• Naíma Saleh
Atualizado em
Menino x menina (Foto: Thinkstock)

Menino x menina (Foto: Thinkstock)

A campanha da CRESCER #começacedo destaca algumas frases que dizemos às crianças sem pensar no quanto elas podem contribuir para reforçar estereótipos de gênero. “Menino não chora”. “Você se comporta como uma menininha”. São discursos que podem até parecer inocentes, mas não são. Repetidos ao longo da vida, eles reforçam posições e papéis que  prejudicam crianças de ambos os gêneros. Meninos não têm obrigação de ser fortes. Assim como meninas não precisam ser belas para serem aceitas, e nem são mais frágeis do que eles. 

“Esses esquemas iniciais de criação vão marcando a matriz de comportamento da criança, que é o que vai determinar seu modo de agir na vida adulta”, explica a psicopedagoga Quézia Bombonatto, diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). Para ela, o problema desses discursos está na desqualificação do outro: “As diferenças entre meninos e meninas existem, cada gênero tem as suas especificidades e não há nada de errado com isso. O problema está em usar essa diferença para impor valor: colocar um como certo e outro como errado, um como melhor e outro como pior”, explica.

Para Dalka Chaves de Almeida Ferrari, coordenadora do Centro de Referência às Vítimas de Violência do Instituto Sedes Sapientiae (SP), nossa cultura foi construída com base em um legado que carrega muitos preconceitos. “A cultura do feminino/masculino acabava sendo planejada e implantada: o culto das donzelas alimentou a ideia de que a menina teria poucos conteúdos a serem aprimorados internamente, como se a mulher só precisasse ser bonita. Essas ideias ficaram impregnadas no imaginário coletivo e continuam passando de geração para geração, fortalecendo o pensamento de que o homem tem que ser o dominador, aquele que bota as coisas para funcionar. Enquanto isso, o papel da mulher é ser linda, como um enfeite. Sem mandar, sem ter um destaque social importante”, completa.

Veja algumas frases que você não deveria dizer ao seu filho/filha e por quê:

"Meninos brigam mesmo"


Uma típica frase que reforça a agressividade masculina. “Dizer isso autoriza o menino a ser briguento, agressivo. Isso, quando os pais não dizem também: ‘Não volta chorando para casa, senão você apanha mais ainda’”, explica Quézia. Se ainda assim você pensar que não tem nada demais, tente inverter o discurso: você se imagina dizendo à sua filha que “Meninas brigam mesmo”? Que podem agredir fisicamente umas às outras? “Para as meninas é o contrário: ser uma ‘Mônica’ que sai dando coelhadas nos outros não pode”, completa a psicopedagoga.  Em longo prazo, esse estímulo da agressividade nos meninos pode fazê-los acreditar que têm o direito, sim, de agredir outras pessoas. “A gente vê rapazes batendo em namoradas e achando que está certo, porque elas merecem apanhar. Com frequência pensamos que a violência doméstica está limitada a situações de pobreza, mas há muitos episódios em classes mais abastadas”, completa.

“Esse menino vai ser um pegador"


Há um bocado de variáveis dessa frase como “Esse vai ser um terror”, “Vai dar trabalho”, “Vai ser um garanhão”. Todas elas reforçam duas ideias erradas: a primeira é de que a mulher deve ser tradada como um objeto, algo a ser “pegado” ou conquistado e que deve se submeter à vontade masculina.  A segunda é que isso põe em xeque a própria sexualidade do menino. “É o mesmo que dizer: se ele não pegar todas, ele não é homem. Muitas vezes, o menino acha que não está dando conta do que se espera dele e pode começar a questionar sua própria sexualidade, achando que está frustrando a expectativa dos pais”, completa Quézia.

“Você tem que se comportar como uma mocinha”


"Senta direito", "Cuidado com o vestido", "Vai sujar a roupa!", "Parece um moleque"... Atire o primeiro frufru quem nunca disse nenhuma frase desse tipo a uma menina. “Tudo o que tolhe a espontaneidade interfere na forma que a criança quer se mostrar e ser”, explica Dalka.  Enquanto o menino é encorajado a ser um desbravador, um pegador, a menina tem que ser contida, se sentar como uma mocinha, ser uma perfeita dama. “Na cultura machista, a menina é assexuada. Ela não é estimulada a fazer essas conquistas. Ela não pode explorar o seu próprio corpo e o ambiente como os meninos”, ressalta Quézia. Além de fazer com que elas se sintam reprimidas, esse discurso também pode prejudicar a maneira como exploram o mundo e se desenvolvem – como é que a menina vai brincar e se movimentar se está preocupada em não sujar a roupa? Além disso, crianças são crianças. Moças são meninas já crescidas. Pedir para a sua filha “se comportar como uma moça” pode trazer certa confusão, inspirando a ideia de que é preciso agir como uma menina mais velha do que ela é. E por que apressar as coisas?

"Você está correndo como uma menininha"


Ao mesmo tempo em se desqualifica a corrida de menina, esse discurso dá a ideia de que o menino não está sendo “macho o suficiente”. O que é correr como uma menina, afinal? Em uma frase como essa, fica claro que correr como menina é pior do que correr como um menino. E é dessa comparação que surge a atribuição de valor: as meninas são colocadas em uma posição inferior. “Se eu falo que a corrida do menino tem que ser mais veloz do que a menina, eu o faço forte e a faço fraca”, explica Quézia.

"Para de chorar feito uma menina"

"Alguns pais têm receio de que o filho não seja tão viril. É como se o homem nunca pudesse demonstrar fragilidade ao mesmo tempo em que a menina é julgada fraca por ser frágil", explica Quézia. Não há absolutamente nada de errado em chorar. Tristeza, raiva, medo são sentimentos comuns a homens e mulheres, meninos e meninas, porque são sentimentos humanos.

"Mamãe te ama porque você é linda"


Quem não gosta de receber elogios? Faz bem para o ego e, principalmente para as crianças, ajuda a construir a autoestima. Qual é o problema com essa frase então? Nada. Desde que você deixe claro para a sua filha que ser bonita não é o mais importante. Quando vemos uma bebê ou uma menina pequena e tentamos começar uma interação, a primeira frase que vem aos lábios é: “Como você é linda” ou “Que bonita a sua roupa” ou “Nossa, você parece uma princesa”. Enquanto isso, os comentários para os meninos não ficam limitados à aparência. “Eu posso elogiar uma menina por ser simpática, educada, criativa. Quando a beleza vem em primeiro lugar, cria-se a impressão que a menina tem ser sempre bela e desconsideramos outras capacidades e interesses”, explica Dalka.

“Esse brinquedo não é de menina”


Ou o contrário. Quem disse que meninos não podem brincar de casinha? Ou que meninas não podem preferir carrinhos a bonecas? "Quando eu coloco que isso é tarefa de menino e aquilo é tarefa de menina, estou limitando as possibilidades. Até 3 anos de idade, as crianças não sabem as diferenças reais entre menino e menina, a não ser por estereótipos", explica Quézia. Vale lembrar também que as brincadeiras são um ensaio para a vida adulta. Um menino que brinca de boneca nada mais faz do que exercitar seu futuro papel de pai. E isso não tem nada a ver com a sua orientação sexual.

"Tinha que ser mulher"

Estacionou mal? Tinha que ser mulher.  Pessoas erram porque são humanas. E isso não tem nada a ver com o gênero com o qual se identificam. Mais uma vez, é um discurso que atribui valor e que coloca a mulher em uma posição desvalorizada. Como você acha que uma frase dessas vai contribuir com a autoestima da sua filha?

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