quarta-feira, 16 de abril de 2014

Pepe Escobar: “Pé na estrada pelo sul do OTANistão”

15/4/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Vila de Bandol - vista noturna
Pé na estrada na Provence – Para citar Lênin, o que fazer? Voltar a Bruxelas e Berlim? Um encontro íntimo com o triste norte do OTANistão, consumido pela paranoia de sua obsessão anti-Rússia e escravizado pelo infinitamente expansível euro-embuste do Pentágono? Quem sabe uma excursão ao Erdogastão bêbado de guerra-à-Síria?

Nem se discute. A joie de vivre resolveu tudo; assim, esse Olhar Errante pendurou-se em Nick, Olhar-Errante-Filho, na Catalunha e, armados com La Piccolina – a caravan Peugeot 1980, motor Citroën, de Nick − metemos o pé na estrada pela Provence, mansão de restauração, no sul do OTANistão. Em vez de metermos o pé na jaca do crystal meth, foi pé na jaca non-stop no primor dos líquidos de infieis e gastronomia provençal de primeira.

Chamem de investigação subterrânea, sem saudade-de-casa, sem fossa, sobre o mal-estar econômico das nações do Club Med; a pauperização da classe média europeia; o avanço da extrema direita; e a possibilidade iminente de uma OTAN econômica. Tudo isso emoldurado por ótimo, super ótimo, um tempo com a família. E, super subversivo, com laptop e celular desligados.


Tivemos a sorte de estar lá na semana da inauguração da Fundação Van Gogh em Arles – com um notável portal e a assinatura de Van Gogh em tamanho gigante; o jardim suspenso de espelhos coloridos; e exibição estupenda da evolução cromática do pintor durante os frenéticos 15 meses que viveu em Arles. Alguns minutos de contemplação frente à La Maison Jaune [Casa Amarela] (1888) − imagem a seguiré intimar a imortalidade, revelação do que é, isso sim, ser excepcional.

La Maison Jaune (Vincent van Gogh)
Iluminações estéticas, por todos os lados – do castelo de Baux ao pôr-do-sol com um Perrier mint num terraço sobre o campo, em torno da colina de Gordes; de uma noite estrelada ao ar livre no Colorado Provençal (estranhamente, atravessado por um helicóptero militar voando baixo, estilo avançada-em-Bagdá), a discutir os méritos do “Chèvre de Banon – aquele queijo epicúreo, queijo “de exceção”, embrulhado em folhas de castanheira.

E cruzando daí para o grande canyon de Verdon – o mais norte-americano dos canyons europeus, que se ataca por várias faces, tanto pelo norte como pelo sul, incluindo uma trilha que acompanha a velha trilha romana e encontro com as silhuetas caóticas, fantasmagóricas de Les Cadieres (“cadeiras”, em provençal) – resposta de Verdon às Torres Gêmeas. Uma montagem peculiar de imagem de Osama e al-Zawahiri fazendo trilha pelo Hindu Kush.

Quando descíamos do Col de Leques, o proprietário de um café de montanha contou-nos que acabava de abrir para a temporada, que vai até meados de setembro. Mas aqui, no começo de abril, o Verdon estava banhado em silenciosa glória, exceto um ou outro ciclista, ruidoso, incômodo.

Então – como em Pierrot Le Fou de Godard – mergulho para o Mediterrâneo. Primeira parada, Toulon, controlada pelo Front National, tão limpa, tão organizada, tão assustadiça ante, até, skatistas visitantes, não imigrantes, já exibindo um navio cargueiro monstro da OTAN em plena ostentação.

É impossível comer um prato de moules [mexilhões] no porto, no meio da tarde; mas no restaurante chinês Ah-Ha há canyons de Verdon de comida, 24 horas por dia, e serve para mostrar mais uma vez que a fúria empreendedorista da Ásia já deixou a Europa a comer poeira.

