavam no<br />

momento.<br />

A <strong>ComTempo</strong> foi em busca da responsável<br />

pelo Grêmio, a professora mestre Silvia<br />

Helena <strong>de</strong> Carvalho, atual diretora da<br />

escola José Francisco Paschoal, na mesma<br />

cida<strong>de</strong>, e a questionou sobre a experiência.<br />

Ela relatou que sua convivência com os alunos<br />

e pais era ativa.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual sua relação, na<br />

época, com o Grêmio Estudantil e<br />

com os alunos do Abílio Manoel?<br />

Mª. Silvia: Eu era vice-diretora da escola<br />

que faz parte do Programa Ensino Integral,<br />

e nas escolas <strong>de</strong>ste programa, o vice-diretor,<br />

além <strong>de</strong> outras atribuições, trabalha como<br />

PMEC (Professor Mediador Escolar e Comunitário)<br />

e é responsável pela atuação do<br />

Grêmio Estudantil, portanto, como mediadora,<br />

eu conversava com os estudantes e com<br />

seus familiares e, como responsável pelo<br />

Grêmio, auxiliava os gremistas na realização<br />

<strong>de</strong> seus projetos.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Os jovens do Ensino Médio<br />

estavam aflitos com quais situações?<br />

Quais eram as principais reclamações?<br />

(Pressão da escola, dos<br />

pais, vestibular...)<br />

Mª. Silvia: Acredito que administrar as<br />

questões próprias da ida<strong>de</strong> (namoro, sexualida<strong>de</strong><br />

e relacionamentos em casa e na socieda<strong>de</strong>)<br />

com as exigências escolares mais<br />

as expectativas <strong>de</strong> um futuro incerto já é<br />

motivo <strong>de</strong> angústia, ansieda<strong>de</strong> e medo para<br />

os adolescentes e jovens, porém o principal<br />

fator da reclamação <strong>de</strong>les, na época, era a<br />

pressão familiar.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual foi o estopim para<br />

a iniciativa do Grêmio Estudantil<br />

com a psicóloga na escola? Como<br />

foi o contato com a médica?<br />

Mª. Silvia: Foram os relatos feitos por colegas<br />

do Coor<strong>de</strong>nador Geral do Grêmio sobre<br />

seus problemas, que por sua vez, me procurou<br />

para conversar e pedir ajuda. Resolvemos,<br />

então, entrar em contato com o pessoal<br />

da ONG DCA (Desenvolvendo a Criança e<br />

Adolescente), com qual a escola tinha uma<br />

parceria, que nos indicou uma psicóloga. Em<br />

reunião, expliquei a situação, pensamos em<br />

estratégias para a realização da ação e, assim,<br />

convidamos os alunos para participar<br />

das sessões <strong>de</strong> terapia.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como eram as sessões?<br />

Mª. Silvia: A psicóloga convidava os participantes<br />

a expor seus sentimentos (medos,<br />

ansieda<strong>de</strong>, tristeza, alegria e outros) numa<br />

roda <strong>de</strong> conversa que acontecia uma vez por<br />

semana, após o fi nal do período <strong>de</strong> aulas.<br />

<strong>ComTempo</strong> - Qual foi o feedback dos<br />

alunos? Obteve respostas positivas?<br />

Mª. Silvia - Os alunos que participaram,<br />

não foram muitos, <strong>de</strong>ram retorno positivo<br />

da ação.<br />

A <strong>ComTempo</strong> entrevistou uma das alunas<br />

que participou das ativida<strong>de</strong>s na escola.<br />

Preferindo não se i<strong>de</strong>ntifi car, ela falou<br />

sobre a vivência dos alunos e fala sobre as<br />

cobranças.<br />

“Des<strong>de</strong> o início do ensino médio<br />

surgiram muitas cobranças, algumas pela<br />

família e outras pela escola que, às vezes,<br />

atrapalhavam o rendimento. Os alunos em<br />

geral entram em nervosismo pois querem ter<br />

um excelente futuro e orgulhar suas famílias,<br />

mas são muitas coisas importantes para realizar<br />

até o fi m dos 3 anos do Ensino Médio.<br />

Começar uma faculda<strong>de</strong> e trabalhar geram,<br />

após o término do ensino médio, mais pressão<br />

e cobranças que na cabeça do adolescente,<br />

nunca se sabe o que po<strong>de</strong> virar.”<br />

Nesses casos, a busca por um profissional<br />

da área para relatar o caso e ser orientado<br />

corretamente é <strong>de</strong> extrema importância. Além<br />

dos profissionais que aten<strong>de</strong>m em consultórios<br />

próprios, o Unifafibe oferece atendimento em<br />

sua clínica à todos <strong>de</strong> forma gratuita.<br />

Caso o jovem não queira uma consulta<br />

presencial, o CVV oferece um serviço<br />

<strong>de</strong> conversa com voluntários instruídos que<br />

po<strong>de</strong> ser feito <strong>de</strong> forma anônima. O atendimento<br />

é feito via chat, pelo site, e-mail, carta,<br />

pessoalmente em cida<strong>de</strong>s que tem se<strong>de</strong><br />

ou pelo telefone 188 que é gratuito para<br />

todo país. “Nossos voluntários são treinados<br />

para conversar com todas as pessoa<br />

que procuram ajuda e apoio emocional.”,<br />

consta no site do CVV (Centro <strong>de</strong> Valorização<br />

da Vida).<br />

De qualquer forma, é indispensável<br />

que qualquer pessoas procure ajuda, seja<br />

ela qual for. Como disse a Dra. Valéria, “o<br />

isolamento causado pela ansieda<strong>de</strong> conduzirá<br />

o indivíduo a um abismo difi cultando sua<br />

vida em todos os sentidos.” po<strong>de</strong>ndo agravar-se<br />

em doenças mentais mais graves.<br />

Não hesite em buscar uma ajuda profi ssional.<br />

Sua vida é valiosa!


FAMÍLIA<br />

MATERNIDADE<br />

ATIVA<br />

MARTINA COLAFEMINA<br />

Frente às dificulda<strong>de</strong>s<br />

encontradas socialmente<br />

e no mercado <strong>de</strong> trabalho,<br />

nascem novas alternativas<br />

para ajudar mães, principalmente<br />

solo, a criarem re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

apoio e a se colocarem<br />

no mercado.


