A Lenda do Lago Dourado

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Edson Vanzella Pereira

A LENDA DO LAGO DOURADO

S達o Paulo / 2012


Copyright © 2012 by Edson Vanzella Pereira

Produção Editorial Editora Dracaena

Editor Léo Kades

Projeto Gráfico e Diagramação Francieli Kades

Capa César Oliveira

Revisão Bianca Carvalho Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto 6.583, de 29 de setembro de 2008) 1ª Edição: novembro / 2012

Pereira, Edson Vanzella

A Lenda do Lago Dourado / Edson Vanzella Pereira ISBN: 978-85-8218-062-4

1. Ficção. Literatura Infantojuvenil. Educação. I Título. Autor.

Publicado com autorização. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida sem a devida autorização da Editora.

Editora Dracaena

Rua Edson Crepaldi, 720 – Bal Rincão CEP 88820-000 - Içara – SC Tel. (48) 3468-4544 www.dracaena.com.br


Agradecimentos

Inicialmente, eu quero agradecer ao meu primeiro leitor, o amigo Roberto Eggers, que durante um voo para Xangai, na China, ciente de que eu estava escrevendo uma história, me pediu uma cópia da mesma. Naquele momento, a obra estava na metade. Ele contribuiu com sugestões importantes que foram inseridas ao conteúdo. De volta ao Brasil, sempre me pedia para que eu lhe enviasse o final do original. Sua insistência caracterizava que ele estava ansioso para saber como a história acabaria. Isso me entusiasmou. Para mim era um sinal auspicioso. Minha gratidão à brilhante professora Giselli Hummelgen, que de forma abnegada, leu esta obra, imprimiu página por página e fez dicas importantes, tendo o zelo de anotar suas sugestões de mudanças que ajudaram a aperfeiçoar o conteúdo ortográfico deste livro. Não poderia deixar de agradecer à competente Kyanja Lee (a minha grande guru), que, destilando críticas enérgicas e sem papas na língua quanto ao desenvolvimento da história, me fez perceber onde estava falhando e reescrever sob uma ótica literária moderna, que contribuiu de maneira fundamental para alcançar o formato final do livro.


Enquanto eu escrevia esta história, por diversas vezes pedi para minha esposa ler algumas cenas. Por intermédio de suas emoções, eu percebia quando o texto já estava pronto: às vezes, seus olhos se enchiam de água; outras vezes as lágrimas desciam pelo seu belo rosto. Era o termômetro para eu saber que atingira o meu objetivo com aquela determinada cena. Meu filho de 16 anos foi meu grande incentivador. Leitor assíduo da literatura moderna, ele me orientava se a linguagem utilizada estava em linha com os anseios da juventude. E quando a minha filha de 12 anos, após ler uma cena, veio chorando até mim, implorando para que eu mudasse o destino daquele personagem, compreendi então que a história demonstrava força para mexer com os sentimentos do leitor. Assim, gostaria de dedicar este livro a todos que me ajudaram, mas, de maneira especial, às três pessoas que eu mais amo neste mundo: meu filho Vinícius, minha filha Mariana e minha linda esposa Lia.


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Um dia fora do comum

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ax ouviu a mãe gritar da cozinha para o irmão mais velho: − Daaaaavid, acorda! Está na hora de ir para a escola! Com 14 anos e disposição constante, Max já se levantara e até acordara Peggy, a caçula de 5 anos, para irem à escola. Enquanto isso, David, um ano mais velho do que ele, continuava pregado à cama. − Daaaaavid, levanta logo! Se não vou aí com o chinelo, hein! − gritou novamente a mãe, impaciente, ao filho, refém da preguiça. Max e Peggy tomavam café com o pai, Peter Baltimore, e a mãe, Lisa, quando, por fim, chegou David, com cara de quem precisava dormir mais um pouco. Terminado o café da manhã, o pai deu o tom da conversa: − Estou indo! Quem quiser que venha comigo! Peter não enganava com falsas ameaças; David sabia bem disso. Por três vezes, fora obrigado a queimar energia de seus músculos, medindo, passo a passo, a distância da sua casa até a escola, por não ter se aprontado com a rapidez necessária. Após um beijo em Lisa, Peter se despediu, partindo com seus três filhos a bordo de seu velho Ford Taurus de cor branca. Aliás, não tão branca assim; a lataria decorada com alguns retoques de massa plástica cinza denunciava o seu dono − sem recursos para 7


