Entenda acusações contra atuação do papa na ditadura argentina

Papa Francisco (Foto AP)
Legenda da foto, Bergoglio nega as acusações dizendo que ajudou perseguidos políticos durante a ditadura

As acusações de que Jorge Mario Bergoglio teria sido "omisso" ou até "cúmplice" da repressão da última ditadura argentina (1976 - 1983) estão entre os motivos pelos quais o novo papa não é unanimidade em seu país.

Tais acusações são feitas por alguns jornalistas e integrantes de grupos de defesa dos direitos humanos, como as Mães da Praça de Maio e o Centro de Estudos Legais e Sociais. Mas nenhuma acusação formal foi aberta contra Bergoglio na Justiça argentina e o novo pontífice defende-se das denúncias mencionando casos em que teria ajudado perseguidos políticos.

Bergoglio estava à frente da Ordem Jesuíta quando os militares tomaram o poder na Argentina e seu nome é associado a pelo menos dois episódios obscuros desse período.

Segundo o jornal Pagina 12, há testemunhos de que em 1976 Bergolio teria "retirado a proteção" da Igreja dos sacerdotes jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalics, que faziam trabalho social com comunidades carentes de Buenos Aires, e terminaram sendo sequestrados e torturados.

As acusações são mencionadas no livro Iglesia y Dictadura, de Emílio Mignone, publicado em 1986, e em O Silêncio, de 2005, escrito pelo jornalista investigativo e ex-guerrilheiro argentino Horacio Verbitsky.

Ambos alegam que Bergoglio teria advertido os dois sacerdotes de que eles deveriam abandonar o trabalho social ou renunciar à Companhia de Jesus - o que, segundo o Pagina 12, teria sido interpretado como uma "luz verde" para a repressão.

Em 2010, Bergoglio teve de testemunhar sobre seu papel nessa época e não só negou todas as acusações como disse que teria se reunido com o ditador Jorge Videla e o almirante Emílio Masera para pedir ajuda para salvar a vida dos dois religiosos.

Segundo episódio

O segundo episódio sobre o qual o novo papa foi obrigado a prestar esclarecimento para a Justiça diz respeito ao desaparecimento da bebê Ana de la Cuadra nas mãos dos militares.

Bergoglio foi chamado a testemunhar quando era arcebispo de Buenos Aires, à pedido da Promotoria do país e da organização Avós da Praça de Maio - formada pelas avós de crianças sequestradas pela ditadura -, mas ele pediu para dar sua declaração por escrito.

A promotoria apresentou à Justiça cartas enviadas a Bergoglio pelo avô de Ana, nas quais ele pedia ajuda para encontrar a neta e a filha, Elena - que desapareceu quando estava grávida de 5 meses.

Com base nessas cartas, Estela, irmã de Elena, acusa o novo papa de mentir ao dizer que apenas nos últimos 10 anos começou a tomar conhecimento sobre o sequestro de bebês por militares argentinos e de não fazer tudo o que estava a seu alcance para colaborar com os julgamentos sobre os abusos da ditadura.

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Para defensores e simpatizantes do novo pontífice - entre eles seu biógrafo autorizado, Sergio Rubin - toda a Igreja Católica falhou ao não confrontar direta e abertamente a ditadura argentina e seria injusto culpar apenas Bergoglio por esse erro.

Na biografia, Rubin menciona relatos do novo papa de que ele teria tentado salvar alguns argentinos perseguidos pelo regime, escondendo fugitivos em propriedades da Igreja e dando seus próprios documentos a um desses perseguidos políticos para ajudá-lo a fugir para o Brasil.

Sob a liderança de Bergoglio, em 2012, os bispos argentinos pediram desculpas por sua incapacidade de proteger os fiéis do país durante o período da ditadura - mas a declaração culpava tanto os militares quanto os seus "inimigos" pelos abusos.

"Bergoglio tem sido muito crítico às violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura, mas também critica as guerrilhas de esquerda", explicou Rubin à agência de notícias Associated Press.