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Jornalismo Alternativo: conceito atual, ambiência digital e a busca da cidadania comunicativa Trabalho apresentado no II Seminário de Jornalismo e Cidadania na Hipermídia, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa – PR. Outubro, 2015. BONA, Nivea Canalli Doutora em Comunicação Social, Integrante dos grupos de pesquisa Jornalismo Alternativo Digital, Comuni e Processocom. bonanivea@gmail.com CARVALHO, Guilherme Gonçalves Doutor, coordenador do curso de Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter e coordenador do grupo de pesquisa Jornalismo Alternativo Digital. Resumo: O trabalho traz investigações bibliográficas a partir de discussões sobre o conceito de jornalismo alternativo, comunicação alternativa, popular e comunitária a partir de um viés histórico, propondo que o momento exige que se abandone a visão dual em que o alternativo entendia-se como um contraponto à ordem hegemônica tanto de combate a um governo quanto à somente a concentração dos veículos de comunicação de massa. Aponta, ainda, dois outros conceitos da atualidade para se propor uma conceituação do jornalismo alternativo na atualidade: a transformação de uma sociedade centrada nos meios para uma sociedade midiatizada e a construção da cidadania comunicativa. Frente a essas novas formas de organização e luta, o jornalismo alternativo pode ser desafiado a se posicionar de maneira diferenciada do que era feito há décadas. Palavras-chave: jornalismo alternativo, cidadania comunicativa, sociedade midiatizada. Introdução O jornalismo alternativo no Brasil, hoje, está com o seu conceito estabelecido entre dois vértices conceituais: no passado era feito dos processos combativos de uma época de regime totalitarista no âmbito político-social e de concentração da propriedade midiática, no âmbito econômico. Hoje, é parte de uma sociedade midiatizada onde a internet desponta como possível saída para a democratização da comunicação movida pela exigência de cidadania comunicativa por parte de vários grupos sociais. Sem ditadura, com ainda concentração da mídia em poucas mãos, mas com um contexto em que as possibilidades de posicionamento se multiplicam, é necessário rever esse conceito e tentar encontrar o que é o Jornalismo Alternativo em um mundo globalizado, em relações mundializadas e com a presença da grande rede. O trabalho aqui apresentado é uma proposta de reflexão sobre os conceitos de Jornalismo Alternativo em uma época dual e a evolução, ou possibilidade de construção, de um conceito em vistas de uma sociedade midiatizada em que a internet se torna ambiência central para a difusão das mais variadas vozes. Inclui-se nessa proposta o papel do jornalismo alternativo como estimulador de uma cidadania específica, a comunicativa. A reflexão aqui apresentada se deu por meio de estudo bibliográfico, essencialmente, resultante das investigações realizadas no projeto de pesquisa Jornalismo Alternativo na Era Digital, do grupo de pesquisa Comunicação, Tecnologia e Sociedade, do Centro Universitário Internacional (Uninter). Trata-se de um trabalho ainda em desenvolvimento que conta com a participação de estudantes de graduação (bolsistas e voluntários) e um mestrando. Campos de disputa: o conceito de alternativo O conceito de alternativo (comunicação alternativa, mídia alternativa e jornalismo alternativo) (ATTON, 2002; RODRIGUEZ, 2006) teve como paralelo de estudos, pesquisas e teorizações muitos outros conceitos que ligavam esses fazeres comunicacionais, informacionais e jornalísticos à comunicação popular, comunitária (PERUZZO, 2008), ou radical (DOWNING, 2002). O fazer jornalismo de maneira alternativa parecia, na década de 1970 e 1980, dentro de um escopo contextual latino-americano de dualidades de poderes, muito bem definido. A imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente compulsivas: o desejo das esquerdas de protagonizar as transformações que propunham e a busca, por jornalistas e intelectuais, de espaços alternativos à grande imprensa e à universidade. É na dupla oposição