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terminar a reforma de seu carro. Lisa foi deixada para trás, em meio à fumaça expelida pelo escapamento que anunciava um motor em fim de carreira. *** Ao chegarem à escola, notaram uma movimentação diferente na rua, quebrando a rotina. A presença do prefeito, acompanhado por diversos vereadores, no portão da escola, causava a maior animação entre os alunos. Alinhados para ouvir o hino nacional, demonstravam ansiedade para que esse ritual diário acabasse logo. Queriam entender o porquê daquela ilustre visita. Percebendo que a turma aguardava algo extraordinário, a diretora logo cedeu a palavra ao prefeito da cidade. Este, entusiasmado, anunciou: − Na tarde de ontem, fui informado pelo departamento ligado à Presidência da República, que um aluno desta escola foi selecionado para o Concurso Anual de Superdotados do Governo Federal Americano (CASGFA). Os três primeiros colocados integrarão um programa de formação de novos cientistas, com remuneração compatível e carreira garantida pelo resto da vida. Diante das exclamações de “uau” e “da hora” da garotada, o prefeito prosseguiu: − O critério usado para essa seleção consistiu em avaliar as melhores médias obtidas pelos alunos com 15 anos completos. E saiu desta escola aquele que está entre os melhores de todo o país. Para quebrar o suspense, ele anunciou com voz de apresentador de programa de TV: − Tenho o prazer de anunciar o nome do jovem que atingiu a média necessária para fazer o teste nacional de inteligência: David Baltimoreeee! 8


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David sentiu a secura em sua boca e o rubor dominou sua face, enquanto o calor se dissipava pelo seu corpo. Numa explosão de alegria, viu sua irmãzinha Peggy em prantos de emoção, e seu irmão, Max, que, dependurado em seu pescoço, gritava: − David, você é o maior! Entre abraços dos amigos e se sentindo o dono do mundo, saiu correndo para casa para contar a novidade. Ao ver sua mãe, mal conseguia contar a boa-nova, tão rápido as palavras saíam de sua boca. Finalmente, destituído da adrenalina, David sintetizou aquele mar de palavras em apenas uma frase: − Mãe! Estou convocado para o exame do Superdotado! Engasgada pelas lágrimas, Lisa abraçou-o, enquanto pulavam de um lado para o outro. Passada a excitação, notou a mãe mudar de expressão ao olhá-lo muito séria, como se lembrasse da preguiça indomável que tanto prejudicava o filho mais velho. O que ajudava a contrabalançá-la era justamente a sua extraordinária inteligência, que a todos assombrava. Sempre era, disparado, o primeiro da turma, graças a essa sua capacidade, mais do que ao seu esforço – uma vez que nunca estudava para as provas. Lisa Baltimore vivia para seus filhos. Com 34 anos de idade, era dotada de uma beleza exuberante, razão pela qual, talvez, tivesse se casado tão cedo, com tantos pretendentes que a assediavam desde a juventude. − David, meu filho, que orgulho! Nossa, estou esquecendo: precisamos ligar para o seu pai no escritório! – disse Lisa, para disfarçar a emoção do momento. Ao saber da novidade, Peter não se conteve. Tratou logo de convidar os parentes mais próximos e os amigos para uma festa de comemoração à noite, em sua pequena casa. 9


