04/08/2016 06h00 - Atualizado em 04/08/2016 10h54

Documentos põem sob suspeita licitação de ônibus em Maringá

E-mails obtidos pelo G1 mostram esquema que atuaria pelo país.
Promotores investigam documentação em ao menos 19 municípios.

Nathalia Passarinho, Fausto Carneiro, Erick Gimenes e Thais KaniakDo G1, em Brasília e do G1 PR

Documentos exclusivos obtidos pelo G1, protocolados entre maio e julho deste ano nas promotorias de Justiça de diferentes municípios, apontam para a existência de um esquema de fraude em licitações para exploração de serviços de transporte coletivo em pelo menos 19 cidades de sete estados e do Distrito Federal, entre as quais Maringá (PR).

Conforme troca de e-mails aos quais o G1 teve acesso e investigações de promotores, a Logitrans, empresa da qual o engenheiro Garrone Reck foi sócio, era contratada pelas prefeituras para fazer estudos de logística e projeto básico de mobilidade, enquanto o filho dele, Sacha Reck, advogava para empresas interessadas.

ENVOLVIDOS EM SUPOSTAS FRAUDES NEGAM IRREGULARIDADES

De acordo com as investigações, com apoio de funcionário da prefeitura, Sacha Reck tinha acesso antecipado ao edital e, inclusive, ajudava na elaboração do documento.

Os documentos permitem deduzir que o esquema existe, pelo menos, desde 2007 e favoreceu, principalmente, empresas de duas famílias – Constantino e Gulin.

Arte fraude licitações ônibus (Foto: Editoria de Arte / G1)

 

O suposto esquema em Maringá
>> E-mails obtidos pelo G1 revelam que Sacha Reck, advogado de empresas dos grupos Gulin e Constantino, o pai dele, Garrone Reck, e Antonio Carlos Marchezetti, ambos sócios da empresa Logitrans, definem os termos do edital da Prefeitura de Maringá para a contratação de uma empresa destinada a elaborar projeto básico de licitação de transporte coletivo.

>> Conforme os documentos, os próprios sócios da Logitrans, empresa que concorreria no certame, elaboram o edital de licitação que deveria ser feito pela prefeitura. A Logitrans acaba sendo contratada, em 2010.

>> Os e-mails aos quais o G1 teve acesso demonstram ainda que Sacha Reck atua na parte “jurídica” da elaboração do processo de licitação, ao mesmo tempo em que defende os interesses da Transporte Coletivo Cidade Canção (TCCC), empresa interessada na licitação e que pertence à família Constantino. A TCCC vence o concorrência e fecha contrato com a prefeitura em junho de 2011.

Valores
Prazo de concessão de 20 anos, com faturamento de R$ 1,148 bilhão previsto para a empresa.
 

Trecho de e-mail de Antonio Carlos Marchezetti para Sacha Reck reunião do edital de Maringá (Foto: Reprodução)Trecho de e-mail para Sacha Reck sobre reunião a respeito do edital de Maringá (Foto: Reprodução)

O que indicam os e-mails
Os e-mails aos quais o G1 teve acesso indicam que, ao mesmo tempo em que elaborou o processo de licitação, Sacha Reck orientou a empresa TCCC, de propriedade da família Constantino, interessada no certame.

Entre a publicação do edital de licitação, em 24 de janeiro, e a abertura dos envelopes, em 14 de março, Sacha Reck opinou sobre documentos que a TCCC precisava apresentar, sendo consultado diretamente por um dos representantes da empresa, Alberto Crepaldi.

Em janeiro de 2011, Sacha Reck, Marchezetti e Garrone elaboram o edital de licitação, conforme e-mails trocados entre eles e obtidos pelo G1.

 

Em 14 de janeiro de 2011, Sacha Reck presta um serviço jurídico para empresas de ônibus, encaminhando parecer sobre uma lei de Maringá que trata de exclusividade no serviço de concessão.