A<br />

maternida<strong>de</strong> traz mudanças significativas<br />

para a vida <strong>de</strong> uma mulher.<br />

Quando se trata da maternida<strong>de</strong><br />

solo, as mudanças representam,<br />

muitas vezes, mais dificulda<strong>de</strong>s para manter a<br />

vida financeira em or<strong>de</strong>m. “Não importa o quanto<br />

você é boa no que faz, as chances <strong>de</strong> não ser<br />

contratada por ter um filho são enormes. Quando<br />

você não tem filhos, as empresas enten<strong>de</strong>m<br />

que você não tem outros compromissos e que<br />

po<strong>de</strong>rá trabalhar até mais tar<strong>de</strong>, em finais <strong>de</strong><br />

semana, vai viver para a empresa”, comenta<br />

Nanie Aguirre, grafiteira e proprietária do Amei<br />

Ateliê, em que produz acessórios e bordados<br />

à mão. Nanie conta que só conseguiu voltar a<br />

trabalhar fora <strong>de</strong> casa quando seu filho, Cadu,<br />

completou dois anos. “Isso só foi possível porque<br />

eu tinha meus irmãos e minha mãe que ficavam<br />

com ele aos finais <strong>de</strong> semana, e durante<br />

a semana ele ia para a escola em período integral”,<br />

completa.<br />

Durante sua trajetória, Nanie conta que<br />

enfrentou dificulda<strong>de</strong> para arrumar emprego<br />

e que passou por entrevistas invasivas. Hoje,<br />

através do grafite e do ateliê, ela busca inspirar<br />

outras mulheres e conquistar a estabilida<strong>de</strong><br />

financeira. A grafiteira é também uma das<br />

seguidoras do Maternativa, uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio<br />

a mães empreen<strong>de</strong>doras que as reúne através<br />

<strong>de</strong> páginas no Instagram e Facebook, além <strong>de</strong><br />

um grupo que conta com cerca <strong>de</strong> 22 mil mães.<br />

“Através do uso das hashtags “maternativa”<br />

e “compredasmaes” no Instagram, ajudamos<br />

a promover o trabalho estimulando o<br />

consumo consciente e incentivando direcionamento<br />

<strong>de</strong> investimentos financeiros em produtos<br />

artesanais, locais, <strong>de</strong> pequenos produtores,<br />

enfim das mães”, explica Vivian, uma das sócias<br />

da Re<strong>de</strong> Maternativa. “A importância da autonomia<br />

financeira para a mulher ganha traços<br />

<strong>de</strong> urgência quando pensamos nas mães solo.<br />

Muitas mulheres nessa situação, sem ter re<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> apoio, optam pelo empreen<strong>de</strong>dorismo. Elas<br />

empreen<strong>de</strong>m por necessida<strong>de</strong>, tanto financeira<br />

quanto <strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong>”, explica Vivian.<br />

Encontrar uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio foi fundamental<br />

para Mari Rosa, fotógrafa e mãe <strong>de</strong><br />

Alice. “Quando a Alice tinha 5 anos fui morar<br />

com amigas que também são mães solo. Acabamos<br />

criando essa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio porque nos<br />

ajuda financeiramente, emocionalmente. Uma<br />

ajuda a outra com os filhos, também, quando<br />

precisamos. Por isso, por enquanto, creio<br />

que a melhor alternativa seja encontrar outras<br />

mães, fazer grupos e uma ajudar a outra”, frisa<br />

Mari. “O sistema ainda é muito injusto com as<br />

mulheres e a socieda<strong>de</strong> muito julgadora, principalmente<br />

com mães. A partir do momento<br />

que quebramos esses padrões, criamos força”,<br />

completa a fotógrafa.<br />

Trazer clareza para o momento da maternida<strong>de</strong><br />

é a aposta da coach Sabrina Wenckstern,<br />

criadora do Materna S/A, uma agência<br />

<strong>de</strong> consultoria para mães que buscam empreen<strong>de</strong>r<br />

e principalmente, se <strong>de</strong>scobrir. “Às vezes<br />

não se sabe o porquê <strong>de</strong> as coisas estarem<br />

como estão. Neste lugar <strong>de</strong> não compreen<strong>de</strong>r,<br />

a mudança não é possível. A primeira questão<br />

é enten<strong>de</strong>r porque equilibrar maternida<strong>de</strong> e trabalho<br />

é tão difícil”, observa Sabrina. Discussões<br />

sobre os impasses que mães solo enfrentam<br />

para criar uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio, além do entendimento<br />

<strong>de</strong> questões salariais também são pautas<br />

da coach para trazer mais oportunida<strong>de</strong>s às<br />

mães que a procuram.


Korean Wave ou Hallyu, “Onda Coreana”<br />

em tradução literal, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido<br />

como o fenômeno que popularizou<br />

a cultura sul-coreana na Ásia e tem<br />

conquistado cada vez mais países do oci<strong>de</strong>nte.<br />

Suas principais bases são: K-pop (abreviação<br />

<strong>de</strong> Korean pop); K-dramas (novelas/séries televisivas);<br />

e o cinema. No entanto, outros produtos<br />

também se propagaram em uma escala<br />

menor, mas que está crescendo gradativamente,<br />

como livros, quadrinhos, games, comidas,<br />

cosméticos, moda e produtos tecnológicos.<br />

Antes <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o K-pop é necessário<br />

conhecer sua origem, que por sua vez se<br />

iniciou com o Trot – ou Teuroteu -, conhecido<br />

como o antecessor do K-pop, surgido por volta<br />

<strong>de</strong> 1900 durante o domínio japonês. O Trot é<br />

proveniente do enka – música tradicional japonesa<br />

– e canções ensinadas aos coreanos por<br />

missionários vindos do oci<strong>de</strong>nte. Tal melodia<br />

ficou conhecida como changga. Hoje o Trot é<br />

tido como um símbolo da música tradicional coreana.<br />

Geralmente se refere ao K-pop como<br />

um gênero musical, porém há diversos grupos<br />

e cantores solos que produzem vários estilos<br />

musicais diferentes, como hip hop, R&B,<br />

rock, pop e jazz. Mesmo sendo comparado ao<br />

pop americano, o K-pop possui características<br />

muito específicas, entre elas: coreografias extremamente<br />

complexas, álbuns bastante conceituais,<br />

Music Vi<strong>de</strong>os super elaborados e também<br />

a constante mudança <strong>de</strong> visual dos Idols<br />

para cada lançamento.<br />

O K-pop é dividido por gerações, estando<br />

hoje na quinta. A cada geração a influência<br />

americana nas músicas e a expansão no mercado<br />

estrangeiro fica maior.<br />

A solista BoA é uma das principais artistas<br />

da SM Entertainment (uma das maiores<br />

agências <strong>de</strong> K-pop) e está em ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

