Subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão não pode ser ministro da Justiça

http://goo.gl/jfRRQf | O subprocurador-geral da República, Eugênio José Guilherme de Aragão, acaba de ser nomeado ministro da Justiça. Ora, o Supremo Tribunal Federal, em recentíssima decisão, entendeu consoante notícia de julgamento da ADPF 338/DF que:
No mérito, o Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente em parte a ação para estabelecer a interpretação de que membros do Ministério Público não podem ocupar cargos públicos, fora do âmbito da Instituição, salvo cargo de professor e funções de magistério, declarando a inconstitucionalidade da Resolução nº 72/2011, do CNMP, e determinar a exoneração dos ocupantes de cargos em desconformidade com a interpretação fixada, no prazo de até vinte dias após a publicação da ata deste julgamento, ausente, na apreciação do mérito, o Ministro Marco Aurélio.
O motivo dessa decisão foi a ADI 5.172/DF, depois reautuada como a ADPF 338/DF.

Pois bem, mesmo diante dessa decisão enfática do Supremo Tribunal Federal, insiste o Poder Executivo em nomear um subprocurador-geral da República, membro do Ministério Público Federal, como ministro da Justiça, que, aliás, atuou junto ao Tribunal Superior Eleitoral, sendo próximo do atual procurador-geral da República, que investiga a operação “lava jato” envolvendo diversos políticos, empresários, funcionários etc.

Três questões surgem dessa nomeação:

a) A impossibilidade de nomeação do referido senhor por ofensa ao artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição que estabelece a vedação de membro do Ministério Público “exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério”;

b) A desobediência clara a decisão do STF; e

c) O transparente desvio de finalidade de tal nomeação com o claro objetivo de dificultar as investigações da operação “lava jato”.

Passo à primeira questão da impossibilidade de nomeação do referido senhor por ofensa ao artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição.

Em que pese o disposto no artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição estabelecer vedação ao exercício de qualquer outra função pública, salvo o magistério, o texto político em seu ADCT, artigo 29, parágrafo 3º estabeleceu que:
Art. 29. (.....)
§ 3º Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta.
A Lompu, Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/93), por seu turno estabeleceu em seus artigos 281 e 282 que:
Art. 281. Os membros do Ministério Público da União, nomeados antes de 5 de outubro de 1988, poderão optar entre o novo regime jurídico e o anterior à promulgação da Constituição Federal, quanto às garantias, vantagens e vedações do cargo.
Parágrafo único. A opção poderá ser exercida dentro de dois anos, contados da promulgação desta lei complementar, podendo a retratação ser feita no prazo de dez anos.
Art. 282. Os Procuradores da República nomeados antes de 5 de outubro de 1988 deverão optar, de forma irretratável, entre as carreiras do Ministério Público Federal e da Advocacia-Geral da União.
§ 2º Não manifestada a opção, no prazo estabelecido no parágrafo anterior, o silêncio valerá como opção tácita pela carreira do Ministério Público Federal.
Há que se notar que na Constituição de 1967/69, o Ministério Público da União era vinculado ao Poder Executivo, e somente com a Constituição de 1988, pelo parágrafo 1º do artigo 127, é que ficaram estabelecidos os princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional, deixando o Ministério Público de ser subordinado ao Poder Executivo.

E mais, consoante o parágrafo 2º seguinte do artigo 127, “ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento”.

Pois bem, exatamente diante da independência funcional e administrativa do Ministério Público é que o artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição veda o exercício de qualquer outra função pública de membro do Ministério Público, pois tal exercício pode gerar conflito de interesses entre as funções independentes desse membro do MP e os interesses de qualquer administração pública.

Nesse sentido, deve-se notar que, na Constituição de 1967/69, os procuradores da República também eram procuradores da União; hoje, os procuradores da República são membros do Ministério Público, e os antigos que optaram passar à Advocacia-Geral da União como membros da Procuradoria-Geral da União continuam exercendo o cargo de procurador da União, porém deixaram de ser membros do Ministério Público, como assentado nos artigos 127 e 128 da Constituição de 1988.

Portanto, os que permaneceram no Ministério Público, aqueles que não optaram, agora são procuradores da República — membros do Ministério Público, como é o caso do senhor Eugênio José Guilherme de Aragão, jamais poderiam ser nomeados ministro de qualquer pasta, por ofensa ao disposto no artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição.

Não é simplesmente o fato de um procurador da República, membro do Ministério Público Federal, ter sido nomeado antes de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição que o faz livre da vedação do artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da atual Constituição. Para ter se livrado de tal vedação, seria necessário que o mesmo tivesse optado para a carreira de procurador da União, dentro do quadro da Advocacia-Geral da União.

A segunda questão da desobediência clara a decisão do STF: não é preciso dizer que a decisão do STF, na ADPF 338/DF, é bem clara quanto a tal vedação, como se viu no julgamento de 9 de março passado, ao entender que “membros do Ministério Público não podem ocupar cargos públicos, fora do âmbito da instituição, salvo cargo de professor e funções de magistério, declarando a inconstitucionalidade da Resolução 72/2011, do CNMP, e determinar a exoneração dos ocupantes de cargos em desconformidade com a interpretação fixada...”.