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Embora fosse um advogado reconhecido em sua área, Peter Baltimore não conseguia manter o padrão de vida de classe média alta, compatível com a sua remuneração. Parte considerável de seus ganhos era destinado ao custeio do tratamento caríssimo de suas irmãs, Selena e Katharine. As duas eram portadoras de uma deficiência genética raríssima, conhecida como doença de Fabri. Naquela noite, fizeram uma confraternização desprovida de requinte, mas com o calor humano da amizade. Em meio à alegre agitação, conversas, comes e bebes, e ao som de boa música, eis que raios de luzes prateados e cintilantes vindos de fora da casa preencheram todas as frestas de portas e janelas. Ao fundo, podia-se ouvir o som do ronco de motores potentes de seis cilindros, anunciando de maneira nada modesta a chegada de alguém. Peter abaixou o volume da música e, com ar apreensivo, dirigiu-se à janela para ver quem era o autor do desassossego. Diversos homens armados, que pareciam seguranças, saíram de reluzentes veículos pretos, blindados. De dentro do carro mais imponente avistou Jobelini Johnson, conhecido por todos como Jobe, megaempresário do ramo alimentício. Com nariz empinado e postura ereta, sem olhar para os lados, Jobe entrou na casa dos Baltimore. Apertou a mão de Peter sem muito empenho, mas cumprimentou efusivamente Lisa. Logo deixou claras suas intenções, ao se dirigir ao filho mais velho do casal: − David, meu jovem, fiquei sabendo que vai participar da etapa eliminatória do Concurso Anual de Superdotados do Governo Federal Americano. Independente do resultado, quero lhe fazer uma proposta concreta: que tal atuar no setor de desenvolvimento de minha empresa, hein? − sua voz se fazia alta, para alcançar todos os presentes. – Lógico que acompanhado de um alto salário.

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Confuso, David olhou para seus pais e pediu licença a Jobe para conversar reservadamente com eles. Não demorou cinco minutos para retornar e dar sua resposta: − Agradeço muito pela oportunidade, Sr. Jobe, mas preciso de um tempo para pensar. Primeiro, quero participar do Concurso de Superdotados. Somente depois, poderei lhe dar uma resposta. As sobrancelhas de Jobe se juntaram de maneira perigosa. Ele não estava acostumado a ser contrariado; com um olhar de cima para baixo e por mera obrigação, cumprimentou mais uma vez Peter, despediu-se com zelo de Lisa e desdenhou dos demais. Saiu pisando duro com sua triunfante comitiva de seguranças, digna de um xeque do petróleo. Jobe iniciara sua trajetória com uma pequena fábrica de doces, desconhecida por anos, com sede em outra cidade. Mas seu negócio deslanchou, vindo a se consolidar como megaempresário de sucesso, após transferir a sede de sua fábrica para Morangovilles, no Estado da Virgínia. Uma cidade tranquila, com ruas limpas e floridas, onde predominava um clima ameno de montanha, graças à constante e suave brisa. Com reputação de cidade do campo, Morangovilles era conhecida pela tradição de cultivar morangos. Entretanto, a fama nacional dessa cidade floresceu e despontou junto com o novo negócio de Jobe, quando este lançou no mercado um delicioso e irresistível doce com recheio de geleia de morango, envolvido por wafer e coberto com uma delicada camada de chocolate. Esse doce foi chamado de Bombom Moranreal. Cercado de mistérios, o doce Moranreal desafiava tudo o que a razão mercadológica tentava, em vão, explicar ou compreender. Enigma indecifrável para os novos e velhos economistas, que não conseguiam desvendar de forma inteligível o porquê de uma guloseima, em menos de dez anos, ter se tornado o produto 11


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mais exportado do mundo. Era facilmente encontrado nas mais requintadas lojas dos países ricos da Europa, assim como em pequenos comércios no interior de países subdesenvolvidos do terceiro mundo. Jobe, o dono dessa fábrica, dia a dia multiplicava seu império, enquanto as pessoas ao redor do mundo se deliciavam sempre com mais um Bombom Moranreal. Após a passagem do furacão Jobe, os amigos e os parentes mais próximos começaram a deixar aquela singela festa, até que os Baltimore ficaram sozinhos. Fora um dia incomum para a família, e Peggy, a caçula, relutava em dormir. Por certo, excitada diante das novidades envolvendo o irmão mais velho, não conseguia pegar no sono. − Pai, vem ao meu quarto me contar uma história? – pediu ao pai, que entrava no quarto para dar uma última conferida e lhe desejar boa noite. No quartinho de Peggy, havia uma cama, um diminuto móvel de madeira de duas portinholas e um criado-mudo, com um belo abajur cor-de-rosa. Embora em espaço reduzido, tratava-se de um lugar aconchegante, sempre muito bem cuidado e limpo. Embora na simplicidade, Lisa mantinha a pequena casa impecável e com suficiente conforto. Peter deitou-se ao lado da filha e lhe deu um carinhoso beijo. − Hoje vou contar uma história fantástica que eu ouvia quando era criança. O nome dessa história é “A Lenda do Lago Dourado”. Tendo a atenção da caçula totalmente voltada para ele, começou: − “Num local não muito distante dali, que subia por uma estrada trepidante em direção às montanhas, havia um formoso 12


