São Paulo, Domingo, 07 de Novembro de 1999
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A vida proibida

Fernando Cavalcanti - 14.mai.95/Folha Imagem
Sandra Regina mostra certidão de nascimento comprovando que Pelé é oficialmente seu pai



Livro de ex-mulher é censurado pelos filhos mais velhos de Pelé, que teve receio de ver seus conflitos familiares publicados por Rose, de quem se separou em 1978


Milton M. Flores/Folha Imagem
Pelé e sua atual mulher, Assíria, carregam seus filhos, os gêmeos Joshua e Celeste



Diferentemente dos anos 70 e 80, quando passava, em média, oito meses por ano no exterior, agora quer fazer o contrário.
Até porque acha que suas constantes ausências de casa atrapalharam seu primeiro casamento, de 1966 a 1978, com Rose Cholbi.
Mas, para sua ex-mulher, que continuou morando em Nova York, onde criou Kelly Cristina, Edinho e Jennifer, os três filhos do casal, os problemas foram mais complicados.
Em 1995, quando tinha aulas de redação na Universidade de Columbia, nos EUA, ela escreveu um livro sobre o período em que conviveu com Pelé.
Na obra, entre outras coisas, relatava as dificuldades que teve para educar os filhos sozinha, lamentava o difícil relacionamento com Pelé, mesmo após a separação, e reclamava de supostos casos extraconjugais do jogador, além da divisão dos bens durante o processo de divórcio.
Pressionada pelos filhos -especialmente por Kelly Cristina e Edinho, os dois mais velhos, que atenderam a seguidos apelos do pai, decidiu não publicar a obra e só imprimiu quatro exemplares.
Em um dos relatos, confirma o relacionamento de Pelé com Anísia Machado, empregada doméstica que teve uma filha com a qual até hoje o ex-jogador não se dá.
Sandra Regina Machado, nascida em 24 de agosto de 1964, no Hospital Santo Amaro, no Guarujá, teria sido levada à casa de Pelé exatamente um ano e meio depois de seu casamento com Rose, mas o atleta, se negado a recebê-la.
Dezenove anos depois da primeira tentativa -fracassada, portanto- de se aproximar de Pelé, Sandra Regina, já com 22 anos, tentou agendar um encontro com o pai. Novo fracasso. Segundo ela, uma carta, que escreveu em 1986, ficou sem resposta.
""Depois eu telefonei e falei um pouco com a irmã dele, mas ela me aconselhou a procurar meus direitos."
Após o início do processo de reconhecimento de paternidade, Sandra Regina afirma ter sido chamada à casa de Maria Lúcia, a irmã de Pelé, que tentou convencê-la a desistir da ação.
A partir daí, reclama que o ex-jogador, que se recusou a comentar o caso, foi desleal com ela.
Em 1992, os advogados de Pelé contrataram um médico, Antônio José Brussolo Cunha, que apresentou um laudo dizendo que Sandra Regina não poderia ser sua filha.
A Folha teve acesso ao laudo, que contém 120 páginas e, anexado ao processo número 1512 da 6ª Vara Cível de Santos, dizia que ""os genóticos possíveis identificados excluem-no da paternidade alegada, pois os mesmos não portariam os haplotipos MS e AX-B41, que são obrigatórios como herança paterna".
No final, como o teste de DNA feito na Genomic Engenharia Molecular, uma clínica da capital paulista, deu resultado positivo, Pelé foi obrigado a reconhecer a filha, que ganhou o direito de assinar o sobrenome Nascimento.
Mas, mesmo após o resultado do exame, ele preferiu manter distância de Sandra Regina.
De acordo com familiares do ex-jogador, uma das razões para que não houvesse a aproximação foi a suspeita de que ela só se aproximara do pai por interesses financeiros. Como evidências, citam o fato de Sandra Regina ter escrito um livro sobre o caso -""A Filha Que o Rei Não Quis"- e de ter tentado, sem sucesso, a carreira política.
Ela, por outro lado, defende-se, dizendo que não escolheu Pelé como pai. ""Ele pode até não gostar da idéia, mas eu não tenho culpa de ser sua filha. Fiquei magoada, sim, quando ele disse que não teria o mesmo carinho por mim que sente pelos outros filhos. Mas isso é passado."