ao sistema representado pelo regime militar e às limitações à produção intelectual jornalística sob o autoritarismo que se encontra o nexo dessa articulação entre jornalistas, intelectuais e ativistas políticos. Compartilhavam, em grande parte, um mesmo imaginário social, ou seja, um mesmo conjunto de crenças, significações e desejos, alguns conscientes e até expressos na forma de uma ideologia, outros ocultos, na forma de um inconsciente coletivo. (KUCINSKI, 2001, p.6) Assim o Jornalismo Alternativo detinha um papel de contraponto a um sistema de governo, de país, de organização social, de ideologia hegemônica. Em contraste com a complacência da grande imprensa para com a ditadura militar, os jornais alternativos cobravam com veemência a restauração da democracia e do respeito aos direitos humanos e faziam a crítica do modelo econômico. Inclusive nos anos de seu aparente sucesso, durante o chamado “milagre econômico”, de 1968 a 1973. Destoavam, assim, do discurso triunfalista do governo ecoado pela grande imprensa, gerando todo um discurso alternativo. Opunham-se por princípio ao discurso oficial. (KUCINSKI, 2001, p.5) Ainda na década de 1980, Grinberg (1987, p. 19), apontava um protocolo de definição do que poderia ser uma possibilidade comunicativa (nem sempre jornalismo) alternativa. Para ele, o conceito apontava a necessidade de outras opções num sistema que mantinha uma estrutura unidirecional dos meios incluindo aí o regime de propriedade e controle desses mesmos meios. Confirmando essa concentração dos meios em poucas mãos no Brasil, estudo publicado em 2005 por Biz e Guareschi mostra que o acesso democrático à produção nos meios de comunicação de massa continuava ínfimo. Levantamento exclusivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) revela que seis das principais redes privadas nacionais (Globo, SBT, Record, Bandeirantes, Rede TV!, CNT) estão vinculadas entre canais próprios e afiliadas, que representam 263 das 332 emissoras brasileiras de TV. Pelos dados do Ministério das Comunicações, duas destas redes exorbitam o número de emissoras próprias permitidas pela lei (e-Fórum 56, 2005). (BIZ; GUARESCHI, 2005b, p. 84) Dessa maneira, o alternativo nasceu como uma opção para contrapor uma dominação por parte de um grupo em detrimento de outro. Essa “dominação” possui vertentes diferenciadas dependendo do contexto sócio-cultural-econômico de cada país. É possível acreditar que o alternativo (comunicação, mídia, jornalismo) teve terreno mais fértil para se desenvolver nos países da América Latina que sofreram com as ditaduras em décadas diversas. Mas para Grinberg (1987), a imprecisão do conceito e não aceitação por vários pesquisadores poderia causar confusão já naqueles anos. A reflexão lançada pelo pesquisador nos anos 1980 era de que questionamentos relacionados ao conceito de comunicação alternativa ressaltavam a importância de se pensar esse alternativo como uma opção “frente a que” e “em relação a que” contextos políticos-sociais. Baseado nos diversos questionamentos que os diferentes vieses propiciavam, o autor propôs uma classificação provisória que detinha 6 formatos: 1 – Alternativa popular (não massiva): o que define o alternativo é a propriedade coletiva do meio e a produção, desde a eleição da pauta até produção do conteúdo definitivamenteanti-autoritário; 2 – Alternativa (não massiva): escolha dos temas e participação ativa dos receptores no conteúdo e do caráter do discurso, mas sem multidirecionalidade. 3 – Alternativa (massiva): o objetivo é a difusão em massa de mensagens e a elaboração das mensagens é feita por um grupo reduzido de pessoas, com comunicação unidirecional. O conteúdo é claramente anti-autoritário e a posse do meio pode ser ou não desse pequeno grupo. 4 – Alternativa (massiva): os “donos” do veículo dão lugar a uma linguagem anti-autoritária. Aqui ele aponta o risco de que esse “pedaço” em que a mensagem é claramente diferente pode servir para legitimar todo o veículo em um discurso global reacionário. Atualmente temos visto essas tentativas em programas televisivos que focam na comunidade ou na cultura anti-mainstream. 