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Rio de Janeiro, 7 de maio, 2008
Caro Prof. Simon Schwartzman,
Li
com interesse sua entrevista publicada nas páginas amarelas da Veja de
7 de maio, abordando vários assuntos que têm sido bastante discutidos
no meio acadêmico e, em particular, pela comunidade de Física. Veja as
publicações recentes "Física para o Brasil: Pensando o futuro",
publicado pela Sociedade Brasileira de Física e, mais recentemente, o
estudo encomendado pela CAPES, "Ciência para um Brasil competitivo - o
papel da Física". Nestes trabalhos, vários dos pontos levantados em sua
entrevista são analisados. Há pontos com os quais concordamos, outros
de que discordamos. Mas estamos em acordo no que tange ao fato de que
há muito a fazer no Brasil para melhorar os mecanismos de transformação
do conhecimento científico e tecnológico em benefícios para a
sociedade. Não há fórmula mágica, nem soluções óbvias para isto. É o
confronto de idéias que acaba gerando as soluções.
Mas um tema abordado na sua entrevista causou-me grande decepção. Refere-se a sua observação:
"Não
tem sentido, por exemplo, o Brasil fortalecer sua pesquisa em física de
partículas... Mario Schenberg e Cesar Lattes...Mas acabou aí. Depois
disto ninguém fez mais nada. A física de partículas é hoje uma área
bilionária. Depende de investimentos que nenhum país faz sozinho. O
Brasil vai participar desse jogo para quê?"
Creio não ter sido
sua intenção dizer o que foi dito, que o repórter da revista tenha
traduzido erroneamente suas observações. Porque, dito do modo
publicado, a observação expressa uma doença que por vezes acomete
intelectuais: a arrogância da ignorância. A física das partículas não
terminou com Schemberg e Lattes. Ela vai bem no Brasil, com uma
produção intelectual respeitável e significativa. Nos grandes
experimentos (bilionários), grupos brasileiros são parceiros
respeitados e é fácil verificar isto de modo independente. Jornais têm
publicado matérias atestando estas contribuições. O Brasil não vai
participar deste jogo, o Brasil participa deste jogo e a razão é
simples: porque traz benefícios para o cidadão que mora em Madureira,
ou nos confins do Acre. Como? O exemplo mais simples é o www, inventado
no CERN, e trazido ao Brasil pelos físicos de partículas. Sem eles,
também teríamos a www, um par de meses mais tarde, é verdade. Mas
qualquer tecnologia será trazida para o Brasil mais cedo ou mais tarde.
Então a questão é: para que Ciência? Na verdade, participar desta área
bilionária é um mecanismo muito eficiente de gerar avanços
tecnológicos. É uma área que tem uma ação muito relevante no
desenvolvimento de instrumentação, cujas aplicações posteriores nada
têm a ver com física de partículas. Se o senhor já foi submetido a uma
tomografia, esteve dentro de um detector de partículas. Se o Brasil
está desenvolvendo uma indústria que é competitiva internacionalmente,
sequer pode se dar ao luxo de não participar deste tipo de ciência.
Quanto
dinheiro o Brasil vai botar nisso? Evidentemente, não há resposta fácil
para a questão. É a mesma questão sobre quanto colocaremos em
nanotecnologia, na busca da cura do câncer, ou na solução do problema
da dengue. Depende de um processo complexo no qual é avaliada a
probabilidade de sucesso científico das iniciativas, das suas
conseqüências práticas e, também, do seu impacto econômico não só
direto, mas também indireto. Há um exercício que talvez valesse a pena
fazer. Estabelecer a correlação entre o investimento em física de
partículas e o sucesso econômico dos países. Países que tenham
economias comparáveis à do Brasil. Suspeito, baseado em evidências
superficiais, que a correlação é direta e linear.
Atenciosamente,
Ronald Cintra Shellard Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
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