Bouillabaisse (sopa de frutos do mar, típica da região de Marselha)
Corta para um banquete platônico no venerando Auberge Du Port Bandol bouillabaisse orgíaca, com o melhor vinho da casa, perfeitamente comparável a uma combinação de Bastide de la Ciselette com Domaine de Terrebrune. Nenhum desses deslumbrantes líquidos de infiel, por falar nisso, foram sequer tocados pela globalização.

Não resta um milímetro quadrado de solo não construído na costa em torno de Marselha – é parte de um bem conhecido dossiê, a destruição ambiental do sul do OTANistão. Mesmo assim, demos jeito de encontrar um canto relativamente reservado para o apropriado mood à Rimbaud (la mer, la mer, toujours recommencée) [o mood pode ser de Rimbaud, mas o verso é de Paul Valéry (em Cimetière Marin) NTs].  

Foi quando chegou o temido momento e ergueu sua cabeça feia – em Sanary-sur-Mer, onde Huxley escreveu Admirável Mondo Novo em sua Villa Huxley, e Thomas Mann andava pelo Chemin de la Colline. Brecht de fato bem pode ter cantado canções anti-Hitler de uma mesa no Le Nautique; então, depois de debater com Nick os méritos comparativos dos veleiros Beneteau, decidi, finalmente parar com tanto distanciamento brechtiano, caminhei até a banca mais próxima, comprei os jornais, pedi um café com leite e liguei o celular.

Bar-tabac Le Nautique em Sanary-sur-Mer
Que NADA me impressionou muito é dizer pouco. Uma semana fora da grade, e a mesma sarabanda de paranoia, pivoteamentos os mais frenéticos e excepcionalismo monocromático. Até que, lá estava ela, como um pérola no fundo cor de turquesa do Mediterrâneo, soterrada na info-avalanche: a notícia, a definitiva notícia, a notícia da semana, talvez do ano, talvez da década.

O presidente da Gazprom, Alexey Miller, encontrou-se com o presidente da China National Petroleum Corporation, Zhou Jiping em Pequim, na quarta-feira (9/4/2014). Estão no processo para assinar “o mais rapidamente possível” o megacontrato, para 30 anos, para fornecer à China gás natural siberiano. Provavelmente será assinado dia 20 de maio, quando Putin estará em Pequim.

Isso, sim, é material genuíno. O Oleogasodutostão encontra a parceria estratégica Rússia-China, solidificada nos BRICS e na Organização de Cooperação de Xangai, com a arrepiante possibilidade de o negócio preço/pagamento ser feito por fora dos petrodólares, a chamada “opção termonuclear”. Comparada a isso, a Ucrânia é terceiro palco.

Bem-vindos ao Ratódromo de Bruxelas

Foi na estrada, do Mediterrâneo de volta a Arles, via Aix-en-Provence: a coisa me pegou, feito um drone de Obama. Toda essa viagem, afinal, cuidou só do sublime queijo de leite de cabra envolto em folhas de castanheira em Banon, daquelas garrafas cor rosa-pétala, de vinho; em Bandol, produtores artesãos e gente da montanha que só falam de seus medos, pelos mercados das pequenas cidades e pequenos, despretensiosos chateaux. Tudo isso é, sempre, a OTAN econômica.

Queijo de leite de cabra de Banon aberto da embalagem de folhas de castanheira
O Tratado Trans-Atlântico de Livre Comércio é prioridade top do governo Obama. As tarifas já são quase desprezíveis para muitos produtos, entre os EUA e a União Europeia. Portanto, se trata, essencialmente, de o Grande Agronegócio dos EUA passar a mão nos mercados continentais (numa invasão de produtos geneticamente modificados), e de os gigantes da empresa-imprensa dos EUA, idem. Podem chamar de um pequeno adendo à Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)] – o qual, para dizer numa linha, significa os EUA ocuparem a super protegida economia japonesa.

