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Internet muda o papel da publicidade

Profissionais enfrentam o desafio de criar narrativas para diferentes mídias e momento, em vez de simplesmente vender um produto
Publicidade digital Foto: Andrew Harrer / Bloomberg News
Publicidade digital Foto: Andrew Harrer / Bloomberg News

Se há 20 anos a internet começou a alterar a forma de as marcas se comunicarem, hoje o mundo digital continua trazendo desafios para a publicidade. Mas as mudanças, até bem pouco tempo  restritas às redes sociais e aos vídeos sob demanda, ganham fôlego extra com as quase quase 2 mil segmentações, lista que inclui até os meios mais tradicionais, como televisão, rádio e mídia impressa (jornais e revistas).  Em um mundo que vai além de Facebook e Twitter, as empresas vêm descobrindo a cada dia nova plataformas de comunicação, nascidas de start ups a gigantes da tecnologia, como Snapchat, Uber, Spotify e a febre do momento Pokemon Go, de realidade virtual.

Na tentativa de se aproximar cada vez mais dos consumidores, o publicitário Armando Strozenberg, presidente do Grupo Havas, diz que a proliferação de novas plataformas fez com que a publicidade deixasse de pensar em apenas um meio para veicular uma mensagem. Hoje, continua o especialista, o esforço é criar narrativas diferentes para momentos específicos. Segundo dados do Kantar Ibope Mídia, a TV reponde por cerca de 62,9%, seguido de internet (com 9,7%), TV paga (9,2%), jornais (8,2%), revistas (4,6%), rádios (3,6%), mídia exterior (1,3%) e cinema (0,6%).

- Antes se planejava um anúncio para jornal, outro para revistas, um spot para rádio, comerciais para televisão. Hoje, tudo se desdobra na internet ou spots em streaming de emissoras de rádio que se esparramam até o Spotify. Das antigas quatro segmentações de uma campanha, ela pode ser trabalhada hoje em 1.920 segmentações. Os banners não são mais estáticos. Pode-se montá-los em tempo real de acordo com o comportamento digital do consumidor. A publicidade não pensa mais em termos de meio e mensagem, raciocina-se em contato e narrativa: qual é a melhor plataforma para tocar as pessoas em determinado momento. O fato é que há hoje muito maior possibilidade de contato, personalização e diferenciação - afirma Strozenberg.

A internet trouxe ainda mudanças nos outros meios, com a mídia imprensa, por exemplo, buscando ampliar plataformas de contato com o consumidor, exemplifica Strozenberg.  As redes sociais, por exemplo, trouxeram interação; depois os celulares inteligentes, como o iPhone (da Apple) e o Galaxy (da Samsung), adicionaram os aplicativos e os recursos de localização , ampliando o conhecimento das marcas sobre a vida "ontime" das pessoas, destaca Strozenberg.
- A internet transformou o consumo de conteúdo em algo on demand. E com isso todo mundo passou a fazer conteúdo. Esse é um comportamento que veio para ficar, com o conceito de experiência - pondera Strozenberg.
FORÇA DO CELULAR

Flávio Martino, sócio da agência Giacometti, destaca a força do celular, que vem ganhando importância a cada ano com novos aplicativos e hoje é o principal elo entre o real e o virtual. Com isso, o o consumidor virou multi-telas. Por isso, diz o especialista, a mensagem publicitária passou a estar acima das plataformas:

- Essas novidades trouxeram um novo comportamento ao consumidor. Não é uma mídia que vai impactar o público, mas o conjunto. Pedimos táxi de forma diferente. Compramos o que queremos sem precisar sair de casa. Diria que moldou o mundo que estamos e criou novas gerações totalmente incorporadas à este novo mundo - diz Martino.

