Pesquisa FAPESP 222

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Boas práticas Num texto de opinião publicado na revista Nature, o físico indiano Praveen Chaddah fez uma sugestão polêmica sobre o destino de artigos científicos que comprovadamente plagiaram outros textos. Para ele, se o plágio não envolveu a descrição dos resultados e da metodologia, mas apenas se ateve a trechos que não comprometem a veracidade e a robustez da pesquisa, seria suficiente publicar uma vistosa correção em vez de desqualificar o artigo inteiro, tirando-o de circulação, como se faz atualmente. O cancelamento da publicação do artigo, a chamada retratação, “remove resultados úteis e originais do registro científico”, diz Chaddah. Em sua avaliação, é comum que um trecho plagiado nos parágrafos de introdução ou de conclusão de um artigo seja apenas resultado da falta de domínio do idioma inglês para expressar o conceito de uma forma diferente. O pesquisador considera o plágio uma prática antiética, mas argumenta que cientistas são diferentes de escritores. “Damos mais valor à originalidade das ideias do que à originalidade da linguagem”, afirma. “Há ofensas muito piores do que plagiar um texto, como assumir o crédito de uma ideia alheia. Isso é mais difícil de detectar do que descobrir que alguém copiou e colou um texto”, afirma Chaddah, ele próprio vítima de apropriações indevidas de ideias em artigos que publicou. A proposta foi recebida com reservas. “O plágio é incompatível com um comportamento ético, com a criatividade, a imaginação e a originalidade, que são os pilares da ciência”, comenta o pesquisador Pedro Cintas, da Universidade da Extramadura, Espanha. Sonia Vasconcelos, professora da Universidade Federal do Rio

de Janeiro e uma estudiosa da integridade na ciência, considera que nem todos os casos de plágio justificam uma retratatação, mas discorda de Chaddah. “O autor considera que o plágio de ideias e de resultados seria mais grave que o plágio de texto. Mas há muitas situações em que o plágio textual incorpora ideias e hipóteses preciosas do autor original. Me parece falacioso assumir que a apropriação textual indevida configura um ‘plágio mais suave’ no contexto da pesquisa”, afirma. Ela também discorda da afirmação segundo a qual “cientistas não são escritores”, feita por Chaddah. “A comunicação científica é parte integrante da atividade do pesquisador”, diz ela. “Simplificar essa tarefa de escritor e o plágio textual ao mesmo tempo, na minha percepção, parece

daniel bueno

O plágio como um pecado menor

estimular a ideia de que escrever pesquisa é algo secundário, além de indiretamente contribuir negativamente para a formação de escritores científicos independentes. Escrever ciência não é mera regurgitação de fatos e ideias.”

Fraude na revisão por pares Uma revista científica da área de acústica, o Journal of Vibration and Control, cancelou a publicação de 60 artigos científicos depois de descobrir que houve fraude no processo de revisão dos papers. O escândalo derrubou o ministro da Educação de Taiwan, Chiang Wei-ling, que aparecia como coautor em cinco dos artigos despublicados. Uma investigação de 14 meses mostrou que Chen-Yuan Chen, ex-professor de ciência da computação da National Pingtung University of Education, conseguiu corromper o sistema de revisão por pares da revista ao criar 130 contas de e-mail fraudulentas, com as quais assumia a identidade de pesquisadores reais ou fictícios. As contas de e-mail foram usadas para criar cadastros de revisores fictícios

na plataforma online da editora Sage, responsável pela publicação. Os artigos submetidos à edição eram endereçados aos e-mails fraudulentos – e Chen revisava os papers, vários deles assinados pelo próprio pesquisador. Daniel Sherman, porta-voz da editora Sage, declarou que possivelmente há outros pesquisadores envolvidos, pois acha difícil que coautores dos artigos não soubessem do esquema. O editor da revista na época em que os artigos foram publicados, Ali Nayeff, professor emérito da Universidade Virginia Tech, renunciou ao cargo antes de a investigação terminar. Segundo a Sage, ele foi o primeiro a suspeitar da fraude e avisou a universidade, que prontamente iniciou uma investigação contra Chen-Yuan Chen. Ele pediu demissão em fevereiro. PESQUISA FAPESP 222 | 9


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