5 – Alternativa (massiva): um grande meio massivo consegue ter propriedade e controle coletivos, acesso para grandes setores sociais e caráter do discurso anti-autoritário. 6 – Alternativa (massiva): o meio é de propriedade coletiva, difunde uma mensagem anti-autoritária mas não dá acesso ao setores alheios a ele para influenciar sua política editorial. Os jornais de sindicato estariam dentro dessa classificação (1987, p.26-28). Grinberg tentava, então, a partir de exemplos de ações já realizadas, classificá-las para entender o que era o alternativo na comunicação. Ele apontava que o poder de possuir a informação era determinante e que a luta deveria ser contra o monopólio dos meios que servem às elites dominantes. Aqui entende-se que se está falando de um cenário dual, de dominação de um grupo pelo outro e considerando-se como alternativo, o que vai contra essa dominação. Já Peruzzo (2008) inclui nesse esforço de mostrar o outro lado, os conceitos de popular e comunitário junto do alternativo apontando que o modo de fazer e o propósito podem denotar as diferenças. (...) a comunicação comunitária – que por vezes é denominada popular, alternativa ou participativa – se caracteriza por processos de comunicação baseados em princípios públicos, como não ter fins lucrativos, propiciar a participação ativa da população, ter – preferencialmente – propriedade coletiva e difundir conteúdos com a finalidade de desenvolver a educação, a cultura e ampliar a cidadania. Engloba os meios tecnológicos e outras modalidades de canais de expressão sob controle de associações comunitárias, movimentos e organizações sociais sem fins lucrativos. Por meio dela, em última instância, realiza-se o direito de comunicar ao garantir o acesso aos canais de comunicação. Trata-se não apenas do direito do cidadão à informação, enquanto receptor – tão presente quando se fala em grande mídia –, mas do direito ao acesso aos meios de comunicação na condição de produtor e difusor de conteúdos. Mesmo com as leves diferenças apontadas entre os autores que trabalhavam os conceitos de comunicação alternativa, popular, ou mesmo comunitária em um período anterior à midiatização, a visão dualística que apontava claramente o lócus do poder como determinante para algo ser alternativo (àquilo), ajudava na conceituação dos mídia ou iniciativas voltadas para uma “outra comunicação”. Clemência Rodriguez (2006, p.769), visualizando uma complexificação nesse cenário explicava, que a princípio: O poder é concebido como uma oposição binária dos poderosos contra os mais fracos. Nesta conceituação do poder em termos de tudo-ou-nada, atores sociais são historicamente localizado em um ou outro lado da dicotomia de poder. Assim, as corporações de mídia de massa são concebidas como que historicamente localizadas no campo do poderoso, enquanto que os grupos indígenas, minorias étnicas, povos do Terceiro Mundo, e os outros grupos de pessoas comuns estão localizadas no lado do fraco ou impotente. Em outras palavras, um sujeito histórico (uma grande empresa de mídia ou um movimento social) é pensado/ensinado para ser visto como potente ou impotente; uma vez que o sujeito foi posicionado em um desses campos, o elemento correspondente no binário torna-se uma característica inata; isto é, ser poderoso ou impotente torna-se traço essencial da natureza dos atores. Assim, grandes corporações de mídia tornaram-se essencialmente poderosas enquanto as organizações de base tornaram-se essencialmente impotentes. [tradução livre] Power isconceived as a binaryoppositionofthepowerful versus thepowerless. In thisall-or-nothingconceptualizationof Power, social subjects are historicallylocatedononeortheothersideofthe Power dichotomy. Thus, mass media corporations are conceived as historicallylocated in thecampofpowerful, whileindigenousgroups, ethnicmonorities, Third World peoples, andtheothergroupsofordinarypeople are deemedonthesideofpowerless. In otherwords, a historicalsubject (a big media corporationor a Grass-root