O sul do OTANistão, sim, oferece rápidas imagens de um paraíso europeu pós-histórico – um jardim de rosas Kantiano protegido contra o imundo mundo Hobbesiano, pelo Império “benigno” (a nova expressão a ser repetida e repetida, cunhada – e por quem mais seria? – por neoconservadores da cepa de Robert Kagan). Mas a principal emoção que envolve o sul do OTANistão, como vi desde o início de 2014 sucessivamente na Itália, Espanha e França, é o medo. Medo do Outro – do pobre que chega, negro ou mulato; medo do desemprego perene; medo do fim dos privilégios da classe média até recentemente tidos por garantidos; e medo da OTAN econômica – porque praticamente nenhum europeu médio confia naquelas hordas de burocratas de Bruxelas.

Já são agora nove meses que a Comissão Europeia negocia uma chamada Parceria de Comércio e Investimento [orig. Trade and Investment Partnership]. A “transparência” que cerca o que será o maior acordo de livre comércio da história do mundo, envolvendo mais de 800 milhões de consumidores, cobre King Jong-eun da Coreia do Norte de vergonha.

Todo aquele blá-blá-blá secreto dá-se em torno de eufemísticos “obstáculos não tarifários” – uma rede de normas éticas, ambientais, jurídicas e sanitárias − que protegem os consumidores, não as gigantes multinacionais. O que esses monstros querem, por sua vez, é coisa lucrativa “livre-para-todos” – que implica, só para dar um exemplo, o uso indiscriminado da ractopamina, energético para porcos, já proibido até na Rússia e na China.

Ractopamina, produto proibido por provocar doenças nos sistemas cardiovasculares, músculo-esqueléticos, reprodutivos e endócrinos em seres humanos
Assim sendo, por que o governo Obama, de repente, parece tão apaixonado por um Acordo de Livre Comércio com a Europa? Por que o Big Business dos EUA finalmente descobriu que o Santo Graal daquele pivoteamento econômico para a China nada tem, nem de santo, nem de Graal, bem feitas as contas. A coisa será sempre conduzida, lá, por parâmetros chineses – com as principais marcas chinesas se qualificando, progressivamente, para controlar a maior parte do mercado chinês.

Então... veio o Plano B: um mercado transatlântico que submeta 40% do comércio internacional às mesmas normas-amigas-do-Big-Business. Obama só faz repetir e repetir que o acordo criará “milhões de empregos norte-americanos bem remunerados”. Muito discutível, para dizer o mínimo. Mas que ninguém se engane quanto ao movimento dos EUA; Obama está pessoalmente envolvido.

Quanto aos europeus, parecem, mais, ratos tentando salvar-se pelos buracos de uma sala secreta de jogatina. Com a Agência de Segurança Nacional dos EUA a monitorar todos os telefones e telefonemas em Bruxelas, os europeus médios absolutamente não têm nem ideia de com que porrete serão espancados. O debate público sobre o acordo é verboten [alemão no original; “proibido”] para todas as finalidades práticas, para a sociedade civil europeia.

Os negociadores da Comissão Europeia só falam com lobbyistas e presidentes de multinacionais. Em caso de acontecer “volatilidade de preços” aí, pelo caminho, os fazendeiros europeus serão os maiores perdedores, não os norte-americanos, agora protegidos por uma nova “Farm Bill” [aprox. “Lei dos produtores agrícolas”].

Não surpreende que a mensagem direta e indireta que recebi de praticamente todos, no interior da Provence, seja “Bruxelas está nos vendendo em liquidação”. No final, o que desaparecerá, morrendo morte de mil talhos, é a agricultura de alta qualidade, procissões de pequenos produtores artesanais, os únicos que conhecem um savoir-faire acumulado ao longo de muitos séculos.

Assim sendo, viva os hormônios, viva os antibióticos, viva o cloro e os organismos geneticamente modificados (transgênicos). E cortem a cabeça dos pequenos produtores!

A OTAN a lançar ameaças contra a Rússia é tática muito conveniente, suja, diversionista. Deixando a Provence, com La Piccolina carregando sua carga preciosa de produtos artesanais sublimes, entendo perfeitamente a tamanha Van Goghiana ansiedade com que os locais veem chegar a futura OTAN econômica.