2000, quando lançou seu primeiro single: “ID;<br />

Peace B”. A música, inclusive, apresenta uma<br />

forte influência <strong>de</strong> Britney Spears e Madonna.<br />

A cantora também se <strong>de</strong>stacou bastante no<br />

Japão cantando músicas <strong>de</strong> animes – como<br />

Besi<strong>de</strong> You, Masayume Chasing e Every Heart<br />

dos respectivos animes: Monkey Typhoon,<br />

Fairy Tail e Inuyasha. BoA alcançou um sucesso<br />

tão gran<strong>de</strong> que hoje é chamada <strong>de</strong> “Rainha<br />

do K-pop”.<br />

Além <strong>de</strong> BoA, outros nomes do K-pop<br />

também se tornaram referência na indústria<br />

musical coreana, como H.O.T, Seo Taiji & Boys,<br />

TVXQ e SHINee. Jonghyun, membro do boygroup<br />

SHINee, se tornou uma das maiores<br />

estrelas do K-pop justamente por sua voz e<br />

facilida<strong>de</strong> em alcançar High Notes. Jonghyun<br />

cometeu suicídio em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2017.<br />

CURIOSIDADE<br />

MAYRA CARVALHO DA SILVA<br />

O FENÔMENO<br />

DO K-POP


PELO BRASIL<br />

Em meio a tantas notícias sobre a situação<br />

do meio ambiente, fica difícil<br />

acreditar que exista alguém preocupado<br />

com este fator que se agrava a<br />

cada dia. O que temos visto, são áreas sendo<br />

<strong>de</strong>smatadas na Amazônia, rios poluídos<br />

em todos os cantos do Brasil e do Mundo, e<br />

quando não estão poluídos, estão secando,<br />

<strong>de</strong>saparecendo. Efeitos <strong>de</strong> um aquecimento<br />

global que a cada dia preocupa mais e, ao<br />

mesmo tempo, é <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> lado pela maioria<br />

das pessoas.<br />

O que não se po<strong>de</strong> negar é a coragem,<br />

<strong>de</strong>terminação e preocupação que alguns<br />

<strong>de</strong>monstram com o mundo, pensando<br />

no seu próprio universo, afinal, é assim que<br />

po<strong>de</strong>mos começar a transformar o planeta,<br />

se engajarmos uma mudança em nosso<br />

território. Foi este o pensamento <strong>de</strong> Sheldon<br />

Sobral, estudante da escola Cidadã Integral<br />

Técnica Estadual Erenice Cavalcanti Fi<strong>de</strong>lis,<br />

localizada na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bayeux, em João<br />

Pessoal, na Paraíba.<br />

O jovem que ingressou no curso <strong>de</strong><br />

Mecânica Industrial por acaso, através <strong>de</strong><br />

indicações, se apaixonou pela área e aguçou,<br />

ainda mais, sua preocupação com o<br />

meio ambiente.<br />

Em entrevista a <strong>ComTempo</strong>, Sobral<br />

disse que começou a perceber a dificulda<strong>de</strong><br />

dos pescadores da sua cida<strong>de</strong> em executar a<br />

pesca, com tamanha poluição da água. “Foi<br />

a partir <strong>de</strong>sta situação que iniciei meu projeto,<br />

a criação <strong>de</strong> um ecobarco, on<strong>de</strong> através<br />

da energia do sol, os barcos se movem, sem<br />

precisar <strong>de</strong> combustível. Assim, a poluição<br />

não será reduzida a zero, mas será menor,<br />

e além do mais, os benefícios para os pescadores<br />

são gran<strong>de</strong>s, eles vão gastar menos e,<br />

com isso, ter um rendimento maior”.<br />

A i<strong>de</strong>ia do jovem ren<strong>de</strong>u a ele a participação<br />

na 33ª Mostratec, a maior feira<br />

<strong>de</strong> tecnologia da América Latina, em Novo<br />

Hamburgo, no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, que aconteceu<br />

entre 22 e 27 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018, com<br />

representantes <strong>de</strong> 22 países e <strong>de</strong> todos os<br />

estados brasileiros.<br />

O projeto <strong>de</strong> Sobral, o ‘Ecobarco’ faz<br />

com que o barco com motor elétrico, mova-se<br />

à base da energia solar, que tem por<br />

finalida<strong>de</strong> agregar o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sustentável a partir das energias<br />

renováveis. Para isso, existe a necessida<strong>de</strong><br />

da utilização <strong>de</strong> placas fotovoltaicas como<br />

fonte <strong>de</strong> energia <strong>de</strong> barcos dos pescadores<br />

<strong>de</strong> seu município.<br />

JUVENTUDE<br />

CONSCIENTE<br />

O Rio Sanhauá juntamente com seus<br />

afluentes que banham e margeiam a cida<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> vive o estudante, não é um dos mais<br />

poluídos do Brasil, mas foi a forma que Sobral<br />

encontrou <strong>de</strong> melhorar as precarieda<strong>de</strong>s<br />

ao seu redor, po<strong>de</strong>ndo assim, futuramente,<br />

elevar seu projeto e iniciar uma<br />

batalha do bem para salvar o meio<br />

ambiente.<br />

“Os motores elétricos<br />

apresentam maior durabilida<strong>de</strong><br />

em relação aos mo<strong>de</strong>los<br />

<strong>de</strong> motores que utilizam<br />

combustão, reduzindo assim,<br />

a emissão <strong>de</strong> gases<br />

poluentes na natureza.<br />

Fiquei extremamente<br />

orgulhoso e feliz por ter<br />

conseguido inscrever o<br />

projeto na Mostratec, foi<br />

uma experiência única,<br />

tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer<br />

muitas pessoas, ter<br />

contato com outros projetos<br />

incríveis e agregar ainda mais<br />

conhecimento”.<br />

A feira premiava os quatro<br />

primeiro finalistas, e Sheldon não ficou<br />

entre eles, mas a representação <strong>de</strong> seu estado<br />

na Mostratec, lhe ren<strong>de</strong>u bons elogios<br />

e fi<strong>de</strong>lizou sua apresentação em outra feira<br />

<strong>de</strong> tecnologia, <strong>de</strong>sta vez, no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Norte, on<strong>de</strong> foi aprovado, aplaudido e conseguiu<br />

passe para apresentar seu Ecobarco em<br />

mais uma feira. Esta terceira apresentação<br />

será ainda no primeiro semestre <strong>de</strong> <strong>2019</strong>.<br />

Sobral aproveita, na entrevista, para<br />

agra<strong>de</strong>cer a orientação <strong>de</strong> seu professor<br />

neste projeto: “Tive apoio e confiança do<br />

professor Josemar Me<strong>de</strong>iros da Silva. Ele<br />

empolgou-se com a seleção do projeto para<br />

a feira e esteve comigo no evento”.<br />

A Mostratec apresentou, nesta última<br />

<strong>edição</strong>, 755 projetos. Destes, 420 foram <strong>de</strong><br />

MARCOS PITTA<br />

estudantes do ensino médio e técnico (categoria<br />

da qual Sheldon fez parte), e 335 incluíram-se<br />

na Mostratec Júnior, para alunos do<br />

ensino fundamental.<br />

O estudante enfatizou acreditar<br />

bastante em seu projeto: “Ainda não tive<br />

ninguém interessado em patrocinar ou me<br />

apoiar nesta iniciativa, mas irei batalhar e<br />

estudar muito mais para conseguir melhorar<br />

a vida <strong>de</strong>sses pescadores, não só os da<br />

minha cida<strong>de</strong>, futuramente, quem sabe, <strong>de</strong><br />

todo o Brasil”, finaliza Sobral.


