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Escassez de mulheres no mundo editorial é questionada

Escritoras se fazem menos presentes no topo das premiações e em antologias

Ana Luisa Escorel, primeira mulher a vencer o Prêmio São Paulo de Literatura
Foto:
Fernando Donasci
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Agência O GLOBO
Ana Luisa Escorel, primeira mulher a vencer o Prêmio São Paulo de Literatura Foto: Fernando Donasci / Agência O GLOBO

RIO — No último dia 10, Ana Luisa Escorel venceu o Prêmio São Paulo de Literatura. Na semana seguinte, outra escritora, Marina Colasanti, também levou a láurea máxima de um prêmio tradicional, o Jabuti. Aos apressados, pode parecer que as mulheres estão dominando a cena literária. Mas não é bem assim. Logo que se anunciou o resultado do Prêmio São Paulo, Ana Luisa lembrou em seu discurso que, desde a sua criação, em 2008, esta foi a primeira edição a premiar uma autora feminina na categoria principal. O padrão é seguido por outras premiações: entre todos os vencedores do Portugal Telecom, há somente três mulheres (Beatriz Bracher, Marina Colasanti e Cíntia Moscovich), e nenhuma delas levou o prêmio principal. O fato trouxe à tona um tema ainda pouco discutido. Menos publicadas, divulgadas e premiadas, as mulheres sofreriam preconceito no mundo editorial?

— Trabalho com a questão feminina há mais de 20 anos e posso dizer que a situação melhorou bastante — avalia Marina Colasanti. — No passado, o reconhecimento e a presença feminina eram raríssimos. Houve progressos por uma questão de mercado, já que mulheres leem mais, mas também por causa avanço do feminismo e do número de mulheres na pós-graduação.

No início do mês, foi a vez de uma antologia de resenhas sobre escritores, “Por que ler os contemporâneos? — Autores que escrevem o século XXI” (Dublinense), causar polêmica nas redes sociais. Entre os 101 nomes resenhados, apenas 14 eram mulheres (nenhuma brasileira). Um dos editores da antologia junto com Léa Masina, Daniela Langer e Rafael Bán Jacobsen, o escritor Rodrigo Rosp diz que a publicação foi montada sem qualquer preocupação que não fosse a literatura em si.

— Não nos preocupamos se havia excesso ou escassez de homens, mulheres, homossexuais, judeus, índios, negros, americanos, orientais, etc. — defende-se Rosp, lembrando que há nada menos do que 42 resenhistas mulheres na antologia. — Em muitos casos, a escolha de um autor homem partiu das próprias resenhistas. Sabíamos que antologias sempre provocam críticas, então deixamos o processo ser o mais autêntico possível. Para mim, o que houve foi apenas queixa, vulgarmente chamada de “mimimi”, de algumas pessoas que não ficaram satisfeitas com o nosso livro. Vale lembrar que, entre os autores brasileiros selecionados, também não há nenhum negro. E isso não está sendo questionado...

Também premiada nesta edição do Prêmio São Paulo, na categoria autor estreante, Veronica Stigger se diz “chocada” com a disparidade na antologia.

— Chega a ser afrontoso o número inexpressivo de mulheres presentes nesta antologia, ainda mais se levarmos em consideração a quantidade de escritoras em atuação hoje — lamenta. — E mais: trata-se de uma antologia cuja organização está encabeçada por uma mulher, Léa Masina. É chocante como o machismo é incorporado e naturalizado até mesmo pelas mulheres.

Segundo Veronica, a falta de mulheres no topo das premiações literárias do país também reflete um machismo arraigado na cultura brasileira.

— Como o racismo, insistimos em não reconhecer — afirma. — Sempre que é preciso escolher entre um homem e uma mulher, escolhe-se, porque parece “natural” ou “lógico”, o homem. Em suma, a mulher é sempre, literalmente, dispensável : não parece fazer falta, sobra no cômputo final. Ora, o que se está fazendo, ao se deixar essas vozes de fora, é silenciar a singularidade de experiência que uma mulher tem pelo simples fato de ser mulher num mundo todo feito contra ela (para parafrasearmos Clarice Lispector, a única mulher homenageada em doze edições da FLIP), singularidade que uma escritora mulher, acredito, pode reinventar literariamente com maior conhecimento de causa do que um escritor homem.

Mulheres formam a maior parte do leitorado, mas, paradoxalmente, no Brasil, as autoras enfrentam maiores desafios para a publicação, acredita a agente literária Luciana Villas-Boas. Para a a ex-diretora editorial da Record, os obstáculos para as mulheres já começam nas editoras.

— Há no meio editorial a ideia de que toda autora quer ser Clarice Lispector, oferecendo um tipo de pastiche clariceano odiado pelo público — diz Luciana. — Com um número tão inferior de mulheres publicadas, é natural que elas sejam menos contempladas nas premiações.

Segundo a agente, a mulher é, no Brasil, ainda mais discriminada literariamente do que o negro.

— Até porque temas como a violência urbana e a favela, que passam pela raça, são considerados palpitantes. É verdade que, em um segmento muito comercial, de rigoroso entretenimento, como a chamada literatura “de mulherzinha”, ou “chicklit”, ou “novo adulto”, predominam as escritoras voltadas para um público essencialmente feminino. E é o segmento que mais cresce no Brasil.