organization) isthoughttobeeitherpowerfulorpowerless; oncethesubjecthasbeenpositioned in oneofthesecamps, thecorrespondingelementofthebinarybecomesaninnatecharacteristic; thatis, beingpowerfulorpowerlessbecomesanessentialtraitofthesubjectsnature. So big media corporationsbecomeessentiallypowerfulwhile Grass-roots organizationsbecomeessentiallypowerless. (Rodriguez, 2006, p.769) É fácil acreditar que esse cenário de empoderados e impotentes é específico do Brasil em vista da ditadura e da concentração dos meios de comunicação de massa nas mãos de poucas famílias. Mas historicamente esse contexto é comum também aos irmãos latino-americanos, segundo estudo de Martín Becerra (2015), que afirma que a concentração dos meios de comunicação na América Latina é um “tipo de regulação da comunicação e da difusão” Palestra proferida no Congresso da International Association for Media and Communication Research, em julho de 2015, em Montreal, Canadá. Ver: https://iamcruqam2015.sched.org/event/a50f748ce85cba800a04ad8e96731f50#.Ve2eddJViko, quando se discute a “ausência” da regulação da mídia. Mas o alternativo esteve presente em outros contextos fora da América Latina também, como apontado por Downing (2002) e seu estudo da Mídia Radical, ou mesmo Atton (2006) e o estudo sobre Mídia Alternativa. Downing (2002, p. 49), com investigações realizadas nos Estados Unidos e em vários outros países, traz o conceito de radical para a mídia que propõe ao público os fatos que lhe são negados, mas também o questionamento em relação ao poder hegemônico propondo mudanças sociais a partir da difusão de informação nem sempre proposta pela mídia que em vários outros países também se coloca muito mais como agente do status quo. Atton (2006) entende que o conceito de alternativo abarca o conteúdo que não é proclamado normalmente, que fala pelas minorias, aquilo que não é dito. Não se estabelece somente como anti-mainstream, ou contra-informação, mas também como voz de grupos que não são representados. Ele aponta que a mídia alternativa, então (...) lida com a opinião de grupos minoritários; 2- expressa atitude hostil em relação às crenças amplamente espalhadas e 3 – defende pontos de vista ou lida com assuntos que não possuem cobertura em publicações disponíveis em bancas de jornais. (ATTON, 2006, p.12)[tradução livre] 1An alternative publication deals with the opinions of small minorities. 2 It expresses attitudes 'hostile to widely-held beliefs'. 3 It 'espouses views or deals with subjects not given regular coverage by Publications generally available at news agents'. (ATTON, 2006, p.12) Por fim, Marcondes Filho (1986) cita algumas publicações da França, Itália e Alemanha que ele chama de alternativas e eram produzidas em 1960 por se tratarem de veículos que davam voz aos partidos de esquerda e que contrapunham a ideologia política vigente na ebulição social vivida pela Europa naquele momento. Apontava ainda a ligação de muitos deles com movimentos populares que inclusive os financiavam confundindo esse alternativo com militante. Na década de 1980 esses jornais precisaram se reinventar com a saída de alguns dos melhores jornalistas para a grande mídia e também com a ausência de financiamento. Alguns precisaram se profissionalizar, não sem traumas ideológicos. A imposição de uma linha mais profissional nos veículos alternativos não se deu sem conflitos políticos e ideológicos. O episódio mais marcante foi o do jornal Libération, de Paris. De um periódico feito inicialmente no estilo dos panfletos maoístas, o jornal sofreu seu primeiro conflito sério entre 1977 e 1978, com a ‘crise da militância’ no jornalismo. (MARCONDES FILHO, 1986, p.167) Pode-se, então, dizer que o alternativo está presente em diversos contextos ao redor do mundo e ao redor da história. Na Europa e EUA, perpassando rapidamente os conceitos, vê-se que essa mídia alternativa estabelece relação específica com os movimentos sociais, minorias e mesmo contrapondo uma ideologia política e econômica vigente. Como falado anteriormente, na América Latina adiciona-se a essas variáveis outras duas. Um momento histórico de silenciamento