“Nossa Senhora do Cerrado<br />

Protetora dos pe<strong>de</strong>stres<br />

Que atravessam o eixão<br />

Às seis horas da tar<strong>de</strong><br />

Fazei com que eu chegue<br />

são e salvo<br />

Na casa da Noélia<br />

Nonô Nonô Nonô Nononô…”<br />

JOSÉ PIUTTI<br />

DE ROLE PELO<br />

MUNDO COM NOEH


A<br />

partir <strong>de</strong>ste trecho da música Travessia<br />

do Eixão, da banda Legião Urbana,<br />

surgiu o nome da Kombi Noeh,<br />

que passa os dias a rodar o mundo.<br />

Paraguai, Argentina, Chile e Bolívia são alguns<br />

dos <strong>de</strong>stinos traçados por seus donos, Bruno e<br />

Marina Trizolio, que cansados da rotina infeliz <strong>de</strong><br />

muito trabalhar, <strong>de</strong>cidiram <strong>de</strong>dicar a vida explorando<br />

o mundo ao redor.<br />

“Todos os dias a gente acordava, trabalhava<br />

e dormia. Não fazíamos nada que<br />

nos trouxesse paz. Aquilo já não nos completava<br />

e nossos momentos <strong>de</strong> alegria surgiam<br />

apenas quando conseguíamos um dia <strong>de</strong><br />

folga para viajar. Então, pensamos: “por que<br />

sermos felizes um dia no mês se po<strong>de</strong>mos<br />

ser felizes todos os dias?”<br />

Após <strong>de</strong>cidirem que iriam viver o sonho<br />

<strong>de</strong> dar a volta ao mundo, iniciaram as preparações:<br />

O trabalho que os consumia permaneceu,<br />

para que a casa sobre rodas pu<strong>de</strong>sse<br />

tomar forma. Mas antes, ela precisava existir<br />

e, para isso, o casal abriu mão <strong>de</strong> um terreno<br />

recém adquirido, e com a grana em mãos, compraram<br />

a charmosa Noeh.<br />

Optaram por uma Kombi com motor refrigerado<br />

a água para manter a temperatura do<br />

motor mais uniforme e po<strong>de</strong>rem viajar tranquilos.<br />

Com a kombi em mãos, <strong>de</strong>ram o segundo passo:<br />

a documentação. Alteraram o documento <strong>de</strong><br />

nove, para três lugares. Passaram pelo Detran,<br />

Inmetro e cumpriram série <strong>de</strong> burocracias para<br />

não enfrentarem apuros pelo caminho.<br />

Em seguida, foi a vez <strong>de</strong> cuidar da lataria.<br />

Depois <strong>de</strong> bem lavada, iniciaram o isolamento<br />

térmico: os buracos foram tampados com<br />

auxílio <strong>de</strong> cola <strong>de</strong> parabrisa e todo o interior revestido<br />

com manta dupla <strong>de</strong> alumínio, isopor e<br />

espuma expansível <strong>de</strong> poliuretano, para garantir<br />

temperatura agradável durante as viagens. Tudo<br />

foi coberto <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e envernizado, criando<br />

cama e pia com água.<br />

“Fomos construindo-a passo a passo,<br />

com nossas próprias mãos. Começamos pelo<br />

isolamento térmico, <strong>de</strong>pois os móveis, a elétrica,<br />

a hidráulica... Três meses e meio <strong>de</strong> muito<br />

trabalho para dar vida ao nosso sonho. A Noeh<br />

tem quase tudo que precisamos. Tem gela<strong>de</strong>ira,<br />

fogão, armário <strong>de</strong> cozinha, <strong>de</strong>spensa, pia<br />

com água, guarda-roupa e uma <strong>de</strong>liciosa cama<br />

<strong>de</strong> 2 x 1,4 metros ! A única coisa que não temos<br />

é o banheiro. Sempre <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> banheiros<br />

externos.”<br />

Com tudo pronto, partiram para a primeira<br />

aventura, rumo ao litoral <strong>de</strong> São Paulo, em Ubatuba.<br />

De lá, seguiram para o Rio De Janeiro e Minas<br />

Gerais. No total, já percorreram oito estados brasileiros<br />

e cinco países, sem muito planejamento.<br />

“Não temos muitos planos, <strong>de</strong>ixamos acontecer.<br />

Nosso único plano é dar a volta ao mundo. Por<br />

exemplo, estávamos subindo o nor<strong>de</strong>ste rumo ao<br />

norte e quando chegamos na Bahia tivemos uma<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho em São Paulo e logo<br />

mudamos nossos rumos - explicam.<br />

NA ESTRADA<br />

Na nova rotina, percorrem - por dia - cerca<br />

<strong>de</strong> duzentos quilômetros muito bem acompanhados<br />

pela fiel escu<strong>de</strong>ira Lomita, cachorra<br />

do casal, que é levada para passear todos os<br />

dias <strong>de</strong>pois do café da manhã. Após a primeira<br />

refeição do dia, retornam a rota até o momento<br />

mais esperado: almoço, que tem sempre belas<br />

paisagens como palco. Durante a tar<strong>de</strong>, aproveitam<br />

para conhecer a cida<strong>de</strong> que os acolheu,<br />

trabalhar nos ví<strong>de</strong>os que são postados no canal<br />

do youtube, que registra as aventuras do casal,<br />

ou trabalhar com artesanato. Com a chegada<br />

da noite, procuram lugar seguro para dormir e<br />

tomar banho, preparam o jantar e claro - “ agra<strong>de</strong>cemos<br />

por mais um dia!”<br />

Sobre as <strong>de</strong>spesas, Bruno e Marina explicam<br />

ter começado as viagens vivendo com a<br />

renda da venda <strong>de</strong> briga<strong>de</strong>iros, mas hoje, ven<strong>de</strong>m<br />

