Autora: Diana Wynne Jones
Editora: Record
Páginas: 304
Minha leitura de O Castelo no Ar, de Diana Wynne Jones,
foi um tanto peculiar. Ela aconteceu em dois tempos e isso fez toda a
diferença. Quando decidi, pela primeira vez, pegar o livro para ler acho que me
precipitei. Eu não dava muita importância para a leitura e praticamente só lia
quando alguém se atrasava e eu precisava esperar, então o livro era meu passatempo.
Cheguei até a apelidá-lo de "O livro da espera sem fim". Dessa primeira
vez o livro não me cativou. Primeiro pelo clima aladdinesco da história que não
é dos meus preferidos. Achei a história maçante, o ritmo capenga e os
personagens desagradáveis. Eu desgostei tanto que já estava pronto para incluir
Diana à gama de escritores com ideias incríveis, mas que renderam livros ruins.
Afinal de contas, Diana é a autora do livro em que foi o baseado o espetacular O Castelo Animado, do estúdio Ghibli; de
uma série Os Mundos de Crestomanci e
de outros tantos livros ainda não traduzidos para o português. Sem dúvida,
devia haver algum talento em Diana, mas talvez ela houvesse consumido todo esse
talento criando O Castelo Animado.
Pensando assim e completamente desmotivado, larguei o livro mais ou menos com
um terço lido. O marcador ficou lá naquela página por mais de um ano, até que
alguma força sobrenatural (ou natural), fez com que eu resolvesse dar mais uma chance,
a última, para O Castelo no Ar.
Além de toda a vibração
sobrenatural, havia um amigo que vivia dizendo que Diana Wynne Jones era
incrível. E que não era possível que eu, um apreciador de coisas fantásticas e
malucas, não gostasse de O Castelo no Ar.
Enfim, peguei o livro, depois de um ano trocando olhares desconfiados com ele,
tirei o marcador e recomecei. Estava iniciado o segundo tempo. Embora o ar
aladdinesco ainda continuasse me incomodando, logo nas primeiras páginas já
senti uma conexão melhor com o livro. É claro que eu não admitiria, já nas
primeiras páginas, que eu estava enganado, quando comecei a lê-lo pela primeira
vez. Contudo, alguma coisa já me dizia que não haveria outro jeito. O livro é
realmente muito bom. Talvez, fosse o leitor que estava sem talento pra leitura,
talvez fosse a falta de investimento temporal. Antes mesmo da metade do livro,
já estava completamente consciente da injustiça que havia feito e confesso que
até mesmo todas aquelas coisas do Aladdin começaram a me parecer um pouco mais
charmosas.
O livro conta a história de
Abdullah, um mercador de tapetes, que tem sua vida transformada, quando compra
um tapete mágico por uma pechincha. Ele é um rapaz sonhador que, apesar de
todos os infortúnios familiares e pormenores cotidianos, fantasia o mundo a sua
volta e até mesmo seu passado. E para ele, seu passado inventado faz muito mais
sentido do que sua realidade. Subitamente, tudo o que Abdullah imaginou se
aproxima da realidade e aos poucos, sonho e realidade, começam a se tornar um
só. Tudo isso através do tapete mágico e suspeito. O tapete acaba por levar
Abdullah, enquanto estava dormindo, a um jardim suntuoso. E lá ele conhece sua
princesa, Flor da Noite. Esse encontro desencadeia uma série de acontecimentos
que se desdobram na grande aventura da vida de Abdullah. Aventura que parece
ser maior do que sua própria imaginação. Ele conhece um gênio amalucado e
irreverente que realiza desejos com uma malícia inacreditável. Conhece um
viajante misterioso e um país distante. Encontra bichinhos de estimação nada
convencionais e algumas dúzias de princesas.
A história de O Castelo no Ar se passa no mesmo
cenário que O Castelo Animado e eles
até mesmo compartilham alguns personagens. Cronologicamente, O Castelo no Ar vem depois de O Castelo Animado e ainda há mais um
livro desse universo já traduzido, A Casa
dos Muitos Caminhos. Arrisco-me a dizer que O Castelo no Ar não deve nada ao seu antecessor. É uma história
surpreendente com uma dose acertada de loucura e impregnada de magia. E é a
magia de Diana Wynne Jone que encanta. Não há fórmulas, nem rigidez, nem muita
lógica na magia. A magia é caótica como a própria natureza. Há um pouco de
magia em quase qualquer coisa e nem tudo é o que parece, porque num instante
pode deixar de ser ou se tornar outro. A magia é imprevisível e penso que a
magia não poderia ser de outra forma.
A jornada de Abdullah está
repleta de situações divertidas que exemplificam o talento inquestionável de
Diana. Aos poucos, ela vai nos apresentando a personagens caricatos em
situações improváveis, mas que parecem tão humanos e possíveis quanto um mundo
mágico permite. O próprio Abdullah é uma figura deliciosa, que no início, pode até parecer um pouco vaidoso, mas que se
transforma e a cada página descobrimos sua esperteza que concilia inocência
desmedida à coragem de um sonhador. Há todas as princesas com suas
personalidades e trejeitos e aparências. Há o castelo com toda sua magnitude
celestial. Por fim, há personagens memoráveis, como Sophie e Howl.
Apesar de toda a criatividade e
do cenário fascinante, O Castelo no Ar não se faz grande apenas por isso. A
escrita de Diana é igualmente encantadora. As palavras eficientes quase
exageradamente escolhidas delineiam com exatidão o universo que se mostra e ao
mesmo tempo se esconde. Há um equilíbrio espantoso em todo o texto. Ao passo
que o cenário nos é revelado e segredos são esmiuçados, mais e mais surpresas
surgem. Os diálogos são dinâmicos e muito bons, sobretudo as falas de Abdullah,
que não hesita em massagear o ego de quem lhe convém.
Por fim e não poderia ser de
outro jeito, O Castelo no Ar é uma
leitura recomendada a todo amante de fantasia. Desculpo-me por toda e qualquer
maldade que eu tenha dito sobre esse livro. Foi um lapso de inaptidão
literária. Não se engane, como eu me enganei, caso o clima aladdinesco não seja
o seu preferido, há muito mais nessa história do que tapetes, gênios e areia,
há magia, magia de verdade.
Por Fillipe Gontijo
Por Fillipe Gontijo
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