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O estranho caso de uma campanha bacana, a favor dos livros, que incomoda

Mauricio Stycer

21/01/2014 15h23

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Bruno (Malvino Salvador) acaba de descobrir que sua mãe, Ordália (Eliane Giardini), está namorando Herbert (José Wilker), ex-noivo de sua irmã Gina (Carolina Kasting). Triste, abatido, cabisbaixo, ele entra em casa e encontra Paloma (Paolla Oliveira) lendo na cama.

"Oi, meu amor", ela diz. "O que foi?", pergunta, assustada com a cara do amado. "Aconteceu alguma coisa? Você parece abatido?" Bruno se senta, suspira e diz: "É a vida, meu amor. A vida, às vezes, dá uma rasteira na gente". Levanta a cabeça, sorri e pergunta: "O que você está lendo?"

"Tô lendo 'Antes do Baile Verde', da Lygia Fagundes Telles. Você sabe que eu adoro. Esse é um dos meus favoritos. Já li várias vezes. Ela costuma escrever sobre sentimentos profundos e misteriosos", diz, antes de emendar: "Falando sobre mistério, eu posso saber o que aconteceu?" (a cena, exibida no capítulo de segunda-feira, 20, pode ser vista aqui)

Num país com índices indigentes de leitura, qualquer incentivo ao hábito de ler deve ser saudado com entusiasmo. É o caso desta campanha em curso em "Amor à Vida". Walcyr Carrasco está claramente empenhado em promover livros na novela, o que deve ser elogiado com todas as letras.

Há, porém, um efeito colateral, talvez causado justamente pela empolgação do autor. Carrasco conseguiu algo aparentemente impossível com o seu esforço de divulgação de livros: está provocando incômodo.

De forma obsessiva, o autor tem inserido menções a livros nas mais variadas tramas e situações, frequentemente provocando a sensação de que a referência é forçada, não natural, como o merchandising de um produto qualquer. Em alguns casos, o efeito é tão canhestro que resulta cômico.

Recebi, por exemplo, a seguinte mensagem da leitora Edna Becker: "Você percebeu que na novela 'Amor à Vida' todo santo capítulo vem alguém do nada e cita algum livro que está lendo? Aqui em casa isso já virou motivo de piada. Dá até a impressão que eles estão devendo pagar algum castigo e são obrigados a fazer comerciais gratuitos de livros e autores."

amoravidalivro2Para ilustrar o seu ponto, Edna cita uma cena, exibida há algumas semanas, na qual Vega (Christiane Triceri) desmascara Thales (Ricardo Tozzi), acusando-o de querer dar um golpe em Natasha (Sophia Abrahão). De repente, o tom da conversa muda e ela cita um autor e um livro. Reproduzo o texto da personagem Vega, dito de uma vez para Thales:

"Você não precisa escrever o romance do século. Você pode viajar pelo mundo, fazer reportagens e transformar isso em grandes livros. Como esse aqui, comprei pra você: 'Dias de Inferno na Síria', do jornalista Klester Cavalcanti. Foi para a Síria no meio da guerra. Foi preso, ameaçaram cegar os olhos dele. Ele voltou e escreveu esta experiência. Ganhou o prêmio Jabuti. Essa sim é uma bela maneira de viver. Agora, você! Fica tentando dar golpes em meninas ricas."

"Ficou claro que a barra foi forçada. Diálogo ruinzinho", escreve a leitora. A cena pode ser vista aqui.

Em entrevista ao jornal "Extra", Carrasco explicou: "Quero mostrar que o livro é algo que todo mundo usa normalmente, que faz parte do cotidiano das pessoas, não só na vida escolar. São autores em quem eu boto fé… Estabeleço na minha cabeça que tipo de livro aquele personagem leria, qual gênero estaria mais de acordo e, assim, vou da alta literatura à autoajuda".

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.