artesanato. “Hoje, nossa fonte <strong>de</strong> renda é a<br />

venda da nossa arte, que são cortes artísticos reaproveitando<br />

discos <strong>de</strong> vinil. O Bruno é eletricista<br />

e faz parte elétrica <strong>de</strong> motorhomes para ajudar a<br />

custear nossas <strong>de</strong>spesas e sempre que aparece<br />

um bico abraçamos, também.”<br />

Nesses quatro anos <strong>de</strong> aventura e milhares<br />

quilômetros rodados, afirmam não ter um<br />

<strong>de</strong>stino favorito, mas sim, lembranças <strong>de</strong> locais<br />

que os encantaram.<br />

“Argentina nos mostrou lindas<br />

montanhas coloridas e<br />

uma paisagem com cactos<br />

inesquecíveis, o Chile nos<br />

mostrou suas montanhas<br />

com cumes <strong>de</strong> gelo e o <strong>de</strong>serto<br />

do Atacama impressionante,<br />

a Bolívia nos presenteou<br />

com o salar do Uyuni<br />

- maior e mais alto <strong>de</strong>serto <strong>de</strong><br />

sal do mundo -, Curitiba com<br />

seus belos parques, Minas<br />

com suas cachoeiras, povo<br />

gentil e montanhas maravilhosas,<br />

o Rio tem as praias mais<br />

lindas que já vimos, a Bahia não<br />

fica pra trás, no Mato Grosso do<br />

Sul fomos surpreendidos pela<br />

fauna e flora... enfim... não temos<br />

um lugar preferido!”<br />

Com tantas estradas<br />

percorridas, histórias <strong>de</strong> aventuras<br />

enfrentadas pelos dois, não<br />

faltam. “Uma vez que estávamos<br />

subindo as montanhas <strong>de</strong> Cachi na Argentina, e<br />

a kombi quebrou no meio do nada. Felizmente,<br />

tínhamos peças reservas e foi possível resolver<br />

tudo por ali mesmo.” Sobre situações engraçadas,<br />

apontam os banhos que costumam tomar,<br />

como o canequinha atrás <strong>de</strong> posto <strong>de</strong> gasolina<br />

ou <strong>de</strong> bica no beiro <strong>de</strong> uma estrada.<br />

“Conhecer novas pessoas, fazer amiza<strong>de</strong>s,<br />

se abrir para outras culturas e costumes...”<br />

são essas as experiências apontadas<br />

como a melhor parte em viajar o mundo. “Além<br />

do crescimento pessoal, passamos a dar valor<br />

a muitas coisas que antes eram <strong>de</strong>spercebidas<br />

e <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> dar valor a coisas que não<br />

tem necessida<strong>de</strong>.”<br />

Atualmente, o mundo possui 193 países<br />

reconhecidos. A caminhada <strong>de</strong> Bruno e<br />

Mariana será longa, mas o casal <strong>de</strong>ixa claro<br />

que não se arrepen<strong>de</strong>m da escolha que fizeram<br />

e contam que o segredo é aproveitar o<br />

curto tempo <strong>de</strong> vida que temos. “A vida é muito<br />

curta para dispensá-la ao fazer tudo apenas<br />

pelo dinheiro ou pelo conformismo. Nos <strong>de</strong>ixar<br />

levar pelo que a socieda<strong>de</strong> estipula que <strong>de</strong>vemos<br />

fazer ao invés vez <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>ixar levar pelos<br />

nossos sonhos e pelo nosso coração não é<br />

justo. Já tivemos amigos que per<strong>de</strong>ram a vida<br />

tão cedo e não aproveitaram nada... E se fosse<br />

com a gente? Por isso queremos aproveitar<br />

o presente, porque não sabemos até quando<br />

estaremos nessa vida.”


De acordo com o dicionário artista é<br />

“aquele que cultiva as belas-artes, que<br />

tem habilida<strong>de</strong> ou vocação artística”<br />

para Amanda Sabioni sua história com<br />

a dança é sua história <strong>de</strong> vida, começou a dançar<br />

quando tinha três anos e hoje formada em<br />

bacharelado e licenciatura em dança pela Unicamp,<br />

seu amor à arte se tornou seu trabalho e<br />

profissão. “Eu via a dança como ativida<strong>de</strong> física,<br />

quando comecei enxergar como um hobbie e<br />

uma arte e fiz vários outros tipos <strong>de</strong> dança além<br />

do ballet clássico, comecei a me aproximar ainda<br />

mais <strong>de</strong>sse universo” conta Amanda.<br />

“Viver da arte não é fácil mas nas pequenas<br />

chances eu <strong>de</strong>ixo o que estu<strong>de</strong>i e o que eu<br />

acredito”. Apesar <strong>de</strong> sempre ter uma relação<br />

próxima à arte a dançarina resolveu prestar<br />

vestibular para medicina e para isso teve que<br />

abrir mão da dança totalmente e se <strong>de</strong>dicar aos<br />

estudos e foi uma das fazes mais difíceis pois<br />

ao <strong>de</strong>ixar sua rotina <strong>de</strong> dar e ter aulas na aca<strong>de</strong>mia<br />

<strong>de</strong> dança o dia todo ela abriu mão <strong>de</strong><br />

uma parte <strong>de</strong> si, “abrir mão me fez ter certeza<br />

da minha relação com a dança, foram os seis<br />

meses mais difíceis porque não era falta <strong>de</strong> me<br />

movimentar, era falta <strong>de</strong> dançar <strong>de</strong> ser eu” e<br />

a partir <strong>de</strong>sse momento ela <strong>de</strong>cidiu mudar <strong>de</strong><br />

rumo e prestou vestibular para dança.<br />

Amanda conta que uma das maiores dificulda<strong>de</strong>s<br />

da sua trajetória foi “se aceitar artista”<br />

por conta <strong>de</strong> todo o preconceito e <strong>de</strong>svalorização<br />

da arte no país e a dificulda<strong>de</strong> das pessoas<br />

em enten<strong>de</strong>r que a dança além da arte, e é uma<br />

área do conhecimento e uma profissão, que vai<br />

além do ballet, jazz e do sapateado.<br />

“Hoje eu consigo ver a dança no mercado<br />

<strong>de</strong> trabalho, eu sei que a minha profissão<br />

é artista, viver da arte não é fácil mas nas pequenas<br />

chances eu <strong>de</strong>ixo o que estu<strong>de</strong>i e o<br />

que eu acredito”<br />

CULTURA<br />

PERSONA<br />

PROFISSÃO:<br />

ARTISTA<br />

ANA CAROLINA JANUÁRIO<br />

O OUTRO LADO DOS PALCOS<br />

Para Maria Fernanda Rezen<strong>de</strong> viver<br />

da arte não foi uma opção, hoje cursando psicologia<br />

ela conta que o mundo dos atores não<br />

é para todos “é um meio muito competitivo,<br />

com muita gente jogando sujo para conseguir<br />

crescer, tem gente que te ajuda e te põe pra<br />

cima mas a maioria vai competir e fazer coisas<br />

como dar em cima <strong>de</strong> professores e diretores<br />

para conseguir papéis por exemplo”<br />

No ensino médio por indicação <strong>de</strong> professores<br />

Maria Fernanda começou a fazer aulas<br />

<strong>de</strong> teatro e ao pisar no palco pela primeira<br />

vez sentiu que ali era seu lugar, quando <strong>de</strong>cidiu<br />

que realmente queria levar a paixão pela<br />

arte para frente ela optou pela conceituada<br />

Escola <strong>de</strong> Atores Wolf Maya, em São Paulo,<br />

criada pelo diretor e ator Walfredo “Wolf” Campos<br />

Maya Júnior, on<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>u sobre teatro,<br />