Com todas essas transformações, Marcos Facó, professor do MBA em Marketing Digital da Fundação Getulio Vargas (FGV) brinca dizendo que a publicidade saiu do  "romaticismo da criatividade no fim dos anos 1990 para o pragmatismo  da performance atualmente". Isso porque, afirma ele, é possível identificar hoje os passos dos clientes, seja com os impactos das peças gráficas e da busca ou com o clique de compra. Mas o desafio, destaca, é o que faz o consumidor clicar em determinado conteúdo.
- Assim, a  principal mudança foi que o consumidor passou a deter o poder de se relacionar com as marcas de igual para igual. As marcas passaram a concorrer não mais com outras marcas, mas  com as pessoas.  O principal desafio é entender o comportamento deste novo consumidor. Entender as razões que os levam a usar as redes sociais ou a ler uma notícia. Como busca determinado produto, qual tipo de navegação percorreu até a compra. Temos as ferramentas para os efeitos, que são as métricas. Mas ainda não temos as ferramentas adequadas para as causas - destaca Facó.
Com a  internet - que em alguns casos já chega a responder por até 80% da verba publicitária de grandes clientes de consumo -, o vídeo vem ganhando importância entre as empresas por ser o meio mais fácil de se comunicar, acredita Gustavo Otto, vice-presidente de Planejamento da agência NBS. Segundo ele, a maior importância ocorre pelo fato de que as gerações mais novas não assistem televisão de modo tradicional e sim através de YouTube, Facebook, Netflix e Snapchat.
- Mas cada canal tem características específicas. No Facebook, há suporte de subtítulos e outros elementos gráficos, porque as pessoas tendem a ver o vídeo sem volume. O YouTube funciona como uma nova TV. E o Snapchat é o reino do improviso e do amador, já que a estética da rede é não ter produção. Um fato interessante é que o Snapchat influencia o jeito de consumir videos.Além da questão do tempo limite, é a única rede que os videos são gravados na vertical, o que permite ver mais vídeos, em menos tempo, sem ter que mudar a posição do celular, como nas outras redes. Tudo isso aparece como novidade para a publicidade - diz Otto. - As pessoas não estão atras de monólogos, mas de diálogo. Aos veículos caberá flexibilizar algumas regras e se tornar mais parceiros na produção de conteúdo.
CONSUMIDOR PARCEIRO

É por isso que Fabro Steibel, professor de Comunicação Digital da ESPM Rio, diz que a publicidade nos últimos 20 anos ganhou, além da internet, outro parceiro: o consumidor.
- Hoje a publicidade tem que ser criativa e espalhável. As pessoas tem que poder comentar, se apaixonar, compartilhar e recriar. Uma imagem vale mais que mil palavras, um vídeo vale mais que mil imagens. Vídeos que consumimos hoje são curtos e interessantes. Todas as plataformas estão investindo nisso. Mas o que seria hoje do primeiro sutiã da Valisère se tivéssemos Snapchat? Provavelmente, a criatividade que a equipe de Washington Olivetto colocou naquele comercial se adaptaria aos dias de hoje - pergunta Steibel.

Ele diz ainda que a internet traz novos desafios, como a forma de calcular o retorno financeiro de uma campanha. Ele cita um exemplo:
- Monetizar a publicidade é uma tarefa cada vez mais complexa  e com cada vez mais intermediários. Uma rede social veicula o anúncio criado pela agência, que circula em um jornal e que será compartilhada em uma aplicativo de mensagens instantâneas. Como monetizar isso?  Pela produção do anúncio ou pelo consumo? Pela exibição da peça ou pela reação a ela?
Bruno Dreaux, sócio da agência digital AMO, acredita que os meios tradicionais, como TV, rádio e mídia impressa, ainda são relevantes. Mas os especialistas ressaltam que o papel vem mudando. Eles citam o uso da convergência em portais digitais. André Pedroso,  vice-presidente de criação da agência Momentum Brasil, diz que o Brasil, pelo seu tamanho, ainda depende da televisão, jornal e rádio para levar a informação a todos os cantos do país.
- Os veículos tradicionais hoje estão tentando se adaptar a um novo comportamento de leitura e de audiência do consumidor. Se uma marca não estiver aberta a manter o diálogo de forma sincera com o consumidor, através dos novos meios, ela sem dúvida vai fracassar. Agora, temos a tecnologia VR  (de realidade virtual,que vem fazendo sucesso com o game Pokémon Go). Quando for mais difundida, os vídeos poderão incluir o consumidor nos roteiros. Ele vai poder participar ativamente de um roteiro - prevê Pedroso.
Agora, o setor já traça o futuro: a publicidade sob demanda, como o Uber oferece transportes e o AirBnB serve hospedagem. A ver.