dos “outros lados” conduzido violentamente pelas ditaduras que trataram de censurar conteúdos. Outra variável, que coaduna tanto com a ditadura como com a abertura democrática, é a concentração de posse dos meios de comunicação de massa. Ressalta-se que no Brasil os veículos eletrônicos, legalmente são considerados públicos, devem servir ao público e é por meio de concessões públicas que esses são explorados. Mas... Historicamente, a política de concessões foi orientada pra privilegiar as oligarquias e os monopólios. Se um jornal era dócil ao governo, seu dono ganhava uma concessão de rádio. Se o jornal e a rádio, eram dóceis, o dono ganhava uma televisão. O caso clássico foi o dos Diários Associados. Agora, se o jornal, a rádio e a televisão aberta são dóceis, o dono tem todas as chances de conseguir uma televisão a cabo. (SOBRINHO apud BIZ; GUARESCHI, 2005, p.37) Se a concentração da mídia se mantém até hoje, por outro lado, nos anos 1980, uma das variáveis que, de certa forma, era a razão de existir da imprensa alternativa deixou de existir. Uma das perguntas cruciais que tentei responder neste trabalho é por que desapareceram tão repentinamente os jornais alternativos, mesmo aqueles com um acervo de muitos anos? Uma resposta corrente, incorporada pelo senso comum, é a de que esses jornais faziam parte da lógica da ditadura. Sua única razão de existir era a Resistência. Não tinham porque sobreviver ao regime militar. (...) Efetivamente, com a abertura, a grande imprensa não foi só recriando uma esfera pública, como o fez apropriando-se de temas até então exclusivos da imprensa alternativa, e recontratando muitos dos seus jornalistas. Opor-se ao governo deixou de ser monopólio da imprensa alternativa. Além disso, a retomada da atividade política clássica, no âmbito dos partidos e de seus jornais, que após a decretação da anistia saíram da clandestinidade, esvaziou a imprensa alternativa de sua função de espaço de realização sociopolítica. (...) Mas qual era o modelo ético-político da imprensa alternativa? Tinha como componente básico o repúdio ao lucro e, em alguns jornais, até mesmo o desprezo por questões de administração, organização e comercialização. Paradoxalmente, a insistência numa distribuição nacional antieconômica, a incapacidade de formar bases grandes de leitores assinantes, certo triunfalismo em relação aos efeitos da censura, tudo isso contribuiu para fazer da imprensa alternativa não uma formação permanente, mas uma coisa provisória, frágil e vulnerável não só aos ataques de fora como às suas próprias contradições. (KUCINSKI, 2001, p.12) Mais de 20 anos depois da abertura para o governo democrático, outras variáveis como o advento da internet e a complexificação de uma esfera pública não mais dúbia forçam os pesquisadores a reconfigurar a conceituação de imprensa alternativa levando em conta tanto a liberdade de uso do “meio” internet quanto o intento de transformar esse fazer não só em uma “alternativa”, mas sim uma busca efetiva da cidadania que acontece por meio da comunicação: a cidadania comunicativa. Internet como campo convergente para o alternativo O advento da internet alterou a cultura da mídia para uma cultura digital, como diz Santaella (2003). Convergência é uma das principais características da internet e Fragoso (2006) explica que ela pode se dar em três âmbitos: “a convergência (1) dos modos de codificação; (2) dos tipos de suporte e (3) dos modos de distribuição dos produtos midiáticos”. A pesquisadora destaca que a partir do modo de codificação, tanto texto, quanto áudio, imagem ou audiovisual podem ser armazenados da mesma forma, usando os mesmos códigos, o que oferece aos produtores alternativos uma vasta opção de formatos. Assim, veículos alternativos na atualidade possuem mais acesso às variadas opções de formatos. A convergência vem apontar a distribuição dos produtos midiáticos como tendendo a uma homogeneização correndo-se o risco da obsolescência dos antigos modos de distribuição. A origem da internet e o modus operandi da grande rede aponta que se pode levar a “contra-informação” muito