Também a jurisprudência daquele excelso tribunal já estabelecia na ações diretas de inconstitucionalidade 2.836/DF, 2.084/DF e 2.534/MC, cujas ementas são as seguintes:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 106/03. LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ARTIGO 9º, § 1º, ALÍNEA "C", E ARTIGO 165. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DOS CANDIDATOS AO CARGO DE PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA. (...) 3. O artigo 165 da lei orgânica do MP do Estado do Rio de Janeiro é mera reprodução do artigo 29, § 3º, do ADCT da Constituição do Brasil. Aos integrantes do Parquet admitidos antes da CB/88 aplicam-se as vedações do texto constitucional. 4. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improcedente.” (ADI 2836, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 17/11/2005, DJ 09-12-2005 PP-00004 EMENT VOL-02217-01 PP-00182 RJP v. 2, n. 8, 2006, p. 140 LEXSTF v. 28, n. 325, 2006, p. 79-88 RMP n. 32, 2009, p. 271-277) (grifei)
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 170, V E PARÁGRAFO ÚNICO; E 224, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI COMPLEMENTAR N.º 734/93, DO ESTADO DE SÃO PAULO (LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL). ALEGADA OFENSA A DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Interpretação conforme à Constituição dada ao art. 170, V, da Lei Complementar nº 734/93, para esclarecer que a filiação partidária de representante do Ministério Público paulista somente pode ocorrer na hipótese de afastamento das funções institucionais, mediante licença e nos termos da lei, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Interpretação da mesma natureza dada ao art. 170, parágrafo único, da lei em apreço, para determinar que a expressão "o exercício de cargo ou função de confiança na Administração Superior" seja entendida como referindo a Administração do próprio Ministério Público. (ADI 2084, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 02/08/2001, DJ 14-09-2001 PP-00049 EMENT VOL-02043-01 PP-00169 RTJ VOL-00179-03 PP-01009) (grifei)
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI COMPLEMENTAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ORGANIZAÇÃO DO PARQUET ESTADUAL - REQUISIÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS PELO PROCURADOR-GERAL. MATÉRIA DA COMPETÊNCIA DO GOVERNADOR. PRERROGATIVAS DE FORO. EXTENSÃO AOS MEMBROS INATIVOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA, DISPUTA E EXERCÍCIO DE CARGO ELETIVO. NECESSIDADE DE LICENÇA PRÉVIA. AFASTAMENTO PARA O DESEMPENHO DE FUNÇÕES NO EXECUTIVO FEDERAL E ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE.
(...)
5. O afastamento de membro do Parquet para exercer outra função pública viabiliza-se apenas nas hipóteses de ocupação de cargos na administração superior do próprio Ministério Público. Inadmissibilidade da licença para o exercício dos cargos de Ministro, Secretário de Estado ou seu substituto imediato. Medida cautelar deferida em parte. (ADI 2534 MC, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 15/08/2002, DJ 13-06-2003 PP-00008 EMENT VOL-02114-02 PP-00309) (grifei)
Portanto, diante da jurisprudência pacífica do STF, a nomeação do senhor Eugênio José Guilherme de Aragão representa uma agressão do Poder Executivo ao Judiciário; um acinte à sua orientação jurisprudencial e uma agressão ao disposto no artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição.

Quanto à terceira questão do desvio de finalidade de tal nomeação com o claro objetivo de dificultar as investigações da operação “lava jato”

Noticiam os meios de comunicação que “Ministro da Justiça diz que vai apurar grampos, 'doa a quem doer'” (Notícias UOL 17/3/2016) e que o “Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos” (16/3/2016 — Marcelo Auler), destacando-se:
O anúncio do nome do novo ministro da Justiça, o subprocurador da República Eugênio Aragão, de 56 anos, trouxe preocupação há muitos e logo começaram a surgir “velhas denúncias” contra o mesmo em uma tentativa de mostrar que seu objetivo é controlar o Departamento de Polícia Federal (DPF) para paralisar as investigações da Operação Lava Jato.
Ora, diante dessas e de tantas outras notícias da imprensa, surge claramente que a nomeação do referido senhor tem por objetivo amordaçar, algemar a Polícia Federal em suas investigações da operação “lava jato”, além, de todas as afrontas à Constituição e ao Judiciário, fazendo deboche de suas decisões em grave agressão ao princípio da harmonia e independência dos poderes da República insertos no artigo 2º da Constituição.

Não resta dúvida de que o objetivo da nomeação foi, de forma oblíqua, obstaculizar as investigações da Polícia Federal na operação “lava jato”. Nesse caso, configura-se o chamado desvio de finalidade o que macula de nulidade tal nomeação.

Alcebíades da Silva Minhoto Junior[1], sobre o desvio de poder, ou de finalidade, assevera:
No desvio de poder (détournement de pouvoir sviamento de potere, abuse of discretion) a Administração age com a lei, porém desvirtuando a sua finalidade. Opera com o material legislativo, mas de modo a aplicá-lo fora das lindes balizadas pelo interesse público. Em uma palavra: ocorre a substituição da vontade da norma (legal ou administrativa) pela vontade ou conveniência do próprio administrador, numa aberração como diz o Prof CRETELLA JUNIOR, “Do desvio de poder, 1964. (grifei)
Havendo desvio de poder ou de finalidade, o ato é nulo, e também por essa razão, por desvirtuar a vontade da lei, mesmo supondo-se possível tal nomeação, e não é, também por isso, a nomeação do senhor Eugênio José Guilherme de Aragão para o cargo de ministro de Estado da Justiça é nula por ofensa aos princípios da legalidade e da moralidade que informa a conduta da administração pública (artigo 37, caput da CF).

Assim, o senhor Eugênio José Guilherme de Aragão também não pode ser nomeado ministro da Justiça, pelos motivos anteriormente levantados.

[1] Limites Típicos na Ação Administrativa em Matéria Tributária. Coedição IBDT – Editora Resenha Tributária/SP/1977. Págs. 66/67

Por Frederico de Moura Theophilo
Fonte: Conjur

1/Comentários

Agradecemos pelo seu comentário!

  1. Essa ação poderia entrar no processo de Impeachment? Visto que foi um ato de desvio de poder.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Agradecemos pelo seu comentário!

Anterior Próxima