técnicas <strong>de</strong> atuação e postura <strong>de</strong> palco com<br />

enfoque maior em cinema e televisão.<br />

“Vida <strong>de</strong> artista é muito difícil, é necessário<br />

muito estudo, <strong>de</strong>dicação e abrir mão <strong>de</strong><br />

coisas importantes para conseguir ter o mínimo<br />

<strong>de</strong> sucesso”<br />

“Vida <strong>de</strong> artista é muito difícil, é necessário<br />

muito estudo, <strong>de</strong>dicação e abrir mão <strong>de</strong><br />

coisas importantes para conseguir ter o mínimo<br />

<strong>de</strong> sucesso, houve vezes que eu <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong><br />

ir ver minha família para participar <strong>de</strong> testes<br />

em que não fui chamada ou peguei um papel<br />

que pagava absurdamente mal” relata Maria<br />

Fernanda, que conta ainda que tiveram testes<br />

em que o diretor chegou a humilha-la em frente<br />

à outros atores, que sempre foi necessário<br />

ser forte para passar por tudo.<br />

A estudante diz que após passar na<br />

faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> psicologia ela ainda tentou conciliar,<br />

mas ser atriz exigia uma <strong>de</strong>dicação em<br />

tempo integral e por fim optou por trancar o<br />

curso na Escola <strong>de</strong> Atores e investir no futuro<br />

como psicóloga.<br />

A i<strong>de</strong>ia do belo está em tudo que nos<br />

ro<strong>de</strong>ia, inclusive no próprio processo do fazer<br />

artístico e seu estudo e cabe aos artistas<br />

transmitir essa beleza mas para isso é preciso<br />

enfrentar o sistema <strong>de</strong> ensino que suprime<br />

a criativida<strong>de</strong> cada dia mais, o preconceito e<br />

as barreiras financeiras que são colocadas<br />

no caminho <strong>de</strong> cada um e como disse George<br />

Santayana “Um artista é um sonhador que<br />

consente em sonhar o mundo real.”


PERSONA<br />

HISTÓRIA,<br />

UM PROPÓSITO<br />

KIMBERLY SOUZA<br />

Nainôra Freitas atravessa<br />

horizontes e dificulda<strong>de</strong>s<br />

pelo que ama.<br />

Hoje ela sonha ainda<br />

mais alto e serve como<br />

espelho para <strong>de</strong>zenas<br />

<strong>de</strong> alunos.


A<br />

História sempre lhe foi um objetivo<br />

muito bem <strong>de</strong>finido, uma forma <strong>de</strong><br />

alcançar lugares on<strong>de</strong> poucos têm<br />

acesso e também <strong>de</strong> se conectar<br />

com sua verda<strong>de</strong>ira essência e seus interesses,<br />

como a religião e a gastronomia.<br />

Ainda envolvida nas reflexões sobre o<br />

valor da memória, a terceira <strong>edição</strong> da Com-<br />

Tempo traz a história Nainôra Freitas, historiadora,<br />

pesquisadora e uma apaixonada por tudo<br />

o que a <strong>de</strong>safia.<br />

Des<strong>de</strong> a infância, passando por momentos<br />

trágicos até chegar aos dias <strong>de</strong> hoje,<br />

ela conta sobre a sua vida entrelaçada à profissão<br />

e traz sua perspectiva sobre pautas da atualida<strong>de</strong>.<br />

Não só um banho <strong>de</strong> conhecimento, a<br />

primeira personagem <strong>de</strong> <strong>2019</strong> nos brinda com<br />

muita inspiração.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Conte um<br />

pouco sobre sua vida:<br />

ida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> nasceu, on<strong>de</strong><br />

vive, sobre sua família e<br />

como foi sua infância.<br />

Nainôra: Nasci e cresci na<br />

pequena cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Patrocínio<br />

Paulista, vizinha <strong>de</strong> Franca<br />

mas ao lado <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

Minha família era pequena e<br />

sou a mais nova, irmã <strong>de</strong> gêmeas<br />

Maria Célia (já falecida)<br />

e Maria Cecilia. Cresci num lar<br />

cercado <strong>de</strong> amor pelos meus<br />

pais José e Romilda que foram<br />

casados por 32 anos até a<br />

morte <strong>de</strong> minha mãe. Tudo na<br />

minha infância remete a brinca<strong>de</strong>iras<br />

<strong>de</strong> rua, férias na fazenda<br />

(maior prazer era andar a cavalo),<br />

bem como recordo com<br />

carinho dos prazeres da boa<br />

mesa (comida caipira). Comecei<br />

a ler muito cedo por incentivo<br />

<strong>de</strong> minha mãe Na minha<br />

casa tinha jornais e revistas<br />

que meus pais assinavam e<br />

frequentei assiduamente as bibliotecas<br />

das escolas por on<strong>de</strong><br />

passei. Estu<strong>de</strong>i até o colegial<br />

na minha cida<strong>de</strong> em escola<br />

pública. Durante o ensino fundamental<br />

uma <strong>de</strong> minhas professoras<br />

<strong>de</strong> literatura incentivou<br />

muito a leitura <strong>de</strong> livros clássicos<br />

nacionais e estrangeiros,<br />

foi quando fiquei conhecendo<br />

ainda mais sobre autores como<br />

Gabriel Garcia Marques, Jorge<br />

Luis Borges e outros.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como e quando se <strong>de</strong>parou<br />

com a história?<br />

Nainôra: A opção por História foi simples: queria<br />

ser professora e <strong>de</strong> História. Amava compreen<strong>de</strong>r<br />

socieda<strong>de</strong>s distintas e distantes no tempo e<br />

no espaço. Estu<strong>de</strong>i História na Unesp <strong>de</strong> Franca<br />

viajando todos os dias para estudar no período<br />

noturno. Quando escolhi História já era apaixonada<br />

por museus, por tudo que se refere a memória<br />

e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Queria ser professora, era<br />

mais do que uma meta, representava um modo<br />

<strong>de</strong> vida. Sonhava em pesquisar, estudar paleografia<br />

para ler documentos antigos e acima <strong>de</strong><br />

tudo ficava fascinada com a história dos países<br />

vizinhos dos quais pouco conhecia, mas achava<br />

que as pirâmi<strong>de</strong>s do México e a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Machu<br />