mais longe, por um preço mais interessante para quem se denomina imprensa alternativa e quer seguir a lógica do não-lucro dos mesmos veículos alternativos do passado.Como explica Castells (2003a), a Internet nasceu da improvável junção da big science, da pesquisa militar e da cultura libertária. Com o nome original de Arpanet, a rede que nasceu no Departamento de Defesa dos EUA tinha características que são mantidas até hoje: “uma estrutura de rede descentralizada; poder computacional distribuído através dos nós da rede; e redundância de funções na rede para diminuir o risco de desconexão. Se traduziam em flexibilidade, ausência de um centro de comando e autonomia máxima de cada nó” (CASTELLS, 2003a, p.20). Entender que a internet teve uma origem libertária explica porque ela pode ser hoje a resposta à sobrevivência de muitos veículos alternativos, como explica Castells: “E assim, para benefício do mundo, um monopólio corporativo perdeu a internet” (CASTELLS, 2003a, p. 24). Veremos que, quando se trata de tecnologia, há uma reconfiguração dos dispositivos a partir do uso e proposição de alterações que os próprios usuários fazem formando um círculo de criação-uso-reconfiguração-uso. Reflete-se aqui se não é essa reconfiguração que o jornalismo alternativo de outrora está fazendo quando usa a ambiência digital atualmente. Castells (2003b, p. 256) propõe que a internet seria “o meio de comunicação e de relação essencial sobre o qual se basearia uma nova forma de sociedade que nós já vivemos – aquela que chamo sociedade de rede.” Ressalta-se que essas redes podem já ter sido construídas anteriormente, de outras formas, e a Internet chega para sedimentar, dinamizar, amplificar e popularizar essas construções. Scott (2005, p.50) concorda com Castells quando explica que a comunicação nos dias atuais funciona de maneira não linear e descontínua, como se estivéssemos caminhando de porto em porto. E traduz a sociedade em rede que vivemos como uma “sociedade de fluxos, uma sociedade de comunicações globais. Os fluxos transportam muitas coisas, sobretudo, informações. Mas os fluxos são também fluxos de comunicação”. Martín-Barbero (2003) trabalha com o conceito de redes globais que atravessam o “lugar” quando afirma que as transformações por que estamos passando – dentro de uma cultura globalizada – deslocam o sentido de espaço no mundo, e muitas vezes, incluem alguns excluídos (o que era fundamentalmente o papel do alternativo). O novo sentido que o local começa a ter nada tem de incompatível com o uso das tecnologias comunicacionais e das redes informáticas. Hoje essas redes não são unicamente o espaço no qual circulam o capital, as finanças, mas também um lugar de encontro de multidões de minorias e comunidades marginalizadas ou de coletividades de pesquisa e trabalho educativo e artístico (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 59). Com esses novos espaços se configurando, inclusive os comunitários e alternativos, os processos de mediação da grande imprensa, ou da que ainda se pretende hegemônica, acabam sendo complexificados pelo uso da Internet. Estabeleceram-se, dessa forma, outros padrões comunicacionais com a passagem de uma sociedade dos meios para uma sociedade midiatizada. Lembra-se, aqui, que a sociedade dos meios é a sociedade cujo traço principal é a existência dos meios de comunicação mediante uma atividade central que se realiza a partir de um campo específico que é o campo dos mídia. É aquela em que os meios têm um papel protagonista. Já a sociedade em vias de midiatização é aquela que reúne processos intensos e crescentes de tecnologias convertidas em meios subordinados a processos de produção, de circulação e de recepção. Tal atividade crescente – de tecnologias convertidas em meios – engendra uma nova arquitetura comunicacional, de tal forma que instituições de diferentes identidades, as relações dos atores sociais e a própria vida são atravessadas largamente pela cultura de operações midiáticas. Ou seja, a questão midiática não se restringiria apenas ao campo dos meios, mas permearia