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lago muito bom de peixe, lugar aprazível que vivia na calmaria. Em torno de suas águas, circulava uma lenda que ecoava aos quatro cantos e mexia com o imaginário dos místicos e adoradores de boas histórias.” − Que lugar mágico, pai, já pensou um piquenique lá? Estou curiosa, conta rápido! − Vou contar... Vou contar... “Dizia a lenda que dentro daquele lago havia uma caverna submersa, que dava passagem para outra dimensão do universo. Aquele que conseguisse achá-la entenderia o porquê da existência, desde os primeiros tempos até os nossos dias, de pessoas especiais ou portadoras de grandes segredos e técnicas que as tornam diferentes, capazes de ajudar a escrever e mudar o curso da história da humanidade.” − Uau! – exclamou Peggy com os olhinhos brilhando. − “Só encontraria esse portal a pessoa capaz de perceber uma luz dourada, que brota das profundezas do lago e indica o caminho. O escolhido deveria mergulhar na direção indicada pelos raios, que conduz ao interior de uma caverna. Ali se localizaria a origem daquela magnífica energia radiante: um cajado brilhante com forte luminosidade. Ao encontrar e segurar firme esse cajado nas mãos, ocorreria uma enorme transferência de energia a essa pessoa, que passaria a ser dotada de incríveis poderes.” − Pai, esses poderes eram iguais aos do Superman? − Filha, a lenda não diz quais seriam os poderes, mas muitos acreditam que o nome desse lago nasceu a partir dessa história. − Pai, me leva lá? Já pensou eu ver a luz dourada e me tornar uma super-heroína? − Não, Peggy, isso nunca vai acontecer; é apenas uma lenda. Anos mais tarde, cientistas, historiadores e arqueólogos foram estudar esse lago. Fizeram vários testes físicos e químicos, mas 13


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nenhuma evidência que comprovasse a veracidade dessa lenda foi encontrada. Ainda descreveram o fundo do lago como recoberto com pedras moscovitas, popularmente conhecidas como mica, que apresentam um aspecto vítreo, sedoso e são incolores; porém, quando bate o brilho do sol, elas refletem os raios dourados. − Nossa... Pai! Que da hora, hein? – disse Peggy, que tinha entendido só a parte final. − Bem que nós podíamos visitar esse lago; queria tanto ver esses raios dourados! − Filha, quando o sol incide na água, realmente dá uma ligeira aparência de brilho dourado, mas nada de sobrenatural, apenas uma condição da natureza. − Quando o senhor foi lá pela última vez? − Faz muito tempo; acho que David tinha 4 anos quando fizemos um piquenique lá. Lembro-me de que ele não passou bem naquele dia e ficou quase duas semanas de cama para se recuperar totalmente. − Ah, pai! Leve-me lá, vai? − Ah, minha filha, infelizmente esse local se tornou propriedade particular da grande companhia Moranreal, e para visitar precisamos de autorização. E o pai não gosta de pedir favores, ainda mais ao Jobe... Também obtive informações de que o Lago Dourado acabou virando aterro sanitário da fábrica. É onde são colocados os descartes e resíduos da produção industrial. − Puxa, pai! Como um lugar tão especial acabou virando isso aí? Aterro sanitário quer dizer lixão, é isso? − Peggy, minha filha, infelizmente neste mundo quem tem muito dinheiro também tem muito poder, e o megaempresário Jobe sabe bem como lidar com seus interesses. Era visível a frustração de Peggy, que não conseguia esconder suas emoções com os lábios curvados para baixo. Peter quase se 14


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sentiu arrependido; se soubesse que tal lenda despertaria tamanha curiosidade na filha, não a teria contado. Mas, antes do beijo de boa noite, acenou-lhe com uma esperança: − Quando houver oportunidade, prometo-lhe que pedirei autorização ao Jobe; agora, durma. Imediatamente, os lábios de Peggy se ergueram em posição de lua nova; numa manifestação de benevolência, ela se virou para o lado e dormiu em questão de segundos.

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