O e-mail é enviado a Alberto Crepaldi, da Expresso Maringá, e a Joaquim Constantino Neto, do consórcio Comporte Participações, que pertence à família Constantino. A TCCC Maringá, interessada na licitação, é uma das empresas do grupo.

Ao longo de fevereiro de 2011, os sócios do consórcio interessado na licitação são aconselhados juridicamente por Sacha Reck, conforme e-mails trocados entre Sacha Reck e Alberto Crepaldi.

Em 14 de fevereiro de 2011, Alberto Crepaldi envia para Sacha Reck minuta de atestado, que está em nome da Prefeitura de Maringá, segundo o qual a TCCC é “por delegação deste Município, prestadora dos serviços público de transporte coletivo urbano de passageiros neste Município de Maringá-PR”.

“Sacha, Favor dá uma examinada”, pede Crepaldi a Sacha Reck.

Em 21 de fevereiro, Marchezetti informa a Sacha Reck que o prefeito pediu uma reunião “sigilosa” e não adiantou o assunto. 

“Sacha, bom dia hoje pela manha recebi ligação do Secretario Walter Guerlles me convidando para uma reunião em Maringá na quarta ou quinta feira eu marquei para quinta feira ele não quis me adiantar o assunto mas em pediu sigilo e disse que o Prefeito solicitou, o que será que esta ocorrendo, eu perguntei se seria necessária sua presença e ele disse que não é que será uma reunião sigilosa, te mantenho informado”, diz Marchezetti.

Em 14 de março de 2011, o prefeito Silvio Barros encaminha e-mail diretamente a Sacha Reck perguntando se em outras licitações ocorridas no país prevaleceu a vitória de empresa que já operava o sistema de transporte coletivo na cidade.

A mensagem indica preocupação do prefeito com contestações à vitória da TCCC, que já operava o sistema de transporte de Maringá.

“SACHA, MUTO IMPORTANTE. EM ALGUMA DESTAS LICITAÇÕES A EMPRESA QUE ESTAVA OPERANDO PERDEU ? SE EM TODAS QUEM ESTAVA NA OPERAÇÃO GANHOU ACHO QUE VAMOS ACABAR REFORÇANDO O ARGUMENTO DA AÇÃO POPULAR. FAVOR RESPONDER URGENTE SILVIO BARROS”, diz o prefeito, no e-mail endereçado a Sacha Reck.

Ministério Público
O Ministério Público afirma que, desde a deflagração da investigação, em 29 de junho deste ano, teve provas de que a organização criminosa agiu em Maringá, no processo licitatório para a contratação da empresa responsável pelo transporte coletivo municipal.

A promotora Leandra Flores ressalta que ainda não há denúncia referente a atuação da organização em Maringá, mas afirma que as investigações estão bastante “avançadas”.

“Já denunciamos o esquema em Guarapuava, mas as investigações continuam para aprofundar esses elementos de provas que conseguimos em relação a Maringá”, comenta.

Versão dos envolvidos
A empresa Transporte Coletivo Cidade Canção (TCCC) foi procurada pelo G1, mas não se pronunciou.

O ex-prefeito Silvio Barros negou irregularidades no processo de licitação em Maringá e afirmou que vai colaborar com as investigações.

"O transporte coletivo público de Maringá foi licitado no ano de 2011 por determinação judicial.  O processo licitatório foi questionado na Justiça e no Tribunal de Contas do Paraná, em ambos os casos as ações foram arquivadas, pois os julgadores entenderam que não ocorreram ilegalidades. Também foi objeto de CPI na Câmara Municipal, que igualmente não encontrou ilicitudes. A operação Riquixá do Ministério Público de Guarapuava provavelmente se desdobrara em investigações em todas as demais cidades onde os grupos mencionados estiveram envolvidos e isso inclui Maringá. Uma vez sendo solicitado, Silvio M. Barros prestara todas as informações e vai colaborar com as investigações.

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