toda a atividade interacional da sociedade e da sua organização. Verón (2005) atenta para a combinação entre TICs + produção + recepção de mensagens e de práticas sociais. Esse seria o cenário da sociedade midiatizada que está em processo de construção. Nela, os dispositivos midiáticos possuem seu próprio discurso, mas essa mesma sociedade (que pode ser o jornalismo alternativo) acaba se apropriando desses dispositivos e, muitas vezes, desviando para seus usos específicos. Em um exame inicial, a Internet se mostra um abrigo ideal para veículos de comunicação alternativos que disseminam contra-informação. Dos blogs aos sites hospedados em servidores estrangeiros, o que dificulta o trabalho da censura local, a estrutura do meio faz surgir diversas teorias que apontam a internet como uma nova esfera pública, mais participativa e de difícil contenção pelo poder. (MAZETTI, 2009, p.293) Vê-se que a internet facilita esse processo, mas a complexidade da sociedade midiatizada e midiática está longe de dar respostas únicas para os processos que se formam a partir dos meios, das mediações, das organizações em rede e das ressignificações realizadas a partir do uso dos meios tradicionais e das novas tecnologias. E o jornalismo alternativo está inserido nesse contexto. Não é mais dual, é complexificado e há mais variáveis a serem estudadas na conceituação desse “outro jornalismo”. Uma delas seria: a que ele serve hoje? Em seguida, propõem-se uma opção. Com o foco na cidadania As primeiras propostas para a construção de um conceito de cidadania comunicativa tiveram seu início na década de 90 quando a midiatização, o advento da sociedade da informação e a relação do público com os meios de comunicação de massa se tornaram foco de reflexão. No momento em que se concebem cidadãos, portadores de direitos como também partícipes de um espaço público comum, entende-se que esses mesmos cidadãos podem se tornar sujeitos de um espaço midiatizado. Em outras palavras: o espaço público que deve ser tomado, ocupado e partilhado por todos hoje é, em grande parte, formado pelos próprios meios de comunicação de massa (MATA et al., 2009). Ao mesmo tempo, esses cidadãos são sujeitos partícipes de um público assistente-telespectador-ouvinte-leitor, um público desses meios de comunicação de massa e que também devem (deveriam) ser ativos participantes desse espaço público, com a chancela de cidadãos. Mata (2006) propõe então o cruzamento tensionado entre o público dos meios e a condição cidadã. E como se dá essa tensão? Num primeiro momento há que se lembrar do papel dos meios de comunicação de massa em nossa sociedade. Como o “quarto poder” os Meios de Comunicação de Massa usufruem da liberdade de se estabelecer à margem do controle democrático eficaz, diz Mata (2006), porque podem criticar todos os outros poderes sem terem as críticas ao seu desempenho conhecidas facilmente pelo público. Aqui o Jornalismo Alternativo pode ter papel atuante. Para a pesquisadora, a prática cidadã não só determina os direitos e deveres do indivíduo em relação ao Estado, mas também uma ordem de aparição no espaço público sendo efetivamente sujeitos que demandem e que proponham sobre diversos âmbitos em relação à sua experiência. Assim, a noção de cidadania comunicativa inclui ser sujeito de direito e de demandas no terreno da comunicação pública e o exercício desse direito, o que engloba diversas dimensões: os direitos civis (de expressão e à informação); desenvolvimento de práticas que materializam esses direitos e os ampliam (dar voz e capacitar para exercê-la; lutar por estes direitos) e, por fim, envolve valores como de igualdade de oportunidades, qualidade de vida e solidariedade. (MATA et al., 2009, p.186). Nesse âmbito e para desenvolver uma matriz de estudos, Mata propõe quatro níveis em que a cidadania comunicativa pode se estabelecer: Formal: representada pelo conjunto de direitos específicos consagrados juridicamente; Reconhecida: o conhecimento que esses indivíduos têm desses direitos em face da condição de pertencentes a uma comunidade; Exercida: manifesta nas