[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Ucrânia: Atualização e Não Esqueçam o Aspecto Religioso

14/4/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Província (oblast) de Donetsk na região de Donbass
Em dez cidades na região de Donbass (principalmente na oblast [província] de Donetsk) na Ucrânia, os principais prédios do governo estão sob controle de ativistas pró-federalização.

John Brennan
O prazo de um segundo ultimato de Kiev, contra os ativistas, já se esgotou, e nada aconteceu. Foi lançado depois que o diretor da CIA, Brennan, esteve em Kiev e transmitiu as ordens de Obama para atacar.

Essa manhã, o governo golpista de Kiev substituiu (pela segunda vez) o comandante da polícia antiterror, sem qualquer explicação. Pode-se assumir que o demitido recusou-se a obedecer ordens para atacar os manifestantes no leste da Ucrânia. O ministro da Defesa disse que várias unidades militares que avançavam rumo leste haviam sido detidas pela população de vilas e cidades ao longo das estradas. Vídeos mostraram unidades de artilharia, armadas com mísseis Katiusha, que estariam se deslocando para o leste. Não acredito que venham a ser usadas contra manifestantes civis. É preciso ter infantaria para desalojar manifestantes, mas acho pouco provável que Kiev encontre qualquer unidade regular de soldados que aceite essa missão.

O “presidente” golpista converteu-se em piada do dia, quando sugeriu que a ONU enviasse “soldados da paz” para varrer os “terroristas” das cidades do leste da Ucrânia.

Oleksandr Turchynov
O presidente interino da Ucrânia, Oleksandr Turchynov pediu a presença de soldados da paz da ONU no leste do país, onde militantes pró-Rússia ocuparam prédios em cerca de dez cidades.

Em conversa por telefone com o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki Moon, Turchynov sugeriu que uma “operação antiterroristas” poderia ser organizada em conjunto, pelas forças de segurança ucranianas e soldados da paz da ONU, segundo a página oficial de Turchynov.

O Conselho de Segurança teria de reunir-se para tomar essa decisão, e a Rússia (e a China) só concordariam se a missão fosse composta de soldados soviéticos. Os quais, aliás, têm a vantagem de estar próximos e poderem começar rapidamente o serviço [risos].

Embora a imprensa-empresa fale muito da questão da língua russa versus língua ucraniana, há outra importante diferença entre leste e oeste da Ucrânia: o sul é predominantemente russo-ortodoxo; e o oeste da Ucrânia é católico. Nos últimos dias, vários clérigos ortodoxos foram vistos entre os manifestantes nas ruas do leste. A diferença pode parecer insignificante para quem cresceu em sociedades ‘'ocidentais'’, seculares. Mas há importantes diferenças nas crenças e no ethos dessas duas igrejas. A fé dos ortodoxos parece mais forte e mais intensa que a dos católicos do catolicismo de hoje.

Essa semana, do Domingo de Ramos ao Domingo da Páscoa, é a semana santa dos ortodoxos. A Páscoa é o principal feriado santificado do ano. Ataque contra o leste, durante essa semana será visto como ofensa grave no campo religioso; a reação será ainda mais empenhada. Não só a reação dos ucranianos, mas a reação também dos russos. Os mineiros e os metalúrgicos que trabalham na região de Donbass ainda não se manifestaram em grandes números contra o governo golpista de Kiev. Um ataque agora com certeza os fará reagir fortemente. Provavelmente, será o fim dos golpistas de Kiev.




[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como“Whisky Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). No Brasil, produzimos versão SENSACIONAL, na voz de Cida Moreira, gravada em “Cida Moreira canta Brecht”, que incorporamos às nossas traduções desse blogMoon of Alabama, à guisa de homenagem. Pode ser ouvida a seguir:



Relatório de Situação (SITREP), 15/4/2014, 10h54 EST

Ucrânia: Virada para pior

15/4/2014, The SakerThe Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

The Saker
A situação na Ucrânia mudou rapidamente, para pior.