Além de Sandra Regina e dos três filhos com Rose, Pelé teve mais dois, em 1996, de seu casamento com Assíria Lemos Seixas.
Os gêmeos Joshua e Celeste nasceram por inseminação artificial depois de Pelé, que havia feito vasectomia, recorrer a Roger Abdelmassih, médico especialista em reprodução humana.
Assíria, que é psicóloga e se diz especialista em teologia, ele conheceu em 1985, quando ainda estava envolvido com Maria da Graça Meneghel, a Xuxa.
Depois se reencontraram em 1990, mas Pelé novamente estava comprometido, namorando a médica carioca Luciene Tassis Magalhães.
Finalmente, após um segundo reencontro, os dois anunciaram casamento para maio de 1994, com cerimônia religiosa em Recife, comandada pelo pastor Paulo Garcia, da Igreja Episcopal Anglicana. ""Com a Assíria eu me encontrei, até espiritualmente", contou Pelé. ""Tive uma formação católica, mas sempre estive aberto para outras religiões."
Segundo ele, até ritual de vodu chegou a presenciar, numa excursão do Santos à Martinica. ""Vi um garoto de dois anos sendo dado em sacrifício pelos pais. Foi uma coisa chocante."
No final dos anos 80, conheceu um guru indiano, Sai Baba, mas não foi o suficiente para que deixasse de lado o cristianismo.
""Num certo sentido, minha formação religiosa foi muito forte. Uma imagem que não me sai da cabeça é a da minha avó (Ambrosina Rosa da Conceição, morta em novembro de 1976, aos 97 anos de idade), rezando por mim antes dos meus jogos."
Agora, após o nascimento de Celeste e Joshua, que serão educados em São Paulo, Pelé já está passando mais tempo na capital paulista.
Mas, a partir de janeiro, quer iniciar um treinamento físico mais rigoroso no litoral, aproveitando o dia que passa na cidade comandando os jogadores santistas das categorias menores.
Afinal, apesar de ter operado o joelho este ano, pretende entrar em campo em 23 de outubro do ano 2000, quando estiver completando 60 anos e for homenageado em festa organizada pela Fifa ao atleta do século, título que ostenta desde 1981, quando ganhou eleição organizada pela publicação francesa "L'Équipe".
""Quando fiz 50 anos, quase marquei um gol pelo Brasil (amistoso contra a seleção do resto do mundo, em Milão, em 13 de outubro de 1990). Vamos ver se agora, aos 60, o golzinho não sai..."
Mesmo que não saia, Pelé garante uma boa atuação. ""Sou perfeccionista. Tudo o que eu invento de fazer, quero fazer como o melhor. Até quando fui jornalista foi assim", brincou.
E lembrou que, além de ter atuado na Rádio Clube de Santos, da qual se tornara proprietário, foi colunista da Folha em 1963.
Na emissora AM da cidade praiana, famosa por ter sido a primeira a fazer propaganda para a campanha a presidente da República de Getúlio Vargas, tinha um programa no qual fazia comentários não só sobre futebol, mas também sobre política e outros assuntos do seu interesse.
E tanto na emissora quanto no jornal diz ter dado o máximo para continuar sendo visto como o melhor. Foi o que fez em agosto de 1963, em Brasília, visitando o presidente João Goulart. Na saída, cercado pela imprensa, falou: ""Vocês acham que eu vou contar tudo e ser furado? Eu sou repórter da "Folha de S.Paulo", pô."
De qualquer jeito, mesmo não tendo nas outras atividades o desempenho que o consagrou em campo (""seria impossível", reconhece), sabe que, para a história, isso pouco importa.
Afinal, como ele mesmo diz, ""o mito Pelé é muito mais forte do que o Edson Arantes do Nascimento". Tão mais forte que, quando o próprio Edson se refere a Pelé, fala sempre na terceira pessoa. ""Porque é preciso ter respeito por ele. Uma vez eu falei e repito. O Pelé não tem cor, não tem raça, não tem religião, está acima dessas coisas mundanas. Se Beethoven houve só um, por que Pelé haveria dois?'"


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