Picchu mais interessante que o Egito.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual disciplina mais lhe<br />

atraía e qual menos gostava?<br />

Nainôra: História da América e História do Brasil<br />

eram disciplinas que fascinava, outras como<br />

Teoria da História <strong>de</strong>spertaram para outros padrões<br />

<strong>de</strong> relações entre teoria e prática. Como<br />

fui bolsista <strong>de</strong> iniciação científica a pesquisa passou<br />

a fazer parte <strong>de</strong> minha vida acadêmica <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a graduação. Durante a graduação participei<br />

<strong>de</strong> um projeto com a profa. Hay<strong>de</strong>e Marquaiafave<br />

Pugliesi que possibilitou fazer pesquisa nos<br />

gran<strong>de</strong>s arquivos brasileiros como Arquivo Nacional<br />

e Biblioteca Nacional no Rio <strong>de</strong> Janeiro e<br />

em arquivos dos estados <strong>de</strong> Minas Gerais, São<br />

Paulo e Mato Grosso. Foi um mergulho na pesquisa<br />

e uma paixão que segue até os dias atuais,<br />

o trabalho <strong>de</strong> campo do historiador.<br />

ComTemo: E <strong>de</strong>pois da<br />

faculda<strong>de</strong>, qual caminho<br />

seguiu?<br />

Nainôra: Participando <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa como estudante<br />

da graduação conheci uma<br />

documentação que mudou a<br />

minha vida. No arquivo eclesiástico<br />

da Arquidiocese <strong>de</strong> Mariana<br />

pela primeira vez entrei<br />

em contato com documentos<br />

proce<strong>de</strong>ntes das irmanda<strong>de</strong>s<br />

leigas que funcionavam nas<br />

igrejas <strong>de</strong> Minas Gerais: livros<br />

<strong>de</strong> Compromisso, Livros <strong>de</strong><br />

Entrada <strong>de</strong> Irmãos, Livros <strong>de</strong><br />

Receita e Despesa... Havia<br />

irmanda<strong>de</strong>s para brancos e<br />

negros, para ricos e pobres, irmanda<strong>de</strong>s<br />

donas <strong>de</strong> ricas igrejas<br />

e outras estabelecidas em<br />

altares laterais <strong>de</strong>ntro das igrejas.<br />

Esse universo me levou a<br />

pesquisar não só Igreja católica,<br />

mas religião e a relação<br />

com as pessoas e suas crenças.<br />

O passo seguinte foi que<br />

terminei a graduação em História,<br />

colando grau em <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 1985, prestei a prova<br />

<strong>de</strong> mestrado no mês <strong>de</strong> <strong>janeiro</strong><br />

1986 e em fevereiro estava<br />

cursando a pós graduação em<br />

História e passei oficialmente<br />

a pesquisar escravidão africana<br />

e irmanda<strong>de</strong>s religiosas laicas<br />

<strong>de</strong> Mariana, Minas Gerais.<br />

No meio do mestrado minha<br />

mãe faleceu, meu orientador<br />

pediu <strong>de</strong>missão, pensei em<br />

largar tudo e fazer Agronomia.


Tenho uma ligação visceral com a terra. Mas,<br />

como tudo tem um propósito na vida, fiquei com<br />

a História.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual sua relação pessoal<br />

e profissional com a religião? Por que<br />

<strong>de</strong>cidiu estuda-la?<br />

Nainôra: Mais <strong>de</strong> uma após a morte <strong>de</strong> minha<br />

mãe, vim trabalhar em Ribeirão Preto, on<strong>de</strong><br />

moro até hoje. Passei a lecionar no período noturno<br />

no curso <strong>de</strong> História na Faculda<strong>de</strong> Barão<br />

<strong>de</strong> Mauá. Ao mesmo tempo, a convite <strong>de</strong> uma<br />

amiga, levei meu currículo para uma escola <strong>de</strong><br />

Filosofia da Arquidiocese <strong>de</strong> Ribeirão Preto on<strong>de</strong><br />

passei a lecionar no curso preparatório para seminaristas<br />

pela manhã. Nesta escola soube por<br />

um colega <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong> verão <strong>de</strong> História da<br />

Igreja no Brasil. Em <strong>janeiro</strong> <strong>de</strong> 1989 fiz este curso<br />

em São Paulo que possibilitou mergulhar um<br />

pouco mais <strong>de</strong>ntro das questões que trabalhava<br />

no mestrado. Durante o curso soube que haveria<br />

um outro curso maior na cida<strong>de</strong> do México no<br />

ano seguinte e resolvi me inscrever. Meu pai <strong>de</strong>u<br />

todo o apoio possível e em 1990 tirei um afastamento<br />

na Barão <strong>de</strong> Mauá, o outro curso havia<br />

fechado e transferido os alunos para outra escola,<br />

tranquei o mestrado e passei o segundo<br />

semestre morando na cida<strong>de</strong> do México, junto<br />

com pessoas <strong>de</strong> 13 países, local em que fiz um<br />

mergulho profundo nas questões da América<br />

Latina e das igrejas católica e protestante, bem<br />

como estudando cultos afro-indígena na América<br />

latina. Antes <strong>de</strong> iniciar o curso, passei um<br />

mês junto com três outros amigos viajando <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Costa<br />

Rica até chegar ao México on<strong>de</strong> íamos estudar.<br />

Foi um caminho sem volta <strong>de</strong> paixão pelos vizinhos<br />

cuja história, cultura, comida, entre outros<br />

aspectos são fascinantes.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como foi o processo <strong>de</strong><br />