  • Dois candidatos à presidência, do leste do país, foram atacados ontem pelos fascistas de Kiev (‘camisas marrons’). Mikhail Dobkin escapou só com tinta e farinha jogados contra ele, mas há notícias de que um guarda-costas foi ferido. E Oleg Tsarev, severamente espancado, salvou-se por um triz de ser linchado por gente do Setor Direita. Mas nada disso impedirá o “ocidente democrático” de concluir que as eleições sempre serão “livres e democráticas”.
  • Um grupo de ativistas do Setor Direita cercou o prédio do Parlamento em Kiev, acusaram o regime atualmente no poder de indecisão e incompetência por ainda não terem atacado o leste da Ucrânia. O Setor Direita quer armas para “fechar a fronteira com a Rússia e dar cabo da insurreição no leste”.
  • Depois de algumas negociações, deram ao suposto “presidente” o prazo de 24 horas para aceitar todas as suas exigências. Yulia Timoshenko parecia apavorada; parece que declarou que o Setor Direita deve assumir imediatamente o poder.
  • Agora já não há dúvidas de que começou a operação “antiterroristas”. Várias cidades e pelo menos um aeroporto no leste foram atacadas por forças pró-regime de Kiev. Há notícias de combates em vários pontos da região.
  • Enquanto isso, EUA e União Europeia preparam nova rodada de sanções contra... Já adivinharam: contra a Rússia.
  • Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Rússia, disse que, se o regime de Kiev usar de violência, as conversações marcadas para 5ª-feira (17/4/2014), em Genebra, serão inúteis.
  • Putin telefonou a Obama e eles tiveram o que os diplomatas descrevem como “franca e animada troca de ideias”. 
  • Está confirmado: o vídeo do suposto “Tenente-coronel russo” é falso. Foi feito por membro do Partido UDAR de Klitschko.
Mapa da Ucrânia - a região rebelada está pintada em tons médios e mais escuros de laranja
Parece que depois de alguns dias de confusão e caos, o regime de Kiev e seus patrocinadores ocidentais resolveram tentar resolver o problema pela força bruta.

A estratégia maximalista de “sem conversas; só violência” faz pleno sentido com a prática usual dos EUA e o currículo dos neonazistas de Kiev. Por alguns dias, houve indícios de que talvez pudesse acontecer alguma negociação real. Mas agora parece que já descartaram a ideia, a favor de ataque violento.

Ah, sim, claro! A recente visita do diretor da CIA a Kiev (já admitida pelo governo dos EUA) absolutamente nada teve a ver com isso. Claro. Com certeza.

Agora, muito dependerá da força com que os fascistas contem, para esse ataque.

Pessoalmente, duvido muito que o objetivo de pacificar o leste da Ucrânia seja alcançável. Os doidos podem derrubar uma cidade, ou duas, mas a possibilidade de derrotar todas é meta praticamente inexequível – sobretudo se tiverem de avançar de cidade a cidade, com o tempo correndo.

Além do mais, e ainda que o Kremlin não deseje ser posto nessa situação, tenho certeza de que os militares russos intervirão, caso o banho de sangue se torne massivo.

Estou começando a ter a sensação de que os militantes do 1% ocidentais concluíram que uma guerra civil na Ucrânia e/ou uma intervenção russa pode ser melhor opção que uma Ucrânia democrática e federalizada.

Dentro da lógica e do sistema de valores distorcidos deles, podem estar certos: há cada dia mais sinais de que um referendo ou qualquer chance democrática possa ser usado para que o leste da Ucrânia separe-se do país. E assim, pela via anglo-sionista tradicional, concluíram: “se não pode ser minha, queimamos tudo.”

A ideia de que a Ucrânia se possa converter em outro Afeganistão, contudo, é extremamente simplória. O Afeganistão era país unido exclusivamente em torno de uma força: o ódio ao ocupante estrangeiro.

Além do mais, as tropas soviéticas que lutaram lá estavam oficialmente cumprindo seu “dever internacionalista”, não estavam defendendo o próprio povo ou a própria terra. Mesmo assim, a União Soviética ocupou, sim, todo o Afeganistão, o que significa ocupar vasta área hostil. Estou absolutamente convencido de que os russos não organizarão operação militar para parar no rio Dniepr (e quem, na Rússia ou no leste da Ucrânia, precisa condenar-se a viver “sob o mesmo teto”, com nazistas galegos banderistas?!).