práticas sociais reivindicatórias desses direitos, pedindo sua vigência ou ampliação; Ideal: a que se estabelece como utopia a partir de postulados teóricos de verdadeira transformação social vinculada a democratização das sociedades. O conceito da autora remete a uma cidadania comunicativa em que a própria comunicação é parte da cidadania porque, logicamente, a carência do direito de comunicar impede o exercício dos outros direitos. Ter voz e poder exercê-la é parte constituinte do exercício de ser cidadão. A autora afirma que quando se busca outras condições de visibilidade pública – no espaço urbano por meio de cartazes e bilhetes, nas instituições públicas ou em meios alternativos de comunicação – mais ainda as lógicas da mídia impostas se tornam forçadas, não naturais, e é aí que o exercício da cidadania comunicativa encontra maiores possibilidades de realização. Rodriguez (2006, p.774) reforça que entender e utilizar o termo “cidadãos midiáticos” implica em primeiro lugar, que uma coletividade está encenando sua cidadania para intervir ativamente e transformar o cenário midiático estabelecido; segundo, que estes meios estão contestando códigos sociais, identidades legitimadas e relações sociais institucionalizadas; e terceiro, que essas práticas de comunicação estão capacitando a comunidade envolvida, até o ponto onde são possíveis transformações e mudanças. (Rodriguez, 2006, p.774) [tradução livre] Implies first, that a collectivity is enacting its citizenship by actively intervening and transforming the established mediscape; second, that these media are contesting social codes, legitimized identities and institutionalized social relations; and third, that these communication practices are empowering the community involved, to the point where these transformations and changes are possible. (Rodriguez, 2006, p.774) A proposta que aqui se desenha é a de que essa comunidade de cidadãos que possam mudar essas variáveis sejam os jornalistas que estão na atualidade implementando novas formas de informar, de contar as estórias, de propor pautas e assuntos visualizando vozes diversas e formatos que propiciem essa busca por uma cidadania por meio da comunicação. Considerações finais Os conceitos de Jornalismo Alternativo ou mesmo de Mídia Alternativa construídos há mais de 20 anos já não dão conta do papel dessas atividades na sociedade midiatizada, que conta hoje com a grande rede. A visão de uma lógica dual ainda se mantém na atualidade entre os que têm poder e os que não o detém, mas tem se complexificado a partir do descentramento dos meios e da busca pela cidadania a partir e por meio da comunicação. Há que se pensar em novos conceitos desse alternativo incluindo a busca pela efetiva democracia dos meios e a oportunidade de ofertar vozes aos diferentes setores da sociedade atual. Como aponta Oliveira(2009, p. 6): A práxis jornalística alternativa tem como perspectiva a reconstrução da esfera pública a partir dos valores da igualdade de oportunidades, da eqüidade, da democracia radical e da subordinação dos interesses econômico-privados aos interesses coletivos. Não se trata apenas e tão-somente de defesa dos valores da democracia institucional, mas de uma atitude radicalmente democrática, que passa pela abertura dos espaços midiáticos a todos os segmentos sociais, rompendo com o cerco da agenda de fontes oficiais; pela plena referência na produção das informações no sujeito-cidadão e não no sujeito-consumidor. Transformar o combate reativo em proposição tanto de pautas, assuntos não cobertos, vieses diferenciados, novas formas de fazer e ainda entender os sujeitos como cidadãos desse processo de aquisição/produção de informação podem ser os novos desafios do jornalismo alternativo na atualidade. Referências bibliográficas ATTON, Chris. Alternative Media. London :Sage, 2006 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet. Reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003a _____. Internet e sociedade em rede. In: Moraes, Denis. Por uma outra comunicação. 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