Sociedade Brasileira de Física 

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  Boletim [014/2008]
  Porque Física de Partículas? (por Ronald Cintra Shellard)

 

Rio de Janeiro, 7 de maio, 2008

Caro Prof. Simon Schwartzman,

Li com interesse sua entrevista publicada nas páginas amarelas da Veja de 7 de maio, abordando vários assuntos que têm sido bastante discutidos no meio acadêmico e, em particular, pela comunidade de Física. Veja as publicações recentes "Física para o Brasil: Pensando o futuro", publicado pela Sociedade Brasileira de Física e, mais recentemente, o estudo encomendado pela CAPES, "Ciência para um Brasil competitivo - o papel da Física". Nestes trabalhos, vários dos pontos levantados em sua entrevista são analisados. Há pontos com os quais concordamos, outros de que discordamos. Mas estamos em acordo no que tange ao fato de que há muito a fazer no Brasil para melhorar os mecanismos de transformação do conhecimento científico e tecnológico em benefícios para a sociedade. Não há fórmula mágica, nem soluções óbvias para isto. É o confronto de idéias que acaba gerando as soluções.

Mas um tema abordado na sua entrevista causou-me grande decepção.
Refere-se a sua observação:

"Não tem sentido, por exemplo, o Brasil fortalecer sua pesquisa em física de partículas... Mario Schenberg e Cesar Lattes...Mas acabou aí. Depois disto ninguém fez mais nada. A física de partículas é hoje uma área bilionária. Depende de investimentos que nenhum país faz sozinho. O Brasil vai participar desse jogo para quê?"

Creio não ter sido sua intenção dizer o que foi dito, que o repórter da revista tenha traduzido erroneamente suas observações. Porque, dito do modo publicado, a observação expressa uma doença que por vezes acomete intelectuais: a arrogância da ignorância. A física das partículas não terminou com Schemberg e Lattes. Ela vai bem no Brasil, com uma produção intelectual respeitável e significativa. Nos grandes experimentos (bilionários), grupos brasileiros são parceiros respeitados e é fácil verificar isto de modo independente. Jornais têm publicado matérias atestando estas contribuições. O Brasil não vai participar deste jogo, o Brasil participa deste jogo e a razão é simples: porque traz benefícios para o cidadão que mora em Madureira, ou nos confins do Acre. Como? O exemplo mais simples é o www, inventado no CERN, e trazido ao Brasil pelos físicos de partículas. Sem eles, também teríamos a www, um par de meses mais tarde, é verdade. Mas qualquer tecnologia será trazida para o Brasil mais cedo ou mais tarde. Então a questão é: para que Ciência? Na verdade, participar desta área bilionária é um mecanismo muito eficiente de gerar avanços tecnológicos. É uma área que tem uma ação muito relevante no desenvolvimento de instrumentação, cujas aplicações posteriores nada têm a ver com física de partículas. Se o senhor já foi submetido a uma tomografia, esteve dentro de um detector de partículas. Se o Brasil está desenvolvendo uma indústria que é competitiva internacionalmente, sequer pode se dar ao luxo de não participar deste tipo de ciência.

Quanto dinheiro o Brasil vai botar nisso? Evidentemente, não há resposta fácil para a questão. É a mesma questão sobre quanto colocaremos em nanotecnologia, na busca da cura do câncer, ou na solução do problema da dengue. Depende de um processo complexo no qual é avaliada a probabilidade de sucesso científico das iniciativas, das suas conseqüências práticas e, também, do seu impacto econômico não só direto, mas também indireto. Há um exercício que talvez valesse a pena fazer. Estabelecer a correlação entre o investimento em física de partículas e o sucesso econômico dos países.
Países que tenham economias comparáveis à do Brasil. Suspeito, baseado em evidências superficiais, que a correlação é direta e linear.

Atenciosamente,

Ronald Cintra Shellard
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas


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