Por fim, e ao contrário do mito dominante, os militares soviéticos foram bastante bem sucedidos no Afeganistão, e só saíram de lá porque Gorbachev e o povo russo entenderam que seria sem sentido, além de absolutamente imoral, invadir outro país. Em outras palavras, os soviéticos saíram do Afeganistão por uma questão política, não pelo valor da resistência afegã, que não conseguiu manter-se nem três anos em Cabul depois da saída dos soviéticos.

Na Ucrânia, diferente do Afeganistão, tudo que os militares russos terão de fazer é varrer as forças envolvidas na repressão contra o leste; e deixar que os locais assumam o comando. Não é muito diferente do que os russos fizeram na Geórgia: eliminaram as forças armadas georgianas, ajudaram o pessoal de Ossétia Sul e Abecásia a organizar-se, retiraram-se e reconheceram a soberania das duas repúblicas.

Outra via possível para os militares russos é engajar-se em ataque curto, mas potente, contra instalações chaves e unidades envolvidas no golpe contra o leste da Ucrânia e, na sequência, deixar que os locais organizem sua “República de Donetsk”, ou Novorossia ou seja lá o nome que queiram dar, e reconhecer o novo estado independente. Nenhuma dessas alternativas era sequer remotamente possível no Afeganistão. Portanto, a conversa de “um novo Afeganistão para a Rússia” não passa de delírio desejante que as elites ocidentais inventaram para elas mesmas.

A próxima semana será crucial, e o resultado do conflito será decidido, provavelmente, nos próximos dias. Permaneçam sintonizados.

Saudações

The Saker

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Declaração de Vitaly Churkin, Embaixador da Rússia no Conselho de Segurança da ONU

12/4/2014 , The Saker - The Vineyard of the Saker
Traduzido da transcrição em inglês pelo pessoal da Vila Vudu

The Saker



Obrigado, Senhora Presidenta.

Hoje se ouviram muitas palavras, muitas declarações, mas a primeira impressão que gostaria de partilhar com meus colegas é que não estão prestando atenção ao relógio. Nesse momento são 21h30, o que significa que são 3h30 da madrugada na Ucrânia. Dentro de duas horas e pouco será dia, 14 de abril, na Ucrânia. Na verdade, é a hora em que, segundo ordens criminosas distribuídas pelo Sr. Turchinov, o Exército Ucraniano deverá entrar em ação para reprimir as manifestações de protesto.

Ouviram-se aqui muitas palavras injustas, mas com certeza a fala que supera todas as demais e supera até o que ele próprio já disse aqui, foi de meu colega ucraniano. Quer processar a Rússia por terrorismo. Por que nunca pensaram em processar os que aterrorizaram o seu próprio governo durante vários meses, até o dia 21 de fevereiro? Quem fez guerra contra a Polícia, quem queimou vivos oficiais de Polícia da Ucrânia, quem matou a tiros, policiais e pessoas que protestavam contra o governo e que parecem ser aliados do hoje governo de Kiev? O senhor jamais antes os chamou de terroristas e, isso, por alguma razão. E até os eximiu de qualquer responsabilidade por suas ações criminosas, que se repetiram por vários meses.

Outra vez, infelizmente, se ouviram aqui várias acusações ridículas contra a Rússia. Disseram que a Rússia quer desestabilizar a Ucrânia, até que tenta sufocá-la. Tão preocupados estão com a Ucrânia! Mas por que não responderam nosso pedido para que se iniciasse um diálogo sobre como ajudar a Ucrânia a enfrentar e combater uma crise quando ela estava começando? Por que só fizeram incitar o confronto, para que continuasse? Por que aconteceu tão tarde a manifestação dos ministros de Relações Exteriores da França, da Alemanha e da Polônia, dizendo que a União Europeia, sim, realmente precisava conversar com a Rússia sobre perspectivas econômicas da Ucrânia, Geórgia e Moldávia, no caso de esses países virem a associar-se à União Europeia? Por falar nisso, não me lembro de ter ouvido alguém, em Bruxelas, que apoiasse a posição daqueles ministros. Fomos acusados de “sufocar a Ucrânia” porque nos recusamos a doar, gratuitamente, nosso gás natural à Ucrânia.