Mestrado e Doutorado? O que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u<br />

em suas teses?<br />

Nainôra: No retorno ao Brasil em 1991 terminei<br />

o mestrado cuja dissertação teve por título: “O<br />

Rosário <strong>de</strong> Mariana e suas irmanda<strong>de</strong>s: segunda<br />

meta<strong>de</strong> do século XVIII”. Não havia internet<br />

e conhecimento se adquiria na biblioteca por<br />

meio dos livros e era lá meu lugar predileto. Um<br />

mundo a ser <strong>de</strong>sbravado. Entre o mestrado e o<br />

doutorado foram quase 10 anos, a escolha do<br />

doutorado foi uma surpresa. O projeto inicial era<br />

a respeito dos jesuítas, mas, como trabalhava<br />

com História da Igreja na arquidiocese <strong>de</strong> Ribeirão<br />

Preto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000, cada vez mais me instigava<br />

conhecer o processo <strong>de</strong> criação da diocese.<br />

A pesquisa me levou a vários arquivos em São<br />

Paulo, Curitiba e na região <strong>de</strong> Ribeirão Preto,<br />

mas foi a experiência <strong>de</strong> pesquisar no Arquivo<br />

Secreto do Vaticano, no coração <strong>de</strong> Roma, que<br />

trouxe uma documentação inédita a respeito da<br />

História da Igreja Paulista. Para um pesquisador<br />

isso não tem preço.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Quais foram os <strong>de</strong>safios<br />

nesta caminhada?<br />

Nainôra: Os <strong>de</strong>safios foram muitos, o primeiro<br />

<strong>de</strong>les: dinheiro para os <strong>de</strong>slocamentos em arquivos<br />

regionais e <strong>de</strong> outros estados. Por isso<br />

trabalhei durante todo o tempo em que escrevi a<br />

tese. A bolsa <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> uma instituição alemã<br />

chamada Adveniat trouxe o dinheiro necessário<br />

para a estadia europeia. Outros obstáculos<br />

também foram superados como as dificulda<strong>de</strong>s<br />

com a língua, já que tinha contato com documentos<br />

manuscritos em italiano e latim. A tese<br />

foi <strong>de</strong>fendida em 2006 na Unesp <strong>de</strong> Franca com<br />

o título: “A criação da diocese <strong>de</strong> Ribeirão Preto<br />

e o governo do primeiro bispo D. Alberto José<br />

Gonçalves”.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Nos seus anos <strong>de</strong> carreira,<br />

o que apren<strong>de</strong>u <strong>de</strong> mais marcante<br />

sobre a religião?<br />

Nainôra: Ao longo dos anos <strong>de</strong>dicados a pesquisar<br />

religião fui <strong>de</strong>spertando cada vez mais<br />

para uma palavra que entre os católicos vinha<br />

do Concílio Vaticano II: ecumenismo. Após o<br />

doutorado, meu olhar foi ampliando para outras<br />

facetas da pesquisa em áreas que esbarram<br />

nas crenças mas voltadas para o patrimônio<br />

cultural e mais recentemente para a<br />

comida. A cultura como modo <strong>de</strong> vida passou<br />

a ser parte das pesquisas e, mais recentemente<br />

voltadas para a comida.<br />

<strong>ComTempo</strong>: O que a incentivou a seguir<br />

a carreira <strong>de</strong> docente? On<strong>de</strong> ministra<br />

aulas atualmente e por on<strong>de</strong> já<br />

passou enquanto professora?<br />

Nainòra: Fui professora <strong>de</strong> escolas públicas<br />

em Patrocínio Paulista, Itirapuã e Ribeirão<br />

Preto, ministrando aulas no ensino médio e<br />

fundamental. Leciono no Centro Universitário<br />

Barão <strong>de</strong> Mauá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988 e no CEARP<br />

(Centro <strong>de</strong> Estudos da Arquidiocese <strong>de</strong> Ribeirão<br />

Preto) voltei a lecionar coma reabertura<br />

da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia em 1995. Em 2000<br />

passei a lecionar História da Igreja no curso<br />

<strong>de</strong> Teologia sendo a única mulher neste cago.<br />

Nestes dois locais leciono atualmente diferentes<br />

disciplinas na área da História.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual sua opinião sobre a<br />

<strong>de</strong>svalorização do professor?<br />

Nainôra: Quando penso nas décadas <strong>de</strong> professora<br />

e nos muitos alunos que tive só tenho<br />

uma recomendação: não tenha medo <strong>de</strong> fazer<br />

um mergulho profundo e se entregar para a<br />

docência. Existe uma <strong>de</strong>svalorização gran<strong>de</strong><br />

do profissional e um <strong>de</strong>sconhecimento da história,<br />

da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, da memória que é parte<br />

constitutiva da nossa história, do nosso cotidiano,<br />

saberes, fazeres. Esse <strong>de</strong>sconhecimento,<br />

indiferença, preconceito <strong>de</strong> dizer que<br />

história e museu são velharias representam<br />

uma ignorância da população brasileira a respeito<br />

do que é próprio da nossa cultura, da<br />

raiz, da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> formativa da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

cada cidadão.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual o valor da memória?<br />

Nainôra: A memória, o patrimônio está em<br />

sua maioria <strong>de</strong>svalorizados, abandonados<br />

às traças neste país. A cultura como modo<br />

<strong>de</strong> vida po<strong>de</strong> inclusive impulsionar a economia,<br />

basta olhar para vários outros lugares<br />

do mundo que vive <strong>de</strong> seu patrimônio cultural<br />

e o povo tem um profundo respeito e<br />

consciência da importância do patrimônio.<br />

No Brasil valorizamos muito o que vem <strong>de</strong><br />

fora e o que é genuíno nosso fica em segundo<br />

ou terceiro plano. Brasileiro tem o<br />

que chamo <strong>de</strong> memória curta. Acredito que<br />

precisamos <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong> gestão<br />

a<strong>de</strong>quadas que somadas a processos educativos<br />

po<strong>de</strong>m melhorar a preservação da<br />

memória e do patrimônio cultural.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Indique um livro e uma<br />

música.<br />

Nainôra: Quando tenho que optar por um livro<br />

é difícil, segue dois: Gran<strong>de</strong> Sertão Veredas,<br />

do Guimarães Rosa; r Cem anos <strong>de</strong> Solidão,<br />

do Gabriel Garcia Marques. Uma música, ah!!<br />

tem várias: Romaria, do Renato Teixeira e Volver<br />

a Los 17, da Merce<strong>de</strong>s Sosa.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual seu sonho e seus<br />

planos para seu futuro profissional e<br />

pessoal?<br />

Nainôra: Sempre um pé aqui e outro nos vizinhos.<br />

Fazer o que é uma paixão assim como<br />

os cavalos. Meu sonho: viver em uma socieda<strong>de</strong><br />

justa, humana para todos, limpa e que<br />

todas as pessoas tenham acesso a educação,<br />

saú<strong>de</strong>, moradia, lazer. Vida plena para todos.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Deixe um recado para os<br />

leitores que pensam em seguir a carreira<br />

da História.<br />

Nainôra: Se você que ser professor <strong>de</strong> História,<br />

acredite em seu trabalho e na preservação<br />

da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, da memória que é parte constitutiva<br />

da história. Eu tenho um sonho: que as<br />

pessoas possam viver em paz em suas comunida<strong>de</strong>s,<br />

paz interna e paz externa.

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