Esperemos, para saber qual será a resposta dos Ministros da União Europeia, até dia 14 de abril, à carta do presidente Putin sobre como podemos trabalhar juntos para arrancar a Ucrânia do pântano econômico em que está.

E Washington – que, de fato, nem está na lista dos que receberam essa carta – já está pressionando a Europa e já diz que a carta seria “chantagem econômica”. Esperemos para vez se ainda resta alguma soberania à União Europeia, se é capaz, ou não, de tomar decisões racionais.

Durante toda a crise na Ucrânia, a Rússia votou “não” a qualquer movimento que contribuísse para acirrar os ânimos e desestabilizar o país. Não nos interessa nem acirrar os ânimos nem desestabilizar o país – absolutamente não nos interessa, porque a Ucrânia é nosso importante parceiro econômico e político, país muito próximo da Rússia em vários sentidos. A Rússia sempre votou contra a desestabilização da Ucrânia. Não somos absolutamente culpados pela situação que se observa hoje.

O Sr. Fernandes Tarancoa disse que representantes da ONU começaram a observar ações em que pessoas do sudeste da Ucrânia estariam capturando alguns prédios do governo. Não se pode esquecer que, evidentemente, muito aprenderam de Maidan e de Kiev, em matéria de capturar prédios públicos. Lá, capturaram prédios públicos durante meses!

Nossos parceiros ocidentais dizem que Maidan foi “exemplo de democracia”, não se sabe por quê. Mas mudam de opinião sobre as mesmas técnicas, quando o pessoal do sudeste faz coisa semelhante.

Aconteceu dia 6 de abril, já se passou um mês e meio desde 21 de fevereiro, quando o presidente Yanukovich foi derrubado e assinou-se acordo que, sim, impediria o agravamento ainda maior da situação.

Desde o início dissemos sempre que aquele acordo tem de ser implementado. Que talvez se tenha de convocar uma Assembleia Constituinte, para que se possam fazer gestos decisivos para o sudeste da Ucrânia. Algum gesto foi feito?

Pode-se dizer que sim: finalmente, o Sr. Yatsenyuk foi [ao sudeste da Ucrânia], disse alguma coisa e partiu no dia seguinte. Mas, um dia depois, o Sr. Turchinov discursou e disse que discorda de Yatsenyuk. Fato é que eles preferem usar a força.

Têm-se observado outros eventos preocupantes, durante várias consultas que mantemos com nossos colegas ocidentais. O Ministro de Relações Exteriores, Sergey Lavrov, como os senhores sabem, conversa quase todos os dias, por telefone, com o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry.

Em todos os telefonemas, Kerry dá sinais de que compreende – porque é compreensível – que não entendamos coisa alguma dessa confusão, e tenta, e procura fazer alguma coisa, e tenta falar com Kiev para ajudá-los a compreender as necessidades e as preocupações do sudeste, sobre a autonomia e os direitos deles à própria língua.

Então, de repente, um dos deputados deles faz um discurso no Congresso e diz “Sabemos que essas conversas darão em nada, mas temos de gastar o tempo”. Gastar o tempo. Quer dizer: será que haveria algum cenário de  Turchinov “usar o exército”, na cabeça de alguém em Washington? É mais que hora de parar de culpar a Rússia, que estaria procurando a desestabilização.

A representante dos EUA mencionou que o Vice-Presidente Biden irá à Ucrânia, se lembro bem, dia 21 de abril. Mas por que esperar tanto? Ele que pegue um telefone e telefone ao Sr. Turchinov, como telefonou tantas vezes ao Presidente Yanukovich, antes de 21 de fevereiro. Que o vice-presidente Biden diga ao Sr.Turchinov o mesmo que disse ao Sr. Yanukovich. Segundo o gabinete de imprensa do vice-presidente, ele disse “Não use força, pelo amor de Deus! Tire seus policiais do centro de Kiev”. Foi o que o Sr. Biden disse.

E agora? Agora os EUA aprovarão aquela ordem criminosa, para usar o exército contra civis? Por que, quando o povo estava indo assaltar a residência do presidente ucraniano os EUA pediram que não usassem a força e, agora, na situação atual, mudam completamente de posição, adotam o ponto de vista oposto e apoiam a ordem de Turchinov?

Por tudo isso, Sra. Power, por favor, peça que o Vice-Presidente Biden telefone ao Sr. Turchinov imediatamente, já, porque dentro de algumas horas os eventos podem tomar rumo irreversível.

Alguns colegas disseram, sobre aquele encontro que foi anunciado, que deve, com sorte, acontecer dia 17 de abril. A verdade é que estivemos tentando todas e quaisquer formas de diálogo – há vários meses, e especialmente depois de 21 de fevereiro – que conteriam a crise; e acertamos que haveria um encontro entre o Ministro de Relações Exteriores da Rússia, o secretário de Estado dos EUA, a alta comissária da União Europeia, Sra. Ashton, e o Ministro interino de Relações Exteriores da Ucrânia. Esperávamos que dessa reunião brotasse um amplo diálogo político sobre a Ucrânia, que surgisse dali uma saída da crise. Mas alguém realmente supõe que alguma conversa seja possível, se o exército ucraniano iniciar operações militares? Qualquer conversa estará, nessas circunstâncias, absolutamente desvirtuada.

Por favor, portanto, paremos com especulações, perseguições, caçando fantasmas russos em todos os cantos da Ucrânia, e nos concentremos no que podemos fazer – nesse ponto, falo diretamente aos meus colegas ocidentais – para impedir ações temerárias, impensadas do governo de Kiev, que acaba de dar essa ordem criminosa, dada pelo Sr. Turchinov. Temos de impedir que aconteça. As consequências serão terríveis sobre o povo da Ucrânia e temos de evitar que aconteça.

Obrigado.

(Na sequência, depois da fala dos representantes da Ucrânia e dos EUA)

Dessa vez, falarei bem menos. Só preciso dizer duas coisas. Primeiro, Yuriy Anatolievich, você chama o seu próprio pessoal de “bandidos” com excessiva facilidade. Excessiva facilidade. O “Setor Direita” e os demais que, hoje, dizem que precisam sair matando gente, essa gente não são “bandidos”. Essa gente – foi com certeza o que você quis dizer − é a “elite política” em Kiev [ironia]. E os que protestam hoje no leste, com certeza, nada fariam se a Rússia não os mandasse fazer [ironia]. Estou entendendo. Para entender o horror do que o governo de Kiev está fazendo na Ucrânia… só se a Rússia mandar fazer. Entendi [ironia]. Ninguém na Ucrânia é capaz de entender coisa alguma. São radicais chegados da Rússia, que dizem a eles que lá estão para implantar uma nova ordem a ferro e fogo. Entendi. Se os russos não descerem lá e explicarem tudo aos ucranianos do leste, eles não entendem nada. Toda a experiência de uma vida inteira deles no próprio país deles, é nada, nada ensina. Como é possível? Por que vocês insistem nessa abordagem tão simplória?

E, por fim, quanto ao que disse nossa colega dos EUA, Sra. Power. Até agora, ainda não manifestou sua posição sobre essa ordem para usar o exército no leste da Ucrânia. Assim sendo, ainda tenho esperança de que, depois da reunião de hoje, como disse também ao nosso colega ucraniano e a outros de nossos colegas ocidentais, espero que todos peguem os telefones e telefonem aos seus patrões e digam a eles que façam valer a influência que tenham sobre o governo de Kiev. Que suspendam a luz verde para o ataque. Porque ninguém, no governo de Kiev, faz coisa alguma sem a aprovação deles. E nosso objetivo deve ser resolver os problemas mediante o diálogo, não em confronto militar.

Obrigado.